Paris, Paris

(João Ubaldo Ribeiro)

É empre assim, como talvez aconteça com a maior parte das pessoas que vão lá. Volto de Paris sem vontade nenhuma de trabalhar e querendo que todo restaurante me apresente um daqueles menus do dia caprichadíssimos, cheios de coisinhas delicadas e pronto a ser degustado em horas e horas de deleite. Mas — hélas! — não é bem assim e cabe respirar fundo e enfrentar a dura realidade. Procuro achar a dura realidade aqui nos jornais e logo a encontro. Duas pessoas contraem dengue no Rio de Janeiro a cada hora (como diria um humorista americano cujo nome esqueci, é preciso achar essas duas pessoas imediatamente e detê-las). Em ritmo bastante mais lento, tanto assim que mal se fala nela, enfrentamos uma séria reforma ministerial, em que as mesmas caras substituirão as mesmas caras, como vem sucedendo desde Cabral. Além disso, escândalo dos escândalos, o País inteiro se abala porque o Jabor falou, durante a sagrada festa do Oscar, "premeia", em vez de "premia". Gravíssimo, vamos discutir prioritariamente os verbos em ear, os rizotônicos e os arrizotônicos. Não sei se vou continuar me dando com o Jabor, certas coisas passam dos limites — e logo numa festa do Oscar, tão vital para nós. E, sim, Roraima continua pegando fogo, mas, como fica longe, o socorro demora. Um índio a mais, outro a menos, pegando fogo não hão de fazer muita diferença.

Prefiro, pois, neste domingo que espero feliz para todos vocês, voltar a falar em Paris, que, como lhes disse na semana passada, continua linda. Os programas até que ainda são basicamente os mesmos, como, por exemplo, ir ao Louvre, ver a Mona Lisa e exposições que eles montam volta e meia, tal qual a egípcia que ora lá se ostenta. A fila na pirâmide é horrenda, de maneira que talvez seja possível deixar o Louvre para outra vez (ou acordar no frio escuro às 6 horas da manhã, conforme o gosto). Mas existem tantas outras coisas para ver, inclusive a própria cidade, que não há o de que se queixar.

As filas do Museu d'Orsay também são grandes, mas nem tanto, e andam, não sei por que, mais depressa. Fomos lá, nos entupimos dos impressionistas, vimos a exposição de Manet e Monet, saímos abarrotados. E também passeamos, é claro, no Quartier Latin, nas ruas de pedestres entre nós chamadas calçadões, ouvindo música nos ares e espiando lojas e restaurantes que parecem ter estado lá, imutavelmente, desde que o mundo é mundo.

Com direito a uma esticada à Notre-Dame, todo mundo tem o direito a uma esticada na Notre-Dame, que fica ali pertinho, dando-se uma entortada no Boulevard Saint Germain. Choramos, é claro, acendemos velas, ficamos abobalhados diante de cornijas e vitrais, vimos Quasímodo suspirando por Esmeralda a cada canto, ficamos quase sem querer sair, diante do coral que se evolava ao altar-mor. E, naturalmente, não pudemos deixar de, cachecóis encaracolados e mãos se esfregando, tomar um cafezinho no Café Quasímodo, numa das esquinas da praça.

Quanto ao resto, acho que nós, escritores e afins, não envergonhamos o Brasil. Como creio que também já lhes contei, o Salon du Livre, este ano em homenagem ao nosso país, foi um sucesso, mais sucesso ainda que o Japão, recordista anterior. Não fui ao jantar que o Paulo Coelho deu — 500 pessoas sentadas, é o que lhes estou dizendo —, mas apenas porque já tinha outro compromisso. Como muita gente mais, já estou um pouco de saco cheio com essa onda de nariz torcido em torno do rapaz. Cada um tem o direito de pensar e dizer o que quiser, mas, se se pode discutir o sucesso, não se pode discutir com o sucesso e, embora eu, como, aliás, em relação a qualquer outro, não quisesse ser ele, bem que queria ganhar a grana que ele ganha e ter as mesmas filas quilométricas atrás de meus autógrafos em Paris. Haverá quem, é bem verdade, também torça publicamente o nariz diante destas minhas palavras, mas sei o que estou dizendo, inveja é uma desgraça. E Paulo Coelho, é preciso que se lembre, é meio como o Helmut Kohl. Já morei na Alemanha e essas coisas não me enganam, há analogias em toda parte. Ninguém vota no Helmutão, mas ele está sempre se elegendo. O Paulo Coelho é a mesma coisa. Ninguém compra os livros dele, nem muito menos lê, mas ele está sempre nas listas.

De resto, algumas observações surpreendentes. Não fui xingado em Paris desta vez, nem mesmo ouvi rosnidos mal-humorados, do tipo que Jean Gabin dava nos filmes de meu tempo. Garçom, motorista de táxi, lanterninha de cinema, nada, nada. Uma gentileza só, bon jour pra lá, bon jour pra cá, paciência inenarrável com meu francês tartamudo e gente bebendo Coca-Cola nos restaurantes, sem ser ameaçada de expulsão e até mesmo entre sorrisos! Perplexo, consultei amigos franceses e brasileiros residentes na França, ninguém sabia explicar. Talvez fosse a Copa, sugeriram alguns, mas não acredito em tal poder futebolístico, embora, segundo minhas pesquisas, o Brasil seja favorito entre os franceses.

E os preços, mes chers amis, os preços. Tudo, juro a vocês, mais baratinho do que aqui, ou menos caro, até sapatos. Comprei dois pares, para ir à Academia e exibi-los ao querido confrade Oscar Dias Corrêa, meu árbitro da moda e da elegância. Enfim, recomendo a todos uma viagem a Paris. Sei que isto pode parecer gozação, diante da miséria do próximo, mas não é, ou não será, no máximo daqui a uns dois anos. Venho escutando os discursos do homem e não sou catastrofista. De qualquer forma, sai mais em conta que uma estada no Nordeste. Todos a Paris!


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