SUSTENTABILIDADE E EDUCAÇÃO BIOLÓGICA:
UMA PERSPECTIVA RELACIONAL
Edmundo C. de Moraes e Argiró N. K. Colombi
Laboratório de Pesquisa para um Conhecimento Integrado
Departamento de Ecologia e Zoologia
Centro de Ciências Biológicas
Universidade Federal de Santa Catarina
Florianópolis, SC - Brasil
[email protected]
Resumo
Sustentabilidade e Educação Biológica são analisadas a partir de uma perspectiva relacional. Considera-se que as principais questões contemporâneas são essencialmente "questões relacionais": questões que surgem dos modos estabelecidos pelos seres humanos para relacionarem-se entre si e com os outros componentes (biológicos e físico-químicos) do nosso planeta.Visões de mundo constituem as bases para as atitudes e ações humanas que conduzem aos diferentes modos da Organização Humana (social, política, econômica). As questões relacionais surgem a partir de visões de mundo fragmentárias que levam a uma Organização Humana essencialmente fundamentada na exploração em todos os níveis das atividades humanas. Considera-se nessa análise o conceito de "dimensão relacional" (capacidade para estabelecer relações) de modo que a Sustentabilidade é entendida como uma conseqüência da gestão da Dimensão Relacional Humana. A Educação é considerada como responsável pela relação recursiva entre as visões de mundo e a Organização Humana. O atual paradigma educacional é analisado considerando-se o seu papel na construção de visões de mundo fragmentárias e na Organização Humana. Considera-se uma estratégia educacional fundamentada no estudo das relações (Abordagem Relacional) para estimular a compreensão do nosso planeta como o resultado de um complexo emaranhado de relações entre os seus componentes físico-químicos, biológicos e humanos. Propõe-se que o estudo dos seres vivos a partir da Abordagem Relacional pode contribuir para o processo de enfrentamento das Questões Relacionais.
Abstract
Sustainability and Biological Education are analyzed under a relational perspective based on the concept of world views. We consider that the main contemporaneous issues are essentially "Relational Issues". World views are the base for human attitudes and actions leading to the different kinds of Human Organization (social, political, economical). Relational Issues arise from fragmentary world views that lead to human organizations essentially based on exploitation at all of human activity levels. We consider in this analysis the concept of Relational Dimension (capacity to establish relationship) so that sustainability is understood as a consequence of Human Relational Dimension management. Education is considered as responsible for the recursive relationship between world views and Human Organization. The current educational paradigm is analyzed considering its role in the construction of fragmentary world views and Human Organization. We consider an educational strategy based on the study of relationships (Relational Approach) to foster the comprehension of our planet as the outcome of a complex entanglement of relationships of its physical-chemical, biological and human components. We propose the study of living beings under the Relational Approach as a contribution from Biological Education to face relational questions.
1. Introdução.
Exclusão social, desmatamento, miséria, poluição atmosférica, conflitos regionais e internacionais, guerras, poluição das águas, violência urbana, ameaça à diversidade biológica e cultural, corrupção, mudanças climáticas, desemprego, abastecimento energético, uso indiscriminado dos recursos não renováveis. Estas são algumas das questões que as sociedades humanas contemporâneas se deparam. É possível identificar algum ponto de conexão entre esse conjunto de questões de modo a contribuir para a sua superação? Quais as relações entre a Educação e essas questões? Como a Educação Biológica pode contribuir para o enfrentamento dessas questões? O presente trabalho apresenta uma reflexão em torno desse questionamento, adotando-se como referencial de trabalho os conceitos de visão de mundo e dimensão relacional.
A visão de mundo pode ser entendida como o conjunto de pressupostos (crenças, valores, conceitos) que constitui o modo como as pessoas descrevem o mundo (COBERN, 1991; KOLTKO-RIVERA, 2004; DISINGER AND TOMSEN, 1995). Esses pressupostos são organizados implicitamente e culturalmente dependentes. Segundo COBERN (1991), a visão de mundo é a organização fundamental da mente, composta por pressuposições que predispõem as pessoas a sentir, pensar e agir em padrões previsíveis. Miller e West (KOLTKO-RIVERA, 2004) definem a visão de mundo como a lente interpretativa que uma pessoa usa para entender a realidade e a sua existência nela.
