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PROCURANDO A PAZ, PROCURANDO DEUS.

Nas quilhas dos navios apontando o horizonte
E que rasgam o mar sem ferir.
Na minha pele dentro da tua pele.
Nas chuvas que dão de beber às árvores,
No ramo que acena na árvore o pouso aos pássaros.

Nas fotos dos tetravós, nas frestas das portas
Que deixam a luz transgredir para outros espaços.
Nas torres das catedrais, nas horas vazias de vários templos
Dos diversos nomes que Deus utiliza para nos chamar.

Pelas bocas que não fecham, pelas bocas que se fecham
Mas não calam, pelo silêncio que estronda,
Pelas tuas franjas, pelo vento varrendo teus cabelos.

Entre o cisco em teu olho, e a quase cegueira,
Entre as vozes dos sinos, entre os mortos sem razão
Entre a paixão e um rosário que se rompe e espalha
Contas como gotas ágeis que se perdem no chão.

Após o tam, tam, tam de Ludwig Van Beethoven,
Após Jesus Alegria dos Homens de J. Sebastian Bach,
Após a Ave Maria de Franz Schubert.

Dentro do mergulho do sol como imensa hóstia
Vermelha-amarela-laranja no horizonte do mar
No final de uma tarde de um dia de verão
Numa praia da Barra da Tijuca no ano de 1981.

Dentro dos teus olhos mergulhando, dentro
E no avesso dos passos, nas caixas de memórias,
Como sons guardados nos búzios, dentro do teu sono.

 

2

Sim, nos milhares de papéis que voam pelo chão
Após alguns comícios, nas mesmas
Praças públicas em que dormem
Crianças sem pai nem mãe e que
Nem aprenderão um dia a lerem papel nenhum.

Sim, nos papéis em que representamos papéis,
E que não somos algo mais do que um carbono
A nos fazer iguais ao que somos.

Sim, nos clones que desejamos ser.
Sim, nos clones que não desejamos ser.

Na alma que não sabemos clonar.

Nos pátios das escolas em que a adolescência
Ainda não foi informada da arma de fogo
Que o destino pode lhes impor,
Sendo uma matéria que lhes falta aviso.

Nos avisos esquecidos.
Nos avisos desnecessários.

Nos porões dos subúrbios do mundo
Em que a vida vale poucos trocados,
Ou às vezes noves fora nada.

Ao dizer algo sem agilidade,
Indevido, quando se deveria dizer Paz.
Sem porém nem quando
Num absurdo inesperado emudecido.
Frente uma nuvem de gafalhotos místicos
Nos desertos sem água e pão.

Pronto para ser mágico
E usar espadas que não cortam nem furam.
Disposto a treinar cavalos de cavalarias
Para o espetáculo do circo
Rodando sempre num só local
Até que tontos, extenuados não possam
Ir a guerra.

 

3

Treinando arapucas para prender palavras.
Aprendendo jogos imperdíveis.
Infiltrado no imaginário da tela limpa
Antes do início dos filmes.
No calafrio de se sair das águas
Quando o mar não está para peixe.

Lá onde a claridade divide em sombras o que somos.
Lá onde jamais seremos.
Lá dentro do movimento do relógio
No sentido anti-horário
Quando as minhas mãos
Podem refazer parte do caminho do tempo.

Rente à alta velocidade com que a morte
Passou por mim e só fez um leve aceno.
Rente a porta que se abriu após um carro girar
No ar e ir descansar o casco sobre uma calçada.
Rente a sair ileso, sem dar uma só gota de sangue
A morte, e a morte nem se sentir atropelada.

Sobre as ondas de seis metros de altura
Que numa prancha impossível nunca descerei
Em nenhum Havaí.Sobre um lugar que nunca irei
Mas que se confunde com todo local
Onde poderei estar antes de um dia
Amanhecer encontrando paralelas no infinito.

Antes do destino nos jogar como garrafas ao mar.
Antes, e depois de abrir e fechar páginas da Bíblia.
Dentro das pirâmides do Egito.
Nas chamas das velas acesas em templos ocultos.
Dentro do fundo do mar sem medida
Por onde um submarino nuclear
Carrega uma ogiva que nunca será usada
Dentro da divisão dos átomos
Porque o homem não dividiu o pão.

 

4

Segurando a alma que quer escapulir
Do céu da boca, deglutindo a alma sem engasgar.
Nas imagens dos castelos de areia que crianças
Fazem diariamente frente ao mar
De qualquer praia deste já espaço
Onde um dia vão ser cidadão do mundo.

Onde todo mar é igual, e cada uma
Dessas incontáveis crianças
Certamente saberiam equilibrar
Bandeiras brancas, sobre torres
De suas construções diárias.
Onde esta Terra sabe que todo o mar
É de todos. E onde esta nave – mãe - Terra
Dorme um lado de seu território
Para acordar o outro lado que se sabe despertando:
Corpo - Terra - de - todos.

Onde partem embarcações com içadas
Velas que não precisam ser apenas brancas,
Pois, todas as cores também em uma só se unem.
Onde os pombos - correios transitam
Cartas de amor. Onde a paz não tem fronteira.

Onde a paz pode ser um cão abandonado.

Lá na chuva que é um bem comum
Se distribui suas águas
sem distinção de crenças, raças, poderes.

Ao lado de tua respiração sussurando como vento
Em meu corpo, no mesmo ar em que respiramos.

Na tua sombra junto a minha
Que unidas se prolongam, e que com os restos
Dos teus sonhos juntos aos meus
Nos permitem despertar.

