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COMPORTAMENTO
Ninguém
entende
São
tantos jargões e palavras de outras línguas
misturadas que muitas vezes ninguém entende o
que alguns profissionais querem dizer
Ted
Sartori
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Marcio
Baraldi
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Ao
acompanhar bailes de Carnaval pela televisão, as pessoas
acabam tornando-se testemunhas de entrevistas, ou melhor,
de várias tentativas. Os convidados são interpelados
pelo repórter em meio a música alta, gritos frenéticos
dos foliões, além de muito confete e serpentina na
cabeça. Com isso, trava-se uma conversa absolutamente
desconexa. A clássica pergunta O baile está
animado? pode ser respondida com um inacreditável
Sou de Araçatuba. Quando não, o
entrevistado passa a concordar com tudo com meneios de
cabeça, encurtando sua participação em benefício de
ambos.
Fenômeno
parecido ocorre quando uma pessoa que se comunica apenas
na linguagem de sua profissão fala com outra. Termos
específicos, geralmente restritos ao ambiente de
trabalho, são ditos pelo interlocutor sem a menor
cerimônia, transformando o diálogo num chato monólogo.
E o outro, sem coragem de confessar que não entendeu
nada, posa como um especialista mudo, com fisionomia
séria e compenetrada, para confirmar o conhecimento de
causa. Outra semelhança entre as cômicas cenas é que
as duas são ocasionadas por exageros: a do baile, pelo
alto volume da música; e, a do papo, pelo abuso do
jargão.
Num texto
sobre o assunto, o escritor capixaba Clério José
Borges, autor do livro Gírias e Jargões a
Segunda Língua dos Brasileiros, disponível apenas na
Internet (www.clerioborges.com.br/girias), explica que a
palavra jargão vem do francês jargon e significa
uma linguagem corrompida, constituída de modo
especial por termos estrangeiros que não se
compreendem.
Um paralelo
é a gíria que, segundo Borges, é a linguagem
peculiar àqueles que exercem a mesma profissão ou
arte. Porém, algo os diferencia. Enquanto o
jargão dificilmente passa ao domínio público
por pertencer a um grupo fechado a gíria, mesmo
surgida num meio social igualmente restrito, pode se
espalhar e ser incluída por todos em seu vocabulário.
O encontro
entre as definições pode estabelecer um bom senso para
a comunicação cotidiana. Se utilizamos demais a
gíria, tornamos as conversas vulgares. Mas se o que
falamos possui uma alta codificação, nosso falar nunca
será compreendido, afirma a professora e
jornalista Fátima Francisco, doutora em Comunicação
Semiótica pela PUC-SP.
Admirável
mundo sempre novo. Quando um leigo vai comprar pela
primeira vez um computador é inevitável que surja um
turbilhão de dúvidas. Para explicar, fazemos
analogias, como comparar o computador a um carro,
conta Marçal Alexandre Harada, de 21 anos, que trabalha
com manutenção desses equipamentos desde 1998.
Em casa, no
autêntico test-drive, o jeito é incorporar
o informatiquês: formatar (limpar o disco rígido),
disco rígido (onde estão armazenados os programas e
arquivos), deletar (apagar). E, com a coqueluche da
Internet, aparecem os sites (os endereços www de
empresas e até de pessoas), chats (bate-papos por
escrito) e e-mails (correios eletrônicos).
A quantidade
de termos em inglês assusta. E isso não é privilégio
nacional. A jornalista Lídia Maria de Melo, enquanto
fazia sua tese de mestrado apresentada em abril deste ano
na ECA-USP sobre a presença de neologismos (palavras
criadas) nos jornais, assistiu a palestra de uma
professora portuguesa sobre o assunto. Ela afirmou que
esses estrangeirismos não entravam em seu país.
Comecei a me comunicar por e-mail com duas
universitárias portuguesas. Em várias mensagens, uma
delas escrevia site e não sítio. Resolvi perguntar por
que, e ela pediu desculpas por não saber que no Brasil
não se utilizava o termo. Disse que era comum e veio a
confirmação de que em Portugal também era.
Um drible
bem aplicado por um jogador de futebol é imprevisível e
causa estragos fatais numa defesa. Previsíveis mesmo
são as palavras dos atletas: Estivemos bem
preparados, procuramos cumprir o que disse o professor e
conseguimos a vitória.
