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Huis Clos, que na língua francesa significa “portas fechadas”, escrito por Jean Paul Sartre, no ano de 1947, denuncia todo o sufoco vivido no período da 2a Guerra Mundial: a relação cotidiana de dependência, a auto-afirmação, a eterna necessidade de realização dos desejos, a problemática da convivência, o querer individual, o apego às coisas banais.
A peça é a relação de três indivíduos: J.G., I.S. e E.R.. Sem nunca terem se visto antes, são condenados a morarem juntos por toda a eternidade. Conduzidos, um por um, pelo Criado do Inferno para a mesma sala, as personagens deparam-se com o que seria um anti-inferno: um ambiente com três banquinhos, uma bola de ferro e duas redes.
Assim como no filme “O Anjo Exterminador”, de Buñuel, os personagens, a princípio, mantém a máscara da postura e dos bons-modos. Mas a medida que as situações se sucedem, deixam mostrar as suas podridões. Cada personagem deseja esconder a sua personalidade, porém não conseguem, pois cada um é o espelho do outro.
Trancados os três, inicialmente sentem um certo alívio, pois imaginam estarem livres de seus erros cometidos em vida. Porém, justamente por estarem somente os três neste quarto e conscientes de que ninguém mais chegará, os personagens sentem a necessidade da presença do outro, dando vazão aos seus mórbidos desejos sexuais. Um deseja o outro. Precisam apegar-se a algo; e este algo é a necessidade da distração sexual. O amor desesperado de Inês por Estelle, conduz a trama num crescente desesperador de situações.
Estelle, acostumada em vida a se deleitar em aventuras sexuais, a todo custo deseja Garcin. E este, por sua vez, fazendo girar a roda sexual, quer Inês, que não descansa o seu desejo por Estelle.
Cada um deseja o amor do outro. Cada um deseja o sofrimento do outro.
Jean Paul Sartre
Sartre foi um dos principais intelectuais do século XX. Engajado politicamente, esquerdista, preocupou-se com as questões humanas, com o mundo corroído dos homens. Na filosofia, contribuiu para o pensamento fenomenológico e existencialista. Afirma que o homem é o único responsável pelos seus atos e que cada pessoa é plenamente responsável por si. Assim, cada homem escolhe o seu referencial de ser humano, isto é, escolhe em si a melhor forma de representar toda a humanidade. Desta “responsabilidade”, surge a angústia, temática fundamental para Sartre. O homem tem medo da sua capacidade de tomar decisões e modificar o seu ser, mas não pode escapar a essa liberdade. O homem está condenado a ser livre. Por isso recorre a um ser transcendental inexistente: para esquecer das responsabilidades.
Na dramaturgia, escreveu obras fundamentais (a exemplo de O Diabo E o Bom Deus, A Prostituta Respeitosa, As Moscas, etc.), onde alicerça suas teorias e politiza as situações.
Em Huis Clos, peça situada no inferno, Sartre fundamenta a sua filosofia agnosticista, onde este inferno é o inferno humano e o sofrimento é causado pelo cotidiano da convivência, pela constante submissão ao desejo sexual e a não aceitação dos seus próprios defeitos.
A Peça
Possui como linguagem cênica o expressionismo, movimentos corporais baseados em Vsevolod Meyerhold (1874 - 1940), teórico russo do início do século, onde o fazer teatral se realiza na movimentação, rejeitando a subordinação ao psicológico ou ao realismo.
A podridão da classe alta do Rio de Janeiro se mostra na personagem E.R., onde o pensamento e a posição política praticamente inexistem devido a condição de alienação à sensualidade, ao jogo da sedução.
J.G., ex-morador de Macapá, no Amapá, é um falso idealista político. Por propagar idéias esquerdistas em seu jornal, é procurado pelos militares. Porém, no momento que deveria assumir os seus ideais, com medo, tenta fugir, negando, assim, a coragem dos seus pensamentos. Foi pego, preso e fuzilado.
I.S., extremamente feminina, investe em E.R. de maneira mais sensual de que sexual. Em vida tinha um caso com a sua prima, Flora.
Este inferno situa-se dentro do Brasil do século XX, no final da década de 70, no período da repressão e do militarismo.
Em Huis Clos, sente-se a situação de prisão gerada no período da repressão. A angústia da dependência, da anulação da subjetividade, a manipulação.
“Somos cavalinhos de pau, que correm, um atrás do outro, sem nunca se alcançarem.” - pg. 69
“Então, isto é o inferno? Nunca imaginei... Não se lembram? O enxofre, a fogueira, a grelha... Que brincadeira! Nada de grelha... O inferno... são os Outros.” - pg. 99
“O papel do movimento cênico é mais importante do que o de qualquer outro elemento teatral. Privado da palavra, do figurino, da ribalta, dos bastidores, o teatro, com o ator e sua arte dos movimentos, não se torna menos teatro: são os movimentos, os gestos e as expressões fisionômicas do ator que falam ao espectador dos seus pensamentos e impulsos.”
O Teatro de Meyerhold, 1969, pág. 107
“Em cena o ator não deve esquecer por nenhum momento que representa; (...) Ao representar, o ator pode nada sentir, não experimentar nenhuma emoção. A única coisa que importa é que, de maneira ou de outra, o espectador reaja ao que acontece em cena.”
O Teatro de Meyerhold, 1969, pág. 169
Ficha técnica: Direção: Lucianna Raitani Personagem: Criado Luciano Kampf J.G. Zé Ribeiro I.S. Lucianna Raitani E.R. Tatiane Tortelli Figurino: Lucianna Raitani Cenário: Lucianna Raitani Sonoplastia: Zé Ribeiro Maquiagem: Lucianna Raitani Iluminação: Fábio Kinas
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