O "X" DA
Q
U
E
S
T Ã O
Agri realmente iria se surpreender com minhas versões, no mínimo me daria
um murro no estômago ou um beijo na boca, quem sabe. Coisas de herói.
-.-
Três -
Os
Dez
Mandamentos
Moisés Sam era um japonês bem comportado, aliás, como todo japonês. Tinha
uma carroça do ano, gueixas de 20 anos, uns 15 filhos e muitas calculadoras.
Um dia, a nave mãe dando umas olhadelas por aí, achou que era a hora da
constituinte e sem voto popular. Checou as gerações desde o inicio e chegou a
Moisés Sam. Resolveu procura-lo.
Achou!!!
- Largue tudo que você tem, se converta e eu lhe confiarei uma missão e...
Pare de coçar isto na minha frente, pô!
Moisés Sam ficou meio desconfiado (como todo japonês) mas achou melhor se
desfazer destas coisas que ganhara facilmente, não sem antes aproveitar um
pouquinho mais.
Foi até a cidade escolhida e aguardou contato. Os dias passaram, os meses
passaram e Moisés Sam foi procurado quando já estava de saída. A nave mãe
mandou que ele subisse até o alto da montanha, Moisés Sam tentou argumentar
que seria bastante difícil porque haviam acabado de construir um Shopping
Center bem no pé da montanha, mas a nave mãe não lhe deu atenção. Ele, por
sua vez, deu atenção e começou a se preparar.
Era uma longa caminhada, a montanha era realmente alta. Pediu à esposa que lhe
fritasse uns cinco hambúrgueres e enchesse a garrafa térmica com milk shake de
morango (Moisés Sam não gostava de chocolate) e iniciou sua tarefa divina.
Alguns dias levaram até que ele chegasse ao topo da montanha. Nesta altura,
todos os sanduíches já haviam acabado e também o milk shake, sim, de morango.
Lá no alto havia uma grande gruta. Moisés Sam entrou e num instante de rara
beleza e divina expectativa, o tripulante chave e dono da nave mãe, se
manifestou à um ser vivente, isto em carne e osso e disse que seu nome era
Deus.
Deus tinha aproximadamente 1,65m, gordinho, sem os dois dentes da frente e vivia
rindo. Cabelos arrepiados e trajava um jeans malhado. Pediu à Moisés Sam um
trago e Moisés Sam lhe deu um soco na boca, retirando os outros respectivos
dentes da frente. Era um bêbado e não era Deus.
Em verdade, Deus era o nome do piloto chave da nave mãe, mas se manifestou bem
mais tarde, quando, por razões estranhas, o bêbado destrambelhou a correr
montanha abaixo.
A única forma física de Deus era dispersa. Meio entre uma luz forte e uma
sombra branca de fumaça. Disse à Moisés Sam que lhe daria leis e que as
mesmas deveriam ser cumpridas sempre. E assim foi feito.
Com uma rajada de si mesmo entre duas tábuas de pedra, Deus inscreveu suas leis
que eram apenas Dez e Moisés Sam foi o único homem a ver a primeira
constituinte que se tem noticia no mundo dos homens, inscrita pelo próprio
Deus.
Ao descer da montanha, Moisés estava bem mais velho, provavelmente uns trinta
anos e não trazia mochila nenhuma, tampouco bolsa a tiracolo. Trazia apenas as
duas pedras com as leis da nave mãe.
Dizem também que ele conduziu seu povo à terra prometida apenas com o seu
cajado.
Finalizando a historia de Moisés Sam, contam que, ao cumprir sua missão,
passou a mão nos seus e voltou para o Japão, pras gueixas e para o divino
salmão e peixe cru e orquídeas e por aí, né?
Bem, agora as coisas ficarão mais justas. O Japão não poderia ficar fora
da historia do mundo, isso seria injustiça. Dez anos de Japão me fizeram um
japoneiro (sempre este nacionalismo babaca).
As religiões são engraçadas. Elas se chocam, elas se confundem entre si.
O Vedas é super interessante quanto a coisa das energias, tem tudo a ver. O
positivismo como fonte de alternação do nosso organismo e da nossa vida. a
coisa da cristificação que é um estado mental quase perfeito como Cristo,
Krysna e outros tantos. Buda e sua imagem de paz também era um cristificado.
Maomé, talvez. O problema deles foi a falta de propaganda. Jesus foi talvez o
mais perfeito ou talvez o mais propagado, talvez porque o povo do qual nasceu
era mais briguento, mais tinhoso, mais fanático. E também teve todo aquela
história de caça aos seus seguidores.
Os barulhos noturnos ainda continuavam, me cutucavam, me davam medo. Herói.
Durante os dias eu perseguia ruídos e não havia nada. Eram realmente
distantes? Ou eu estava louco, ou estava sendo vigiado.
Alice não se incomodava. Ela era muito calma, só dava umas raspadinhas quando
eu insistia em ouvir Milton por mais de dez vezes, então eu colocava o Culture
Club. Ela gostava.
As vezes ela também se incomodava por estar demasiadamente espremida e eu
então, espalhava um pouco, só um pouco, porque depois tinha que juntar de novo
que senão eu podia chutar alguma coisa.
