FILHA DA GUERRA

Sara não chora mais em Bagdá.
Filha da Guerra de ontem,
órfã na guerra anunciada de hoje.
Sara não chora mais.

Com seus onze anos não tem mais forças para isso.
Faminta e cancerosa,
Sara espera, em silêncio, vincado pela dor
(e pelo urânio esgotado da noite passada que dura para sempre).

No infernal ramadã da Guerra, Sara e seu povo jejuam.
E pelas ruas de Badgá, nalguma esquina censurada pelos tanques,
Cumprem o calendário da vida, enquanto no subsolo,
A água escaldante das bombas de Amiria fere o coração da terra
Continuamente.
Sara não chora mais por temer o mundo que a sujeitou.
E em seu corpo magro e murcho, irradia a morte
De cinco milhões de crianças iraquianas desnutridas.
Os olhos de Sara, secos e abreviados, acuados num canto da enfermaria,
Prosseguem abertos, noite adentro,
Enquanto não sabemos o destino das crianças inimigas
Refletidas na parede ensangüentada do tempo,
Como um pequeno sinal de calamidade..
Nos olhos de Sara, enxutos para a lágrima
E áridos para a beleza da charia, seu último bebedouro,
Quase sem perfume, mais perto de Deus
Nos olhos de Sara, assim, tão distantes dos nossos olhares,
Ainda prospera a pureza do diamante mais limpo,
ajustado às nuvens que passam sobre as casas em Bagdá
- no céu que também espera e teme a rudeza insular dos mísseis
E onde medra, estranhamente, a esperança de um poente com passarinhos
E um vulto verde de uma lavoura, atrás das pedras graúdas.
Nas mãos de Sara, marcadas de guerra e devastação,
O país inteiro, exangue, ainda tece, o lenço da paz.
Enquanto Sara espera, no alto rodízio dos ventos,
Entre os longos corredores sem anjos
E as lâminas flamejantes das pedras do Iraque
Em voz rouca, desde o ninho dos relâmpagos,
Uma notícia breve, uma palavra doce,
Que leve brancura de novo
Para o alinho das paredes e traga de novo
Os pássaros fugitivos de volta para os ninhos...

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