A visão de mundo estabelece suposições e afirmações restritas a respeito daquilo que existe e do que não existe, quais objetos e experiências são bons ou ruins e quais objetivos, comportamentos e relações são desejáveis ou indesejáveis (KOLTKO-RIVERA, 2004). A visão de mundo define o que pode ser conhecido ou feito e como isso pode ser conhecido ou feito. As suposições incluídas na visão de mundo provêem os fundamentos epistemológicos e ontológicos para outras crenças dentro de um sistema de crenças (KOLTKO-RIVERA, 2004). A visão de mundo é uma particularidade individual, mas é construída socialmente, daí a sua dependência cultural (AERTS et al, 1994; COBERN, 1991, 1996; DISINGER AND TOMSEN, 1995; MILBRATH, 1984; OLSEN et al, 1992).
Segundo o modelo de Michael Kearney (COBERN, 1991) uma visão de mundo é constituída por sete categorias universais interligadas: Eu ("Self"), Não Eu ("NonSelf"), Classificação, Relação, Causalidade, Tempo e Espaço. A diferenciação, identificação e definição do Eu e do Não Eu constitui o principal eixo na construção da visão de mundo e pode ser considerado como o exemplo fundamental da categoria Classificação. Além da diferenciação do Eu e do Não Eu, a Classificação está associada com a identificação do conteúdo do Não Eu bem como dos seus atributos.
As Relações formam o sentido do Eu e do Não Eu, contextualizando o Eu ("o modo como as pessoas vêem as interações com outras pessoas e coisas no seu habitat significativamente afeta o modo como elas se comportam", COBERN, 1991, pg.49). As Relações estabelecem os limites entre o indivíduo (Eu) e o mundo exterior (Não Eu). A categoria Causalidade está associada à natureza das causas e dos efeitos. As visões que as pessoas têm do Espaço e do Tempo representam as outras duas categorias constituintes de uma visão de mundo. Cabe ressaltar que, segundo o citado modelo, as categorias apresentadas são interdependentes. Assim, por exemplo, a Causalidade é dependente das Relações entre o Eu e o Não Eu e do entendimento do Tempo e do Espaço (COBERN, 1991, pg. 64).
KOLTKO-RIVERA (2004) identifica as visões de mundo a partir do seu aspecto dimensional. Ele reuniu as diversas dimensões de uma visão de mundo em sete grupos (KOLTKO-RIVERA, 2004, pg. 36): as dimensões relativas à Natureza Humana, à Vontade, à Cognição, ao Comportamento, ao Interpessoal, à Verdade, e ao Mundo e a Vida. Para cada dimensão pode-se estabelecer as possíveis opções que constituem uma visão de mundo. Assim, por exemplo, as dimensões de uma visão de mundo relacionadas à Natureza Humana e suas possíveis opções são: a Orientação Moral (o Bem ou o Mal), a Mutabilidade (Modificável ou Permanente) e a Complexidade (Complexa ou Simples).
1.2. Dimensão Relacional.
O conceito de Dimensão Relacional surge da premissa de que nada está isolado (MORAES, 1998; 2004). A partir dessa premissa, a existência de qualquer coisa está inerentemente associada à sua capacidade para se relacionar: existir é se relacionar. Isso confere a todos os seres uma dimensão, a sua Dimensão Relacional (MORAES, 1998; 2004). Assim, cada ser possui uma dimensão relacional própria e, portanto ele pode ser identificado pela sua capacidade para se relacionar.
Todos os seres, pela sua constituição físico-química, são capazes de se relacionar reagindo aos estímulos físico-químicos. Os seres vivos apresentam a capacidade para se relacionar, reagindo físico-quimicamente como todos os seres, e respondendo biologicamente (DUBOS, 1973). A resposta biológica vai além da reação físico-química e emerge da dimensão relacional dos seres vivos. Já os seres vivos humanos, alem de reagirem físico-quimicamente como todos os seres e de responderem biologicamente como todos os seres vivos, se relacionam respondendo aos estímulos a partir de um nível de consciência inerente à sua condição humana, que emerge da Cultura. "Mais freqüentemente, suas reações são ditadas menos pelos efeitos diretos dos estímulos sobre o seu organismo que pelo valor simbólico que ele lhes atribui... e se apresentam como atos criadores originais" (DUBOS, 1973). A dimensão relacional humana confere aos seres humanos uma capacidade própria para se relacionarem entre si e com os demais componentes biológicos e físico-químicos do mundo em que vivemos.
