A Filologia do Cristianismo

 

            "" Pode-se muito bem calcular quão pouco o cristianismo educa o sentido de honestidade e justiça pelo caráter dos escritos de seus eruditos: eles apresentam suas conjecturas ousadamente, como se fossem dogmas, e é raro que se vejam em honesto embaraço quanto à interpretação de uma passagem bíblica. Freqüentemente dizem: "Eu estou certo, pois assim está escrito" - e segue-se uma interpretação de despudorado arbítrio, de maneira que um filólogo hesita entre a cólera e o riso ao escutá-la, e várias vezes pergunta a si mesmo: é possível? É respeitável? É ao menos decente? - Quanta desonestidade, nesse aspecto, ainda é cometida nos púlpitos protestantes, como o pregador explora grosseiramente a vantagem de ninguém aí lhe cortar a palavra, como a Bíblia é empurrada e espremida, e a arte da má leitura é formalmente ensinada ao povo: isso é subestimado apenas por quem nunca - ou sempre - vai à igreja. Mas, por fim, que devemos esperar das conseqüências de uma religião que, nos séculos de sua fundação, representou aquela inaudita farsa filológica em torno do Antigo Testamento: falo da tentativa de arrebatar aos judeus o Antigo Testamento, afirmando que não contém senão doutrinas cristãs e que pertence aos cristãos, como o verdadeiro povo de Israel: enquanto os judeus o teriam apenas usurpado. E então se deu um furor de interpretação e atribuição, que não podia estar ligado à boa consciência: por mais que protestassem os eruditos judeus, supunha-se que o Antigo Testamento falasse de Cristo e apenas de Cristo, em particular de sua cruz, e onde quer que fosse mencionada uma madeira, uma vara, uma escada, um ramo, uma árvore, uma haste, um bastão, isto significava uma profecia da madeira da cruz: mesmo a instituição do Unicórnio e da serpente de bronze, mesmo Moisés, ao estender os braços em oração, até os espetos em que é assado o cordeiro da Páscoa - tudo é alusão e como que prelúdio à cruz! Terá acreditado nisso alguém que o afirmou? Considere-se que a Igreja não hesitou em aumentar o texto da Septuaginta (p. ex., no Salmo 96, versículo 10), para depois usar no sentido da profecia cristã o trecho contrabandeado. Estava-se numa batalha, pensava-se nos inimigos, não na honestidade.""


Fonte: Aurora

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