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Belle Époque
texto do trabalho Modernismo

O período da literatura européia que se estende de 1886, por aí, a 1914, corresponde, de um modo geral, ao que informalmente se denomina "belle époque". Uma de suas características, sob o ponto de vista da história literária, é a pluralidade de tendências filosóficas, científicas, sociais e literárias, advindas do realismo-naturalismo. Muitas das quais não sobreviveriam à grande guerra, transformando-se ou desaparecendo no conflito e arrastando o final do século XIX que em vão tentava ultrapassar os seus próprios limites cronológicos.

É a época das boêmias literárias, como as de Montmartre e Munique. Dessa literatura de cafés e boulevards, de transição pré-vanguardista, é que vão se originar os inúmeros -ismos que marcarão o desenvolvimento de todas as artes neste século. Esses movimentos foram, por um lado, decorrentes do culto à modernidade, resultado das transformações científicas por que passava a humanidade; e, por outro, conseqüências do esgotamento de técnicas e teorias estéticas que já não correspondiam à realidade do novo mundo que começava a desvendar-se.

Na França, por volta de 1900, essa inquietação estava no auge. Os escritores, embora cultuando Baudelaire, Rimbaud, Verlaine e Mallarmé - aos quais se juntavam os estrangeiros: Poe, Whitman e D'annunzio, - já não se contentavam apenas com as soluções simbolistas então em moda. Arquitetavam novas teorias culturais, experimentavam timidamente outras fórmulas expressivas, fundavam revistas e redigiam manifestos em que as idéias expostas imaturas ou apressadamente seriam logo retocadas e mesmo abandonadas no manifestos seguintes. Muitas dessas teorias e formas seriam enfatizadas nos manifestos da Literatura de Vanguarda.

Segundo Bonner Mitchell, que em Les manifestes littéraires de la belle époque (Os manifestos literários da belle époque), de 1966, reuniu catorze dos quarenta e tantos manifestos da época, as três grandes questões debatidas então eram: o Simbolismo, o Movimento de Renascença Clássica e a arte socialista ou 'engagé'. Examinando esses manifestos, concluímos que as várias tendências literárias do fim do século podem perfeitamente agrupar-se em torno de duas estéticas fundamentais: a do simbolismo, com que o decadentismo e o neoclassicismo guardavam afinidades temático-expressivas; e a do naturismo, a que se ligam tendências reveladas pelos manifestos socialistas e unanimistas, e que vai evoluir no sentido do aparecimento da vanguarda, com o manifesto de Marinetti. Não se deve esquecer, porém, que as duas principais estéticas, bem como as diversas outras preocupações literárias da mesma época, todas elas contribuíram de algum modo para o aparecimento dos vários grupos de vanguarda, o dadaísmo e o surrealismo, para só indicarmos os principais.

A poesia decadentista e a simbolista que a suplantou foram as mais importantes nesse período e estão relacionadas com, três textos - de Baudelaire, Rimbaud e Verlaine, - o soneto "As Correspondências", de Baudelaire; o trecho de prosa da "Alquimia do Verbo", de Rimbaud; e a "Arte Poética", de Verlaine, além da inclusão do prefácio de Mallarmé para o seu famoso poema "Un coup de dés", de muita importância para a compreensão da poesia concreta.

Charles Baudelaire (1821-1867), cujos primeiros trabalhos passaram desapercebidos, já havia escrito aos vinte anos alguns dos poemas que comporiam o seu livro mais famoso, Les fleurs du mal, publicado em 1857, depois de quinze anos de paciente elaboração. Aos vinte e seis anos, Baudelaire leu um conto de Poe, iniciando a sua admiração pelo poeta norte-americano, cuja obra traduziu e publicou, ao longo de quase dezessete anos. O contato com as idéias poéticas de Poe, para quem a beleza era o resultado do entendimento e do cálculo, foi de essencial importância para o desenvolvimento de sua concepção de que a poesia tinha muito a ver com a lógica e a matemática. Só aos trinta e seis anos, Baudelaire sentiu que devia reunir seus poemas em livro, optando pelo título de Les fleurs du mal, em vez do Limbes que ocupou por algum tempo a sua atenção. Uma crítica saída em Le Fígaro atraiu os olhos da censura, levando-a a condenar o livro por "ultrage à moral pública e aos bons costumes", além de exigir a supressão de seis poemas. Só em 1949 essa decisão foi revogada.

Arthur Rimbaud (1854-1891), viveu apenas trinta e sete anos e toda a sua atividade poética se realizou entre os dezesseis e os dezenove anos, verificando-se depois o mais absoluto e estranho silêncio. O resto de sua vida foram as viagens pelo Oriente Próximo e pela África Central, o engajamento nos exércitos coloniais, o tráfico de armas, um relatório geográfico e, afinal, já mortalmente enfermo, o reencontro com a família e, segundo a irmã, o reencontro com Deus.

