Depressões Póstumas do Pop Punk

Por Jorge Rocha

Patrícia – Parte 2

Uma verdadeira crise se instaurou na banda e no outro dia, os rapazes resolveram ir até a casa de Patrícia resolver isso de uma vez por todas.

“Isso foi super chato por que todos estavam com aquela mentalidade de tipo:“vamos ter uma conversa com ela, e se ela não se mancar e pedir para sair da banda, eu vou sair.” Eu nunca iria sair do Breda, era a primeira vez que eu sentia um tipo de poder nas mãos.”

-Isso é criancice cara! Vocês ainda não pararam pra pensar que o Breda é uma banda diferente. As pessoas gostam disso... Estamos falando de ter atitude. Vamos nos tornar necessários. Quando eles menos esperarem vão estar sedentos por mais um pouco.—Patrícia com os cabelos despenteados, de quem tinha acabado de acordar, pijama, andava de um lado para o outro e gesticulava como um político experiente.—Ei senhor, cadê aquela banda daquela moça maluca e aqueles rapazes talentosos? Está aqui meu filho. Oh! Me vê mais dois por favor?!—Patrícia imitava pessoas.—O vício! As pessoas se viciam na rebeldia,... mas tem que ser inteligente. Ah, por favor gente! Jonh Lennon e Kurt Cobain faziam isso bem antes da gente e acabaram se dando bem... as pessoas tem memória fraca. Acreditem em mim, polemizar é a saída para não ficarmos no anonimato como a maioria desses imbecis do underground!—um discurso completamente político e Patrícia conseguiu mais uma vez o que queria silenciou a todos e fez com que os rapazes, mesmo que controversos concordassem com ela. Os ensaios continuaram no mesmo ritmo e dali pra frente a ordem da banda era inconseqüência, é claro que todas as atitudes nesse sentido ficavam por conta de Patrícia. O segundo show do Breda foi no Kachanga, local underground de Botafogo, ao lado de duas bandas Punk. Eles foram os últimos a tocar e Patrícia mais uma vez chegou poucos minutos antes de começar, completamente bêbada ela foi reconhecida ainda do lado de fora por um cara que estava ali só pra ver o Breda tocar.
-Aí você não é a mina do Breda?!—disse o sujeito sorridente.
-Não sei ao certo o que você quer dizer com isso, mas acho que sim...-Patrícia cambaleava.
-Eu ouvi falar de vocês foi foda você mandar os emos tomar no cu...
-È, obrigado, entra aí que daqui a pouco nós vamos começar—Patrícia chegou ao seu limite de simpatia. Lá dentro pouco mais de 50 pessoas, todos muito atentos vendo a banda passar o som. Patrícia foi até o banheiro e pediu a Sérgio que quando estivesse tudo pronto a chamasse. Cinco minutos depois Sérgio deu um grito na porta do banheiro e a banda começou a mesma introdução psicodélica de “Pagode”. Eles pareciam pressentir que algo de diferente iria acontecer quando Patrícia chegou no palco trajando apenas, sutiã e calcinha. Os gritos foram inevitáveis e ninguém, ninguém mesmo, que estava ali deixou de prestar a atenção em todos os movimentos de Patrícia. Antes da última música do show ela deu uma declaração a única do show.
-Cobrei cinqüenta reais para ficar nua aqui e no fim dessa música vou fazer isso. Depois quem quiser um programa estou negociando a cem reais cada... Mas tomem cuidado, por que eu sou HIV positivo.—a seriedade que Patrícia passou naquela declaração deixou todos assustados e alguns foram até embora, os poucos que ficaram viram o strip monótono e não tiveram coragem de dirigir a palavra aquele ser esquisito.

“Em primeiro lugar eu estava muito bêbada e só bebi porque sabia que não conseguiria fazer aquilo sóbria. A maioria das músicas do Breda escritas por mim, falavam da forma absurda como as mulheres vendiam seus corpos e junto seus sonhos, sua alma, seus objetivos, tudo em nome dinheiro. É claro que eu não tinha recebido nada para fazer aquilo e nem era HIV positivo.”

Depois daquele show a banda entrou em um ritmo acelerado de shows. Sérgio arrumava shows pela Zona Sul, Júlio pela zona oeste e Barra e Marcos pela Zona norte e baixada. Patrícia já andava mexendo os pauzinhos junto aos pais para apresenta-los a alguma gravadora. Não foi muito difícil para o Breda se tornar conhecido no underground.

