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Orgia Intelectual
texto do trabalho Modernismo - Movimentos Primitivistas

"E vivemos uns oito anos, até perto de 1930, na maior orgia intelectual que a história artística do país registra"

(Mário de Andrade)

Os que estudam, em grandes linhas, a nossa história literária, dentro dos respectivos períodos, assinalam a falta de identificação das letras com as condições sociais existentes. Em séculos que se seguiram ao Descobrimento, o espírito da metrópole, com uma tirania purista, dominava as parcas elites cultas do país. Cultivava-se a língua de além-mar, num normatismo rígido. Refundia-se o material usado, no propósito de procurar semelhanças com a literatura lusa. Copiava-se os mesmo figurinos. Não havia um diálogo direto com o ambiente. Por isso, estivemos sempre desacertados das conjunturas sociais.

Fomos épicos, numa fase da vida colonial, em que não havia nada de épico a exaltar. "Eu canto o valoroso Lucidemo..." Fomos líricos com a insurreição mineira. As tropas del-Rei ocupavam a província. Faziam-se confiscações, deportações, esquartejamentos. O alferes foi condenado a "morrer irrevogavelmente de morte de forca para sempre". Salgou-se a terra, onde ele deixou os "seus rastos infames". Mas esses acontecimentos não emocionaram os corifeus do arcadismo. Tudo isso deu, apenas, em loas à Marília, gentil pastora, como nas épocas do "galante rimar".

Veio a independência. Veio a República. O romantismo, com a força que trazia consigo, arriscou alguns ensaios vacilantes, usando termos da linguagem falada no país. Percebia-se já "um novo boleio de frase" (José Veríssimo), com o abandono gradual de formas castiças. Registraram-se algumas insubordinações gramaticais.

Em ambientes históricos que se sucederam, salvaram-se, certamente, dos depósitos bibliográficos, alguns filões riquíssimos, tipicamente nossos. Mas essa literatura de erosão não correspondia à época em que se vivia. Uma boa porção de homens de letras proliferava, sem raízes próprias, ainda ocupados com musas e anfitrites, que nada têm a ver com a vida nacional.

A reação modernista de 1922 desviou-se das formas habituais de expressão. Aproveitou alguns fragmentos folclóricos, com o uso de falas rurais. Desencadeou uma forte reação contra o mau gosto. Destruiu inutilidades. Mas os seus dividendos nas letras e nas artes eram ainda muito reduzidos. Não haviam trazido um pensamento novo, capaz de condensar as preocupações do momento.

Com o retorno aos valores nativos, remexeram-se os mesmos temas nacionais refundidos em poesia ociosa. Deram-lhe uma aparência modernista. Repetiram-se equívocos fundamentais. Conseguiram, apenas, deformar, reestilizar os assuntos como em século anterior o haviam feito Alencar, Gonçalves Dias, no famoso ciclo do início romântico.

De qualquer modo, não se pode deixar de reconhecer efeitos salutares da insurreição literária de 1922. Deu maior autonomia aos meios de expressão: libertou o idioma de gramaticalismos inúteis; desamarrou a poesia em versos livres, em vez de os mesmo ficarem metidos numa armação silábica, com rima obrigatória; também com ornatos falsos e artifícios, como a chave de ouro.

Muitos autores, participantes ou não da Semana de arte Moderna, publicam nessa primeira fase do Modernismo obras de alguma forma comprometidas ou relacionadas com as idéias defendidas em 1922. Dentre eles, destacam-se: Mário de Andrade, com Paulicéia Desvairada (1922), Amar, verbo intransitivo (1927) e Macaunaíma (1928); Oswald de Andrade, com Memórias Sentimentais de João Miramar (1923); Manuel Bandeira, com Ritmo Dissoluto (1924); Cassiano Ricardo com Vamos caçar papagaios (1926); e Martim Cererê (1928); Plínio Salgado, com O estrangeiro (1926); Alcântara Machado, com Brás, Bexiga e Barra Funda (1927).

Várias revistas são fundadas por todo o país, como forma de divulgação das idéias modernistas. A primeira delas, criada em São Paulo, em 1922, logo após a Semana, é a revista Klaxon, mensário de arte moderna.

Contando com a participação de elementos de variadas tendências, a revista torna claras as divergências estéticas e ideológicas que já se verificavam na Semana. Klaxon faz várias inovações no campo gráfico, visual e propagandístico. Teve apenas nove números e contou com a colaboração de escritores como Mário e Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet, além de alguns colaboradores europeus sem grande prestígio em seus países.

No rio de Janeiro, em 1924, é lançada a revista Estética, por Prudente de Moraes e Sérgio Buarque de Hollanda. Em Minas, em 1925, o Modernismo tem início com A Revista, de Belo Horizonte, da qual participaram Carlos Drummond de Andrade, Emílio Moura, Pedro Nava e outros. No Rio Grande do Sul, também em 1925 surge a revista A Madrugada.

O ano de 1927 é marcado pela presença de três revistas: Terra Roxa, e Outras Terras, de São Paulo; a revista Verde, de Cataguazes (MG); e Festa, do Rio de Janeiro.

Em 1928, Oswald de Andrade funda a Revista de Antropofagia, porta-voz das idéias de seu movimento antropofagista. Mas, com exceção dos principais centros urbanos (Rio, São Paulo, etc.), não exerceu influência imediata nas letras e nas artes, pelo resto do País. As revistas que, nessa fase, condensavam idéias admiráveis sobre o modernismo tinham alcance público reduzido. Era, por isso, de assinalado interesse a divulgação das teses de renovação que vinha sendo realizada, sistematicamente, pelo grupo de intelectuais ligados à Agência Brasileira de Divulgação de Notícias de São Paulo.

As idéias rotineiras tinham fundas raízes no nosso sistema cultural. Esse material avulso, anônimo, discretamente planificado, alastrava-se, aos poucos, através dos jornais, pelo Brasil, abrindo caminho para um trânsito de idéias novas, como abandono gradativo de princípios, que sujeitavam letras e artes aos moldes formais da época.

Em resumo: o principal mérito da agitação de 1922 foi acordar o Brasil de um estado de estagnação. O ânimo de renovação liquidou não somente um passivo de idéias antiquadas, que predominavam nas letras e nas artes, como chegou mesmo a influir na formação de um espírito novo, que veio ocupar a nossa órbita política.

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