Realismo / Naturalismo
Informações retiradas do Trabalho
Machado de Assis.
I.) A Época
Na Segunda metade do século XIX, a concepção espiritualista de mundo,
que tinha caracterizado o período romântico, vai cedendo lugar a uma
concepção científica e materialista. Tal visão de mundo decorre do enorme
valor que se atribuiu à ciência, vista na época como o único instrumento
seguro para explicar a realidade e também gerar riquezas. O espírito
científico era considerado como critério supremo na compreensão e análise
da realidade. A ciência vai determinar as novas maneiras de pensar e
viver.
Para ter uma idéia da atmosfera dominante, atente para as palavras
do filósofo francês Taine: "Pouco importa que os fatos sejam físicos
ou morais; eles sempre têm as suas causas. Tanto causas para a ambição,
a coragem, a veracidade, como para a digestão, o movimento muscular
e o calor animal. O vício e a virtude são produtos químicos como o açúcar
e o vitríolo ".
Em 1859 Darwin publica A origem das espécies. Nessa obra, a
evolução das espécies é considerada como resultado do mecanismo de seleção
natural. A idéia básica de tal mecanismo é a de que o meio ambiente
condiciona todos os seres, deixando sobreviver os mais fortes e eliminando
os mais fracos. A natureza de todos os seres, o homem inclusive, seria
determinada por circunstâncias externas. O meio ambiente passa a ter
enorme importância, pois condiciona matéria e espírito. Essa concepção
biológica de vida, chamada darwinismo, seria responsável por grandes
mudanças no campo científico, repercutindo na economia, na filosofia
e na política.
O positivismo, corrente filosófica baseada no método das ciências naturais,
traduziu essa visão de mundo, pois concentrava-se nos fatos, rejeitando
qualquer explicação metafísica para a atuação do homem no mundo, além
de propagar a idéia de que somente o progresso material já seria suficiente
para neutralizar os desequilíbrios sociais.
Segundo os positivistas, todos os fenômenos podem ser explicados pela
ciência, o que os reduz, portanto, ao aspecto simplesmente material.
A psicologia também apresenta mudanças, subordinando os fenômenos psíquicos
aos fisiológicos, estes sim considerados de grande importância, por
serem observáveis e analisáveis.
No plano econômico, nota-se acentuado interesse pelo liberalismo da
época anterior.
Politicamente, defendem-se idéias republicanas e socialistas. É bom
lembrar que o Manifesto do Partido Comunista, data de 1848.
Em resumo: a ciência, que tinha conseguido revelar as leis naturais,
extremamente objetivas, suplanta o idealismo do período romântico, formulando
uma concepção predominantemente materialista da vida.
No Brasil assinalam-se fatos importantes nesse período:
- a abolição do tráfico de negros coloca em disponibilidade grandes
capitais, que passam a ser empregados em atividades urbanas, levando
as cidades ao crescimento
- a lavoura cafeeira prospera, possibilitando a expansão de novas
áreas de povoamento, assim como o aquecimento das atividades produtora
e consumidora;
- surge o telégrafo;inaugura-se, em 1874, o cabo telegráfico submarino
entre o Brasil e Europa;
- aparecem os primeiros jornais publicados regularmente
A burguesia volta-se para a ciência, enxergando nela respostas e soluções
para os problemas do momento histórico que o país vivia. O pensamento
europeu, principalmente o positivista, encontra, por isso, grande ressonância
entre nós. Por volta de 1870, a Faculdade de Direito de Recife está
em plena atividade. A partir dela formam-se grupos que consideram a
atividade científica como base para um renovação do pensamento, utilizando
revistas e jornais como veículo de divulgação de suas idéias.
II.) O ESTILO
Num sentido amplo, realismo aplica-se a toda obra em que
o artista procura representar a realidade de maneira objetiva, quase
fotográfica.
Como estilo de época, Realismo designa o conjunto de características
que marcam a literatura e as outras artes na Segunda metade do século
XIX.
A seguir, alguns dos princípios aceitos pelos realistas e naturalistas,
no que diz respeito à criação literária.
Posição do artista diante da realidade
O artista procura nivelar sua atitude à do cientista. Daí decorre
a objetividade que o escritor procura manter durante a narrativa,
não idealizando a realidade, mas limitando-se a registrá-la, o que
nem sempre consegue. Por isso, o artista não emite julgamentos a respeito
de fatos ou personagens.
O escritor naturalista francês Émile Zola, por exemplo, afirmou,
a respeito de duas personagens de um de seus romances: "Limitei-me
a fazer em dois corpos vivos aquilo que os cirurgiões fazem em cadáveres".