“Tudo o que uma boa banda precisa para ser conhecida no meio underground é dinheiro para divulgação. E isso nós tínhamos de sobra. Contratamos até uma produtora para divulgar a nossa demo e os nossos shows pelo Rio.”

È claro que a maior arma de divulgação do Breda era Patrícia. Nos primeiros seis meses da banda ela já tinha feito de tudo. Foi expulsa do Cine Íris, durante a festa Loud! por tentar colocar fogo no banheiro feminino, xingou uma menina de “patricinha” e arremessou a guitarra em sua cabeça durante um show no Rato no Rio, cuspiu cerveja no público durante um show na Casa da Matriz e finalmente foi presa por agredir com um taco de beisebol um Dj da Boate Bunker por que ele não quis colocar uma música do Bikini Kill.

“Passei algumas horas lá e depois saí. Na realidade minha passagem pela cadeia foi muito produtiva, pensei em muitas coisas novas para a banda lá.”

Julho de 2004. Patrícia já tinha completado 29 anos. E a banda estava chegando ao seu primeiro ano de existência. Ela recebeu um telefonema de sua mãe, dizendo que uma reunião estava marcada com um empresário da Universal Records.

“Foi chato e irritante conversar com aquele sujeito. Ele veio com um papo de que tinha ouvido nossa demo, que tinha gostado e que só precisava mudar poucas coisas, para se enquadrar a filosofia. Os palavrões e talvez as roupas. Eu dei uma banana pra ele e disse que Breda sem palavrão não era Breda e que ninguém iria ficar me dizendo o que vestir. Ah! Antes de sair eu também tentei acertar a cabeça dele com um vaso de flores que estava no canto da sala. Isso não foi uma atitude legal, por que o cara ligou pro meu pai e contou tudo. Meu pai era muito drástico quando minha rebeldia afetava algum conhecido dele e resolveu cortar de uma vez por todas a minha mesada.”

A partir daquele dia o Breda precisava começar a fazer dinheiro por que a poupança de Patrícia não seria eterna. A banda começou a gravar a segundo disco.

“O disco se chamava: “A ordem é verde”. Era o primeiro de uma trilogia e fazia alusão a uma outra trilogia francesa que eu conhecia dos filmes da Juliete Binoche. O disco tinha doze músicas e era bem melhor que o primeiro. Investi quase toda a minha poupança na divulgação daquele trabalho. Partimos para São Paulo, Espírito Santo, Pernambuco e Santa Catarina. Estávamos ganhando alguma grana com aquilo, começamos a cobrar um cachê de mil reais nas apresentações fora do rio e quinhentos aqui, duplicamos o preço do CD. Agora ele custava doze reais. Não queríamos saber de gravadora, deixamos tudo na mão de um selo independente de uma amiga do Sérgio.”

Patrícia estava feliz como nunca e, naquela mesma época, descobriu que ela e Sérgio realmente formavam o casal perfeito.
Sexta-feira, Dezembro de 2004. O telefone toca na casa de Patrícia. Era um representante de um selo europeu, trazendo uma proposta para a banda. Dois meses entre Portugal, França e Espanha, 24 shows e um cachê de dois mil dólares cada, além de estadia, alimentação e passagens.

“Eles só precisavam de um O.K. nosso para começar a massificar a divulgação do CD e levar a banda no verão europeu de 2005, no início de Junho. Eu nem me lembrava mais que tinha mandado um CD pra eles a dois meses.”

Patrícia confirmou a proposta na hora e o homem disse que ele mesmo iria ao Rio para assinar o contrato com a banda. Ela desligou o telefone e ligou para os rapazes na hora.
-Vamos faturar e eles não vão querer esquartejar nosso trabalho!!!—dizia ela feliz.

“Nunca me senti tão feliz e ansiosa em toda a minha vida. Bebi três xícaras de café e fumei uns 10 cigarros em uma hora. Não era pela grana, mas sim pelo fato de eu poder estar mostrando para todos que eu servia pra alguma coisa.”

