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ANÁLISE LITERÁRIA - CAMINHO DE PEDRAS
texto do Rachel de Queiroz - Um Mito Cearense

Aqui você encontra:
Foco Narrativo 
Descrição Psicológica
Importância da Obra no Contexto Literário
Críticas Abordadas
Crítica Especializada 

"Há uma idéia matriz neste romance, e em torno dessa idéia é que vai gravitar toda a sua ação a da desigualdade social da mulher."

Olívio Montenegro

Foco Narrativo
por: Cauê Monteiro dos Santos
sobe

O Foco narrativo de Caminho de pedras é: Narrador onisciente observador em terceira pessoa, como é claramente comprovado no capítulo 8, na página 55:

"Na rodinha da praça é que se ia traçando o trabalho preparatório da organização. Isso entre o grupo "de gravata", os intelectuais, que tinham lazer e facilidade para aqueles encontros.

Os operários, esses nunca apareciam ali. Alegavam falta de tempo, mas a verdade é que só nas reuniões é que se sentiam com alma para discutir e ser revolucionários. Nas horas de serviço eram apenas animais de trabalho e as curtas folgas mal lhes chegavam para ir do local do trabalho aos bairros longínquos onde moravam, comer o jantar às pressa, dormir cedo para acordar na madrugada seguinte."

Se ela não utilizasse o formato narrador observador, com certeza ela utilizaria a primeira pessoa do singular para descrever todo o seu livro, no caso, ela usa a terceira pessoa do singular.

 

Descrição Psicológica
por: Fábio Fernades Dantas Filho
sobe

ROBERTO - A primeira característica psicológica importante visível em Roberto é a de um homem calado, intimidado, que procura sempre palavras adequadas quando fala com alguém, tentando usá-las na hora certa principalmente quando depara-se com situações em que precisa usar de argumentos convincentes para defender-se de acusações ou para impor confiança em alguém ou em algum grupo, como pudemos perceber na reunião que ocorre no capítulo 2, página 15/16, entre os trabalhadores. Na reunião, Roberto é visto com desconfiança pelo grupo:

"Todos se tinham envolvido na discussão, todos gritavam. Só Roberto, magoado, intimidado, calava-se. Aquela gente repetia apaixonadamente chapas sonoras, tais como havia nos livros de divulgação..."

E, diante de todas essas acusações, Roberto procurava o que falar para acabar com a desconfiança que estava contra ele, assim, quando contestam mais uma vez a classe burguesa de Roberto...

"- Nós não tivemos pai rico que mandasse a gente para as academias..."
" - Um burguês nasce e morre burguês!"

E quando mocinho magro fala...:

" - É mesmo que o pecado original!
- O camarada fala como burguês!"

E Roberto defende-se:

" - Eu burguês? Boa essa! Sou um assalariado como vocês!"

E mesmo com esta fala simples ele conseguiu momentaneamente acalmar a confusão e ganhar um pouco mais de confiança.

Essas mesma característica de homem cuidados, que mede bem as suas palavras é vista também quando conversa com Noemi, nos momentos em que os dois saem da mesa do café e vão-se embora. Roberto procura delicadamente aproximar-se mais de Noemi falando, na página 30 do capítulo 5:

"- Por que é que esperei ser apresentado a Guiomar, no Passeio, para que ela depois me apresentasse a você? (...) será que essa apresentação vai modificar alguma coisa?"

E quando oferece-se a pagar a pagar o café nos próximos encontros:

"- A diferença é que agora, em vez de você ficar espiando de longe, me da bom dia da sua mesa.
"E pago o seu café. Posso também conversar um pouquinho na saída.

Ainda no mesmo capítulo, partindo da visão de Noemi, outras características são citadas. Inicialmente ela acha em Roberto um lado triste, quando na página 29 ela cita:

(...) "Noemi olhou-o bem, assim de perfil, enquanto ele caminhava, silencioso. Era alto e triste. Parecia que estava sempre de folga..."

E interpreta mais uma vez (na página 31) Roberto como um cara distante, que era nem frio e nem seco, era na verdade, fugitivo: 

(...) " Tinha o ar de quem vai embora, seus braços se abriam freqüentemente em gestos de viajante e quando dizia ''até logo'', era distante, como se dissesse adeus. Noemi notou isso quando ele se despediu, à porta da fotografia. Não era frio nem seco, era fugitivo..."