A lembrança de Mel era inevitável. A raiva já havia passado e eu me
perguntava se não tinha sido grosseiro demais com ela. Sei lá, eu nunca tive
mesmo muito talento pra falar com os outros.
Uma vez, quando estávamos em Cuba, eu briguei com ela só porque ela ficou
olhando um imenso out-door do Lênin e chorando. Provavelmente se lembrava do
Propovisky.
Cuba estava linda. A não ser a capital, Havana. As plantações estavam super
bonitas. É uma pena o que aconteceu com a civilização que eu entendia ser a
mais perfeita do planeta. Pena mesmo.
Um grunhido muito próximo e muito alto me fez pular de mim mesmo. Agora tava
perto demais.
Peguei a metralhadora, saí dando tiro. Nada. Nenhum sinal, nenhum barulho. Eu
estava ficando louco, só podia ser. Continuei com a historia da humanidade.
estava com raiva e eu sempre demonstro meu estado de espirito quando escrevo.
Te cuida Judas...
-.-
Quatro -
Ou teria
sido
Judas parido pelo anus?
Fazia um sol maravilhoso e os banhistas podiam se deliciar no velho rio da
cidade. O fio dental, o topless, tudo como manda o figurino. As pessoas alegres
e felizes, jogavam seus jogos eletrônicos e tomavam seus chopinhos. Tudo
transcorria maravilhosamente bem quando...
De repente o céu fechou-se, escureceu e caiu uma terrível tempestade de
granizos e tudo o mais.
Nascia Judas Iscariotes Salim. Pra começo de conversa, quando o parteiro do
INAMPS foi bater na sua bunda, não se sabe como, não bateu. Judas subornou o
parteiro.
Traiu seu pai com a secretária dele e mais tarde com a própria mãe. Traiu o
professor três vezes antes da última sabatina do colégio. Traiu o filho
mamando o leite da mulher.
Um vendedor de camelos acabou sendo convencido por Judas, que o pardal que ele
tinha poderia, perfeitamente, conduzir qualquer pessoa no lombo com maior
comodidade que o camelo e com o agravante de que o pardal fusquinha (como ele o
chamava) tinha mais facilidade pra estacionar. O vendedor acabou trocando o
camelo pelo pardal.
Porque a mãe de Judas morreu logo depois do parto e porque também foi um parto
difícil (ele queria tocar harpa nas trompas). Surgiu a historia de que, pra
não sair, ele teria se infiltrado no intestino da senhora sua mãe que, ao
cagar, cagou-lhe. Um monte de merda o cobria, sim, esta foi a razão pela qual
surgiu o boato.
Judas sempre desmentia esta historia, apesar do parteiro, de pés juntos, jurar
que foi assim. Este parteiro já estava mesmo enchendo o saco de Judas. Tanto é
verdade que Judas acabou perdendo as eleições presidenciais por causa do
boato.
Contam que ele triturou o parteiro numa máquina de moer carnes e depois vendeu
num açougue de sua propriedade (com ágio, sim, haviam acabado de inventar).
O grunhido enorme veio acompanhado de uma fera enorme. Meio gorila, meio
urso, meio qualquer coisa. Parou na frente da cabana, olhos inchados, rosto
despedaçando. Grunhiu alto e preparou o bote...
Furei de balas. Um pedaço da cabeça dele chegou a voar em cima da cabeça de
Alice.
- Você está bem Alice?
Fiquei puto. Meti mais balas ainda, arrastei o bicho pra fora e fui tratar de
Alice. O país das maravilhas dela agora tinha um monstro morto. Não chegou a
machuca-la, mas a espalhou muito. Só que no dia seguinte pude perceber um
pedaço do braço dela em baixo da TV. Acho que é por isto que ela estava meio
tristonha.
-.-
Cinco -
Um amigo
de
Judas
De repente ele andava por aí, procurando, procurando, procurando. Não se
sabe o que.
Tinha luvas nas mãos como quem tem vergonha por ter digitais. Olhos pálidos
como olhos de tubarão e voz pausada como se grifasse tudo o que dizia.
Aproximava-se das portas, quaisquer que fossem e ali mesmo colhia, não se sabe
o que. Primeiro olhava para os lados, todos os lados, depois batia, daí entrava
e saia com os olhos menos pálidos, mas sombrios.
Alguns mais audaciosos, o chamavam de vampiro, mas vampiro ele não era. Outros
menos ousados, o chamavam de espírito do mau, mas mau nem era. Só se sabia ao
certo que era agente funerário e todo mundo o conhecia como Anjo.
Sua historia começa num velho barraco de uma cidade distante de um país
desconhecido.
Era noite e trovões e tempestade, destas que tombam telhados e casas. Dona
Geré dava a luz sozinha em seu quarto, a um menino magro como osso depois do
cachorro.
Ela mesma deitou-se no assoalho de vermelhão, arregaçou as saias já curtas
pelo tempo, enfiou-se a mão suja de cera (que era hora da faxina) e com dedos e
unhas encardidas, puxou o rebento pra fora.
