[Manuel Bandeira] [Autores] [Esquina da Literatura]
Enquanto a chuva cai...
A chuva cai. O ar fica mole...
Indistinto... ambarino... gris...
E no monótono matiz
Da névoa enovelada bole
A folhagem como o bailar.Torvelinhai, torrentes do ar!
Cantai, ó bátega chorosa,
As velhas árias funerais.
Minh'alma sofre e sonha e goza
À cantilena dos beirais.Meu coração está sedento
De tão ardido pelo pranto.
Dai um brando acompanhamento
À canção do meu desencanto.Volúpia dos abandonados...
Dos sós... - ouvir a água escorrer,
Lavando o tédio dos telhados
Que se sentem envelhecer...Ó caro ruído embalador,
Terno como a canção das amas!
Canta as baladas que mais amas,
Para embalar a minha dor!A chuva cai. A chuva aumenta.
Cai, benfazeja, a bom cair!
Contenta as árvores! Contenta
As sementes que vão abrir!Eu te bendigo, água que inundas!
Ó água amiga das raízes,
Que na mudez das terras fundas
Às vezes são tão infelizes!E eu te amo! Quer quando fustigas
Ao sopro mau dos vendavais
As grandes árvores antigas,
Quer quando mansamente cais.É que na tua voz selvagem,
Voz de cortante, álgida mágoa,
Aprendi na cidade a ouvirComo um eco que vem na aragem
A estrugir, rugir e mugir,
O lamento das quedas d'água!Manuel Bandeira
(Em Estrela da vida inteira)
[Manuel Bandeira] [Autores] [Esquina da Literatura]
1998-2000 Esquina da Literatura - InfoEsquina.