Rua do Sol

br.geocities.com/esquinadaliteratura

Início > Autores > Machado de Assis >


CRÍTICAS LITERÁRIAS
texto do Trabalho Machado de Assis

 

"Como o ser humano é um só, não há criador que não seja um crítico latente, como não há crítico que não possua em si os elementos de um criador. O gênio literário é aquele que se move indistintamente nos dois terrenos e em ambos se sente perfeitamente à vontade."

TRISTÃO DE ATAÍDE

 

É um perigo para o poeta assinalar-se fortemente nos domínios da prosa. Entre ele nesse caso numa competência muito mais ingrata que as dos seus confrades: a competência consigo próprio. Tobias Barreto é um exemplo no passado. Enfim Tobias não era de primeira força como poeta. Mas na atualidade temos o exemplo melhor de Mário de Andrade, que esse é da mais primeira força e no entanto a sua reputação de poeta está se ressentindo da importância sempre crescente da sua obra de ficção e sobretudo de crítico.

Foi também o caso do autor de Brás Cubas. Machado de Assis poeta tornou-se uma vítima de Machado de Assis prosador. Certamente a obra do romancista e do cronista distancia enormemente a do poeta. Advirta-se, porém, que há nas Ocidentais uma dúzia de poemas que têm a mesma excelente qualidade dos seus melhores contos e romances. "O Desfecho", "Círculo Vicioso", "Uma Criatura", "A Artur de Oliveira Enfermo", "Mundo Interior", a tradução de "O Corvo", "Suave Mari Magno", "A Mosca Azul", "Spinoza", "Soneto de Natal", e "No alto", aos quais se pode juntar o soneto a Carolina.

Foi mesmo em alguns desses poemas, e especialmente em "Uma Criatura" que se anunciou o pessimismo irônico e o estilo nu e seco, toda a filosofia e toda a técnica da Segunda fase do escritor.

Machado de Assis teve também o seu "estalo" por volta de 79 (foi o ano em que apareceram na Revista Brasileira as primeiras Ocidentais). Se o Mestre tivesse desaparecido depois da publicação de Iaiá Garcia, em 78, teria deixado uma obra em que a poesia e a prosa se equilibram no mesmo nível de mediocridade. Mas aos quarenta anos veio o "estalo". Às Ocidentais seguiram-se As Memórias Póstumas de Brás Cubas (81), Papéis Avulsos (82)...

Infelizmente o poeta calou-se quando chegado ao alto da montanha. Ora, a sua verdadeira inspiração lhe veio daquele outro gênio estendeu a mão para descer da encosta ("No Alto").

O poeta estreou-se em livro aos 25 anos (64), com as Crisálidas. Machado de Assis fazia parte de um grupo de adolescentes que freqüentavam a casa de Caetano Filgueiras. "Todos se foram para a morte, ainda na flor da idade", escreveu ele numa advertência com que prefaciou a edição das Poesias Completas em 1900, "e, exceto Casimiro de Abreu, nenhum se salvou".

Na poesia, forma mais essencial, toda a sua amargura filosofia estava expressa e esgotada naqueles poucos e admiráveis poemas.

MANUEL BANDEIRA
Poeta modernista e ensaísta e tradutor.

 

Tem a sedução dos pormenores. Uma ironia displicente. Um sorriso tão discreto. E sabe ver sempre as grandes franjas de algodão que remontam os mantos de veludo das virtudes, como escreveu inexcedivelmente em A Igreja do Diabo, nas Histórias Sem Data.

Machado de Assis cronista quer capturar o tempo. Sim, "o desejo de capturar o tempo é uma necessidade da alma", como está em Esaú e Jacó. E ele nos diz, naquele seu estilo tão dele, que há homens cujo olho "serve de fotografia ao invisível, como o ouvido serve de eco ao silêncio" (Esaú e Jacó)

Cronista e contista se completam. Há uma perfeita unidade na sua obra. Leiam-se Papeis Avulsos , História sem data, Páginas recolhidas, Várias histórias, Memórias de casa velha, com aquelas notáveis páginas que são O espelho, O alienista, A Igreja do Diabo, Cantiga de Esponsais, Um Homem Célebre, Idéias de Cenário, Missa do Galo, Uns Braços, A Causa Secreta, Surge-se gordo!, Noite de Almirante. E leiam-se as levíssimas crônicas, em que Machado se condensa, com a sua volúpia, a sua agilidade, o seu recato. O despudor e o pudor da inteligência.