2. Organização Humana e Visões de Mundo.
A capacidade para se relacionar com os seus semelhantes de forma humana, ou seja, de uma maneira que ultrapassa as interações meramente biológicas, proporcionou aos seres humanos condições para constituir os diversos níveis da Organização Humana, do núcleo familiar à complexa rede institucional que caracteriza o nosso mundo atual.
O processo de desenvolvimento das sociedades humanas pode ser pensado como sendo conseqüência do modo de gestão da dimensão relacional humana, ou seja, de como (de que forma, com que intensidade) os seres humanos se relacionam entre si e com os demais componentes do nosso planeta. As relações econômicas, sociais e políticas podem ser entendidas como sendo, ao mesmo tempo, causas e conseqüências desse processo de desenvolvimento e, portanto, são estabelecidas pela gestão da dimensão relacional humana.
Segundo Sue (DISINGER AND TOMSEN, 1995) a visão de mundo constitui a base de referência para os seres humanos se relacionarem com o mundo (natureza, instituições, outras pessoas, coisas, etc.). Pode-se considerar que as diferentes formas de organização humana está estritamente associada à gestão da capacidade dos seres humanos para estabelecer relações (sua dimensão relacional) que por sua vez fundamenta-se nas visões de mundo.
Assim, as relações entre organização humana, gestão da dimensão relacional humana e visões de mundo devem ser entendidas como sendo circulares, recursivas: a organização humana emerge das atividades humanas que são fundamentadas em visões de mundo e, por sua vez, as visões de mundo são construídas socialmente, ou seja, elas emergem da organização humana (DISINGER AND TOMSEN, 1995; MILBRATH, 1984). Esse processo recursivo é mediado pela Educação, integrante da organização humana e reprodutora ou construtora de visões de mundo. Essa relação fica mais clara nas sociedades contemporâneas onde a Educação Escolar, por exemplo, uma instituição que surge da organização humana, exerce esse papel de reproduzir as visões de mundo hegemônicas ou de construir novas visões de mundo.
3. Visões de Mundo Predominantes e o Modelo de Organização Humana.
Pode-se identificar os elementos predominantes nas visões de mundo que fundamentam a Organização Humana contemporânea, que tem sido adotada como referencial para as sociedades humanas.
Considerando-se o modelo de Kearney (COBERN, 1991) para as categorias constitutivas das visões de mundo, a identificação e definição do "Eu" e do "Não Eu" ocorre predominantemente de modo que o "Eu" se torna restrito à própria pessoa ou aos grupos de relações mais imediatas. A Classificação dos componentes do "Não Eu" é basicamente fundamentada na separação, na dissociação e na redução. As Relações são percebidas e apreendidas geralmente com grandes dificuldades limitando-se, na maioria das vezes, às relações imediatas no tempo e no espaço. A Causalidade se expressa de modo predominante mediante a relação de causa e efeito, linear e determinista. O Tempo é quase sempre orientado para o presente, numa imagem linear determinista. Em relação ao Espaço, prevalece a percepção do entorno imediato.
Sob o ponto de vista das dimensões que compõem as visões de mundo e as suas possíveis opções apresentadas por KOLTKO-RIVERA (2004), pode-se considerar que em relação à dimensão Complexidade da Natureza Humana é possível identificar uma tendência para a simplificação. Quanto ao Intrapsíquico do grupo de dimensões relativas à Vontade, percebe-se a predominância do racionalismo. No grupo associado à Cognição, a dimensão Conhecimento pode ser identificada com a racionalidade e a supremacia do conhecimento científico. No grupo de dimensões que formam o Comportamento, nota-se a prevalência da Orientação do Tempo voltada para o presente, a Direção de Atividade focalizada nas qualidades externas como a posse e a realização pessoal, e a Satisfação de Atividade baseada na competição. No grupo do Interpessoal, pode-se perceber que quanto à dimensão Relação à Autoridade predomina a hierarquia, na Relação ao Grupo prevalece o individualismo, na Relação à Humanidade predomina a superioridade de grupos étnicos, religiosos ou culturais, na Relação à Biosfera sobressai o antropocentrismo (prioridade humana sobre as espécies não humanas) e quanto à Interação, a competição é predominante. Quanto ao grupo das dimensões relativas ao Mundo e à Vida, na dimensão Humanidade-Natureza prevalece a relação de dominação, a Explicação é predominantemente mecanicista e o Propósito da Vida é baseado na sobrevivência, no prazer, no reconhecimento social, no poder e na realização pessoal.