FELIPE - Felipe começa a ser descrito psicologicamente no capítulo 3, na página 19, por Roberto. Roberto o descreve como sendo um cara nervoso, calado, mas que costumava sorrir, mesmo sem alegria alguma. Essa descrição é claramente percebida em:

"Na saída Felipe, o mocinho magro, lhe segurou o braço. Era baixo, nervoso, calado. Sorria muito, um sorriso meio contrafeito e sem alegria."

E depois, percebe em Felipe, um cara que dava uma certa impressão de decisão e segurança, e mais adiante, descreve-o ainda como alguém conformado ou, talvez, experiente, já que esta tão acostumado com as reações do grupo, são características citadas principalmente em:

(...) "E, apesar disso, dava, sem se saber como, uma impressão de decisão e segurança, de homem que sabe o que quer e não tem medo de nada.(...) Tratava tudo como que cientificamente, e recebia sem surpresa, ou antes, como se os esperasse..."

Finalmente, já na página 21, Roberto conclui que Felipe apresenta uma postura indecifrável, comportando-se de duas maneiras completamente opostas:

"Roberto o olhou, indeciso. O homem era hostil e meigo, indecifrável".

JOÃO JAQUES - Marido de Noemi, destacava-se psicologicamente do ponto de vista de Roberto como sendo um cara de ar intelectual e que expressava-se com palavras bonitas e bem escolhidas. Pode-se perceber estas características no trecho da página 43, do

capítulo 07, onde ocorre um encontro entre ele e Roberto, em uma roda de amigos. João Jaques é descrito em:

"Estava numa roda de rapazes, e liam todos um jornalzinho, discutindo. Era um homem bonito, novo, de ar intelectual, nariz de ponta fina, rosto gordo, boca e beiços apertados, soltando palavras destacadas, dizendo coisas inteligentes com certo esforço, mal expressas."

Mais adiante, na página 45, Roberto descobre o lado fraternal de João Jaques quando este, irmanamente, o chama para jantar;

"João Jaques, nesse momento, bateu-lhe no ombro:
- Vamos jantar?

Roberto o encarou, sorrindo:

- O convite é sério?
- Naturalmente."

E os dois vão-se, como irmãos:

"Além disso, só por si, João Jaques sabia criar ao seu redor um círculo de simpatia calorosa. Roberto o seguia naquele momento de alma aberta, num impulso real de amizade, nessa serena confiança com que dois homens de coração limpo se dão as mãos e caminham juntos, como irmãos."

Podemos acrescentar ainda nas características intelectuais de João Jaques, sua conversa com Roberto quando feita sobre Kropolkine (um revolucionário), nas quais suas palavras são totalmente escolhidas com delicadeza (página 46).

NOEMI - Era ao ponto de vista de Roberto, uma mulher risonha, alegre e feliz, características claramente definidas quando, na companhia de João Jaques, ele lembra-se dela de conversa no Café (página 45):

"Vontade de conversar com ela, agora; de vê-la ali, tomando café com os outros, segurando a xícara no ar, sem beber, como era do seu jeito, sorrindo. Dizer-lhe coisas maliciosas sobre os outros, para vê-la sorrir mais, sorrir como uma menina alegre. Falar-lhe baixo, senti-la próxima e amiga."

Noemi é vista também como uma mulher aplicada, tanto no trabalho como fotógrafa (página 33) quando o texto leva elogios feitos a ela:

"Na Fotografia já lhe conheciam o sestro. E tacitamente todos aceitavam, todos iam acreditando que aquilo era mesmo jeito de artista."

E como mãe, descrita como grave, meiga e longe do ponto de vista de Roberto, quando jantava com ela, na companhia do seu filho e de João Jaques.

(...) "No meio daquilo, qual seria em verdade o lugar de Noemi? Via-se que ela representava com gosto o seu papel de mãe e esposa. Grave, meiga... Tão longe...Mas, bolas! O que ela é mesmo, é a pequena da fotografia. Toda mulher se fantasia de matrona quando preside a uma mesa. E o filho, ao lado, completava a decoração.

 

Importância da Obra no Contexto Literário
por: Rafael de Carvalho Lindoso
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Entre a década de 20 e 30, a literatura nordestina tinha quase nenhuma importância nacional. Havia também um grande preconceito a obras de ficção de autoria feminina. Nesta época a jovem cearense Rachel de Queiroz lançou seu primeiro livro. Sua característica diferente da maioria das outras autoras que defendiam o sexo mais que a literatura, sua idade, e a qualidade de seu romance fez com que causasse muita agitação e desconfiança no meio literário.

