POEMAS DE UM PAROQUIANO
NA ESTAÇÃO DA ALMA |
Invejo
o ipê. Chega o outono, as folhas dão-lhe o abandono, mas reage à ingratidão, reveste-se todo em flor da mais regalada cor num desbotado sertão. |
Depois
de muitas manhãs, só me revesti de cãs na tarde de minha vida. Filhos, em outra estação, não querem lá saber não se me é chegada a partida. |
As
folhas do ipê virão com a próxima estação. Na estação de embarque, está uma canoa vazia para a minha travessia, por terra, ao sem-lados lá. |
Vou
para a abstração completa, |
TRÊS QUADRINHAS |
O
bom mesmo é ser poeta, |
Que
belo o cantar do galo |
A verdade me atordoa, |
REFLEXÕES DE UM ANCIÃO |
Para a salvação se vai por vida sinalizada com as dez leis do Sinai, sem o que, erra-se a estrada. |
Não é Jesus exclusivo de nenhuma igreja não. Daí não haver motivo de excluir-se algum cristão. |
Igrejas são de Jesus, Jesus não é de uma apenas. Sopra o Paráclito luz nelas, grandes e pequenas. |
Toda igreja tem senões |
Por culpa da parte humana, a igreja não é perfeita. Gente há que se desirmana, congrega-se em outra seita. |
Depois, a outra não é |
A VIDA NO TEAR |
Depois de tudo já descaroçado, já cardadas as cãs da velha mente pelos embates de ânsias do passado, fico a fiar, na roda, a dor presente. |
Cordéis faço e otear,encordoado, faz a lira vibrar, dentro da gente, a lançadeira a ir, vir, lado a lado, até que vá por lado diferente. |
É a naveta de rumo sem voltar que me faz, afinal, a travessia de não sei de onde para que lugar. |
Não sei se fica alguma poesia. Ficam, sei, nos liames do tear, as saudades de tudo que se urdia. |
SONETO MENOR |
Não faço conta de mim é só dos outros que eu faço. Sou pena de querubim, solta, sem rumo, no espaço. |
Eu trago luz de onde vim. Se há sombra por onde passo, é a saudade vindo assim meio envolta num mormaço. |
Sem saber qual a distância, rasgo o horizonte no meio, abrindo outra circunstância. |
Sinto o sofrimento alheio |
OUTROS TERRITÓRIOS |
Deixo aos céus os meus poemas, nas imensidões supremas duma noite de luar, mais parece rede imensa, nos horizontes suspensa... ... rendas de estrelas no ar... |
Eu tenho dentro de mim, também suspenso um jardim, onde a poesia passeia. Eu sofro muito na vida, em mim também é sofrida a dor da desgraça alheia. |
Cidade seca, em bulício! Assim é que é! É suplício! Assim não dá, não se agüenta! A gente não se acostuma sem ter aurora nenhuma na paisagem pardacenta! |
Quero morar no sertão, |
MUNDO DOBRADO |
Agora, eu sei o que
faço, eu parto o mundo no meio! Fico entre um e outro pedaço, no vácuo do devaneio, como fico em teu regaço, rente a um e outro seio. |
Nos mundos só de nós dois faço nascer a poesia, antes, agora e depois. A saudade me assovia cantar de carro-de-bois na barra rósea do dia. |
Eu
faço, de cada lado, o lado de outro poema que soa no descampado qual cantar de seriema em que cada nota é brado de uma angústia amarga e extrema. |
Eu quero um tronco caído |
Deixe que a saudade
doa, distante da despedida! Deixe, á beira da lagoa, uma garça distraída. Só não deixe a infância à toa nos descaminhos da vida. |
A LADEIRA |
Muito a madrugada dista de um cansado anoitecer! Rastro de alguma conquista faz-me a saudade doer! |
Muito do que já foi feito, resta apenas a tapera. Espero que haja algum jeito de voltar ao que antes era. |
