Casa de Bonecos

Gilberto Puppet

Domingo é a revista semanal que vem dentro do caderno de cultura do Jornal do Brasil, todos os domingos. Há um certo tempo atrás, esta revista abordou a existência de shows de rock “underground” na cidade do Rio de Janeiro e deu como exemplos alguns lugares tidos como expoentes do estilo. Apesar da abordagem da matéria ter sido superficial e tratada com preconceito pelo editorial (o underground foi tratado como algo que “é ruim mas há gente que goste”) foi uma das únicas vezes que eu vi alguns locais que freqüento (ou freqüentava) servirem de pauta para revistas deste porte. No dia 29 de Outubro, esta revista veio com uma matéria intitulada “Tribos do rock e suas tabas”, aonde foi abordado os locais do Rio de Janeiro aonde existem pessoas que “não deixam o rock morrer”. Eis os locais: Heavy Duty (Rua Ceará) e Néctar (Vargem Grande). E apenas! Ora, se até uma revista mainstream foi capaz de salientar deste modo que a cena underground do Rio de Janeiro está definhando aos poucos, creio que este assunto precisa ser abordado, e com urgência, nos meios de comunicação que nós possuímos dentro do meio.

Através de três óticas sobre o underground (membros de bandas, produtores/organizadores de evento e freqüentadores) eu conversei com algumas (por favor, ênfase no ”algumas”) cabeças pensantes que fazem (ou chegaram a fazer) a cena carioca se mover, a fim de tentar esclarecer o que está se passando com o nosso cenário underground atual. Convido você a ler os depoimentos e divulgar este texto para o máximo de pessoas possíveis para ver se, quem sabe, consigamos criar o mínimo de conscientização para que melhoremos o nosso cenário atual.

1 - Membros de bandas

Aqui está a opinião sincera de alguns membros de bandas sobre a atual situação do underground carioca.

Uns podem achar esta situação triste e outros podem achar até engraçada. A cena está dividida. Tem a chamada cena "riocore", que é a predominante (e que tem enchido os shows) e é composta por bandas do novo estilo hardcore “playsson”; tem a cena emo, que já esteve melhor (e anda aos poucos se juntando com a riocore); tem as bandas que tocam com bandas de ambos estilos e, por fim, bandas que se fecham entre elas e se recusam a entrar nessa.
Eu vejo pontos bons e ruins nisso: Os bons, é que esse hardcore adolescente desperta, de certo modo, os adolescentes para a música, pois a partir dessas bandas, eles podem conhecer outras. O ruim é que tem muito produtor idiota que contribui pra fechar ainda mais essas "cenas". Eles fazem shows somente com bandas de um determinado estilo e fecham espaço para outras bandas tocarem e para esse público conhecer outras bandas. Aliás, o lado engraçado disso tudo é a existência de shows de bandas destes estilos junto com mcs. Na minha época, roqueiro odiava funk. Hoje em dia a gente vê ambos no mesmo show. Se duvidar, um dia você vai num show do Los Hermanos com abertura do Mc Sapinho...Isso que eu tenho achado engraçado.

Bruno Soneca – Vocal do La Bamba

Muitos dos que reclamam da falta de lugares de show no rio, são sedentários que sentam o rabo em casa e querem que shows, eventos, viagens e gravações boas caiam em seus colos.
Sobre as comparações com a cena de São Paulo:
Em alguns pontos devemos, e muito, copiar fórmulas que dão certo por lá (sem culpa), mas não devemos pensar que é mole tocar por lá. A ralação é grande. O "problema" lá é o contrário daqui: muitos shows em um mesmo dia, o que acaba dividindo o público. Para o público isso é ótimo, mas para as bandas é um sacrifício de divulgação e muita correria para que o seu show dê um bom público.