Sua personalidade viril está presente sobretudo no seu romance Caminho de Pedras em que há uma idéia matriz, e em torno dessa idéia é que vai gravitar toda a sua ação: a da desigualdade social da mulher. Mas essa idéia não se vai ossificar em tese até fazer do romance um instrumento de propaganda política, ou torna-lo variação menos teórica de alguma doutrina social.

É admirável o entusiasmo criador com que a autora dissolve essa idéia na ação de seu romance, tirando-lhe todo o ranço político ou toda a afetação doutrinária.

Este romance foi um documento a favor das lutas sociais, direitos das mulheres e idéias políticas socialistas. O efeito que Caminho de Pedras provocou no meu literário foi da constatação do estilo criado por Rachel: a documentação em romance de lutas sociais sem utilizar de artifícios e sendo direta e objetiva nos diálogos e na ação, ser realista e acima de tudo fazer romance.

 

Críticas Abordadas
por: Fábio Fernades Dantas Filho
sobe

São muitas as críticas abordadas neste livro porém quase todas, mesmo que sejam simples citações, direcionam-se principalmente à exploração da classe dominante sobre a classe trabalhadora.

A primeira crítica citada no livro ocorre quase em seu início, logo no capítulo 1, na página 10, quando acontece a primeira conversa entre Roberto e o Luiz, pois ambos citam sobre suas profissões.

A crítica usa, desta vez, o salário dos trabalhadores para direcionar à exploração que os mesmo sofrem:

"O outro assentiu gravemente, baixando a cabeça. Tornou depois:
- E onde vai trabalhar?
- Trago umas cartas para uns gerentes de jornal. Uma para o Diário, outra para o Correio. Vou ver se pego alguma vaga na reportagem ou na revisão.

O pedreiro parece que teve pena:

- É pior que se você tivesse que trabalhar de servente, comigo. Em jornal pagam uma miséria.

Roberto tornou a sorrir:

- Eu sei, sei! Mas já estou acostumado. Toda a vida sempre me pagaram uma miséria...E acabei trinando em passar o bolo na pensão!

Um pouco adiante, já no capítulo 2, duas outras críticas, mais uma vez, citam sobre a pobreza em que vive a classe trabalhadora. Uma na página 13 e outra na página 17/18, onde ambas são ocorridas na reunião entre os proletariados, elas estão respectivamente em:

"Os outros foram se acomodando pelos caixotes, que a mulher trazia e empurrava com um sorriso humilde, como pedindo desculpas de ser tão pobre."

E em:

"O dono da casa trouxe o café e o riso humilde da mulher outra vez pedia desculpas por só ter duas tigelas e uma xícara de asa quebrada."

Mais uma vez, ainda no capítulo 2, as ações são feitas contra a exploração dos "doutores" ou "burgueses" em cima do proletariado, como está na página 15, nos argumentos usados para criticar Roberto:

"É porque nós já estamos fartos, camarada Rufino, de ir atras dos doutores, e os doutores depois nos dão o fora. O operário tem que andar com os seus pés, é o que eu pendo."

E como esta outra na página 16:

"- O operário não tem culpa de não saber ler, porque vive debaixo do chicote do burguês, trabalhando!(...)
- Um burguês nasce e morre burguês!"

Uma pequena citação, ainda sobre a pobreza encontra-se no capítulo 3:

"Olhou o homem. Besta de tiro, burro de cargo. Os músculos se encalombavam debaixo da camiseta de saco. E, descoberto, o ventre se encolhia; ventre seco de atleta ou ventre murcho de faminto, era difícil dizer."

E prolongando mais um pouquinho sobre a luta de todos os dias entre o pobre e rico, na página 38 do capítulo 4 mais uma crítica sobre a vida dura dos trabalhadores é citada no pensamento de Felipe:

"E a pobre mão ralada, com seu anelzinho de prata... E ia recomeçar as prisões, as fomes, ouvir as descomposturas dos delegados... Naturalmente que ia...

Algumas críticas (de certa forma irônicas) são feitas no decorrer do capítulo 6 tratando principalmente a socialização das mulheres. Citações como estas foram elaboradas principalmente na conversa entre Roberto, Paulino, Felipe e o judeu Samuel. Discutem principalmente sobre a injusta "divisão" das mulheres entre os homens alegam o direito do proletariado a terem mulheres "que prestam" também. Críticas que exemplificam encontram-se em:

" - Imaginem que ele olhou para a atriz do cartaz e disse que a gente precisa logo começar a encrenca para ter daquelas mulheres...(...)