Numa síntese dessa análise dos elementos predominantes nas visões de mundo, que fundamentam a Organização Humana adotada como referencial para as sociedades humanas contemporâneas, os pressupostos constituintes dessas visões de mundo podem ser identificados com o individualismo, a separação, a dissociação, a redução, a causalidade mecanicista e determinista, o imediatismo temporal e espacial, a simplificação, o racionalismo, a satisfação pessoal (ou corporativa) e material, a competição e o antropocentrismo. Essas visões de mundo trazem como pressuposto um padrão de crenças e valores que tem como referencial máximo o econômico e o financeiro.
Analisando os pressupostos constituintes das visões de mundo predominantes nas sociedades contemporâneas, pode-se perceber que todos eles apresentam uma característica em comum: a fragmentação. Pode-se propor então que essas visões de mundo são essencialmente fragmentárias, proposição que encontra ressonância na perspectiva adotada por vários autores, de diferentes áreas do conhecimento, como, por exemplo: Daniel Botkin (BOTKIN, 1990, 1992), René Dubos (DUBOS, 1973, 1975, 1985), Crawford Holling (HOLLING, 1985, 2001; HOLLING ET AL, 1995), Jean-Louis Le Moigne (LE MOIGNE, 1985, 1994), Edgar Morin (MORIN, 1985, 1990, 2000, 2001), Ilya Prigogine (PRIGOGINE, 1985, 1996).
Fundamentadas nesses pressupostos, as atividades humanas resultam no modelo de organização humana adotado para as sociedades contemporâneas que pode ser identificado na sua essência pela exploração, associada a valores que priorizam o aspecto econômico em todos os setores das atividades humanas, individuais e coletivas. O processo de exploração inclui tanto a exploração dos seres humanos por outros seres humanos, como a exploração dos recursos minerais e biológicos para a satisfação das necessidades criadas pelos seres humanos. No primeiro caso, têm-se como resultado problemas normalmente classificados como econômicos, sociais ou políticos (por exemplo, a exclusão social, a miséria, a violência, a corrupção, o autoritarismo, etc.). No segundo caso, encontram-se associados problemas tradicionalmente identificados como ambientais (por exemplo, os diversos tipos de poluição, o desmatamento, as mudanças climáticas, a extinção de espécies biológicas, etc.).
Assim, pode-se considerar que o ponto de conexão entre os problemas apresentados na introdução deste trabalho é constituído pela origem dessas questões, o processo de exploração associado às formas de organização humana predominante nas sociedades contemporâneas. A Organização Humana atualmente adotada como modelo para as sociedades humanas pode ser entendida como sendo o corpo de um "iceberg" do qual emergem as questões contemporâneas, que têm sido tradicionalmente identificadas, superficialmente, como sendo separadas e isoladas e classificadas como questões sociais, econômicas, políticas ou ambientais. Assim, o efetivo enfrentamento dessas questões deve se dar de forma integrada, a partir da sua origem comum.
A Organização Humana é a expressão da Dimensão Relacional Humana e assim os problemas inicialmente apresentados podem ser considerados como sendo essencialmente relacionais, ou seja, problemas emergentes da forma e intensidade com que os seres humanos se relacionam entre si e com os demais componentes do nosso planeta.
4. Sustentabilidade: uma perspectiva relacional.
Devido às suas características biológicas, os seres humanos necessariamente têm que buscar no seu ambiente bio-físico-químico os nutrientes e energia para a sua existência, interagindo assim inevitavelmente com os componentes físico-químicos e biológicos do nosso planeta. Devido às características humanas da sua dimensão relacional, os seres humanos criaram os diversos níveis de organização humana e desenvolveram estilos de vida que levaram à utilização de componentes físico-químicos e biológicos para suprir, além das necessidades biológicas, as necessidades criadas pelos modos de vida adotados. Portanto, devido às características da sua dimensão relacional e como elementos integrantes do nosso planeta, os seres humanos interagem constantemente, de forma inevitável, com o ambiente em que vivem, provocando modificações na dimensão relacional dos seus componentes que resultam em constantes transformações nos sistemas biológicos, físico-químicos e humanos.
