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CRÍTICA LITERÁRIA - SENHORA - JOSÉ DE ALENCAR
de: Profa. Lorena Bezerra

O complexo de Cinderala brasileiro
( Artigo Publicado pelo Jornal Diário de Pernambuco - Recife -PE)

A palavra ROMANCE é popularmente ligada ao relacionamento amoroso, quando em LITERATURA seu sentido é outro. O ROMANCE é uma narrativa em prosa mais bem elaborada e complexa que a simples novela folhetinesca. A palavra é de origem medieval, vem do termo romanço que tanto designava o latim bárbaro falado por povos do Império Romano, quanto as narrativas de cerne popular entremeadas de aventuras fantasiosas.

A  imaginação muito fértil é uma qualidade que não se pode negar a José de Alencar, nem mesmo em SENHORA, uma obra escrita em plena maturidade do autor que já passava dos 44 anos. Não aguarde com isso, caro leitor, livrar-se do infantilismo natural das construções alencarinas. Os heróis continuam possuindo qualidades extraordinárias e mantendo a dignidade de seus corações, mesmo quando em situações adversas. Os vilões são sempre desprezíveis e para eles não há resignação no amor. A estrutura da obra segue ainda o padrão folhetinesco de harmonia (namoro), conflito (rompimento) e resgate da harmonia, através da consumação do casamento.

Os recursos usados por Alencar são bastante conhecidos. Ele tenta mostrar-se verossímel ao afirmar que narra um fato verídico; usa uma linguagem metafórica e amplamente adjetivada, mesmo nas passagens em que tenta exprimir certo realismo. Além de usar o amor como meio de purificação e a idealização das personagens. Observe a descrição inicial do "perfil feminino" central da obra:

"Há anos raiou no céu fluminense uma nova estrela.
 Desde o momento de sua ascensão ninguém lhe disputou o cetro; foi proclamada a rainha dos salões.
 Tornou-se a deusa dos bailes; a musa dos poetas e o ídolo dos noivos em disponibilidade.
 Era rica e formosa.
 Duas opulências que se realçam como a flor em vaso de alabastro; dos esplendores que se refletem, como o raio de sol no prisma do diamante.
 Quem não se recorda da Aurélia Camargo..."

O Romantismo chega ao Brasil no período imediatamente posterior à Independência, portanto eufóricos por uma identidade nacional os autores partem para parâmetros indianistas e regionalistas.  Nos romances urbanos essa busca da "cor local" se manifesta através da descrição do ambiente e das personagens da corte, além do surgimento do  espírito burguês nascente na nação recém libertada. Em suas crônicas de costumes Alencar revelou, e acentuadamente em SENHORA, sua vaidade ferida na vida política e literária através do relacionamento homem X mulher,  amor X dinheiro.

Apesar de ter sido deputado e Ministro da Justiça, foi preterido pelo Imperador Pedro II quando eleito Senador do Império, decorrência da sua briga literária com Gonçalves de Magalhães.

Em SENHORA, a personagem de Fernando Seixas é usada como recurso para uma crítica ao mercantilismo e à idolatria ao dinheiro crescente na Segunda metade do século XIX. O casamento usado para ascender socialmente é uma prática comum na sociedade burguesa de então. Assim sendo Fernando é um rapaz bom embora muito ganancioso, mas isso é justificado como fruto da educação que recebera:

"A sociedade no seio da qual me eduquei, fez de mim um homem à sua feição; o luxo devorava-me os vícios, e eu não via através da fascinação o materialismo a que eles me arrastavam. Habituei-me a considerar a riqueza como a primeira força da existência, e os exemplos ensinavam-me que o casamento era meio tão legítimo de adquiri-la, como a herança e qualquer honesta especulação."

Aurélia Camargo é o protótipo da heroína que tudo suporta em nome do amor, menos macular a imagem do seu amado. Moça pobre e inteligente, afeita aos números, habilidade que a diferencia das outras e dá-lhe um toque supostamente racional, pois todas as suas atitudes são movidas pela emoção. Ao comprar seu amado com o dote de cem contos de réis, ela não só mostrará sua força realizando sua vingança pessoal, como também  proporcionará a possibilidade de regeneração de Seixas com a tomada de consciência de seu ato vil.

"- Então nunca amou a outra?
- Eu juro-lhe, Aurélia. Estes lábios nunca tocaram a face de outra mulher, que não fosse a minha mãe. O meu primeiro beijo de amor, guardei-o para minha esposa, para ti...
- Ou para outra mais rica!...
-Aurélia! Que significa isto?
-Representamos uma comédia, na qual ambos desempenhamos o nosso papel com perícia consumada. Podemos ter orgulho, que os melhores atores não nos excederiam. (...) Entremos na realidade por mais triste que ela seja; e resigne-se cada um ao que é, eu uma mulher traída; o senhor, um homem vendido.
-Vendido! Exclamou Seixas ferido dentro d’alma.
- Vendido sim: não tem outro nome. Sou rica, muito rica, sou milionária; precisava de um marido, traste indispensável às mulheres honestas. O senhor estava no mercado; comprei-o Custou-me cem contos de réis, foi barato; não se fez valer. Eu daria o dobro, o triplo, toda a minha riqueza por este momento."

Alencar reflete a sociedade patriarcal e moralista ao desvanecer a força dessa personagem quando, ao final, ao reencontrar em Fernando o homem digno e amado, portando capaz de "cuidar" dela, Aurélia vai submeter-se ao amor e perde o perfil forte que havia apresentado durante todo o decorrer da obra. Observe que esta é a fórmula mais simplória do COMPLEXO DE CINDERELA: a moça pobre e orfã sofre até ser resgatada pelo maravilhoso príncipe encantado.

Sabendo disso tudo para que ler Alencar? Ele proporciona ao leitor a possibilidade de entretenimento e de identificação entre personagens e público levando ao gozo ou ao sofrimento, ao riso frouxo  ou às lágrimas. Esse processo catártico é bastante salutar para se vivenciar através das personagens uma lembrança fortemente emocional  e/ou traumatizante, até então reprimida. Daí você já haver notado pessoas chorando ao assistirem telenovelas ou mais comumente no cinema, onde o escurinho esconde as lágrimas e deixa fluir toda a catarse. Depois vem o alívio do sentimento que estava escondido e, muitas vezes, desconhecido. Então não fique preocupado se ao assistir Titanic ou Deep Impact (Impacto Profundo) você se debulhou em lágrimas. Leia Alencar com a imaginação livre e com seus olhos voltados para uma perspectiva romântica. Boa leitura!

 

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