Posição do artista diante da obra de arte
O romance é encarado como um instrumento de denúncia e combate,
uma vez que focaliza os desequilíbrios sociais. É o que se chama de
"arte engajada". Observe no fragmento seguinte como o narrador
analisa e denuncia o problema da escravidão e do preconceito racial,
A disciplina militar, com todos os seus excessos, não se comparava
ao penoso trabalho da fazenda, ao regímen terrível do tronco e do
chicote. Havia muita diferença. (...) Ali ao menos, na fortaleza,
ele tinha sua maca, seu travesseiro, sua roupa limpa, e comia bem,
a fartar, como qualquer pessoa. (...) Depois, a liberdade, minha gente,
só a liberdade valia por tudo! Ali não se olhava a cor ou a raça do
marinheiro: todos eram iguais, tinham as mesmas regalias o
mesmo serviço, a mesma folga.
(Adolfo Caminha. Bom-Crioulo)
Concepção de homem
Para o romântico, o homem é a medida de todas as coisas. Para
o escritor realista/naturalista, o homem é apenas uma peça na engrenagem
do mundo, com funções semelhantes às das demais peças pertencentes
ao reino animal ou vegetal. Decorre daí que, principalmente nos escritores
de tendência naturalista, o narrador enfatiza comportamentos instintivos
das personagens e as compara com animais.
Ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, doida, que
esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe
os desejos...
(Aluísio Azevedo. O cortiço)
Personagens
As personagens deveriam ser moldadas de acordo com a realidade
observada de fora pelo narrador, sem idealizações. Obedecendo a esse
princípio, o escritor toma duas direções: retrato do corpo e dos comportamentos
exteriores da personagem (tendência naturalista, principalmente) e
retrato do espírito e da vidas interior da personagem (predominante
na tendência realista).
O comportamento das personagens decorre de causas biológicas e sociais
que o determinam. Suas ações nunca são gratuitas.
Nos escritores de tendência naturalista, é comum aparecerem personagens
que representam casos patológicos. Não porque o escritor as considere
excepcionais, mas porque elas podem funcionar como índices dos males
que corrompiam a sociedade.
Para os naturalistas, a personagem está condicionada ao meio ambiente
em que vive, nada podendo fazer contra o peso das influências externas,
tornando-se vítima da fatalidade das cegas leis naturais. Por isso,
é comum que tais personagens se vejam reduzidas a meros joguetes de
forças biológicas ou sociais. Cada uma é um caso a ser analisado com
os recursos da ciência, para comprovar uma tese aceita pelo escritor.
Eis um exemplo:
O cavouqueiro, pelo seu lado, cedendo às imposições mesológicas,
enfarava a sua esposa, sua congênere, e queria a mulata, porque a
mulata era o prazer, a volúpia, era o fruto dourado e acre destes
sertões americanos, onde a alma de Jerônimo aprendeu lascívias de
macaco e onde seu corpo porejou o cheiro sensual dos bodes.
(Aluísio Azevedo. O Cortiço)
Concepção de amor e casamento
Se os românticos geralmente se detinham na análise dos antecedentes
do casamento, o realista/naturalista está preocupado, principalmente,
em focalizar o adultério, que é encarado como causa da destruição
da família e, consequentemente, da sociedade.
O amor, sobretudo para os naturalistas, é visto como um ato fisiológico.
Amara-o a princípio por afinidade de temperamento, pela irresistível
conexão do instinto luxurioso e canalha que predominava em ambos (...)
mas desde que Jerônimo propendeu para ela, fascinando-a com a sua
tranqüila serenidade de animal bom e forte, o sangue da mestiça reclamou
seus direitos de apuração, e Rita preferiu no europeu o macho de raça
superior.
(Aluísio Azevedo. O Cortiço)
Espaço focalizado
Existe uma preferência nítida pelo espaço urbano, pois a burguesia
fixou-se sobretudo nas cidades.
Os bondes passavam. Senhoras vinham à janela, compondo os cabelos
numa ânsia de novidade. Latiam cães. Um movimento cheio de rumores,
uma balbúrdia... Chegavam soldados, marinheiros, policiais. Fechavam-se
portas com estrondo.
(Adolfo Caminha. Bom-Crioulo)
Tempo histórico focalizado
O escritor realista/naturalista preocupa-se sobretudo com personagens
que retratem pessoas de sua época, diferindo assim de alguns procedimentos
românticos de volta ao passado ou de projeção para o futuro.
Encarando o seu presente histórico, o autor capta os conflitos do
homem da época, os seus problemas concretos, dando preferência aos
dramas cotidianos de gente simples.
