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REPORTAGENS
texto do Rachel de Queiroz - Um Mito Cearense

A grande dama do sertão
Academia faz 100 anos e recebe Rachel em festa
Rachel de Queiroz ganha Prêmio Moinho Santista

Jornal O Povo - 1994 Fortaleza, Ceará.

A grande dama do sertão
Consagrada com Memorial de Maria Moura, a sertaneja Raquel de Queiroz é, antes de tudo, afável

RINALDO GAMA

A sertaneja é, antes de tudo, afável. Aos 83 anos, Rachel de Queiroz encarna o mais simpático monumento vivo da literatura brasileira. Reside num confortável apartamento no Leblon, no Rio de Janeiro, num edifício chamado Rachel de Queiroz porque os condôminios resolveram homenagear a vizinha mais ilustre. Ali já foi até assaltada por um bandido que colocou um 38 encostado em sua cabeça para levar jóias e dólares, mas, mesmo assim, faz questão de abrir a porta para receber visitas. O telefone não pára de tocar. Numa mesma tarde, o prefeito Cesar Maia a procurou com um convite para uma cerimônia. Um teatrólogo iniciante ligou para falar de uma peça infantil adaptada a partir de um texto seu. Ela é capaz de passar vinte minutos numa conversa assim.

Em 1992, quando tinha 81 anos de idade, Rachel de Queiroz publicou o oitavo e melhor de seus romances, Memorial de Maria Moura. Hoje, encontra-se no auge da popularidade. Levada ao ar pela TV Globo, a minissérie com o mesmo nome fez a audiência explodir. Em média, o ibope está batendo a marca dos 35% no horário das 22h50. Marca igual só foi conseguida em 1986, com a nostálgica Anos Dourados. É a quarta vez que a TV leva ao ar uma obra de Rachel de Queiroz. É a primeira que lhe agradou. Ela gosta do que vê, mas concorda com a observação mais freqüente sobre a minissérie, a de que nunca se viu tanta gente feia num programa de TV. Também acha que há mais violência no vídeo do que no original. "No livro, Moura nunca comete atrocidades com as próprias mãos, como na série. E, no caso da família dos Marias Pretas, eles ganharam de mim: aquele pessoal está feio até não poder mais."

Nos corredores da Academia Brasileira de Letras, em que se tornou, em 1977, a primeira imortal de saia, ninguém mais a chama de Rachel. Virou "Dona Moura". Rachel de Queiroz escreve crônicas desde os 16 anos. Publicou o primeiro romance (O Quinze), em 1930, quando ainda não completara 20 anos. Emancipava-se assim dois anos antes de as mulheres terem o direito de votar no Brasil. Delicada, culta e independente, Rachel de Queiroz também é uma forte e sabe quanto vale. Quando o diretor Carlos Manga quis levar Maria Moura ao ar, os dois se sentaram para discutir o preço dos direitos autorais. Manga chegou aos 40 000 dólares, o que seria um bom dinheiro numa emissora que já arrematou outras histórias por 30 000. Dona Moura ficou firme em 50 000 e ganhou. Há dois anos, ela colocou sua obra completa em leilão e saiu negociando com as grandes editoras da praça. A primeira oferta foi de 100 000 dólares. Dona Moura adorou, mas foi durona outra vez. Assinou contrato com Siciliano, que lhe pagou um belo avanço sobre as vendas, perto de 150 000 dólares.

O cotidiano da escritora é o retrato de quem amou o que pôde, foi feliz como conseguiu e chegou a um momento da vida em que é possível ficar em paz com suas contradições. Ela acredita em Deus? "Não, não tenho fé", responde, amarga. Estranho. Um olhar em volta da sala detecta imagens e mais imagens religiosas. Para quem não tem fé, não há santos demais por aqui? "Você vê que eu tenho fé, não é?", diz ela. "É duro enfrentar essas grandes tragédias sem ter no que se apoiar." Ela lembra uma tempo difícil, há quase sessenta anos. "O ano de 1935 foi muito duro. Minha filha, de 18 meses, morreu de septicemia, meu irmão de 18 anos, estranhamente, também. Fiquei arrasada. Não sabia, mas nunca mais teria outro filho." Ela teve dois casamentos. O primeiro, com o jornalista e poeta bissexto José Auto da Cruz Oliveira, terminou em separação - imagine-se o que era isso em 1939. Mudou-se, então, para o Rio, onde conheceu, pela mão de Pedro Nava, o médico Oyama de Macedo com quem viveria por quase quarenta anos, até a morte dele. "Nunca vi Rachel tão destruída como quando Oyama morreu", conta a escritora Maria Alice Barroso, uma amiga de quase três décadas. Rachel, ao lembrar do segundo marido, emociona-se bastante, a mão que ia ajeitar os óculos, gesto que nela é quase um cacoete, fica pelo caminho, os olhos marejam. Eles não tiveram filhos, mas a escritora criou a irmã Maria Luiza, vinte anos mais nova, como se fosse filha. Maria Luiza teve filhos, que Rachel chama de netos. A irmã teve uma neta, que ela chama de bisneta.

