Rua do Sol

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Sou organizada,

arquivo minhas dores.
Já arquivei muitas.
Vez por outra,
desarquivo uma.
Algumas permanecem arquivadas,
exclusivamente porque já foram dores,
e dores são dores,
tenho-lhes o devido respeito.
Tenho algumas que nem toco,
pavor de estragá-las.
Deixo-as como estavam
no dia do arquivamento,
intactas.
Tenho muitas dores arruaceiras,
escandalosas,
dessas que a gente morre de vergonha
quando aparecem.
Mas é evidente que tenho outras,
completamente diferentes,
caladas.
Dessas não gosto.

Algumas são delicadíssimas,
a dor do primeiro amor desfeito
é um bom exemplo.
Tenho uma dor bem interessante,
eu diria até que
inusitada,
uma dor desafinada.
Ora, por que a surpresa?
Paixão solitária dá nisso,
impossível harmonizar.
Confesso, sem constrangimento,
tenho uma dor
brega.
Isso mesmo. E quem não tem
pelo menos uma?
A minha dor de cotovelo
está na terceira gaveta,
já esteve mais acessível,
mas ainda está lá.
Tenho até dor em ordem alfabética.

É bem grande esse meu arquivo,
mas organizado.
Quer dizer, mais ou menos.
É que tenho uma dor
Instável.
Já tentei faze-la desaparecer,
mas é voluntariosa,
tem vida própria.
Uma vez rasguei-a em pedacinhos.
Adiantou? Não!
Mal abri a primeira gaveta
lá estava ela, multiplicada.
Arquiva-se e desarquiva-se
quando e como quer.
E, mais, mistura-se com as outras.
Apareceu de tanto eu abrir e fechar a gaveta.

Difícil lidar com ela.
Desisti.

Sandra Falcone
(Em Notícias de Mim)

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