O modelo de organização humana adotado pelas sociedades contemporâneas pode ser caracterizado por uma gestão da Dimensão Relacional Humana que tem resultado basicamente na exclusão e na depredação. O processo de exclusão se manifesta com a privação do acesso da maioria dos seres humanos aos benefícios do atual modo de organização humana: o que o atual modelo apresenta como exemplo de qualidade de vida não é acessível a todos. O nosso planeta não dispõe de recursos materiais e energéticos para sustentar todos os seus habitantes vivendo como vivem a minoria de seres humanos que se beneficiam do atual modelo de organização. Do mesmo modo, a exclusão também ocorre pelo modo como são considerados os componentes não humanos do nosso planeta (biológicos e minerais) nos processos de tomada de decisões dentro da atual forma de organização humana: o antropocentrismo, o individualismo e o imediatismo têm levado à exclusão desses elementos no momento de se estabelecer as prioridades a serem adotadas.
O modo como os seres humanos têm direcionado as suas relações entre si e com os demais componentes do nosso planeta também tem levado ao processo de depredação tanto do ambiente natural não humano (físico-químico e biológico), como das condições de vida da maioria dos seres humanos, privados da oportunidade de desenvolverem plenamente as suas potencialidades humanas e até mesmo, em muitos casos, incapacitados de sobreviverem biologicamente.
Dentro dessa perspectiva, a sustentabilidade de uma organização humana capaz de oferecer condições dignas de existência para todos os seres humanos e que seja compatível com a existência das sociedades humanas enquanto integrantes do nosso planeta está intrinsecamente associada à gestão da Dimensão Relacional Humana: ela depende da forma e da intensidade com que os seres humanos se relacionarem entre si e com os demais componentes do nosso planeta. Pode-se propor que essa sustentabilidade deve ser vinculada a uma gestão da Dimensão Relacional Humana na qual a inevitável intervenção humana no nosso planeta seja construtiva em relação aos processos que emergem do emaranhado de relações entre os seus componentes físico-químicos, biológicos e humanos.
5. O Paradigma Educacional e a Organização Humana.
A Educação, sendo um dos agentes básicos da construção das visões de mundo, constitui-se num dos fundamentos de sustentação da Organização Humana. Um determinado tipo de organização humana se mantém apoiada em um Paradigma Educacional, referencial básico para as ações pedagógicas, que incluem os objetivos e as funções do processo educativo. Como o Paradigma Educacional é construído a partir das visões de mundo, ele tende a reproduzir as visões de mundo predominantes.
O Paradigma Educacional vigente (STERLING, 2001) é constituído a partir das visões de mundo fragmentárias e, portanto, reflete e tende a reproduzir esses tipos de visões de mundo que orientam a gestão da dimensão relacional humana e reforçam a Organização Humana baseada essencialmente na exploração, exclusão e depredação.
Diante da intrínseca interconexão entre Visões de Mundo, gestão da Dimensão Relacional Humana, Organização Humana e Paradigma Educacional, pode-se propor que a superação efetiva dos principais problemas que afetam as sociedades contemporâneas deve ocorrer mediante um processo de transformação conjunta e simultânea das visões de mundo predominantes, das formas vigentes de gestão da dimensão relacional humana, do modelo adotado para a organização humana e do atual paradigma educacional, de modo que a transformação em cada um atue construtivamente na transformação dos demais, num processo dinâmico e sinérgico. Essa perspectiva implica em transformações conjuntas, simultâneas e sinérgicas nas atitudes e ações individuais e na organização coletiva dos seres humanos (econômica, social e política).
6. Abordagem Relacional: uma estratégia educacional.
Segundo a análise acima, o atual paradigma educacional está intrinsecamente associado às origens das questões a serem enfrentadas pelas sociedades contemporâneas. Esse reconhecimento conduz à necessidade de se considerar que ações educacionais fundamentadas nesse paradigma não são capazes de contribuir efetivamente para a superação dessas questões. Muitas dessas ações, mesmo sendo elaboradas com a intenção de superar determinadas questões, tornam-se inconseqüentes ou até mesmo reproduzem e reforçam as condições das quais emergem as referidas questões. Essa situação se torna evidente no caso em que as questões são consideradas isoladamente, ainda como resultado de visões de mundo fragmentárias, como acontece em muitas das ações educacionais rotuladas como Educação Ambiental.