Rachel de Queiroz avisa, a quem interessar possa, que detesta escrever. Gosta de quê, então? "Cozinhar é muito melhor", diz. Filha de uma família tradicional do Nordeste, que lhe deixou imensas propriedades de terras no Ceará, pai jurista, mãe letrada, Rachel dividiu a infância entre a cidade de nascença, seguindo a tradição casa-grande & senzala, sinhazinha se misturou às negras muito cedo. Aos 5 anos já estava na cozinha, de olho na preparação de queijos e quitutes. A mãe, Clotilde, não cortava um bife. Em compensação, foi quem a iniciou, ainda pequena, nos mistérios das letras, ensinando a ignorar as obras açucaradas recomendadas para moças de família e mergulhar quanto antes em boa leitura. Aos 5 anos leu, mesmo sem entender nada, Ubirajara, do aparentado José de Alencar. Aos 15 anos devorava Balzac e Zola. Mesmo com tão boas companhias, para Rachel cozinhar foi sempre o melhor deleite. Continuaria sendo, não fosse a vista, cada vez mais precária. "Já tive seis deslocamentos de retina; deveria ir para o Guinness", brinca ela, que trata do problema em Boston. (Há cinco meses, o tratamento nos Estados Unidos lhe arrancou 50 000 dólares.) Assim, desde 1992, a escritora está afastada do fogão e das panelas. Parou de ir ao cinema e não faz mais passeios sozinha. Mas sente saudade do grande prato, o pato com laranja. Qual a receita? "É segredo", diz.

Com tanto amor pela arte culinária, por que escreve a cozinheira, afinal? "É uma maldição, como a dos lobisimens, entende?", explica, ajeitando os óculos mais uma vez. Para quem não gosta de escrever, Rachel escreveu muito. São dezesseis volumes, entre romances, crônicas - atualmente, Rachel é cronista de O Estado de S. Paulo -, peças teatrais e livros infantis. O penúltimo romance, Dora, Doralina, saiu em 1975, dezessete anos antes de Maria Moura. O largo intervalo entre um e outro deve-se a um preciosismo radical. O Memorial de Maria Moura, um cartapácio de 700 páginas datilografadas que rendeu um volume de 482, foi escrito e reescrito três vezes ao longo de três anos. Em máquina elétrica. Bem que Rachel pensou em Compô-lo num computador. Não deu certo. Primeiro, o ladrão invadiu seu apartamento, levou dólares e jóias após dominá-la com um revólver. Depois, quando pensara em esvaziar uma caderneta de poupança, veio o Plano Collor. Por fim, um muambeiro que estava entrando no país com um micro que um amigo encomendara para ela foi parar na cadeia.

Rachel de Queiroz é uma pessoa que atravessou vários caminhos na vida. Entrou para o PCB em 1930, saiu em 1932. Passou oito anos em círculos trotskistas, desistindo desse mundo em 1940, quando uma picareta de quebrar gelo esmigalhou o crânio de Leon Trotski no México. "Para nós, Stalin era o traidor da Revolução e só Trotski poderia recuperar o verdadeiro marxismo-leninismo", lembra, os lábios apertados que, sem dizer, dizem: "Bons tempos". Em 1937, ficou três meses encarcerada numa sala do quartel do corpo de bombeiros de Fortaleza. O sobrenome assegurou um bom tratamento, e o temperamento cordial da prisioneira funcionou muito mais. Os soldados do fogo chegaram a fazer serenata para ela. Mais tarde, solta, quando encontrava uma patrulha do quartel na rua, costumava ser homenageada com uma continência bem-humorada.

Rachel é, hoje, uma individualista sossegada. Sente alívio, porque em função da idade, ficou livre da obrigação de votar. (Se fosse até uma zona eleitoral na eleição presidencial, seu candidato seria Fernando Henrique Cardoso "Ele é o candidato da nossa elite intelectual", explica, sem medo da atual palavra malditano país, "elite".) Ela foi amiga do Marechal Castello Branco, primeiro presidente do regime de 64. Acorda todos os dias às 7 horas e lê os quatro grandes jornais do Rio e de São Paulo. Durante o dia faz suas ligações para Brasília. O ex-presidente, senador e acadêmico José Sarney, amigo de décadas, é um de seus interlocutores freqüentes.