Os quatro anos de produção poética de Rimbaud estão marcados por uma impressionante e vertiginosa criação que o levou a superar não só os recursos expressivos com que se iniciara, mas, segundo Hugo Friedrich, a superar também "as tradições literárias que havia detrás dele, criando uma linguagem que ainda hoje continua sendo fonte da lírica moderna.

Sabe-se que Rimbaud em 1873, já em companhia de Verlaine, escreveu seus últimos poemas em verso; e nos primeiros meses de 1873 já havia terminado as Illuminations, livro síntese de toda a sua obra, pois não só continuou o naturalismo das Poésies como, ao mesmo tempo, antecipou a espiritualidade crítica de Une saison en enfer, que se verifica a total ruptura de idéias, de concepções religiosas, de tradição literária, de linguagem e, até, de toda a sua fulguração criadora.

Paul Verlaine (1844-1896) estreou com sete poemas no primeiro número do Parnasse Conteporain (1866), coleção que inaugurou o parnasianismo. No mesmo ano publicou seu primeiro livro, Poémes Saturniens, em que, apesar da acentuada influência de Baudelaire, a começar pelo título do livro, já se pressentiam alguns traços que, posteriormente desenvolvidos, irão contribuir para a definição do simbolismo.

A década 1870-80 foi de grande importância para a definição de sua poesia. Ao lado da crescente ascendência de Baudelaire, considerado mestre pela nova geração, houve o aparecimento de Rimbaud. Ainda que a glória de Rimbaud só apareça a partir de 1885, é inegável que teve decisiva influência na poesia de Verlaine. Foi durante o ano de prisão em Bruxelas que Verlaine conseguiu imprimir novos rumos espirituais e estéticos à sua produção poética, procurando uma linguagem que não ficou apenas na poesia, chegando também a manifestar-se criticamente, em metalinguagem, como no poema "Ars poétique", escrito em 1874 e só publicado dez anos depois em Jadis et naguère, título aliás bastante sugestivo para a nova dimensão estética que seu livro iria auxiliar a construir.

Um ano antes de sua morte, Stéphane Mallarmé (1842-1898) publicou na revista Cosmopolis o poema Un coup de dés jamais n'abolira le hasard (Um lance jamais abolirá abolirá o acaso), tido ele como fragmento da Grande Obra - o Livro - que ele sempre pensou realizar. Um pouco antes, havia resolvido publicar uma edição de suas poesias completas, o que se deu no ano de sua morte.

A poesia de Mallarmé - a parte que ele denominou Poésies - pode ser estudada através de três movimentos evolutivos: os poemas inicais, de 1862 a 1864, em que é patente a influência de Baudelaire; o fragmento da tragédia Hérodiade, de 1869, quando passa a ver o poema como uma espécie de exercício metafísico; e a fase final, a da total intelectualização do poema. Foi aí que a sua poesia se tornou cada vez mais obscura. Hugo Friedrich, numa bela síntese, assim caracteriza a obra de Mallarmé: "ausência de uma lírica de sentimento e inspiração; imaginação guiada pelo intelecto; destruição da realidade e da ordem lógica e afetiva normal; manuseio das forças impulsivas da linguagem; substituição da inteligibilidade pela sugestão; consciência de pertencer a uma época tardia da cultura; dupla atitude frente à modernidade; a equiparação da poesia com a crítica poética, em que predominam, além disso, as categorias negativas".

Quando compôs Un coup de dés, Mallarmé havia atingido o mais alto grau de sua evolução criadora, pairando o seu espírito acima das convenções da época e das próprias limitações da linguagem. Com o seu famoso poema, seu objetivo é criar um novo gênero, como ele mesmo diz. Un coup de dés é mais do que um poema: a sua estruturação lhe dá características de partitura musical, porquanto seu método de composição foi tomado à música, através das técnicas da sinfonia e da polifonia, aliadas à do simultaneísmo, tal como se vai dar, mais tarde, com a teoria poética de Mário de Andrade. Para a realização de Un coup de dés, procurou saber como se podia expressar na música a multiplicidade de vozes e timbres de cada instrumento. Escolheu então diversos caracteres e os dispôs em uma página dupla, para que isso tivesse também significação. Nessa obra, Mallarmé busca um duplo objetivo: utilizar, ao mesmo tempo, todos os modos de comunicação para conduzir uma compreensão total e aprofundar o poema nos planos temporal e espacial ao mesmo tempo. O poema não se desenvolve desde fora, no sentido de uma continuidade linear, mas constitui um organismo complexo em que cada elemento tem uma função autônoma, mantendo ao mesmo tempo relação com o conjunto a que pertence.

O Prefácio de Mallarmé, apesar de sua linguagem um tanto difícil, constitui uma síntese hermenêutica de seu famoso poema. E constitui um texto de muita importância para a poesia de vanguarda no Brasil, a partir de 1956, quando apareceu o grupo de poesia Concreta.

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