[Manuel Bandeira] [Autores] [Esquina da Literatura]

 

O inútil luar

É noite. A Lua, ardente e terna,
Verte na solidão sombria
A sua imensa, a sua eterna
        Melancolia...

Dormem as sombras na alameda
Ao longo do ermo Piabanha.
E dele um ruído vem de seda
        Que se amarfanha...

No largo, sob os jambolanos,
Procuro a sombra embalsamada.
(Noite, consolo dos humanos!
        Sombra sagrada!)

Um velho senta-se ao meu lado.
Medita. Há no seu rosto uma ânsia...
Talvez se lembre aqui, coitado!
        De sua infância.

Ei-lo que saca de um papel...
Dobra-o direito, ajusta as pontas,
E pensativo, a olhar o anel,
        Faz umas contas...

Com outro moço que se cala.
Fala um de compleição raquítica.
Presto atenção ao que ele fala:
        - É de política.

Adiante uma senhora, magra,
Em ampla charpa que a modela,
Lembra uma estátua de Tanagra.
        E, junto dela,

Outra a entretém, a conversar:
- "Mamãe não avisou se vinha.
Se ela vier, mando matar
        Uma galinha."

E embalde a Lua, ardente e terna,
Verte na solidão sombria
A sua imensa, a sua eterna
        Melancolia...

Manuel Bandeira
(Em Estrela da vida inteira)

 

[Manuel Bandeira] [Autores] [Esquina da Literatura]

1998-2000 Esquina da Literatura - InfoEsquina.

Hosted by www.Geocities.ws

1