Antes mesmo que cortasse o cordão umbilical, levou-o ao tambor de água e
cândida e lavou-o pra retirar a sujeira de sangue e de placenta.
Como não tinha faca, arrebentou com os dentes o cordão e se não sabia nomes
pela falta de televisão, batizou-o de Lúcifer e deu de sobrenome, Anjo, pois
não sabia que pai fora que por ali passara, pela beira da estrada e que nela
depositara um rebento bem mal vindo, numa noite qualquer de pinga e de farra.
Mas até que não seria difícil adivinhar, pois que poucos por ali passavam e
eram eles o ganha pão de dona Geré. Que alem de pão, tesão tinha, porque foi
da rua.
Na madrugada de seu quarto aniversário, dois homens de passagem, alucinam sua
mãe no quarto e ela cansada, pede por clemência. Mas homens são seres
gananciosos. Ela chora já quase sem ar. Os homens comiam-na como quem à anos
não engole mortadela. E chuparam seus seios e morderam sua bunda e rasgaram-na,
cortaram sua boca e bateram nela horas a fio. Ela já se dava pro espeto final,
como uma punhalada que furou-lhe o útero e ela babou pus e sangue e merda. O
menino some e é adotado por um casal de velhos.
Anjo, meu nome. Sou colecionador de corpos, os mais variados. Jogo-lhes as almas
numa embarcação que não sei onde irá e fico com seus corpos. Guardo todos
pra uma tarefa que desconheço mas sei que serão necessários... Porém me
chamam Lúcifer, mastigo almas, trituro, engulo seus dotes e ninguém sabe, pois
as lambo das embarcações que eu Anjo faço, ninguém percebe porque eu
Lúcifer, sou mais esperto que eu.
Eu Anjo não controlo eu Lúcifer. Meu padrasto morreu entre meus dentes com sua
esposa esmagada em meus joelhos. Eu Anjo não deti minha fúria Lúcifer.
De repente eu comecei a ficar triste, muito triste. Eu sempre fui muito
triste Alice, você sabe. Você convive comigo e tem de aturar meu mau humor.
Sabe o que é, Alice, eu nunca tive um amigo como o Agri e nunca tive tanta
paixão como acredito ter pela Mel. É saudades... é mesmo. Mas não se zangue,
também gosto de você, sei lá, pode ser só atração física, não sei. Acho
que eu estou pirando, deve ser o mato que eu ando comendo.
Pensei em Deus. sempre que eu fico triste eu penso nele. Talvez ele nem exista,
mas só o fato de imagina-lo já dá um certo alívio, não sei porque.
Deu vontade de escrever pra ele, vai que ele resolve ler... Xi, será que ele
entende português?
- Hey, como vai você? Tenho ensaiado lhe escrever já há algum tempo mas não
o fiz que sabe como é né? Eu me esqueci de seu endereço. Lembro que você me
deu há muito tempo atrás, quando nos conhecemos, e eu não anotei, preferi
guardar na memória que cabeça você sabe como é, as vezes esquece e esquecer
também é humano.
Me disseram que você anda triste e parece que é comigo. Falaram que você
falou que eu falei mal de você e que não ficou nada bem pra mim falar estas
coisas pra quem eu falei e quem eu falei (apesar de cagueta) era boa gente. Mas
eu não disse por mal não. Você sabe o quanto eu te amo, apesar da distancia
que nos separa. Sabe que não dá pra te esquecer porque volta e meia me lembro
do tempo que você me fazia uns cafunés ou até quando puxava minhas orelhas
dando broncas. Eu nunca confessei mas vou te contar:
O que doía mais era o que você dizia!
Dia desses, ainda quando as coisas eram normais e as pessoas estavam vivas,
andando pela rua eu ouvi um grupinho falando a seu respeito (um pouco sem
respeito), aí eu me aproximei deles e fiquei ouvindo um que não pertencia ao
grupo, xingando os tais e os tais mangavam dele e ele, veja você, estava
mutilado.
Ele se arrastava pelo chão, mas o que ele dizia parecia ter uma estranha força
que tornava os do grupo mutilados e ele são. Só que a força física resolveu
reagir e bateram no homenzinho e chutaram o homenzinho, sangraram-no e ninguém
teve a coragem ou humanidade de ajuda-lo, nem eu.
Pelo resto daquele dia, não consegui tocar mais em mim, nem me olhar no
espelho, tamanho nojo que tive de mim mesmo. Nojo e raiva.
Raiva por ter um corpo são e estraga-lo de tabaco e álcool a cada dia. Por ter
engolido placenta e ser vítima da doença vida. Raiva por comer cadáveres de
animais enquanto crianças engoliam terra de fome. Raiva por ter inteligência e
não ser mongol, um hipócrita em busca do vazio absoluto. Raiva por ter o mundo
nas mãos e não ser autista. Raiva por ser ou por parecer ser gente.