Falava-se da chamada dos conservadores ao poder, e da dissolução
da Câmara. Rubião assistira à reunião em que o Ministério Itaboraí
pediu os orçamentos. Tremia ainda ao contar suas impressões, descrevia
a Câmara, tribunas, galerias cheias que não cabia um alfinete, o discurso
de José Bonifácio, a moção, a votação...
(Machado de Assis. Quincas Borba, publicado pela primeira
vez em 1891.)
Narrativa
O romancista propõe-se criar enredos em que os conflitos se resolvam
com determinadas forças que estejam em ação. O processo narrativo,
obedecendo à lógica, elimina os acasos e milagres, comuns nos romances
românticos. Por vezes, o desenlace de uma trama é previsível e raramente
ocorrem sobressaltos ou surpresas para o leitor.
Linguagem
A linguagem utilizada pelos realistas/naturalistas é mais simples
que a linguagem dos românticos. O detalhismo é uma das características
desta linguagem, pois o narrador pretende conseguir o retrato fiel
da realidade focalizada.
Nos escritores que tendem para o naturalismo, ocorrem muitas expressões
tomadas às ciências físicas e biológicas. Desses princípios resultam
as características fundamentais do texto realista/naturalista:
- Objetividade por parte do narrador;
- Nivelamento do homem aos demais seres do universo;
- Não idealização das personagens;
- Condicionamento das personagens ao meio físico e social;
- Concepção de amor como um fato predominantemente fisiológico;
- Predominância do espaço urbano;
- Preocupação do escritor em focalizar seu tempo histórico;
- Linguagem mais simples que a dos românticos;
Torna-se agora necessário estabelecer a diferença entre Realismo
e Naturalismo.
Essa diferença nem sempre é fácil de se verificar nas obras. Grosso
modo, pode-se afirmar que todo naturalista é realista, mas nem todo
realista é naturalista. Assim, o Naturalismo surge como um segmento
do Realismo, uma vez que ambos fundamentam-se nos mesmos princípios
científicos, filosóficos e artísticos.
O Naturalismo apresenta uma visão de mundo mais mecanicista, mais determinista,
pois aceita o princípio segundo o qual somente as leis de ciência são
válidas. Qualquer tipo de visão espiritualizada do mundo não tem, para
o naturalista, grande valor.
Como decorrência disso, o homem é um animal condicionado por forças
que determinam seu comportamento. Por isso, as personagens dos romances
naturalistas têm um comportamento que resulta da liberação dos instintos,
sob determinadas condições do meio ambiente. A hereditariedade física
e psicológica das personagens conduz sua ação. A vida interior é reduzida
a quase nada, uma vez que o escritor tenta utilizar métodos científicos
de observação e análise.
Enquanto o drama das personagens realistas tem origem moral ou decorre
de algum desequilíbrio social, as personagens naturalistas têm a origem
dos seus dramas em heranças de ordem biológica ou psicológica que, num
determinado momento, em determinado ambiente, acabam por vir à tona.
Por isso, uma personagem naturalista é muito parecida com outra personagem
naturalista, uma vez que todas estão submetidas à mesmas leis.
Para os naturalistas, a ação no romance é importante, pois o drama
vivido pelas personagens se exterioriza através dessa ação. Para o realista,
a ação é secundária, já que ele se preocupa mais em sugerir o mundo
interior das personagens.
Quanto à temática, observa-se nos naturalistas uma tendência a retratar
temas de patologia sexual ou social. Nota-se ainda que o escritor naturalista
não vacila em trazer para a literatura os aspectos mais repulsivos da
vida, além de tender a focalizar as camadas mais baizas da sociedade.
III. ) AUTORES E OBRAS
No Brasil, o Realismo/Naturalismo teve início oficialmente em 1881,
com a publicação de O mulato (Aluísio Azevedo) e Memórias
Póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis). O primeiro representa
a tendência naturalista, e o segundo, a tendência realista.
É importante assinalar ainda, neste período (1881 1893), o surgimento
de algumas obras que dão seqüência ao regionalismo. O romance regionalista
de fins dos século XIX vai utilizar os princípios realistas/naturalistas,
diferenciando-se, portanto, pela sua objetividade, dos romances do regionalismo
romântico.
São obras importantes da tendência regionalista: Luzia-Homem,
de Domingos Olímpio, e Dona Guidinha do poço, de Manuel Oliveira
Paiva.
A poesia do período está reunida sob o nome geral de Parnasianismo,
sendo que a produção em prosa permite a seguinte esquematização didática:
Tendência realista:
1. Machado de Assis
2. Raul Pompéia
Tendência naturalista:
1. Aluísio Azevedo
2. Inglês de Sousa
3. Adolfo Caminha
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