Patrícia não disse nada para os seus pais, só diria quando o contrato já estivesse assinado. Eles ficariam espantados e orgulhosos, afinal para quem nunca recebeu um salário em 29 anos de vida, ganhar doze mil reais em dois meses não estava nada mal. Naquela mesma manhã o Breda recebeu uma outra proposta irrecusável, se apresentar em um protesto da UNE (União Nacional dos Estudantes) no Largo da carioca, centro do Rio. Sérgio conhecia um dos mentores do movimento e fez a ponte. Ele avisou a todos a tempo e as 16:09 o Breda estava lá em cima de um caminhão de som com seus instrumentos a postos. O objetivo do protesto era sair do largo da Carioca, partir pela Avenida Rio Branco e chegar até a igreja da Candelária na Avenida Presidente Vargas. Isso se o batalhão de choque não tivesse interrompido de forma enérgica o movimento. Patrícia gritava palavras de ordem e a banda tocava suas músicas mais pesadas e rápidas.

“Tiros de borracha, bombas de gás e de efeito moral, gente correndo, caindo no chão e sendo pisoteada, jovens sendo espancados e acertando policiais com pedras, só quem está presenciando uma situação dessas sabe o quanto é horrível.”

No momento em que a coisa ficou realmente crítica os diretores da UNE resolveram desligar o som. E a banda começou a guardar os instrumentos. Eles desceram do caminhão e tentaram fugir da confusão. Mas lá embaixo a guarda municipal, junto a PM disse que todos que estavam no caminhão seriam presos e os instrumentos, os equipamentos de som e o caminhão seriam confiscados.

“Eles algemaram todo mundo e começaram a colocar a gente dentro do camburão. Eu estava andando em direção ao camburão tranqüilamente, sabia que depois eles soltariam a gente e liberariam os instrumentos. Era o que me interessava. Foi nessa hora que um cara da UNE que estava atrás de mim tentou resistir a prisão, ele empurrou os policiais, correu e pegou um pedaço de pau no chão, se virou e acertou em cheio a cabeça do policial. Nunca vi um sujeito apanhar tanto, jurei que ele não sairia vivo quando foi cercado por mais de dez homens fardados. Eu ouvi um deles dizer claramente: “Vocês querem guerra então vamo botar pra fuder!” e começou a destruir todos os aparelhos de som, partindo logo em seguida para cima dos instrumentos, em poucos segundos eram mais de cinco quebrando e destruindo tudo.”

-Seus filhos da puta!—as lágrimas corriam pela rosto de Patrícia e dos outros rapazes, afinal estava investido ali quase dez mil reais.—Eu vou correr atrás dos meus direitos seus desgraçados.—Patrícia gritava estérica.
-Direito porra nenhuma, entra nesse camburão aí sua puta!—disse o policial.
-Vai se fuder, seu morto de fome, filho da puta, psicopata...—Patrícia chorava, não parava de insultar os policiais, foi cercada por quatro deles, mas não se intimidou, pelo contrário começou a cuspir neles. Não teve jeito foi agredida com pontapés e jogada dentro do camburão como um embrulho de papel.

“Aquela experiência não foi muito boa pra ninguém. Os rapazes que nunca tinham sido presos ficaram espantados e eu fiquei muito triste pelo lance dos instrumentos e sentindo minha costela doer por alguns dias.”

Alguns dias depois desse incidente Patrícia foi passar o fim de semana na casa de praia dos pais do Sérgio. Quando voltou para casa, sentiu algo diferente, tudo estava muito arrumado e perfumado e foi só ela abrir a geladeira para ter a certeza do que tinha acontecido.

“Só tinha batata, cenoura, tomate, cebola, pepino, chuchu e alface, muito alface.”

A mãe de Patrícia tinha passado por ali e tinha jogado praticamente toda a compra do mês fora colocando no lugar, frutas, legumes, pão integral, queijo branco e tudo do mais leve e saudável o possível.

“Eu ficava realmente com raiva quando isso acontecia, mas daquela vez eu fiquei duas vezes mais, isso por que eu não tinha dinheiro para fazer compras de novo.”

-Alô?! Mãe?!
-Oi Paty, fala...
-A senhora ta ficando louca mãe? Eu não tenho dinheiro pra comprar comida. Pode depositar algum na minha conta.
-Eu não vou depositar nada, tem comida de sobra aí que eu deixei.
-Porra mãe a senhora ta de sacanagem com a minha cara?
-Patrícia você já tem 29 anos para de falar como uma adolescente menina! Vai lavar essa boca e aprender a criar modos! Coma o que tem aí e ponto final.—Patrícia só ouviu o som do telefone sendo colocado no gancho e tentou se conformar.

