"O Sonho"
(de August Strindberg, por Tupinambás Urbanos Cia EnvieZada, direção de Zé Alex) - por Rogério Marçal

A Tupinambás Urbanos Cia EnvieZada leva ao Teatro SESI (até dia 27/03/2006) a peça “O Sonho” do sueco August Strindberg. E o faz com muita coragem e determinação, enfrentando a falta de apoio e divulgação.

É uma obra que propõe discutir e refletir sobre aspectos críticos da sociedade contemporânea. Mesmo pessoas de esferas sociais tão diferentes estão sujeitas à muitos problemas em comum, nunca se dão por satisfeitas, nem das glórias e nem dos sofrimentos. É uma excelente reflexão e crítica a muitos momentos e pensamentos que rodeiam nossa existência.

Inês, filha do deus Indra, tem a oportunidade de descer à Terra, passando por uma vivência humana para poder entender um pouco do porque de tanto sofrimento que assola esse denso planeta e seus habitantes. Ao longo de sua jornada na Terra ela encontra muitas pessoas que lhe confiam seus lamentos, a vida os impôs muitas amarguras. Será que tanto lamento se justifica? Ela então tenta conhecer mais sobre os filhos dos homens para entender o porque é tão penoso viver. Cada um com suas crenças ou ilusões, mas a maioria frustrada ou traída pelos fatos, pois em uma das grandes verdades do texto afirma-se que “nada é tão bom quanto pensamos, pois a idéia é diferente da ação (realidade)".

Verdade é que dentro de cada acontecimento muitos tornam-se fracos ou tolhidos por conceitos pré-estabelecidos pela sociedade sendo reprimidos e subjugados em sua própria existência. “Desgraçados dos homens, não são anjos, mas são dignos de lástima” Algumas passagens lúdicas, curiosas ou divertidas, mas todas com tão pura realidade que fazem encher os olhos de culpa diária e pessoal sobre cada mazela que nos corrompe e nos dá a angústia por querer lutar ou pedir socorro para alguma forma de retirar tanta mágoa e sofrimento que carregamos. Cada um é em parte responsável por suas próprias penitências. Amar e não ser correspondido; amar de mais, de forma plena, até que só o que resta é a praga do sofrimento; carregar e se responsabilizar pelos problemas dos outros; procurar explicação para tudo, ou o que é pior, "construir" essas tais justificativas...

Ao longe de cerca de duas horas o público pode exercitar-se como expectador e personagem, interagindo e contribuindo com o espetáculo, mostrando como texto e personagens são envolventes e o contexto fiel à realidade contemporânea. Tanto atores, músicos, trilha sonora, arranjos de luz em cena, instalação, tudo é simples e torna o andamento da peça muito dinâmico. De certo modo não se sabe se a caracterização da montagem é uma realidade deslocada da nossa ou se a nossa realidade é uma realidade deslocada de significado dentro de uma existência maior. Muitas dúvidas pairam sobre nossa sociedade, mas desse planeta que do nada foi criado e é apenas pó, voltando ao pó, e que gira em movimento por enquanto infinito (indeterminado), pode-se dizer que a poesia é muito mais que a realidade e o sonho... bem, nem o poeta ousa dizer, pois as palavras não chegam a altura dos pensamentos.

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