A velhice incomoda Rachel, talvez mais do que a morte. Ela é uma pessoa simples, mas vaidosa. Se usa vestido discreto e sapato baixo, mesmo dentro de casa não dispensa um colar de pérolas. Nunca se achou bonita, principalmente depois que passou a usar óculos, ainda moça, e se achava parecida com um microscópio. Detesta ser fotografada sem maquilagem e jamais conta quanto pesa. A romancista passa a mão no cabelo branco, sem tintura, e tenta encarar a velhice: "O problema não é estético. O meu medo é ficar dependente".

 

Jornal O Povo - 16/08/1994 Fortaleza, Ceará.

Academia faz 100 anos e recebe Rachel em festa

"Não é a Academia que homenageia Rachel, mas é Rachel quem homenageia a Academia ao ingressar nas suas fileiras", disse o Presidente da Academia Cearense de Letras, Artur Eduardo Benevides, ao saudar, em discurso, a posse da escritora Rachel de Queiroz na cadeira de número 32, ontem à noite. A solenidade, que contou com a presença do governador Ciro Gomes, do Presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), Josué Montello, e de acadêmicos de vários estados, também comemorou o centenário da ACL, a mais antiga de todo o País e que teve suas instalações reformadas.

Rachel de Queiroz foi introduzida no auditório Ciro Gomes por um grupo de imortais cearenses. Logo que chegou ao recinto, foi empossada por Artur Eduardo Benevides na cadeira ocupada até recentemente pelo escritor Moreira Campos. Em seguida, as senhoras Yolanda Queiroz, Regina Fiúza e Zezé Campos (viúva de Moreira Campos) colocaram em Rachel o "colar acadêmico", usado por todos os imortais.

No seu discurso de saudação, Artur Eduardo Benevides denominou Rachel de "glória viva do povo cearense". Segundo ele, "enquanto pulsar o coração de Rachel, haverá sempre uma luz a iluminar nosso Estado nos caminhos da história". Artur Eduardo ressaltou que a ACL vivia o seu momento de maior grandeza.

Artur Eduardo Benevides também saudou o centenário ca Academia Cearense de Letras (ACL) criada a 15 de agosto de 1984, e lembrou a trajetória dos 11 presidentes da Academia que o antecederam. Ao discursar, Rachel de Queiroz disse que deixava de lado qualquer pretensão acadêmica e falava "simplesmente com a paixão".

Primeiramente, saudou os amigos acadêmicos já falecidos, entre os quais o próprio Moreira Campos, a quem substituiu na cadeira 32. Citou também Antônio Sales e lembrou a importância do escritor para a sua obra. Ao final, o Presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), Josué Montello, e o governador Ciro Gomes saudaram a posse da escritora. O coral Porta-Voz encerrou a solenidade.

 

Academia recebe Rachel como a nova imortal
Autora já é membro da Brasileira

"O que eu ganho aqui na minha terra, eu curto muito mais que em qualquer outro lugar". A afirmação é da escritora Rachel de Queiroz, 83, que entrou ontem para a Academia Cearense de Letras. Para essa cearense de Fortaleza, já imortalizada pela Academia Brasileira de Letras, em 1977, e que visita a terra-natal quatro ou cinco vezes por ano, ser imortal no Ceará é muito mais emocionante. "Tudo o que atém à minha terra e o que ela faz por mim eu recebo de coração porque eu adoro o Ceará" - completa, ressaltando que mora no Rio de Janeiro porque é o jeito, mas seu coração está sempre aqui.

Além de apaixonada pelo torrão natal, Rachel é uma mulher bem humorada, de hábitos simples e muitos amigos, que costuma reunir em torno de uma mesa de queijos e vinhos. Para eles, ela também gosta de cozinhar. "Sou muito melhor cozinheira que escritora" - brinca. Afirma que um de seus pratos mais famosos é a frigideira de caranguejo, siri ou bacalhau.

Depois de ter lançado Memorial de Maria Moura em 1992, obra que também foi adaptada pela televisão, comenta que agora só vai escrever um romance daqui a 15 anos. Como já disse outras vezes, repete que não gosta de escrever. "Quem gosta do que faz? Eu tenho a maior preguiça. Morro de preguiça de escrever. Mas é o que eu sei fazer para ganhar a vida". Apesar disso, além da coluna semanal que sai em O Estado de S. Paulo, no O POVO e mais 17 jornais, simultaneamente, ela está sempre escrevendo. "Sou profissional, vivo do que eu escrevo, jamais ganhei um tostão que não fosse com a minha pena, com o que eu escrevo".