A necessidade da busca por um novo paradigma educacional tem sido alvo das atenções de vários autores (MORIN, 2000; PIKE e SELBY, 1999; STERLING, 2001, por exemplo). Como uma contribuição para a construção dos fundamentos teóricos e metodológicos desse novo paradigma, tem sido apresentada (MORAES, 2004) a proposta da Abordagem Relacional, uma estratégia educacional fundamentada no estudo das relações entre os componentes físico-químicos, biológicos e humanos do mundo em que vivemos. Como uma estratégia, a Abordagem Relacional visa criar condições para a superação das visões de mundo fragmentárias direcionadoras dos modos de gestão da dimensão relacional humana que conduzem ao modelo de organização humana baseado na exploração, exclusão e depredação.
A proposta da Abordagem Relacional se vincula a um processo educacional que se contrapõe aos processos de convencimento mediante métodos propositivos, com a imposição de uma idéia alternativa. A proposta da Abordagem Relacional está comprometida com a criação de condições para que as pessoas percebam, compreendam e apreendam a possibilidade da existência de outras formas de visões de mundo além daquela imposta pelo paradigma educacional vigente. A proposta da Abordagem Relacional visa estimular o confronto dessas diferentes visões de mundo principalmente no que se refere às suas conseqüências em relação aos modos como os seres humanos têm exercido as suas atividades e construído as diversas formas de organização humana.
Com a percepção, compreensão e apreensão do complexo emaranhado de relações entre os componentes do nosso planeta, espera-se criar condições para que os seres humanos conheçam a sua multidimensionalidade relacional (físico-quimíca, biológica e humana), inerente à sua condição de seres vivos humanos. O conhecimento da sua multidimensionalidade relacional deve permitir aos seres humanos reconhecer o seu pertencimento (condição de ser integrante) à Humanidade (conjunto de seres humanos que existiram, existe e existirão) e ao planeta em que vivemos. O reconhecimento de pertencer à Humanidade deverá permitir o conhecimento de novos modos dos seres humanos se relacionarem entre si. O reconhecimento de pertencer ao planeta Terra deverá permitir o conhecimento de novos modos dos seres humanos se relacionarem com os demais componentes do nosso planeta.
A proposta da Abordagem Relacional está, portanto, comprometida com a construção do conhecimento da possibilidade de visões de mundo que orientem a gestão da dimensão relacional humana e, por conseguinte os modelos de organização humana, de modo compatível com o indissociável pertencimento dos seres humanos às sociedades humanas e ao planeta em que vivemos. Isso requer um novo processo educacional que permita aos seres humanos aprender a viver individualmente e coletivamente num mundo do qual ele faz parte como um agente envolvido num emaranhado de relações, das quais emergem as sociedades constituídas pelas diferentes formas de organização humana e que estão, inerentemente, integradas ao nosso planeta.
A Abordagem Relacional constitui assim uma estratégia, que visa contribuir para um processo educacional empenhado no estabelecimento de relações recursivas sinérgicas entre o desenvolvimento das potencialidades humanas individuais e a viabilização de modelos de organização humana socialmente justa e compatível com o pertencimento das sociedades humanas ao nosso planeta.
Com o estudo das relações previsto na proposta da Abordagem Relacional espera-se criar condições para o questionamento e o confronto dos pressupostos que constituem as visões de mundo fragmentárias predominantes. O conhecimento da integração entre os componentes do mundo em que vivemos pode proporcionar visões de mundo (integradas) que contemplem devidamente as relações espaciais e temporais, amplificando progressivamente a identificação do "Eu" e superando o individualismo e o imediatismo.
7. A contribuição da Educação Biológica.
A partir das considerações acima apresentadas, a Educação Biológica pode contribuir para o processo de enfrentamento das questões apresentadas na introdução deste trabalho estimulando a construção de visões de mundo integradas, mediante o estudo dos seres vivos dentro de uma perspectiva relacional (COLOMBI, 2003; COLOMBI E MORAES, 2004 )
O reducionismo ontológico nas explicações dos fenômenos do mundo vivo conduz ao entendimento que a vida manifesta-se somente numa dimensão físico-química (COLOMBI E MORAES, 2001). No entanto, pela sua dimensão relacional biológica, os seres vivos apresentam formas de organizações que os tornam distintos dos outros seres, organizados somente numa dimensão físico-química: os seres vivos resultam de relações e manifestam a sua existência mediante relações.