Mas nem toda
a responsabilidade por isso é dos atletas. Nós,
jornalistas, fazemos sempre as mesmas perguntas e, em
geral, os jogadores não querem se comprometer e criar
atritos. Por isso, sempre respondem com um lugar-comum
politicamente correto, avalia o colunista esportivo
da Folha de S.Paulo, José Roberto Torero, que também é
escritor e colabora com crônicas para a RdB.
A
deficiência na educação, por optarem cedo pelo
esporte, aliada à origem simples da maioria dos atletas
de futebol, é outro dos motivos que pode servir de
explicação. Mas também não podemos sofisticar
muito nossa linguagem, senão vão nos chamar de
mascarados. E, apesar desse calendário desgastante,
procuro sempre ler um livro ou uma revista no avião ou
na concentração, para sempre melhorar o falar, até
como exemplo aos torcedores, declara Robert,
jogador do Santos.
As respostas
ensaiadas também são mostras do comportamento
corporativo dos boleiros. Os ídolos mais experientes
servem de espelho. Eles têm um código. É como se
fosse uma defesa pessoal. Mas se você pressionar um
Caio, um Raí, um Leonardo, jogadores mais articulados,
vão dar uma evasiva da mesma forma que os outros,
observa o repórter da Rede Gazeta Wagner Donizeti Lima.
Sindicalês
não é chinês. Participante das lutas sindicais há
muito tempo e com a autoridade de seus 58 anos, Vito
Giannotti é autor de vários livros sobre comunicação
sindical e coordenador do Núcleo Piratininga de
Comunicação, com sede no Rio de Janeiro. A entidade
congrega jornalistas, professores e sociólogos, entre
outros profissionais. Promovemos cursos para
orientar os sindicalistas a falar melhor em público ou
mesmo contar a história do movimento. Desde 1993, foram
mais de 15 mil pessoas formadas em todo o Brasil.
Ensinamos e aprendemos muito, ressalta.
Entre as
obras, o autor destaca o Manual de Linguagem Sindical
As Sete Pragas do Apocalipse: Economês,
Informatiquês, Intelectualês, Juridiquês,
Psicoloquês, Politiquês e Sindicalês, em parceria com
Cláudia Santiago e Sérgio Domingues. É uma espécie de
tradutor, um guia para que os líderes possam dissertar e
comentar sobre esses assuntos sem nenhum problema.
Além disso, serve para que eles falem aos
trabalhadores mais facilmente. Não adianta falar em
chinês se eles só entendem português, acrescenta
Giannotti.
O livro é
garantia de informação e também de diversão por
conter algumas histórias curiosas envolvendo
sindicalistas. O autor lembra de uma delas, ocorrida faz
três anos: O presidente do Sindicato dos
Bancários de Nova Friburgo, Cláudio Nascimento,
participou da primeira reunião da Federação dos
Bancários do Rio de Janeiro e Espírito Santo. No final,
pegou carona numa perua com o dirigente do sindicato de
Petrópolis, o Wilson. Quando o carro subia a serra de
Petrópolis, sob uma chuva torrencial, ele perguntou ao
Cláudio se ele tinha tendência. O outro, assustado,
respondeu: Não tenho tendência nenhuma, deixa eu
sair, estou me sentindo mal! Não havia entendido
que se tratava apenas de tendência política.
O discurso
sindical possui alguns termos tão característicos no
dia-a-dia que muitas vezes são ditos como se fossem de
compreensão natural. Ana Tércia Sanches, diretora do
Sindicato, é uma das que se preocupam com esses
neologismos. Não sei se os bancários entendem
quando dizemos que o Sindicato está fazendo uma
articulação (organização) com outros sindicatos ou
quando afirmamos que estamos nas bases (agências e
locais de trabalho). Mas de uma coisa Ana Tércia
tem certeza: Quando falamos que alguém é pelego
todo mundo entende, brinca.
Economês. O brasileiro costuma
ver a figura do economista com muitas reservas, até por
conta dos diversos e malsucedidos planos econômicos
aplicados no país. Ele trabalha com um conjunto de
hipóteses e uma série de mudanças sem controle, com
margem de erro grande. E é criticado quando erra em suas
projeções. Mas não tem capacidade de acertar tudo. É
uma profissão como outra qualquer, explica Antonio
Evaristo Teixeira Lanzana, mestre e doutor em Economia
pela Faculdade de Economia e Administração da USP.