Nas linhas que não leio nas palmas das tuas mãos
e imagino caminhos além das mãos.

 

5

Rondando os teus seios
E no espaço entre-seios acolhido
Qual um soldado em trincheiras.

Alhures, nos projetos da guerra nas estrelas.
Alhures, no coração do sol
Que como qualquer lâmpada
Um dia também se apagará.

Procurando a origem.
Na Torre de Babel onde de cima
Podes não me escutar batendo na porta.

Se te falo, que linguagem decifrar?
Escutando com muita atenção o teu silêncio.
Pesando o silêncio miligrama por miligrama.

Ao desconfiar de algo estranho no ar.
Dizendo aos céus:
"Desça logo disco-voador.
Explique-se, ao menos telepaticamente".
Insistindo até que enfim
Os passageiros das naves espaciais
Acreditem em nós.

Embrulhando o som do silêncio.
Meditando sobre o vazio.
Repleto transbordando o meditado
A escorrer nos poros o suor de quem corre.

Correndo atrás do tempo,
Lado a lado com o tempo.
Até o tempo se cansar de mim.

Correndo atrás de uma bola
Com o olhar fixo
Na vibração de um gol da seleção.
Pasmo na estranheza das derrotas.
Sim, Deus pode ser brasileiro
Mas nem todo dia está jogando.

 

6

Nos enigmas reais ou imaginários
Sobre as guerras.

Onde deixamos nosso olhar ousar
Contra o invisível, se arriscar contra o gotejamento
Infindável, gota a gota e diário de sangue
Para aqueles que perderam parte de si
Em toda e qualquer luta injusta.
E toda guerra é sempre injusta.

A guerra não pode ser o bom combate.

No som da sirene das ambulâncias
No pisca-pisca dos vermelhos sinais de alarme.

Com a precisão dos que desapontam armas.
Com a atenção voando entre tenacidade e vigilância,
Com os olhos fechados, e a alma desabotoada.

Transluzindo os reflexos
Dos teus olhos guardados nas minhas retinas.

Dentro dos livros da História Universal
Nas letras das páginas perdidas.
Sim, por que não? Afinal quantos de mim
Estiveram me fazendo?
Quem me trouxe até aqui de carne e osso?
Onde está esse pessoal todo?
Certamente tenho centenas de antepassados
Mortos numa guerra qualquer.

Nos cântaros das águas dos teus olhos
Sorvendo a sede.

No minuto precedente aos terremotos.
Exatamente no segundo durante e na hora
Após o desabar, vasculhando escombros.

Dentro do tempo futuro em livros ainda não acessíveis
Mas que poderiam aceitar o arrancar de palavras mortais.
Ainda que nem escritas.
Dentro do espaço que a poeira faz entre livros
Nas estantes esquecidas e onde é possível escrever Paz.

 

7

Aprontando o que não deveria aprontar
Espetando demônios, ladrando para leões.

Esperando a chuva passar,
Esperando a tua boca fresca
Após a tempestade de um dia
De insuportável calor.
Esperando a procissão fluir e vendo a fé
Querer correr qual areia dentro de uma ampulheta.

Certo do desfazer da matéria
Certo da eternidade da alma.
Certo que de alguma forma mesmo que mínima
Influenciamos até no sol ao buscar as sombras.

Certo de que somos todos bem mais semelhantes
Do que diferentes, e que a igualdade
Faz de todo ser parceiro de todo e qualquer destino.
Certo de que o dedo que aperta um gatilho
Também pertence a mão capaz
De apertar outras mãos.

E se diferentes somos em ideologias.
São quase sempre formas diferentes de se pensar
Mas que não passam de água:
Um dia vapor, um dia líquida, um dia sólida.
Mas certamente um dia no pretérito passado
Havia algo em comum pois Deus
Riscou Fiat Lux nas águas
E um dia foi da água comum
Que nossas igualdades foram se dissipando.

Mas o que são diferentes ideologias
Senão pensamentos?
Então certamente diferentes
Em algo somos bem semelhantes
Pois a Paz é o silêncio e a voz
De todas as ideologias: se não hoje
Amanhã sim como toda água
É a mesma em diferentes formas.

 

8

Não vale a pena esta morte
Para Deus nenhum.E se Deus
É apenas um o que importa
A denominação diversa?

Desmontando muros predestinados,
Desativando bombas-relógios,
Sabendo que logo um século espera
Por parte de nossas existências.

Frente aos que pregam sobre Deus.
E às vezes sem perceber, pregam ainda mais o Cristo
Na cruz indefinidamente.

Frente aos que se querem
Proprietários exclusivos de Cristo
Como se Deus fosse patenteável.

Frente a despedida de parentes e amigos mortos.
Frente aos mortos desconhecidos, aos não identificados
Que chegarão a Deus sem documento algum mas
Que certamente Deus há de reconhecê-los.

Contando com um, com dois, com mil.
Contando com o que não vejo e pressinto.
Contando que chegará o dia que não vai ser
Nem mais necessário contar.
A paz é incontável.

Ao me perceber eterno demais, e ao mesmo tempo
Frágil demais, inexistente diante
de uma coleção de mistérios.
Ao se saber a vida algo rápido como um relâmpago.
Ao sentir que nos perdemos qual gotas de água na areia.

Ao me ver repetido nos meus filhos.
Ao me perceber Filho do Universo.

Percorrendo o meu chão, e o mapa do mundo acariciando.
Percorrendo os teus olhos
Como quem vê um lago e mergulha fundo,
Por mim, por ti, por nós procurando a paz, procurando Deus.

Luis Sérgio Santos
Correio: [email protected]

 

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