Mas tudo passa. O próprio tempo se encarrega de passar. Eu sempre achei que o
tempo era um barquinho de papel, dentro do barquinho havia uma tripulação de
nome vida e todo barquinho de papel não tem rumo certo. Sempre,
inevitavelmente, afunda. Você pode construir vários barquinhos de papel,
desenhar silhuetas sagradas ou profanas. Não existe crença ou ceticismo que o
impeça de afundar. A única doutrina do barquinho é a água (destino). Ela
sempre o afunda. Sempre.
Andei muito por aí, bati em muitas portas, meio ansioso, meio desesperado, até
que me deram seu endereço.
Eu ia lá todos os dias e você nunca aparecia. Muitas pessoas também vinham
procura-lo, mas você nunca estava lá. Pacientemente, como conformados, todos
se sentavam nos bancos de sua casa e pensavam em você. Claro, nem todos iam lá
só pra pensar em você, alguns iam procurar auxílio (disseram que você é
muito rico) para suas misérias ou doenças de coração. você nunca aparecia.
Seu mordomo é muito simpático apesar de usar saias e pretas. Ele cativa muito
as pessoas e faz muita caridade também (com o dinheiro das próprias pessoas).
Ele fala muito de você. Você deve ser um bom patrão, não? Na verdade eu não
preciso de emprego, talvez de ajuda, mas eu ia em sua casa para ver você, falar
com você e principalmente, ouvir você.
Mas eu desisti. Definitivamente você havia se mudado. Pensando nesta hipótese,
procurei algumas agencias de mudança.
Percorri toda a cidade e achei uma que tinha outro homenzinho. Ele era
carregador e disse que você realmente havia se mudado. Ele, pessoalmente, com
apenas um braço (era mutilado) teria carregado sua cadeira de balanço azul.
Curioso, você realmente adora o azul não é?
Me contou muitas historias a seu respeito e a respeito de seu mordomo que no
fundo, no fundo, é boa gente. Foi aí que ele me deu seu endereço, achei que
fosse gozação dele, mas ele falou serio e disse: "Experimente mandar a
carta!". E aí está e não precisa nem selar amigo, você fica pelo ar e
onde ela estiver você vai lê-la, mas olha, vê se responde tá? Sabe Deus, a
gente realmente precisa trocar umas idéias.
Chovia muito, dentro e fora da cabana. Ao longe ainda se ouvia o som de
gemidos e ruídos, deveriam ser os monstros, devem haver mais deles. Sempre tive
medo de trovões, principalmente quando os relâmpagos dão bem na minha cara.
-.-
Seis - O Dilúvio
Arrebentaram as cercas e do meio do matagal apareceu King Kong. Um enorme, um
gigantesco gnomo. Dono do império e de suas prostitutas.
Seu ministério de duendes inventou uma formula de ganhar muito sem fazer nada,
o imposto. O próprio nome já diz, é uma imposição.
Ninguém na nave mãe, nunca disse que deveriam repartir as terras, mas
repartiram e à esta divisão chamaram, fronteira. Às terras deram o nome de
países, cidades e continentes.
Tudo caminhava para um final desesperador. O reino do mundo se transformava,
pouco a pouco, num imenso bordel.
Dizem que até King Kong Calígola, certa vez cortou o pênis de um cara e deu
para um cachorro, que além do mais tinha sardas (o cachorro, não o pênis). Ou
seja, nem mesmo o imperador, a lei mais poderosa, escapava da perversão.
Do outro lado da cidade, meio alheio a toda putaria, vivia Noé.
Noé era um psicopata recém saído do manicômio.
Parece que foi no quintal de sua casa, Noé ouviu alguém chamá-lo. À
principio deixou pra lá, afinal, há muito ele não falava com o quintal. Mas a
voz continuou.
Noé, pacientemente e absolutamente conformado, não teve duvidas: Pegou seu RG,
CIC e o talão de cheque especial e decidiu voltar ao manicômio.
Definitivamente ele não estava bem.
Daí aconteceu.
A voz fez-lhe: - Psiu, ô cara, cê é surdo?
Foi então que ele viu, sim ele viu. Lá em cima do telhado, brilhante e
formoso, um enorme vaga-lume que lhe disse:
- Eu não sou um enorme vaga-lume. Sou a nave mãe e quero que você me faça um
favor Noé.
A nave mãe pediu à ele que construísse um grande, aliás, um gigantesco
helicóptero e antes de continuar, Noé interviu:
- Mas nave mãe, ainda não inventaram o motor.
- Então faça uma grande arca!
Mas Noé fez um arco. Levou uma baita bronca, mas com a paciência que só as
mães tem, a nave mãe fez um mapa pelo qual Noé, o psicopata, fez a arca.
- Reúna um casal de cada animal e coloque na arca.
Noé colocou uma mosca e um mosco (ou será mosquito?). Um pernilongo e o
pernalonga, uma mariposa e um gigolô, um leão e seu imposto, um elefante e
aliás a alia e por aí.
Contam que vieram muitos pervertidos encher o saco de Noé e de sua família,
falando que só um imbecil, idiota, maluco e debilóide, acreditaria em papai
Noel, quer dizer, nestas historias de dilúvio e faria uma arca na terra.
