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O próximo natal do próximo

Na mais humilde e simples teoria, Natal é sinônimo de amor e solidariedade. A um passo do Século 21, a humanidade busca soluções e tenta se achar, vacilante na estrada que mal conhece, pela sua extrema indiferença em relação ao óbvio.

O homem perdeu a capacidade de indignação e a sensibilidade para as coisas simples, ao passo que já consegue rir da desgraça alheia, nutrido diariamente pelo humor negro da mídia impiedosa que invade nossas casas e mentes sem o menor constrangimento.

O Natal se aproxima e a única movimentação prevista é a do comércio, recheado de luzes e propagandas mirabolantes, louco para abocanhar uma parcela do dinheiro passível de circulação.

No mesmo ritmo, caminhamos indiferentes pela calçada, absortos, talvez compadecidos e, é muito provável, sentindo-nos culpados pelos miseráveis que cruzam nosso caminho ou se espalham em nossa volta, à mercê da piedade coletiva.

Para eles somos a esperança mais próxima, o remédio gratuito, um alívio passageiro para quem não mais carrega vontades nem objetivos, apenas o desejo humilde de continuar levando a vida ‘como Deus quer’ .

Em meio aos olhares e pedidos de socorro prosseguimos cuspindo ‘nãos’ para todos os lados, sustentados por uma falsa condição de moralidade e virtual superioridade, de horror ao anti-higiênico e repugnante, sob suspeita de contaminações e doenças e diante da mera possibilidade de envolvimento com o risco maior : o compromisso de participação dos problemas da sociedade atual.

O meio sugere, o orgulho decide e a sociedade impõe a regra selando nossa falta de caráter individual e coletivo. Somos todos iguais remando contra a corrente, iguais no pensamento e diferentes nas ações. Muitos querem o comando do navio e poucos aceitam o leme. Nossa vontade é contribuir, mas furtamo-nos ao simples trabalho de realização.

O tempo voa e com ele voam nossos pensamentos, escravos da mídia inquiridora e formadora de opiniões, não propriamente a nossa, apesar de lançarmos ao vento as obrigações que deixamos de cumprir .

Ao contabilizarmos todas as injustiças cometidas em curto espaço de tempo, guardamos a 7 chaves o valor astronômico do saldo devedor. A dívida se torna impagável diante da mínima possibilidade de recuo, pois falta-nos humildade e consideração pelo próximo. E assim prorrogamos nosso desejo de contribuição, por conta do amanhã, talvez um dia ou quando a situação melhorar.

Diante da indiferença geral embarcamos na mesma canoa e sujeitamo-nos, passivamente, ao desequilíbrio das forças do bem e do mal, em pleno século 21, empurrando a responsabilidade para os filhos dos nossos filhos.

O discurso pesado da minoria é incapaz de reverter o processo e o homem se vai encolhendo em sua jaula, à espera de um futuro melhor que nunca virá, se ele próprio não participa, de corpo e alma, da mudança.

A lei do ‘salve-se quem puder’ dita todas as regras privilegiando exceções. A sociedade é a única cadeia que não se sustenta nem corresponde ao processo de evolução. Seus componentes não interagem entre si espontaneamente e sim movidos por uma necessidade desenfreada de consumo e egoísmo.

O que se vê, então, é o pobre à mercê do rico, o branco tentando provar, inutilmente, ser melhor que o negro e a progressão geométrica da miséria absoluta, desproporcional à concentração da riqueza.

Em reflexão, queremos nada com nada, somos impelidos à convivência sem incômodos, pendendo mais para o individualismo que o espírito de solidariedade. Temos idéias, falta-nos coração, somos o fato e não a verdade.

Estranhamente, perdemos também a capacidade de reflexão, a julgar pela nossa opção segura em aceitar, inertes, os acontecimentos, até com demasiada naturalidade .

Um outro ano se vai, outro Natal acontece e os fatos que mais preocupam o homem são os presentes da família, o peru e o panetone.

E o Natal do próximo? Fica sempre para o próximo ano ou sob a responsabilidade da máxima ‘Que Deus os ajude’.

Jerônimo Mendes
36 anos. Poeta, escritor, cronista, contista, casado, 2 filhos, comerciário e amante da literatura nas horas de folga.
Correio: [email protected]

 

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