“Fiz um lanche com meus últimos centavos e fui dormir puta da vida”

Terça-feira, dia 18 de Janeiro de 2005. Patrícia acordou as 13:29 da tarde, com a mesma fraqueza e formigamento que a atormentava quase que diariamente nos últimos anos. Se sentou na cama e ligou o rádio.

“Keep on livin, do Le tigre. Existe forma mais alegre de se começar um dia. Estávamos tocando essa música nos últimos shows do Breda, eu adorava.”

Patrícia se levantou e sentiu suas pernas falharem, seus joelhos bateram o piso de tapete com tanta força que ela soltou um pequeno grito.

“Nunca senti uma dor tão forte no peito como aquela. Eu perdi todos os sentidos e me contorci como uma acrobata, antes de bater com força com minha cabeça no chão. Desmaiei e não sei quanto tempo demorou para que eu acordasse e conseguisse alcançar o telefone. Pensei comigo mesma por que não segui as instruções do Sérgio e grudei o telefone do médico junto do aparelho. Apertei o redial, mas nem me lembrava pra quem eu tinha ligado pela última vez. Ele chamou duas vezes e do outro lado a voz confortante era de minha mãe.”

-Alô?!
-Estou caída no chão da sala, se ninguém vier o mais rápido possível eu vou morrer...

“Minha voz saía tão baixa que nem eu mesma conseguia ouvir. Do outro lado minha mãe ensaiou um grito mas conseguiu manter a calma.”

-Estou ligando pra emergência agora mesmo. Não se mova e...

“O telefone caiu da minha mão e a dor que eu senti no peito voltou de forma mais intensa, era uma dor absurda, eu não conseguia respirar e tentava gritar. Tentei pegar o telefone novamente, talvez se eu ligasse para algum vizinho, mas eu nem tinha o telefone de ninguém do prédio. A dor voltou de uma forma tão forte que eu quase não senti. Lembro que as últimas coisas que eu ouvi foram os versos finais e os gritos de Kathleen Hanna em “Keep on Livin” dizendo: This is your time / This your life / Keep on livin!... e um silêncio total... Morri... de infarte. O meu pai sempre dizia: “A Patrícia é a contradição em pessoa, adora liderar, mas não gosta de pegar no batente. Para mandar você tem que ser mandada primeiro menina.” Ele só não sabia que a vida é imprevisível. Já a minha mãe adorava me taxar de velha-adolescente sempre e nesse ponto ela tinha razão. Eu sempre fui um Peter Pan de saias, não queria crescer. Já o Sérgio foi o único que conseguiu lidar com meu temperamento e era o único que não me tratava como uma menina mimada. Se eu pudesse voltar no tempo eu com certeza iria comer todas as folhas de alface que pudesse e com certeza iria montar uma banda de Rock com menos idade. A coisa mais engraçada da minha vida é que em dois anos eu fiz tudo o que não fiz nos outros 28, e minha única tristeza por ter morrido naquele momento é pela banda, eu adorava estar no palco e queria muito ter acompanhado os rapazes na turnê pela Europa. Quem disse que eles não foram? Uma menina chamada Luciana Torres entrou no meu lugar. Eles continuaram com a trilogia do jeito que eu deixei. Os discos foram sucesso de crítica na Europa, mas eles abriram as pernas pra uma gravadora entrar, viraram mais Pop do que Punk e começaram a cantar em inglês. Aqui no Brasil o Breda nunca fez sucesso. A galera queria ver baixaria e a Luciana não era de falar muitos palavrões. Fico feliz por eles nunca terem me esquecido e sempre tocarem “Pagode” nos shows em minha homenagem. O Sérgio sempre dizia: “Essa aqui é para uma menina muito louca, que nós aprendemos a adorar.” Minha mãe morreu um ano depois de mim e muita gente diz que foi de desgosto, mas eu não sei ao certo. Já meu pai resolveu levar uma vida completamente diferente da que vinha levando e se mudou para a Flórida. Tenho saudades do meu DVD, dos meus CDs, da minha casa, do pessoal da banda e de ser uma depressiva de personalidade difícil ou uma “cri-cri” que era como a maioria das pessoas costumava me chamar pelas costas.“

Modelo: Évelin Salles
Ilustrações: Joel Fernandes
Escrito por: Jorge Rocha

Hosted by www.Geocities.ws

1