Mas choveu, ah como choveu... Quarenta dias e quarenta noites e não sobrou viva
alma fora da arca. Dentro, Noé tentava organizar a zona que estava:
Contam que então ouviu-se o silencio da chuva e a pomba mais o corvo foram
soltos. O corvo, sacana, bicou o rabo da pomba e se mandou, mas ela retornou com
o rabo picado e uma folha de uma arvore no bico
Terra a vista!
Reinicia-se um novo ciclo no mundo, que ironia...
Alice fez cara feia. Pedi desculpas mas ela ficou emburrada o resto do dia.
Puxa, eu tinha me esquecido dela e fui escrevendo toda esta baixaria.
Botei Romeu e Julieta no vídeo, coloquei Imagine de Lennon pra tocar e esperei
até que ela deu um sorrisinho com sua arcádia e eu pude dormir mais
tranqüilo. Detesto chatear os outros.
Mel... Mel e seus olhos enormes e claros. Sua pele branca no meio das
plantações japonesas... Mel, de mãos pequenas e dedos compridos. Dedos de
tocar piano e de escrever num diário que ninguém nunca se importou em ler.
Ninguém.
-.-
Sete -
Os Profetas
Muitas gerações se passaram e num determinado momento da historia,
encontramos Paulus Francusujus, o profeta:
- E não sobrará ampulheta sobre ampulheta no fim dos dias! E haverá uma
caravana de mulheres com pés enormes e elas virão em grande número e se
agruparão e se lamberão mutuamente. Dos céus, o carneiro descerá e comerá
uma a uma e elas encherão as barrigas e darão fim as barrigas com uma enorme
colher e rasparão por dentro, arrancarão pedaços de carne, hemorragirão pús
e sangue preto, mas mastigarão clitóris novamente e chuparão caralhos e
lamberão suas glandes ainda sujas e gemerão e o carneiro descerá e terá dois
chifres e se fingirá de carneiro, o chifrudo...
No outro lado das serras longínquas, o profeta dos filisteus e dos gregos
nordestinos sergipanus, Limus Boscusoltus:
- E ficarão as ampulhetas mas os dedos não. Os anéis, quem sabe, na minha
mão. E eu vejo um lugar num lugar de um lugar que se chamará Brasilis (quase
acertou) e no lugar morará um anti-nave mãe que defenderá os pobres e
oprimidos trabalhadores e seu nome será Lulasby e enfiará no CUT de todo mundo
querendo reformas! E negros raquíticos morrerão de fome e crianças cantarão
we are the world, we're the worst, mortas por um cara chamado Deus. Cadáveres
ambulantes rolarão a General Carneiro mas cantarão junto com Roberto Carlos
pelas baleias atropeladas pelos iates dele.
Todos os profetas sucumbiram, todos os profetas acertaram, todos os profetas
poderiam calar mas não calaram.
Ostra Damus falou que um dia iriam inventar um cigarro preto. Cuni Linguis, que
iriam inventar a masturbação. Fela São, que as mulheres iriam exigir
orgasmos.
Grunhidos, uivos. Agora eu não tinha mais dúvidas, eram os macacos/ursos.
Passei a mão na metralhadora. Eles tinham acabado com as plantações e vinham
em minha direção, muitos animais. Muitos. Metralhei e matei alguns, outros
saíram correndo. Iriam voltar, com certeza.
Peguei minhas anotações, eu não tinha mais munição. Ainda deu pra ver a
carinha triste de Alice quando eu me despedia.
- Merda, você é só um esqueleto!
Corri para o iate e os malditos ainda foram se despedir.
-.-
Oito -
O Apocalipse
E descerão dos infinitos, num pinote só, sete meninos negros.
Os sete trombadinhas terão afanado a chave de São Pedro e tencionarão vender
aqui em baixo. Quando de repente, no meio do azul poluído, sete estrelas
escoltarão a nave mãe em pessoa (ou em projétil?) e uma voz bem puxada para o
nordestino, dirá que virará mar o sértão.
Gordus Prenuncius afinará a lira e os sete negrinhos do pastoreio, baterão
suas bombachas e levarão bolachadas.
Os portões da nave mãe estarão abertos e nela só entrará quem tiver a
caderneta de poupança Bambu da Felicidade paga as doze últimas mensalidades e
entrarão no caldeirão da morte e rodarão o peão da fidelidade e roletrarão
tim tim por tim tim, as suas míseras vidas.
Lucius Flavius sentará no trono no dia da falta de juízo final e Cornélius
sairá do Planeta dos Macacos e fritará cérebros vivos de alemães. Lúcifer
Anjo morderá crânios de recém nascidos e cuspirá olhos ainda cegos dos
bebês.
Tudo acabará em fogo, segundo a nave mãe e dela sairá alguém de quatro olhos
e dezessete orelhas e de cada mão sua, pularão dedos que ao pularem,
apontarão, um a um, aqueles que não acreditaram em discos voadores!
Mais calmo, velejava com a tranqüilidade de um naufrago (?). A única coisa
que me incomodava eram as lembranças. Agri e seus ensinamentos para o seu
filho. Pedrinho, o filho de Merk, Propovisky misteriosamente desaparecido e
Mel...
