Casa de Bonecos

Gilberto Puppet

Moshpit. Roda de Pogo. Moedor de Carne. Ciranda Infernal. Circle Pit. War of Death. Stage Diving. Head Walking. Milhares de variantes denominam aquela chuva de corpos que muitas vezes serve de termômetro para a apresentação de uma banda e que faz tempo que não se restringe só ao cenário hardcore: A Roda.

No início do ano fui a dois exemplares shows independentes aonde me dediquei a observar este assunto em questão. O primeiro foi no Léo´s Bar com as bandas Ataque Periférico, Crime Passional, Cervical e Itsári. O Hardcore comeu solto do início ao fim e o número de "dançarinos" foi crescendo de acordo com as apresentações. Coreografias diversas tomaram conta do local, muitas se remetendo a algumas artes marciais (como as danças atribuídas aos adeptos do straight-edge), outras à arte circense (sim, teve cambalhotas e, pelo que parece, até alguns narizes vermelhos...) e até ao Parkour.

A outra "pista de dança" qual pude analisar foi a do Bar R9 (evento do site Esculhambação) aonde se apresentaram La Bamba, Noção de Nada, Macacos Me Mordam, Zero 5, Coquetel Acapulco e Fikcius. Um festival feito por bandas majoritariamente de influências vindas do hc melódico, porém a tal dança que se formou no público não parecia conter muitos resquícios de melodia ou harmonia. A massa na frente do palco se debatia, girava, levantava as mãos, cantava no ritmo das músicas e tudo isso sem se importar com as giradas de braço, cabeçadas, pessoas caindo em cima ou ter a testa atingida por uma sola de All Star.

A grosso modo, algumas correntes antropológicas associam a cultura da dança à exaltações de "amor" (religiosidade ou sexualidade) e à exaltações de "ódio" (preparativos bélicos). Fazendo-se uma análise em cima disso, a famigerada roda parece ser uma convergência destes dois fatores. Enquanto todos estão cantando e dançando juntos, felizes e recebendo calor humano, milhares de braços, pernas e cabeças te acertam por segundo, fazendo que você revide as agressões sofridas e transfira braçadas e pernadas em outra pessoa que segue com o ciclo. Tocante, literalmente.

Outra coisa interessante é que a "violência" existente numa roda pode ser comparada aquela gerada pelos filmes de ação e desenhos animados violentos. A pessoa psicologicamente saudável (que sabe que jogos de videogame, filmes e Marilyn Manson não te levam a atirar nos amigos de colégio) sabe que a "porrada que come" em uma roda não tem a finalidade de machucar ninguém (pelo menos não de verdade), tanto que quando alguém cai na pista de dança, milhares de braços tratam de erguer a pessoa em questão, pois, apesar de todos estarem se estapeando, empurrando e muitas vezes extravasando hemoglobina por algum orifício, existe uma solidariedade na roda que é, no mínimo, comovente.

Também existe aquele senso-comum masoquista que diz que só se sente que está curtindo de verdade o tal show quando se sai dele como se tivesse acabado de sair de uma máquina industrial de lavar roupa, com todos os músculos doendo e uma camisa empapada de um suor que não é majoritamente seu (além de outros fluidos também). Mas qual é a dança que não está intimamente relacionada a dor? Pergunte isso às bailarinas profissionais e aos seus lindos pés atrofiados depois de tantos treinos e calos.

Depois destas constatações, pense melhor na próxima vez que estiver de frente à uma roda e proteste quando alguém encher a boca para dizer que roqueiro dança mal.

Hosted by www.Geocities.ws

1