Maurinho – Baterista do Halé

Sobre bandas cover:
Eu já fiz cover sim, de bandas que eu gosto muito e tenho vontade de continuar tocando, DE VEZ EM QUANDO, alguma coisa de cover. Mas o grande problema nisso é que hoje, depois da overdose disso, o público que vai a eventos underground está tão acostumado com essas bandas que acaba nem dando atenção àquelas que fazem um trabalho autoral, e isso é culpa dos produtores de show, que só pensam no dinheiro fácil e rápido. Se eles investissem em bandas sérias e com trabalhos sérios, o público iria mudar a cabeça e começaria a aparecer pra ouvir estas bandas, e não as covers. (...) Isso só é legal pra quem está começando, e realmente estas bandas, em sua maioria, são formadas por músicos iniciantes, que na maioria das vezes tocam muito mal e ainda se acham no direito de cobrar por isso, e o pior, tem aqueles que se acham famosos porque o público canta todas as músicas junto, só que o público está cantando música de outra banda, e não a deles. Eles são cover!
Acho que as bandas que estão começando devem tocar cover sim, pois é legal para pegar entrosamento e definir que linha de som irão tocar. Só que isso não pode se tornar o mais importante.
No quesito “bandas cover ganham dinheiro”...Bom, eu acho que ganhar R$50,00 pra tocar cover (sendo que você gasta muito mais com ensaios) não é ganhar dinheiro. Ajuda a pagar a gasolina e tal, mas é só. É um absurdo isso o que rola e este foi o principal motivo de eu ter parado com covers e também de tocar em qualquer evento. Agora eu só faço o que for bom de verdade pra banda, pois quem acaba perdendo é o pessoal que curte nosso show (...). A culpa dessa overdose de covers é dos produtores (entre aspas) e das bandas por se sujeitarem a tocar isso. O público não tem culpa. Eles só vão aos eventos que são oferecidos.

Sérgio Wayne – vocal do Aversão 4

Eu acho q a cena está meio parada mesmo, pois há poucos lugares pra se tocar, como o Léo´s bar, o Constituição, Up To Rock e mais alguns. Acho que o problema é a existência de poucas pessoas que se preocupam com a cena e que querem lutar por isso. Ainda existem pessoas que querem fazer acontecer e lutam, fazem eventos e tentam fazer a coisa andar mas a grande maioria só quer ir nos shows beber, entrar nas rodinhas, e ainda reclamam, saca? Eu não sei se posso falar muito porque não estou tocando mais, mas espero voltar logo. Por isso mesmo eu sei o quanto é difícil você fazer um evento.
Washington – Ex-guitarra do Fokismo

2 - Organizadores e produtores de eventos

Aqui eu indaguei-os sobre qual seriam os motivos da crise que se instaurou no underground carioca.

Geral gosta de reclamar, mas ninguém vai aos shows "underground", aí reclama que só tem playsson, por que eles sim vão aos shows. Mas mesmo assim os shows que tenho feito ultimamente só tem me dado prejuízo. Eu vou largar o rock de novo!
sobre a fase “áurea” dos shows da Elam:
NINGUÉM ESTAVA INTERESSADO NAS BANDAS, E SIM NO “ENTERTAINMENT”, por isso que a Elam deu certo como espaço e, depois que ficou popular, começou a declinar. A solução é: Educação. Eu tentei por um bom tempo, mas todo mundo acha que eu sou mercenário (risos). Aliás, todo mundo acha que os produtores de eventos são mercenários...
No início a gente trabalha com grande entusiasmo e vários sonhos, mas no final não consegue mudar a realidade. Daí a gente aceita ela ou sai.

Leandro – Elam Produções

Há várias questões envolvidas.
1- Conformismo das pessoas que, por preguiça, não buscam informações, não se conscientizam da importância de serem formadores de opinião e, conseqüentemente, se submetem à mídia;
2- Cara-de-pau de determinados organizadores de eventos que pensam apenas no lucro e submetem as bandas independentes com a maldita política de covers;
3- Preconceito acerca da cultura rock;
4- Facilidade de obtenção de material através da internet, o que acarreta na quebra da renda que bandas independentes que poderiam ter com a venda de CDs, e conseqüentemente, falta de investimento.
5- Competitividade entre bandas que, sabe-se lá porque, não se unem, acabando por mutilar a pouca cena que temos.
Há outras, mas essas me parecem as mais diretas...