Seu único hobby é a leitura, mas depois de seis cirurgias por causa de deslocamento de retina e catarata, o faz com o auxílio de uma lupa. Não se queixa nem reclama de nada. "Aos 83 anos, faço 84 em novembro, a saúde está até melhor do que eu mereço" - disse.

Essa senhora adorável e de espiríto cativante, confessa que não tem medo da morte. "Acho a morte uma grande amiga e estou esperando por ela" - confessa.

 

Jornal O Povo 17/08/96 - Fortaleza, Ceará.

Rachel de Queiroz ganha Prêmio Moinho Santista
A escritora cearense, de 85 anos, é a primeira mulher a ser agraciada com o importante prêmio da literatura brasileira

JOCÉLIO LEAL DA EDITORIA DO VIDA & ARTE

A escritora cearense Rachel de Queiroz foi a primeira mulher a ganhar o prêmio Moinho Santista, um dos mais tradicionais da literatura brasileira. O anúncio foi feito ontem pela manhã em São Paulo após votação secreta em que Rachel venceu Lygia Fagundes Telles por 22 a 19. Pelo alto valor da premiação, o prêmio pode ser comparado a um Nobel nacional.

Rachel foi agraciada na categoria "Romance" e vai receber R$ 50 mil, uma medalha de ouro e um diploma em pergaminho. Além de cearense, foi premiado o professor baiano Afrânio Coutinho, que ganhou na categoria "História da Literatura". A entrega dos prêmios está marcada para o dia 27 de setembro no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo.

A escolha dos vencedores do 41º Prêmio Moinho Santista foi feita através de um júri formado por 42 reitores de universidades, os ministros da Educação, Paulo Renato de Souza, da Cultura, Francisco Weffort, e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Sepúlveda Pertence. Entre os jurados estava o reitor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Roberto Cláudio Frota Bezerra que disse ao O POVO, por telefone, de São Plaulo, ter sido escolhido para fazer o comunicado oficial à escritora, que já sabia da premiação ontem à tarde.

O POVO falou com Rachel por telefone, do seu apartamento no Leblon, no Rio de Janeiro. Em entrevista à Agência Estado, poucas horas depois de saber da premiação, Rachel afirmou: "São Paulo foi sempre muito generoso comigo". A escritora não sabia do resultado antes da votação porque os nomes dos indicados não são divulgados antes do anúncio dos vencedores. Ela brincou dizendo antes que "como sou mais velha que a maioria, geralmente costumo ser a primeira mulher em tudo".

O tema do Prêmio nem sempre é literatura. É feito um rodízio anual, que inclui também as áreas de "Ciências Biológicas e Profissionais da Saúde", "Ciências Exatas e Tecnológicas", "Ciências Agrárias", "Ciências Humanas e Sociais" e "Artes". A última vez que a Fundação Santista premiou o segmento literário foi em 1984. Naquele ano foram agraciados Jorge Amado, Menotti del Picchia e Marcelo Rubens Paiva. Em 95 o premiado na área de "Economia Internacional" foi o paraibano Celso Furtado e em "Educação" Paulo Freire. Em 97 será a vez das "Artes".

Já no 17º Prêmio Moinho Santista Juventude, para escritores até 35 anos, ganharam Joaci Pereira, 31, na categoria "História da Literatura" e Márcia Ivana de Lima e Silva, 33, entre os romancistas. Cada um vai receber R$ 20 mil, medalhas de prata e diploma.

Para concorrer aos prêmios os participantes não si inscrevem. Todos os anos a Fundação solicita à universidades e outras entidades científicas e culturais do País uma relação de nomes a concorrer. A indicação é feita até o final do mês de Maio.

A partir da lista, uma comissão técnica, composta de especialistas da área em questão, avalia a obra ou trabalhos específicos dos concorrentes. A comissão escolhe dois nomes de cada segmento. Antes de chegarem a votação do Grande Júri, que se reúne sempre no mês de Agosto.

Rachel e Lygia foram selecionadas Carlos D‘Alge, da UFC e colega de Rachel no Conselho Eleitoral de O POVO, Neli Novais Coelho, da Universidade de São Paulo (USP) e Nilo Scalzo, da Academia Paulista de Letras. D‘Alge disse ao O POVO a vitória de Rachel "vem coroar a obra que foi escrita ao longo de 60 anos de carreira".

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