Rua do Sol

br.geocities.com/esquinadaliteratura

Início > Autores > José de Alencar >


Questão da Confederação dos Tamoios
Texto do trabalho: José de Alencar Senhora

Com o apoio do imperador do Brasil, Gonçalves Magalhães lança a Confederação dos Tamoios em 1856. O livro tinha um interesse muito grande para D. Pedro II pois havia propaganda a sua pessoa e ideais. Publicado, recebeu fortíssimas críticas de Ig, pseudônimo que José de Alencar utilizou para escrever algumas cartas sobre a obra provocando um acontecimento literário marcante. Veja nas próximas linhas como aconteceu a história e que tipo de críticas fez Alencar para A Confederação dos Tamoios e seu autor:

No ano de 1856 houve a publicação de A Confederação dos Tamoios. Seu autor, o poeta dramaturgo e diplomata Domingos José Gonçalves de Magalhães, a escrevera na Europa durante sete anos. No ano de 1854 obteve licença e veio ao Rio de Janeiro, trouxe consigo o longo manuscrito. A 30 de janeiro de 1855, lia ele ao imperador o seu poema épico. O soberano entusiasmou-se e chamou a si a publicação de A Confederação dos Tamoios. Satisfeito, sabendo que sua obra estava em boas mãos, partiu o diplomata para a Europa. Só no ano seguinte seria publicado o livro.

O autor estava certo de que seria aclamado em uníssono. Por seu talento poético e pela escolha do tema, que mostrava, unidos, índios, jesuítas e portugueses, para a expulsão dos franceses da Baía de Guanabara e fundação da cidade do Rio de Janeiro. Com A Confederação dos Tamoios ganhava uma nova contribuição o indianismo brasileiro. O poema, em dez cantos, estava cheia de figuras de selvagens, uns ainda rebeldes, outros já em início de assimilação, graças à catequese dos seguidores de Inácio Loiola. O poema sem ser uma obra-prima, tinha algumas passagens felizes, principalmente as descritivas, que afagavam o espírito nacionalista e ufanista do nosso povo.

Entretanto, o poema épico pecava, acima de tudo, pela demonstração de aulicismo dada pelo autor, que num tema histórico, ligado à fundação do Rio e à expulsão dos hunguenotes da sua França Antártica, enxertara um canto inteiro, para fazer rapés à dinastia e para engrossar ao mesmo tempo D. João e D. Pedro II, sem esquecer-se de prestar igualmente uma homenagem ao futuro Duque de Caxias. Como se arranjou para isso o poeta, a que D. Pedro II daria em 1874 a título de Visconde de Araguaia?: muito simplesmente pondo o índio a dormir, (...) e nesse sonho São Sebastião a ele se apresenta e o transporta, oniricamente, ao cimo do Corcovado (...) o santo mostra ao índio a fundação da futura grande cidade. E, depois, a chegada da família real, a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido, o regresso de D. João VI a Portugal, a proclamação da independência e a fundação do império, a abdição de D. Pedro I, a menoridade, o amor do povo ao Sr. D. Pedro II, a sua subida ao poder e o crescimento do império com ele.

Era, sem dúvida, complicação demais e sutileza excessiva, para entrar assim de repente, profeticamente, no sonho de um indígena. O poeta transferia para o índio adormecido as suas próprias idéias e os seus julgamento de valor.

D. Pedro II encantou-se com o poema e com seu autor, mas José de Alencar não foi da mesma opinião. Viu, na publicação de A Confederação dos Tamoios, uma oportunidade para exercer o seu espírito crítico, apontando as deficiências da obra do escritor já famoso e provocando a atenção dos leitores para o Diário do Rio de Janeiro. Evidentemente, era um prato de sensação, surgir alguma pena, num jornal diário, antagonizam um poeta que, embora ausente, era sabidamente patrocinado pelo imperador. Entretanto, Alencar não entrou na liça de viseira erguida ou a peito descoberto. Ele mesmo diária, mais tarde, num artigo polêmico "Quando escrevi as cartas sobre a Confederação, com o pseudônimo de Ig, guardei o maior incógnito; e para desviar de mim as suspeitas, pois era o redator do jornal, figurava-me em velho que jogava à noite e seu voitarete, e que tinha viajado em outros tempos à Europa". Sob tal disfarce, sem dúvida destinado a não só a despistar a verdadeira autoria, mas a reforçar a autoridade do crítico. Passaria Alencar a escalpelar impiedosamente a obra de Domingos José Gonçalves de Magalhães. O falso velho dirigia suas cartas a um amigo desconhecido, do mesmo modo que José Maria da Silva Paranhos (futuro Visconde do Rio Branco), quando folhetinista do Jornal do Comércio, escrevia as suas Cartas ao Amigo Ausente. Começava Alencar dizendo que não era um juízo crítico o que pretendia escrever, mas "apenas as impressões de minha leitura".