Em março
deste ano, Lanzana lançou o livro Economia Brasileira
Fundamentos e Atualidade (Editora Atlas), para
mostrar ao leitor ser possível entender economia sem
nenhuma formação econômica. Para isso, recorreu a
exemplos da realidade brasileira e aproveitou vários
anos de experiência com não-economistas e em cursos de
MBA (Master Business Administration), ministrados por ele
na USP, sobretudo para engenheiros e administradores.
Desde seus
tempos de estudante, Lanzana percebeu como os
empresários tinham dificuldade em entender o que se
passava na economia. Quando assessorou um deles, a
imprensa havia divulgado estatísticas apontando queda na
produção industrial. Respondendo às perguntas dos
jornalistas, ele disse que a culpa era do governo, que
gastava demais, ocasionando déficit. Isso não é
motivo para a diminuição, mas como era moda responder
isso, assim ele fez, completa o economista.
Jargão
de terno. As palavras em latim fazem parte da
eloqüência de um advogado, completado pelo traje social
e o cenário de um julgamento. Data venia
(com o devido consentimento da classe, no caso), o
caráter da profissão é sempre questionado,
principalmente quando eles defendem clientes mesmo com
todas as evidências contrárias. Como profissional, essa
é sua função. A formalização que caracteriza o
Direito também é objeto de muito respeito,
observa Cristiano Vilela de Pinho, terceiranista do curso
na USP.
No entanto,
os termos latinos são restritos aos profissionais da
área, embora alguns sejam familiares aos nossos ouvidos,
como hábeas corpus (liberdade ao acusado), ipsis
litteris (textualmente, com as mesmas letras) e data
venia, já mencionado. Com o cliente, buscamos
situações reais. Esse jargão serve essencialmente para
expressar com exatidão o que queremos dizer, em poucas
palavras, explica o advogado Antônio Carlos
Dueñas.
Mas quando a
profissão deixa o escritório e o acompanha até em
casa, chega a ser um problema psicológico, segundo o
causídico e deputado federal José Roberto Batochio
(PDT-SP). Conheço muito juiz que também é juiz
com a família. Isso é falta de um outro tipo de
atividade, de um hobby. O veredicto é do leitor e
os autos (registro escrito dos atos de um processo) do
processo da vida irão registrar.
Caligrafia
branca. Quando ninguém entende a caligrafia da
criança, todos exclamam: Parece letra de
médico!. É uma realidade vinda de outras épocas.
Existiam poucos médicos e poucas farmácias. A
letra era familiar e todos se entendiam. Hoje, com os
milhares de profissionais, ninguém tem obrigação de
decifrar hieróglifos, afirma o reumatologista e
membro do Conselho Regional de Medicina de São Paulo
Antonio Pereira Filho.
O mau
hábito foi comprovado em estudo apresentado em 2000 pela
quartanista de Medicina da Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp), Flávia Stenberg. Foram aplicados cem
questionários no pronto-socorro pediátrico e o
resultado, alarmante: 90% dos acompanhantes das crianças
mal sabiam o nome do médico. Quanto às receitas, 12%
delas não foram entendidas pela estudante e em 33% foi
difícil.
Pereira
reclama do reduzido número de denúncias que chegam ao
Conselho por problemas de caligrafia, que mal figuram nas
estatísticas. O médico é punido com advertência
e apressa-se em mudar a letra para evitar mais
problemas. O próprio Código de Ética Médica
Brasileiro prevê no artigo 39: É vedado ao
médico receitar ou atestar de forma secreta ou
ilegível, assim como assinar em branco folhas de
receituários, laudos, atestados ou quaisquer outros
documentos médicos.
A rapidez no
atendimento público de saúde, por conta das inúmeras
consultas, é apontada como uma das causas da caligrafia
ilegível. A preocupação com o quadro clínico
faz com que o medicamento passe a ser um
coadjuvante no tratamento. E, se não for
visto com atenção, pode ser fatal, afirma a
farmacêutica Sandra Mouaccad Peres.
Os catorze
anos de vivência na área permitem-lhe histórias
incríveis. Li na receita Vitanol A, uma pomada
para uso na face. Estranhei, por tratar-se de um
oftalmologista. Com muito custo, constatamos que era
Lacrigel A, pomada de utilização oftálmica, o que
conferi por telefone com o próprio médico, que se
desculpou. Até prescrição em japonês ela já
recebeu. O médico era japonês, o paciente
também, mas a farmacêutica não, relembra, aos
risos, Sandra.
FONTE: Web Site do Sindicato dos Bancários http://www.spbancarios.com.br/rb72/rb7.htm
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