O amor platônico é como uma caixa de chumbo protegendo a criptonita. Você
não sabe até que ponto é super homem pra agüentar o que tem na caixa. O que
eu sentia por Mel era isso, uma mistura de medo do que eu sentia e resignação
pra abdicar do que sentia. Loucura, era isto o que eu sentia.
Também tinha saudades da Alice. Agora o seu país das maravilhas não tinha
mais coelho contador de historias.
Tive impulsos de retornar ao Japão, impulsos de me atirar no mar, impulsos de
ir para o Brasil. Impulsos. Que diferença faz?
O que mais me assombrou até agora, não foram os monstrinhos da Austrália,
também não foi o monstro imenso que emergiu do mar, foi uma carta que
encontrei em baixo da caixa de ferramentas no convés. Eis o texto:
"Claro que recebi sua carta e de certo modo, compreendo as suas duvidas.
Afinal, não parece muito fácil acreditar em mim, não é? Exijo sempre um
pouco de resignação, mas o que é esta resignação em proporção, perto do
que terá como recompensa?
Não. Eu não estou e nem fiquei chateado com você. É como aquele ditado que
diz que falem pouco, falem mal, mas falem de mim, que onde quer que você
estiver falando, acredite, estarei ouvindo e olhe que são tantas bobagens que
as vezes nem eu sei como consigo ouvir.
Você acha difícil ser homem por causa de suas dores, inquietações e
perturbações. Imagine então, como é difícil ser Deus... Não tenho dor,
inquietação ou perturbação. Nas raras vezes em que me encontro sozinho, num
canto do universo, eu medito muito.
Será que fiz certo em recomeçar tudo outra vez? Será que deveria paralisar o
ciclo de mutações? Estacionar definitivamente a criação?
Claro que são apenas meditações e aliás, já que estamos trocando estas
cartas, eu queria te fazer um pedido e acredite, não é necessário que você
atenda. Gostaria que você fosse meu porta voz para esta nova humanidade e
dissesse que eu os amo e que confio neles, que você dissesse que eu existo
entre todas as coisas, que minha existência é muito mais provável que a
dúvida de perguntarem se eu existo ou não.
Diga-lhes, se puder, que os espero, numa noite destes séculos, para jantarmos
juntos numa mesma mesa e também que eu não vou fazer questão de sentar na
ponta feito um patriarca. Deixo a vaidade por conta de vocês que já perderam
tanto com ela.
Eu não os criei e os fiz crescer por mera vontade e tampouco abandonei vocês,
como você me disse. Eu os criei e deixei que vivessem as suas vidas por querer
que vocês mesmos descobrissem que são capazes de modificar tudo e que são
capazes de escolher o bem, passando pelo mal. Não separei terras nem povos,
tampouco misturei línguas pra que não se entendessem, isto é uma grande
mentira. Vocês se desentenderam porque quiseram.
Repito, eu não estou chateado com você, mas você ainda vai se chatear muito
comigo, muitas vezes e durante muito tempo.
Eu não faço ninguém ganhar na loteria, não dou aviso prévio pra ninguém,
não arranjo boa colocação e não tenho preferência por filho nenhum, nem
Jesus, apesar de ter sido o mais perfeito, não é o meu preferido. Moisés
também não, foi muito bom e muito útil e é um filho querido, como Jesus,
João, Hitler, Noé, Napoleão, Maomé, Buda, Judas Iscariotes, Idi Amin, você
e todos os outros. Todos são úteis e todos são importantes pra mim. Me
importo, como se fosse comigo mesmo, mas não me preocupo, nunca, todos saberão
achar seus caminhos até mim, porque desde os primórdios, eu sou o inicio, o
meio e o fim.
Mirem-se no que fez e foi Jesus, percebam então o quanto falta, porque somente
quando todos forem como ele, é que os receberei praquele jantar.
Olhe, diga também aos homens, mais uma vez, que os amo e este é o grande
segredo!"
Deus
Inacreditável??? Não sei. Nada mais é inacreditável pra mim, aprendi isto
com estes anos todos. Deus deve existir, isto me tranqüilizava de certa forma.
O mar estava bravio. Chovia e muito, tinha mesmo de ser um herói. Imagine
encontrar o Brasil sem mapa, bússola ou coisa parecida. Só mesmo um retardado
herói, como eu.
E o monstro? Foda-se o monstro! Eu sou o herói. Se ele aparecer enfio o iate
nele. E se tiver mais? Eu tava era apavorado...
Sempre fui meio cagão.
Chovia demais, raios e tudo mais quando, apareceu.
O mesmo, era o mesmo. Eu não tinha me enganado, o monstro era só um. Enorme e
deformado. Deve ter sido o efeito da bomba.
Granadas, nada. Nada o fazia parar. De repente (de novo) ele foi desaparecendo
como tinha surgido, dentro do mar, um mergulho.
Não tinha terra a vista e mal se podia ver lá fora, porque era uma tempestade.
Netuno? Será que era o deus dos mares? Mas com aquela cara? Tolice, devo estar
tendo alucinações.
Não são!
