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ENTREVISTA
texto do Rachel de Queiroz - Um Mito Cearense

1. O romance é superior à poesia?

- Como muitos, antes de mim, não posso afirmar que considero o romance um meio de expressão superior à poesia, como forma de conhecimento artístico do homem. O que posso dizer é que, aos começos do que não ouso chamar "minha vida literária", parecia-me que o romance seria minha forma de expressão natural, após curtas e pouco promissoras experiências em outros gêneros. Foi assim que quase seguidamente (de 1930 a 1939), escrevi e publiquei meus quatro romances. Mas então minha carreira de romancista sofreu um colapso porque, mudando-me para o Rio, tive que procurar uma profissão, e caí no jornalismo. Sabemos o que é a prisão, a exaustão da matéria obrigatória, na hora certa. Meus impulsos criadores já eram poucos, e menor ainda o meu amor ao trabalho literário. Fui ficando só no jornalismo, - crônicas, contos, artigos políticos, mas tudo matéria de jornal; com algumas interrupções, curtas - em 1950 o romance O Galo de Ouro, publicado em folhetins em "O Cruzeiro" (feito para financiar uma viagem à Europa) e que nunca deixei publicar em livro, porque gostava do assunto e achava que estava muito mal alinhavado na sua forma dada ao público da revista, duas peças de teatro - Lampião e A Beata Maria do Egito; e algumas peças para TV - Vingança, O Padrezinho Santo. Em 1969, por pressão de Lucia Benedetti, que organizava uma coleção de literatura infantil, O Menino Mágico.

2. Qual sua posição ante a crônica?

- O que foi dito acima já explica porque optei - bem, optei não é propriamente o termo - porque me deixei levar para a crônica. Era a conciliação mais viável entre a literatura e o jornalismo profissional, entre a arte e o meio de vida.

3. Seu conceito da linguagem literária?

- Talvez uma das minhas constantes, desde que comecei a escrever, seja a preocupação com a linguagem. Muito já tenho dito a esse respeito, e muito me tenho esforçado por libertar minha linguagem literária de toda forma de barroquismo (isto é, o que eu chamo de barroquismo, que não sei se corresponde à definição oficial). Tirando das formas regionais, do oralismo, do coloquialismo, da adaptação brasileira da linha portuguesa, a minha própria forma de expressão. Mas, ai de mim, como estou longe de conseguir o que procuro!

4. Como vê o romance social?

- Lá pela década de 30 era moda, entre os escritores brasileiros, o romance chamado "social". Quando fiz O Quinze, eu, pelo menos, ainda não tinha consciência dessa moda - vivia muito distanciada dos maios literários federais. Em João Miguel talvez tenha tentado acompanhar um pouco os modelos em voga, mas não o consegui, e a meio caminho vi que o melhor era seguir mesmo a minha tendência natural de mera contadora de histórias, sem "mensagem", nem comentário filosófico, ostensivo ou subentendido. Em Caminhos de Pedra - embora o mote fosse, digamos, de caráter "social", a glosa fugiu do mote fugiu do mote e a parte que se poderia dizer "social" virou-se precisamente em crítica ao elemento que seria o "socializante"... Em Três Marias voltei a ser a contadora de histórias - a minha vocação.

5. A comunicação massiva prejudica a criação literária?

- Francamente, não tenho pensado a esse respeito. Acho que se dá ênfase excessiva, atualmente, a esse negócio de "comunicação", como se a humanidade não se comunicasse antes da invenção dos meios de comunicação eletrônica. Mas claro que a linguagem literária tem que ser a linguagem do seu tempo, - quem mais lutou por isso, no Brasil, do que os pioneiros do modernismo de 22, ou nós, os da onda pós-modernista?

6. Qual sua opinião sobre nossa literatura atual?

- Não tenho elementos para fazer observações válidas sobre a situação atual da literatura brasileira. Ando muito longe das rodas literárias, do mundo literário, das modas literárias. Sou aquela franco-atiradora, de espingardinha de picapau.