Nesta vida declinada, pensa-se em si, a miúdo: Se, no fim, não restar nada, é que o nada será tudo. |
Consolo me resta ainda, |
CAPRICHO SUBLIMADO |
Em cima de minha moto, não sei bem como dizer, eu sinto, quando a piloto, um sacudido prazer. |
Para quem não gosta, nada de explicar o que se sente, a explicação desagrada, é conversa de demente. |
Já para quem gosta, aí não precisa explicação, entende-se tudo aqui na fala do coração. |
Entre o céu e o
chão-estrada, |
Se o ar estiver parado, eu faço ter movimento, deixo a paisagem de lado ir para trás com o vento. |
Pelas curvas da subida, pende o mundo ao derredor, vibra-se a ânsia de vida, na vida de ânsia maior. |
Por entre alas de
atenções, segue a máquina sonora. Soluçam agitações, quando a gente se vai embora. |
Na garupa, a mulher bela, com rumos de minha vida, no vento, os cabelos dela acenam a despedida. |
PLENITUDE |
Só eu mesmo é que sei o quanto
valho, resultado das lutas que já tive. Eu nunca fui optando pelo atalho, sempre galguei o cume pelo aclive. A virtude maior é a do trabalho com que se mais sofrendo, mais se vive. Rompo a vida com cãibras de cansaço e rastros de saudade a cada passo. |
Não tenho malquerença nesta
vida. Ando sempre de acordo com o certo, a virtude é um caminho com subida, por onde eu percorri de peito aberto, cipós dilacerados na investida, pedras soltas, caindo aos vãos, por perto, em densa cerração de esconso abismo, minado pela ausência de heroísmo. |
Herói, se houver vitória sobre
si, com domínio dos fluxos das paixões, com equilíbrio como o colibri, sustendo-se ante o odor das florações, assim foi que, em distúrbios, consegui, sagazmente, embeber-me,aos borbotões, nas licitudes duma vida plena em que a virtude, enfim, valeu a pena. |
O pobre não é aquele que tem
pouco, |
O MEU FEITIO |
Falo a verdade, de frente, chego a mentira pra trás, não sei ser indiferente, tanto fez com tanto faz, eu já fiz virar serpente o rabo de satanás para ir morder no pé de quem diz ser mais do que é. |
Sunguei a barra do dia para ver lá do outro lado, vi um soluço que se abria num só gemido dobrado, gritava e ninguém me ouvia, não fiquei desesperado, fui lá, só busquei a parte com vestes róseas da arte. |
O que se vê neste mundo, |
LIÇÕES DE VIDA |
(Difícil lidar com mote, “mas compensa o sacrifício”) |
Eu não sei como
inicio, eu só sei como termino, caso não haja desvio no trajeto do destino. Assim vou. Quebro o horizonte, dos destroços, faço ponte por cima do precipício. É que é preciso que eu ande, porque a caminhada é grande, mas compensa o sacrifício. |
Prestem atenção em
mim, no que eu tenho de ensinar, mentes genuflexas, sim, só a minha voz no ar, nenhuma sílaba perca, pois vou falar tudo acerca do que acho seja propício para se ser bom cristão, saibam, não é fácil não, mas compensa o sacrifício. |
Todo o seu tempo
aproveite, nunca prove aguardente, a melhor bebida é o leite, tomado gelado ou quente. A verdadeira alegria, que mais nos inebria, digo-lhe logo, de início, é a de cuidar da saúde, desde a sua juventude, mas compensa o sacrifício. |
À cata de emoção
quente, |
Nunca
facilite, eu falo, nunca se aproxime de quem possa viciá-lo, evite tudo o que é crime, caminho do mal é atalho, vai-se sem se ter trabalho, sem se fazer exercício, ao passo que o da virtude tem pedras, é muito rude, mas compensa o sacrifício |
Para
número em velório |
Exercite-se
na fé |