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CRÍTICA LITERÁRIA - IAIÁ GARCIA - MACHADO DE ASSIS
de: Profa. Lorena Bezerra"Alguma coisa escapa ao naufrágio das ilusões" (Machado de Assis)
( Artigo Publicado pelo Jornal Diário de Pernambuco - Recife -PE)QUADRILHA
Drummond"João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos.
Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história."Originária de várias danças, entre elas o "country dance" – cujo nome foi deturpado para "contra dança" – a quadrilha foi trazida da Europa no início do século XIX, e era dançada inicialmente por quatro pares, motivo da origem do seu nome.
Das festas palacianas, onde era comum no Carnaval e nos festejos juninos, a dança caiu no gosto do povo, que sempre procurava acompanhar as novidades europeias introduzidas pela elite.
Mas o meu querido leitor deve estar se perguntando o que tem tudo isso a ver com o romance em questão. O fato de estarmos próximos às festas juninas é apenas uma feliz coincidência e nós vamos organizar os possíveis pares da quadrilha machadiana. Observe que ela é dançada a partir de passos marcados pelo ritmo da música e pela troca de casais. Então vamos lá:
Jorge e Estela – eles se amam, mas Valéria, mãe dele impede a realização deste par porque Estela é pobre e orgulhosa: "Havia entre nós um fosso largo, muito largo, disse Estela. Eu era humilde e obscura, ele distinto e considerado; diferença que podia desaparecer, se a natureza houvesse me dado outro coração. . . Meu pai já me achava, em pequena, uns arremessos de orgulho. Como querias tu que, com tal sentimento, pudesse desposar um homem, socialmente superior a mim?"
Luís Garcia e Estela – a união de duas pessoas em prol dos interesses pessoais e sociais, sem "ilusões juvenis": "Todas as felicidades do casamento achei-as ao pé do teu pai. Não nos casamos por amor; foi escolha da razão, e por isso acertada. Não tínhamos ilusões; pudemos ser felizes sem desencanto";
Jorge e Iaiá - ela é filha de Luís Garcia e quer se assegurar da felicidade do pai impedindo o renascimento dos sentimentos entre Jorge e Estela : "Iaiá adivinhou o passado de Estela... Supôs um vínculo anterior ao casamento, roto contra a vontade de ambos, talvez persistente, malgrado aos tempos e às coisas. Seu pensamento cristalino e virginal... não conhecia as vicissitudes do coração... viu subitamente rasgar-se-lhe uma porta, e esses dez minutos foram a sua puberdade moral. A criança acabara: principiara a mulher."
Iaiá Garcia e Procópio Dias – ele, um homem dissimulado, tem interesses pessoais e sociais em casar com Iaiá, no entanto ela realmente passa a amar Jorge depois de já haver iniciado o "jogo". "Procópio Dias tinha a particularidade de parecer simplório, sempre que lhe convinha."
Esse romance é a obra de transição da primeira fase machadiana, ainda com influência do Romantismo e a fase definitiva do gênio do Realismo. Embora não apresentando toda a relatividade da segunda fase já nos presenteia com a ambiguidade própria do ser humano. As ações são pressupostos para a análise das dualidades: amor x dinheiro; elemento natural x social...
A família, célula mater da sociedade, será o centro da trama que revela os interesses pecuniários através do casamento numa sociedade capitalista. Os três elementos: família + casamento + dinheiro serão a base da formação e da dissolução dos pares. A dissimulação, a hipocrisia e as máscaras socias já começam a ser desvendadas por Machado.
Valéria nos lembra, em alguns momentos, D. Glória, mãe de Bentinho (D. Casmurro) e Iaiá é um esboço de Capitu. Um traço muito forte em ambas é a capacidade de simulação, o que as torna mulheres fortes. O fingimento é regra para a sobrevivência em sociedade e para defesa dos próprios interesses, daí toda a dissimulação nessa obra ainda ser justificada.
Lembrando que essa é ainda uma trama romanesca da fase "romântica" do autor, seria fácil concluir que as peças do jogo ou da dança acabarão se encaixando ao final e acertando o passo no ritmo da felicidade. Nada, leitor, melhor para acompanhá-lo neste São João, além do forró e das comidas de milho, obviamente, que dançar uma quadrilha com Machado de Assis. Divirta-se nesta "contra dança"...
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