7. Houve um conflito entre regionalismo nordestino e modernismo?

- Falando com sinceridade, se houve essa querela, não fui envolvida nela. Também propriamente nunca fui regionalista ortodoxa; se minha literatura se fixava aqui, onde nasci e sempre vivi, era porque não a poderia situar num espaço imaginário e sim no meu espaço natural. Se dois dos meus romances tinham por fundo o meio rural e outros dois o meio urbano, é porque o meu estrato social era isso mesmo: meio rural, meio urbano. A querela, se houve, veio depois. Não tive nada com ela. Também se não fui regionalista ortodoxa, nunca fui modernista de vanguarda; quando apareci, a ebulição já serenara e, da luta dos modernistas, nós - os meus contemporâneos e eu - aproveitamos as conquistas, sem que carecéssemos mais entrar nas brigas.

8. O escritor deve ser um profissional?

- Bem, se há uma coisa que eu sou mesmo, é uma profissional conscienciosa, uma artesã fiel ao seu ofício. Pela minha natureza tenho horror a qualquer forma de delitantismo. Escrevo porque essa é a minha arte - e digo a palavra arte no sentido profissional mais estrito, como se diz arte de capina, de tecelão, de pedreiro, de artífice mesmo. Dada essa disposição natural, sempre procurei viver dentro da minha profissão e foi por isso que me

dediquei ao jornalismo, a única opção possível no âmbito da minha linha de trabalho, já que o romance, fora as conhecidas exceções, era e ainda é, entre nós, trabalho de amador.

9. A Autora é personagem do seu romance?

- Essa indagação tem que ser respondida ou em poucas linhas, ou num livro inteiro. Opto pelas poucas linhas: como em toda obra de ficção, há nos meus romances uma parte confessional, senão autobiográfica e documental, e uma parte, muito maior, de criação, de invenção, de imaginação. Creio que isso acontece, aliás, com a generalidade dos chamados ficcionistas.

 

10. Paralelamente à literatura, existe a vocação política?

- Se há uma coisa que eu sou, é um animal político. Por isso há talvez uma certa cavilação quando pareço queixar-me por me ter deixado arrastar ao jornalismo, meio de sobrevivência indispensável, abandonando a literatura propriamente dita. Na verdade o jornalismo satisfez uma das minhas tendências essenciais, que é o comentário do fato político, a crítica às figuras do mundo político, e imersão no fenômeno político em geral. Agora, não acredito na literatura dita "engajada", que, para mim, não passa de uma forma glorificada de propaganda. Graças a Deus isso nunca fiz.

11. Como encara sua carreira literária?

- É difícil responder a isso - porque nunca tive propriamente uma "carreira literária" no sentido em que se entende a expressão. E se isso que tenho feito durante mais de quarenta anos - escrever alguns livros e muitos milhares de artigos e crônicas - pode-se chamar de "carreira literária", nunca lhe dei importância como tal. Tenho vivido no meio de

livros e outras coisas, convivido com literatos quando eles são também meus amigos e não porque sejam literatos. Para mim o importante mesmo é a vida, ela é que marca e deixa recordações.

12. É adepta do movimento feminista?

- Nunca fui feminista. Não acredito nessa entidade particular "a mulher", diferenciada da outra entidade "o homem". Tudo é gente, tudo é criatura. Claro que acho que as mulheres, nas sociedades mais atrasadas, têm a vida mais dura e mais estreita que a dos homens; mas isso são contingências do ambiente social no seu todo, e não um propósito especial de discriminar contra a mulher. Aliás, quem primeiro discriminou foi Deus Nosso Senhor, que, fazendo da mulher a fêmea da espécie, pôs ás costas a carga da maternidade. Conceber, parir, amamentar, criar o filho, como sair desse círculo mágico, sem ruptura das leis naturais? E os homens ainda podem alegar seu altruismo, porque afinal partilham meio a meio da nossa tarefa, quando, pela natureza, dela são insetos...

13. Pretende voltar a ficção científica?

- Sabe, tive grande fascinação por ficção científica, mormente no tocante às aventuras siderais. Mas depois que o homem invadiu o espaço e chegou à lua, o assunto perdeu para mim quase todo o seu encanto. Deixou o domínio da imaginação para o da técnica. E eu tenho aversão e medo da técnica. Nisso divirjo frontalmente dos modernistas "clássicos": não acho graça nenhuma nas conquistas da técnica.

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