A organização dos seres vivos tem sido considerada na Educação Biológica principalmente pela formação de níveis hierárquicos. A proposta da Abordagem Relacional prevê o estudo da organização dos seres vivos a partir de níveis relacionais. Dentro dessa perspectiva, a organização emerge das relações entre os componentes sem pressupor uma hierarquia constitutiva. As diferenças entre os níveis organizacionais poderão ser compreendidas pelas relações diretas e indiretas envolvidas. O estudo dos seres vivos a partir de uma perspectiva relacional poderá contribuir para a compreensão da interdependência dos elementos, sem a preocupação do que ocorre num nível inferior ou posterior, segundo o pensamento hierárquico. Por exemplo, no estudo da produção de energia celular, as relações estudadas poderão ser percebidas desde as células sangüíneas até o problema da desnutrição (COLOMBI E MORAES, 2004).
Para o estudo das emergências será necessário o conhecimento dos componentes das partes envolvidas. A Abordagem Relacional reconhece a importância dos componentes de um sistema, porém, não como a única forma de conhecimento, mas como um fator relevante para entender a capacidade relacional de um ser vivo. A partir dos níveis relacionais pode-se perceber as interações entre a dimensão biológica e as dimensões físico-química e humana e, por conseguinte, questionar com mais precisão os problemas contemporâneos e teorias que respaldam os conhecimentos, estimulando o conhecimento da integração dos componentes do nosso planeta.
A organização dos conteúdos sobre os seres vivos, a serem trabalhados de forma relacional no tempo e no espaço, pode partir de conceitos organizadores da Biologia Evolutiva e da Biologia Funcional, permitindo uma integração desses dois enfoques, uma vez que o primeiro baseia-se no estudo de relações temporais e o segundo fundamenta-se no estudo das relações espaciais.
A Educação Biológica reflete o paradigma educacional vigente, baseado em visões de mundo fragmentárias que impõem limitações à compreensão do mundo em que vivemos. O estudo dos seres vivos a partir da sua dimensão relacional pode contribuir para a superação dessas limitações ao considera-los inerentemente integrados aos diversos ambientes com os quais se relacionam espacialmente e temporalmente
8. Considerações Finais.
O reconhecimento de que os principais problemas que as sociedades contemporâneas se defrontam têm como ponto comum as suas origens, vinculadas às formas de organização humana fundamentada em visões de mundo fragmentárias, conduz ao questionamento da efetividade do tratamento dispensado à busca de soluções para essas questões. A busca por soluções particulares e dissociadas para cada uma dessas questões tem resultado em enfrentamentos muito pouco conseqüentes e efetivos. O papel da Educação tem sido pensado apenas na solução de cada um desses problemas, sem o reconhecer que o paradigma educacional vigente, como reprodutor de visões de mundo fragmentárias, está envolvido diretamente nas origens dos problemas e deste modo deve ser considerado parte constituinte dessa problemática.
O enfoque relacional apresentado neste trabalho possibilita o entendimento do vínculo estrito entre visões de mundo, gestão da dimensão relacional humana, organização humana e paradigma educacional, mediante relações circulares, recursivas. Dentro dessa perspectiva, a superação efetiva das referidas questões deve incluir a transformação conjunta e simultânea das visões de mundo fragmentárias predominantes, dos modos vigentes de gestão da dimensão relacional humana, das formas de organização humana fundamentas na exploração, exclusão e depredação e do atual paradigma educacional, mediante um processo dinâmico e sinérgico.
Segundo essa compreensão, a sustentabilidade de uma sociedade justa e compatível com o seu pertencimento ao nosso planeta deve se fundamentar numa gestão adequada da dimensão relacional humana, de modo que as atividades humanas sejam construtivas em relação à complexa dinâmica dos sistemas físico-químicos, biológicos e humanos.
A Educação Biológica pode contribuir para o processo de enfrentamento das questões que afetam as sociedades contemporâneas se considerada dentro da perspectiva de construção de um novo paradigma educacional. O estudo dos seres vivos a partir da sua dimensão relacional, como proposto pela Abordagem Relacional, pode complementar e ampliar o conhecimento do mundo em que vivemos, até aqui fundamentado em enfoques essencialmente dissociativos, simplificantes e reducionistas. Assim, espera-se que a Educação Biológica possa estimular a percepção, a compreensão e a apreensão do emaranhado de relações entre os componentes do nosso planeta, permitindo a construção de visões de mundo integradas que orientem novas formas de organização humana.
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