As cartas fizeram sensação. A crítica embora contundente, nada tinha de desrespeitosa. Na primeira delas, dizia Ig que o assunto "Tirado dos primeiros tempos coloniais do Brasil, é geralmente conhecido; era um belo assunto que, realçado por uma grandeza de uma raça infeliz, e pelas cenas da natureza esplêndida da nossa terra, dava para uma divina epopéia, se fosse escrito por um Dante". Não podia ter outra opinião quem era também um leitor de antiqualhas históricas, um resbucador de alfarrábios, de velharias de arquivos e de páginas esquecidas de velhos cronistas coloniais.

Já vimos Alencar preocupado com o índio Potí, ou Antonio Felipe Camarão, e Henrique Dias, bem com a linguagem adequada para as narrativas históricas dos tempos coloniais. Mas ao aparecer A Confederação dos Tamoios a sua reação foi quase a de alguém que ardesse de zelos para ver um intruso invadir um terreno já destocado, nivelado e aceirado, no qual ele se apresentasse a levantar suas contrações literárias.

A Confederação dos Tamoios parecia-lhe obra imperfeita, " com grande abuso de hiatos e um desalinho de frases, que muitas vezes ofende a eufonia e doçura de nossa linguagem", " defeitos de estilo e de dicção", elipses repetidas, sobretudo na conjunção com; o que não só denota fracos recursos de metrificação, como torna o verso pouco sonoro e cadenciado".

Tal crítica foi seguida de outra, a 22 de junho de 1856, na qual José de Alencar apontava novos senões e traçava um paralelo entre A Confederação dos Tamoios e outra obra indianista O Uruguai, de José Basílio, na qual foram estabelecidos diversos pontos e O Uruguai era sempre superior.

A terceira saiu a 28 de junho, a quarta a 5 de julho e a última a 14 do mesmo mês. Se Alencar tinha realmente, como sustenta José Aderaldo, " o objetivo determinado, entre outros, de motivar uma polêmica que, por sua vez, conduziria os críticos ou escritores da época a uma tomada de posição face ao romantismo brasileiro, particularmente ao indianismo que o caracterizava tão bem", esse propósito foi alcançado. Logo surgiram alguns adversários, dentre eles D. Pedro II.

Já havia o imperador tomado da pena e redigido nada menos de quatro artiguetes, publicados no Jornal do Comércio de 12, 15, 21, e 24 de agosto de 1856. Como Porto Alegre adotara, no Correio da Tarde, o pseudônimo de O amigo do poeta, D. Pedro II em suas Reflexões às cartas de Ig adotou o pseudônimo de Outro Amigo do Poeta. Seus textos eram pobres de argumentação, não discutiam problemas de estilo ou da arte poética, limitando-se a elogiar irrestritamente o poeta.

A publicação da correspondência ativa de Francisco Adolfo de Varhangem revela que esse diplomata delicadamente se escusou, em carta datada de Madrid, a 24 de setembro de 1856. Nela dizia a D. Pedro II: "Li com avidez o poema, e sabendo que ele tem encontrado críticos violentos, guardar-me-ei bem de expressar a respeito dele o meu voto público na parte que lhe for menos favorável, tanto mais quanto poderia eu, ainda que o fizesse, parecer plagiário de seus críticos, sem o ser, pois não li mais do que umas cartas em defesa do poema no J. Do Comércio". Na verdade propendia Varhangem para a posição de Alencar.

Embora numa correspondência privada, Varhangem juntava novos elementos ao que Alencar vinha alegando. O imperador deve ter ficado desolado com essa carta, como teria igualmente ficado, antes disso, com a retomada do assunto por Ig. Depois da última carta, o crítico voltara à liça, publicando a sexta de 9 de agosto, a sétima a 12 e a oitava a 15 do mesmo mês. Na sexta, dizia responder a um dos defensores de Magalhães que o considerava injusto por negar "as belezas de descrição que na opinião existem n’A Confederação dos Tamoios".

E tais cartas, o misterioso Ig - só mais tarde o segredo seria desvendado - fazia confissões de caráter autobiográfico, reveladoras das tendências de seu espírito. Na oitava, que foi realmente a última, Alencar arrola mais um cronista do Brasil colonial, Baltazar da Silva Lisboa, de cujos Amais do Rio de Janeiro iria extrair, mais tarde elementos para O Guarani e o assunto de seu romance O Garatuja. Nessa carta, fala das belezas poéticas em Homero, Virgílio, Dante Tasso, Shakespeare, Camões, Milton, Macpherson (o criador de mítico Ossian) e, ainda uma vez, Chateaubriand, para novamente diminuir A Confederação dos Tamoios.

Publicando, mais tarde, essas cartas em folheto e assumindo-lhes a paternidade, revelou Alencar que "o pseudônimo de Ig. foi tirado das primeiras letras do nome Iguaçu, heroína do poema". E acrescentou, maldosamente: "Ninguém dirá, pois, que A Confederação dos Tamoios não é capaz de inspirar, quando suscitou-me a idéia de um pseudônimo que fez quebrar a cabeça a muita gente". E não era pouco para um jornalista novato entrar em polêmica logo com o Imperador... Mesmo Araripe Júnior, parente e apologista de Alencar, acha que ele se excedeu na crítica.

Topo

 


Início | Autores | Escolas Literárias
1998-2007 Esquina da Literatura - InfoEsquina

Hosted by www.Geocities.ws

1