Tati – Up To Rock

A cena do Rio nunca existiu. Ela nunca passou de um ensaio do que um dia poderia vir a ser uma cena. Por mais que muitos se esforçassem em fazer os eventos e as bandas crescerem, a maioria das pessoas sempre olhou para o próprio umbigo. Não há uma veia “alternativa-underground" na maioria do chamado "público". Os shows poderiam até estar cheios, mas o "público" era de uma banda específica, e esta banda não necessariamente era boa, e tudo ficava na amizade (...).
No final da falência da cena, virou moda identificar-se uma "produtora" do evento como se o egoísmo das bandas e a alienação delas dessem margem a isso. O barato era colocar “Fulano Produções apresenta”.
Muitos até poderiam fazê-lo (visto o tempo de estrada acumulados durante anos de batalha) mas o que não dá mais para aceitar é pessoas que mal viram seis shows a vida inteira e que querem começar a fazer evento.
Sobre a segregação da cena:
Que andar pela cidade é complicado, isso não é novidade. Mas também há muita má vontade de muita gente, e preconceito.
Subúrbio e baixada formavam guetos dentro da cena, já que o "público" fazia questão de dizer que era "longe", bem como muitas bandas também (...)
A cidade fervilhava de eventos em TODOS os cantos, mas só a Zona Sul tinha o devido destaque. Falo com muito preconceito, pois não acredito que grandes eventos da baixada e da Zona Oeste fizessem todo o esforço do mundo para conseguir uma notinha que fosse no rodapé de algum jornal. Mas os eventos da Zona Sul, realizados em lugares de pouco espaço, caros e com bandas supostamente conhecidas, mereciam mais fotos e muito mais textos em alguns veículos de comunicação.
Sobre a solução:
Eu não vejo esta opinião como "a solução", mas penso que falta um pouco da "escrotidão" dos grandes da industria fonográfica. Tipo, se uma banda é ruim, o cara tem que chegar e falar "Vocês são ruins!", e não ficar passando a mão na cabeça só porque eles são amigos.

Felipe – Rock na Ladeira

3 - Freqüentadores

A pergunta feita foi apenas uma: Perguntei para alguns freqüentadores como eles enxergam a cena carioca atual.

Muito difícil essa pergunta porque deve existir alguma cena e em algum lugar, mas eu não estou vendo. Então prefiro não opinar.
Celly – 18 anos

Eu acho que falta um pouco mais de ousadia musical. Mas também acho que, com essa ousadia, também temos um público não tão preparado para receber isso!
Augusto – 27 anos

A cena atual está aí pra todos perceberem que a moda tomou conta do ambiente. O modismo dita o tipo de som que você curte. Não posso mais ir a algum show com o meu chinelo Havaianas e blusa sem estampa nenhuma, senão sou tachado de emo. Sou da época que som era som e pronto. Freqüentei Cachanga, Casarão Amarelo, Beco da Boemia e não tinha esse modismo todo. Só acho que o underground está falido por muitas questões que acho difícil falar tudo agora assim, pois também sei que pra quem está pegando a cena agora e só conhece o som pela "imagem", pode ser até legal (e deve né, `risos´) mas eu preferiria a cena antiga, com certeza.
Glédiston – 23 anos

Para quem se relaciona com o Alternativo e o Independente, as noites por aqui não se deixam a desejar na maioria da vezes. Os estilos do Rock `n Roll, do Heavy Metal, do Grunge e os Andrógenos, tem uma frequência contínua em dois dos bairros mais visitados do Rio pelo povo alternativo, Copacabana e Lapa, pois é aonde se encontram as melhores boates, festas e shows para os alternativos. Lá se encontram todo tipo de gente MESMO e é onde o preconceito APARENTA ser menor. A liberdade de expressão é ativa (a maioria dos protestos, festas polêmicas ou não, raves, shows, baladas são feitos lá). Parece que é o que faz nossa cidade ser conhecida, tanto aqui como lá fora, mas não é só lá que se encontram os alternativos.
A cena como um todo não se limita aos punks de moicano ou aos "roqueiros sujos" como costumamos ouvir. Ela é algo muito mais profundo do que parece. A palavra underground no português significa subterrâneo, O underground é formado por grupos excluídos da sociedade que não se encaixam no conceito padrão de cidadão, seja no jeito de se vestir, andar, falar, se expressar, etc. E esses grupos excluídos, reconhecidos pela irreverência e atitude, por mais que existam lugares onde há qualidade e acesso, eles são muito poucos comparados com a montanha de gente que está entrando na cena e curtindo o underground.
A divulgação dos eventos vai de acordo com o público, então se você está sem grana para um evento grande, o que te resta é procurar algo gratuito ou mais barato para ir, e nem sempre a distância desses lugares compensa, pois não temos tantas variações de lugares para onde ir, e não é em todo lugar que se encontra.
O público cresceu, mas os espaços, não. Precisamos de gente com vontade de fazer uma cena maior, com mais variedade, acesso, e qualidade.

Kenia - 19 anos

Observações:

- Todas as opiniões estão dadas na íntegra e com edições apenas nas redundâncias que apareceram.

- Infelizmente não foi possível conversar com todas as pessoas que eu quis. Por isso isto este será o principal assunto desta coluna também nos próximos meses.

- Discorda de algo? Gostaria de ter a sua opinião expressa aqui? Entre em contato: [email protected]

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