Mais adiante ele reapareceu, maior ainda, e quanto mais eu me aproximava mais
ele crescia. De repente o barco parou. Os comandos não obedeceram mais e parou
de chover. A coisa começou a se aproximar e parece ter sentado.
- Meu Deus, o que é isto???
- É o seu Deus, Pedro!
A voz, eu conhecia aquela voz, não. Só podia ser imaginação. Eu deveria
estar delirando. Num passe de mágica, ele ficou do meu tamanho e sobre as
águas, levitando, veio até o iate e entrou. Eu conhecia aquele cara, tava bem
mais velho e deformado.
- Pedro, eu sou seu Deus.
A voz era metálica. Propovisky, era Propovisky e ele me dizia que era Deus.
Como pode? Deus não poderia ser russo que todo mundo sabe que russo não
acreditava em Deus, todo mundo na Rússia era ateu.
- Propovisky?!
- Sim.
Eu não queria acreditar.
- Pode acreditar Pedro. Eu sou Deus.
Mas como pode ser Deus? E o que ele fez com o mundo? Como Deus faria uma coisa
daquelas?
- Você não se lembra do dilúvio?
Mas era diferente.
- Era como era agora. A diferença é que desta vez eu é que coordenei todas as
coisas.
Ainda não conseguia acreditar.
- Como você explica então, eu não ter morrido quando o Merk me encheu de
balas?
Sei lá, um colete, um...
- Ele atira bem. Todas as balas foram na cabeça... Tá bem, tá bem. Tome o seu
milagre!
E ele apareceu gigantesco no mar e voltou ao barco.
- Mas... Nanico, eu não sei o que dizer, quer dizer, Deus, eu...
- Você já disse muita coisa. Agora eu é que direi o que quero.
Mas e as pessoas mortas, as construções arrebentadas e as coisas antigas e os
deuses astronautas e...
- Chega de perguntas. As pessoas que estavam mortas, mutiladas, arrebentadas,
eram as pessoas que não acreditavam em mim. As que sumiram eram as que
acreditavam. As construções pré históricas que não caíram foram feitas a
meu mando.
Inacreditável! Só podia ser gozação.
- Você duvida de meus poderes? Acha mesmo que alguma coisa é impossível pra
mim?
Não, não. Eu não tinha duvidas, pelo menos temia tê-las.
- Vá ao Brasil Pedro. Lá você encontrará parte de sua gente. Pegue seu povo
e fique lá, até que eu estabeleça um novo contato e então você os guiará
para a terra prometida.
- Mas Propovisky, quer dizer, Deus, não sobrou nada de Jerusalém.
- Alguém falou em Jerusalém?
- Mas a bíblia diz que é.
- Foi.
E o Agri? E o pessoal que ficou no Japão?
- Eles estarão com você muito antes do que você imagina. Faça o que eu pedi
e eu o abençoarei.
- Só um momentinho nani..., quer dizer, Deus, você disse que eu não era a
pessoa indicada, que o Agri tinha escolhido mal e que...
- Eu me enganei Pedro.
- Como assim? Deus se enganou?
- Digamos que tenha sido um erro meu, como o dilúvio. Eu exagerei. Ficou muita
água e pouca terra. Dificultou muito o entendimento entre os povos. Acontece.
E ele desapareceu e o barco voltou a funcionar sozinho e sozinho me levou ao
Brasil. Quem diria... Pedro, o Moisés do século vinte e um.
Agora faz diferença!
Meu povo estava mais magro que de costume. Inanição. Estávamos há três
dias juntos e as minhas provisões já haviam acabado. A terra seca e árida do
nordeste, não frutificava. Peguei um pedaço de pão que uma dona lá tinha
feito e pensei numa frase de Raulzito: "Queira, basta ser sincero e desejar
profundo, você será capaz de sacudir o mundo". Era a fé, eu quis, eu
desejei profundo, mas eu não era Deus e não aconteceu nada.
Fui até a praia. Já dava pra ver lá longe o barco se aproximando. Corri pra
avisar minha gente, quando cheguei perto, todos se ajoelharam.
- Que é que há? Tão malucos?
Multipliquei os pães.
Apaguei...
Estávamos a beira do mar quando o barco atracou. Eles de repente estavam
pálidos e amedrontados.
- O que foi? Vocês também encontraram ele?
- Ele quem?
Resolvi ficar quieto. Sei lá, Deus podia não gostar. A gente nunca sabe
exatamente do que ele gosta ou não. Melhor não vacilar. Eles tinham ficado
apavorados porque viram aquela multidão de gente ali na praia. Resolvi não
explicar nada e deixar que eles tirassem suas próprias conclusões.
Pegamos as provisões do barco e levamos pra aldeia. Uns mais ousadinhos
contaram pro pessoal que eu tinha feito um "milagre". Eles me olharam
assombrados, preferi mudar de assunto e ponto final.
Mel estava tensa. Queria falar comigo. Agri me olhava com reservas.
- Que é que há gente? Sou eu, Pedrinho, lembram? O mesmo babaca de sempre,
pô.