Trata com leveza os assuntos graves. E com gravidade os assuntos leves. A teoria da alma exterior se insinua no cronista, a da equivalência das janelas, a Teoria do Medalhão, tudo aqui está, maliciosamente, gracejantemente, entre um bocejo e um piparote, com a leveza absoluta da imponderabilidade total.

E mistura tudo. E faz a sua salada. Muito à maneira de Montaigne, um falar simples e espontâneo, tal no papel como na boca, suculento e nervoso. Breve e denso, longe de afetação a artifício, desordenado, descosido e audaz. Um humor ávido de coisas desconhecidas, de coisas novas.

Um mozartiniano. A graça. A desenvoltura. Um não sei quê de trêfego. Uma vivacidade quase excessiva. Há o divertimento e há o delírio. As desconexões desaparecem. Tudo se aproxima. "Unidade impalpável e obscura."

Podemos dizer que Machado de Assis é a mais alta expressão do humorista brasileiro. A mais autêntica. Ele e Nabuco representam as expressões mais nítidas desse humanismo universalista brasileiro, que tem no Dom Casmurro e na Minha formação – ambos de 1900 – as suas imagens mais puras. Graça Aranha os aproximou na sua página mais bela, o prefácio enternecido e objetivo à Correspondência entre Machado e Nabuco, que ele conhecera tão bem.

O paralelo entre os dois amigos – um mais moço dez anos que o outro – nos lança em cheio naquela atmosfera de aticismo do Segundo Reinado, de que eles foram projeções aladas na República dos Conselheiros.

Escreve com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, como ele próprio disse nas Memórias Póstumas. Elíptico e reticente.

ANTÔNIO CARLOS VILLAÇA
Escritor, crítico e cronista.

 

Machado de Assis foi um escritor de eclosão tardia. Se tivesse morrido cedo, como Manuel Antônio de Almeida, por exemplo, mal figuraria hoje nas histórias literárias. Só pela altura dos quarenta anos ousou ser o que era, ter essa sinceridade consigo mesmo sem a qual nenhum artista se realiza. As convenções românticas, que ainda subsistiam na sua mocidade, aliadas às do meio burguês a que aspirava, a sua difícil situação de homem sem raça nem classe definidas, talvez a própria insegurança de escritor que não dominava o seu meio de expressão, tudo isso deve ter contribuído para retardar-lhe a afirmação de personalidade.

Quando, afinal, se descobriu a si mesmo, não teve mais contemplações com o público. Escrevendo para a Estação, não se julgou obrigado à concessões feitas às apreciadoras do Jornal das Famílias. Elas que se adaptassem ao seu jeito, se quisessem lê-lo. Ao demais, não lhe desagradaria causar uma sacudidela de quando em quando; agora, só se lembrava dos leitores para dar-lhes piparotes, como dizia, o que era uma forma de manifestar o seu desdém. Por isso, entre modelos de vestidos, riscos de bordados, resenhas de festas, receitas de toucador – cousas frívolas, convites à vida superficial e fácil – não hesita em mostrar a sua descrença nas aparências, a sua busca do que atrás delas se oculta, a sua visão perscrutadora e severa. As moças sentimentais e faceiras, que procuravam maneiras de enfeitar-se e contos amenos, lá encontravam a triste figura do Rubião, a terrível lógica do Alienista. Talvez nem lessem essas páginas secas e belas, e as virassem lamentando que , em vez das histórias sem graça desse mulato, não se publicassem traduções de algum romancista de verdade, do admirável Georges Ohnet, por exemplo.

Mas, uma vez ou outra, descobriram-se, no livre Machado de então, ecos do Machado de outrora, que sabia escrever para mulheres. E se deliciariam com histórias simples, só de amor – embora fossem histórias tristes, que nunca acabavam bem.

LÚCIA MIGUEL PEREIRA
Escritora, Crítica e ensaísta brasileira.

Topo

 


Início | Autores | Escolas Literárias
1998-2007 Esquina da Literatura - InfoEsquina

Hosted by www.Geocities.ws

1