- Mentira! O que eu disse foi: quando é que a gente terá direito de olhar para uma mulher daquelas? (...)

- Entram para o movimento pensando que há mesmo socialização das mulheres... E escolhem logo as burguesinhas mais finas, de mais luxo..."

E como esta outra, na página 37:

" - Mas é muito justo que a gente deseje boas mulheres! Por que não? É um dos privilégios do burguês, as mulheres; tomam todas, as melhores, bem tratadas, bem cheirosas. Para nós é o rebotalho... E o Paulino tem razão: queremos ter e ainda havemos de ter boas mulheres!"

E essa outra em:

" - Mais é fome, a desgraçada fome rugindo! - gritou Nascimento. - Nós vivemos recalcados, esfomeados. Olhem, essas moças todas passeando: querem casar, mais não com um de nós; e ficam assim, cada uma na sua estrela, espertando um noivo. E nós nunca poderemos ser os noivos! E vamos cavar aí, sabe Deus que misérias..."

E esta outra na página 38:

" - Imaginem quando estas pequenas chegarem pra gente de mãos estendidas: "Meu caro, simpatizei com você e sei que você gostou de mim... " Sem pensar no dinheiro do ordenado, nem na

casinha pequenina, nem no cartão de participação. Sem nada atrapalhando, nem interesse, nem preconceito...

Mesmo que com um certo ar de ironia, muito sérias são estas críticas, mesmos que indiretas, cuja importância cabe a quem ler perceber e decidir.

São tantas as críticas que Rachel de Queiroz faz sobre a miséria do pobre e na eterna luta por melhores condições de vida que, por mais resumido que fosse, muitas citações são feitas, como estas outras no capítulo 7, mais uma hilariante vez sobre essa vida miserável dos trabalhadores (página 42):

"Que importasse fosse em geral feia e triste, essa ilha, e com o reboco das paredes sujo e esburacado?

Hora misteriosa e hostil. Também ele não tinha o seu buraco? Pequeno. Uma rede, uma janela, uma mesa, um guarda-roupa."

E em: (pág. 55)

"Na rodinha da praça é que se ia traçando o trabalho preparatório da organização. Isso entre o grupo "de gravata", os intelectuais, que tinham lazer e facilidade para aqueles encontros.

Os operários, esses nunca apareciam ali. Alegavam falta de tempo, mas a verdade é que só nas reuniões é que se sentiam com alma para discutir e ser revolucionários. Nas horas de serviço eram apenas animais de trabalho e as curtas folgas mal lhes chegavam para ir do local do trabalho aos bairros longínquos onde moravam, comer o jantar às pressa, dormir cedo para acordar na madrugada seguinte."

E mais críticas sobre a burguesia são feitas na nova reunião do capítulo 8, como esta na página 57: 

"E a luta pelas posições dentro da organização armou-se aberta. Declaravam os operários que os intelectuais eram incapazes de exerce um cargo de confiança porque lhes faltavam "consciência proletária"."

E esta na página 58:

"- Camaradas, vocês, pequeno-burgueses, vieram espontaneamente ao encontro do operariado e devem se orientar por ele...

Felipe interrompeu irritado:

- Pare com esta história de pequeno-burguês! Isso é lá pra fora. Dentro da organização, todos somos iguais.

Vinte-e-um atalhou, acerbamente:

- Somos iguais, mas com os intelectuais governando. (...)
- Mas o pior é que eles sempre acham que são os mais capazes...

E por aí, vai-se indo, todas essas críticas, pensamentos, revoltas, de uma época em que tudo estava difícil, em que muitas liberdades não foram cedidas aos tão explorados trabalhadores, coisas que, apesar de não serem com mesmo grau de dificuldade, acontecem dia-a-dia, mesmo hoje...

   

Críticas Especializadas
sobe

"O seu estilo é o mesmo, sóbrio, simples, elegante, de um perfeito bom gosto e com exato senso de medida. E dos d’annunzianos que ainda exitam vale a pena lembrar o valor da simplicidade. Sem querer fazer um paradoxo que seria ridículo, a verdade é que escrever fácil está justamente em amontoar palavras difíceis. Arte, e das mais complexas é escrever neste estilo simples de Rachel de Queiroz, que representa a mais bela forma de expressão literária. A ilustre romancista imprimiu ao Caminho de pedras todas as virtudes e todos os encantos de seu estilo. E neste sentido o romance tem tanta uniformidade na sua riqueza que sinto dificuldade de citar qualquer trecho como demonstração."

Álvaro Lins

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