Naquela noite, eu e Mel ficamos sozinhos em volta de uma fogueira. Fazia
muito frio naquele deserto que tinha virado o nordeste. Ela me contou que tinha
chorado muito na noite em que fui embora e que ela teve um sonho muito estranho.
Ela sonhou que eu estava sendo perseguido por uma luz, como fogo, e esta luz de
repente tomou forma de uma pessoa e que esta pessoa entrou dentro de mim e disse
à ela que a amava. Que queria fazer dela, uma grande nação e a luz aos
poucos, foi desfazendo meu corpo e eu fui sumindo. A luz então ficou pequenina
e entrou nos olhos dela.
Ela começou a enxergar uma grande cidade. Uma cidade toda iluminada. Então ela
não mais olhava, ela estava na cidade. A luz lhe saltou dos olhos e entrou numa
gruta que havia ali perto da cidade.
Ela foi até a gruta e viu um homem e uma mulher e um bercinho improvisado. A
mulher estava para parir e o homem pediu que ela os ajudasse. Então ela disse
que não sabia mas alguma coisa dentro dela disse que ajudasse.
Ela ajudou e a mulher deu a luz a um bebê menino. Foi então que ela se
apercebeu que seu corpo instintivamente entrava no corpo da mulher, como uma
alma, e ela virou a mulher.
Quando ela olhou para o homem que estava lá, o homem havia se transformado em
mim. Eu era o tal homem e ela a tal mulher. Disse que de repente começou a
aparecer um monte de gente e ela não entendia nada porque ela não podia ser a
mulher, nem eu o homem e a gente não podia ter aquele filho porque a gente
nunca tinha feito amor, a gente nunca tinha se visto pelado e.
Abruptamente ela saiu do corpo da mulher e foi lançada a quilômetros dali e
não sentiu nenhuma dor. um homem a levantou e aquele sim, era eu. E eu dava um
grito com ela e foi neste grito que ela acordou.
- Puxa, que historia esquisita Mel. Que será que quer dizer?
- Quer dizer que eu te amo Pedro, que eu quero ficar com você!
"Quero ficar com você, e é tão fundo que eu possa dizer, que o fim do
mundo não vai chegar mais..." (Caetano)
Pensei em perguntar algumas coisas, pensei em falar no que tinha me acontecido,
mas não falei nada. Não deixei que ela me tocasse. Não toquei nela, apesar de
toda a vontade do mundo. Ela foi se deitar chorando e eu fiquei ali, sozinho.
- Pedro!
Uma voz me chamava. Olhei para traz e era Deus.
- Vá. Tome Mel como tua mulher. Do amor de vocês eu construirei a maior
nação que este planeta já viu. Amanhã cedo, quando se levantarem, conte a
todos o que aconteceu. Se duvidarem de você, erga as mãos aos céus e a manhã
virará noite. Abaixe as mãos e o dia voltará. Tudo o que você quiser, você
conseguirá fazer!
- Mas, Deus e onde é a terra prometida?
- Você está nela!
Sempre tive atitudes estranhas nas horas mais estranhas.
Eu esperei muito, talvez toda a minha vida por um momento como este. Eu e Mel
juntos e com a possibilidade de ser para sempre. Acho que inconscientemente o
que me incomodava era este "para sempre". Sei lá.
Fui pra beira da praia. Em segundos um imenso vídeo tape recontou a minha vida
inteira. Meus pais e suas "maneiras ideais de viver", meu avô e seu
porre eterno, o câncer de minha avó, os olhos tristes do meu filho, a doença
de minha irmã...
Vi meu irmão morto arregalando seus enormes olhos azuis no céu e eram apenas
duas estrelas, parece que sua mão tocou em meu ombro e ele me disse coisas
agradáveis.
Lembrei de um provérbio chinês que dizia o seguinte: "Chorei por não ter
um par de meias e morri de vergonha ao ver um homem que não tinha pés".
Os chineses sempre foram muito espertos, espiritualistas. Os chineses sempre
foram muito chineses.
De repente eu estava prestes a modificar minha vida e não sabia direito se
queria ou não.
Uma mão tocou em meu ombro e não era a de meu irmão morto, era Agri.
- Tudo bem?
Não.
-Tá.
Conversamos um pouco, contei à ele o que tinha acontecido. Ele ficou pálido,
me contou uma historia de um messias indeciso sobre um livro que ele leu e foi
embora.
Entrei na cabana de Mel e ela ainda chorava.
- Me dê um abraço!
Fomos até a praia. As estrelas brilhavam como nunca, pareciam até que estavam
esbarrando na areia. O corpo de Mel reluzia.
A água viva! Entrei dentro dela como se minha carne traspassasse a dela e
virássemos uma massa só.
"A que se está chamando as criaturas que desta água se fartam, mesmo as
escuras, ainda que seja de noite. Porque ainda é de noite, no dia claro desta
noite!"
Fim
Dirceu Walter Ramos
Obras:
Plano de Vôo (com Paulo Franco e Antonio Bosco) - 1979 Editora Formar -
Vital - 1983 Editora Leme -
El hombre de la bolsa - 1984 Casa de las Americas, Habana, Cuba -