O ESQUELETO LAVRADOR
I
E nas pranchas de anatomia
Que estão na poeira destes cais
Em que muitos livros ferais
Dormem feito múmia sombria,
Ilustrações a que a firmeza,
Como o saber de um velho artista,
Para um assunto que contrista,
Comunicaram a Beleza,
Vê-se, o que torna mais completos
Estes misteriosos horrores,
Cavando como lavradores
A multidão dos esqueletos.
II
Dessas terras por vós cavadas,
Calmos e fúnebres aldeões,
Do esforço de vossos pulmões,
De vossas carnes escorchadas,
Dizei-me, que messe fatal,
Forçados soltos do carneiro,
Vós tirais, e de que granjeiro
Deveis ir enchendo o casal?
Quereis (de um destino bem duro
Espantoso e lúcido emblema!)
Mostrar que nem na tumba extrema
O sono pode ser seguro;
Que o Nada nos será traição;
Que tudo, até a Morte, nos mente.
Tanto que sempre eternamente,
Teremos a condenação
De, por uma ignorada angra,
Esfolar uma terra irada
Enquanto se impele uma enxada
Sob nosso pé nu e que sangra?