CLÉRIO JOSÉ BORGES DE SANT´ANNA VOLTAR |
DE ORIGEM JAPONESA |
O haicai é fruto do “haikai no renga” (ou tanka), muito em voga antes e na época
de Bashô, que nada mais era do que um poema seqüencial, em que um poeta
compunha a primeira estrofe (hokku), um terceto com 5/7/5 sílabas (ou sons).
Os poemas naquela época (tanka/waka)
eram apenas cantados ou declamados. Não havia poemas escritos.
Em
seguida, vinha outro poeta, que o completava, compondo a segunda estrofe; um
dístico, com 7/7 sílabas (ou sons). E as estrofes iam se sucedendo
espontaneamente, chegando a centenas. É claro que isso não se dava em um só
dia. Um “haikai no renga”, para ser completado, levava anos, pois também não
havia, por parte dos que o compunham, o que chamaríamos de “ansiedade” em vê-lo
concluído, em dia e hora certos.
Sendo
o hokku “a partida”, para o
desenvolvimento de um longo poema, era ele que estabelecia “a cor”, “o matiz” (
o assunto) para o restante a encadear, ou simplesmente o argumento principal.
Embora
iguais na forma, há uma significativa diferença entre “haikai no renga” e
“tanka” (ou waka). O primeiro é composto por dois poetas, ou seja, um compõe o
“hokku”, que é a estrofe inicial, e outro vate compõe a derradeira estrofe
(estrofe seguinte), um dístico de 7/7 sílabas. No caso do “tanka”, o poema
(mesmo igual ao antecedente) é composto por um único poeta (as duas estrofes).
Em palavras mais claras: - o “tanka” é produção individual, enquanto o
“Renga-Haikai” é produção coletiva.
Dizíamos
anteriormente que o “haikai no renga” (conhecido na época simplesmente por
haikai) era muito extenso. Uma centena de estrofes denominava-se hyakuin; um milhar, senku. Por uma questão de gosto ou preferência,
Bashô era adepto do KASEN, um
encadeamento de apenas 36 estrofes (do haikai no renga).
Trocando
tudo isso em miúdos, como apregoa o bom povo, na tentativa de sermos entendidos
até por uma criancinha de colo, tornaríamos a explicar que o “haikai no renga”
era formado distintamente por duas estrofes, sendo o “hokku” (centrado sempre
no kigo) a inicial ou superior, intitulada “Kami no ku”, em três versos (5/7/5)
e a inferior, “Shimo no ku”, uma dupla de 7/7, que é a estrofe terminal, também
denominada “Matsu no ku”. Outro dado que gostaríamos de deixar bastante claro é
que o “tanka” não tem (ou não exige) referência à natureza ou sazonalidade
(embora isso casualmente possa acontecer). Está centrado no social ou nas
paixões humanas (atributos/qualidades).
Reza
a tradição que o mais antigo exemplo de haikai
escrito, de que se tem notícia, tem como autor o poeta Fugiwara-no-Sadaye (1162-1242), que viveu no tempo do imperador
Gotoba (1180-1239), cujo texto é o seguinte:
“Espalhadas flores
quer pegar e pega apenas
o vento de chuva.”
-Consta
que o primeiro haicai produzido no
Brasil é de autoria de Hyôkotsu, escrito momentos após desembarcar no porto de
Santos, em 18.06.1908, do navio Kasato Maru, que trazia os primeiros imigrantes
japoneses (793) para o nosso país. Eis o poema:
“A nau imigrante
chegando: vê-se lá no alto
a cascata seca.”
É
um poema universal, já que canta a natureza através do kigo. O que identifica ou caracteriza o haicai é justamente o kigo
(a pronúncia correta é kìgo), “termo ou palavra de estação”.
O kigo é representado por meio de um
vocábulo, uma frase ou uma expressão (no poema), ou ainda pelo “colorido” das
imagens, emoções ou sensações que o mesmo encerra, de acordo com os
conhecimentos do poeta e do seu talento ou mesmo de sua vivência, nesse campo.
A
concepção hodierna de haicai, em
nosso país, é a de que se trata de um poema breve, escrito em tercetos, onde
uma palavra ou expressão nos remete à estação do ano: mas não basta essa
conformação para que o produto final, em três versos, possa ser considerado um haicai perfeito. O kigo deve representar o “aqui” e o “agora”, como o “flash” de uma
máquina fotográfica, que capta e fixa uma imagem de um determinado momento do
tempo. É aquilo e pronto! O haicai,
finalmente, é um canto de louvor à natureza.
Por
ser um poema conciso, devemos evitar, na sua contextura, o raciocínio, idéias
pré-concebidas ou conclusões. Nele não há espaço para a razão. É simplesmente
POESIA.
Outro
fator importante que podemos abordar é que o haicai não é um poema pequeno. Casualmente sua estrutura é desse
porte. Ninguém o “imagina” de um modo “extenso” e depois vai polindo, os
versos, até que alcancem a marca das cinco/sete/cinco sílabas (ou sons).
Como
forma literária, para esse caso, não deverá haver termo de comparação. O haicai “nasce” (assim) espontaneamente.
Como não se diz que uma rosa é grande e um miosótis, pequeno. “Ele é o que é”.
A
poesia do haicai ou se realiza ou
não se realiza. Se não se realiza, o produto final é um lindo poema, porém não
pode ser considerado haicai. Essa é
a opinião de vários mestres (atuais) do haicai.
Com
raras exceções, entrando aqui os grupos de São Paulo (capital) e Santos, não se
pratica, no Brasil, um haicai que
chamaríamos de autêntico. Por ignorância ou mesmo por preguiça, a maioria busca
o mais fácil, ou seja, amontoar três versinhos, uns sobre os outros, e, muitas
vezes, perfeitamente metrificados. Compõem um terceto, mas não um haicai. O haicai deve ser tratado, poema que é,
como um todo. Uma somatória de dezessete sílabas (ou sons), distribuídas em
três versos, com uma delicada mensagem sobre a natureza, indicada pelo kigo (estação do ano). Mas tudo isso
sem exageros. No haicai devemos
evitar grandes explicações, metáforas preciosíssimas, títulos ou rimas. O haicai é simples, do povo. Nasceu e
deverá continuar assim. É claro que o poeta, vez por outra, tem o direito de
extrapolar tudo isso, pois é ele quem tem vida, inspiração. Mas se o seu desejo
é a prática do haicai (autêntico) de
Bashô, os modelos (ou normas) estão ao alcance de qualquer um. Afinal de
contas, existem leis para tudo e o haicai
não é uma exceção. Alguns
sabichões andam por aí inventando (cada um diz o que quer) que possuindo o
japonês uma escrita ideográfica (?), diferente da nossa, é impossível conciliar
o número de sons desse idioma com o número de sílabas, na língua portuguesa.
Enganam-se. Se o alfabeto nipônico é completamente estranho ao nosso, sua
pronúncia é idêntica... e eu diria quase igual. Podemos ler textos em
português, com os sons japoneses, que eles entenderão no ato. Saber
metrificar não é coisa do passado, pois a metrificação é “apenas” um recurso “a
mais” que a poesia nos oferece. Um toque de ternura, nas mãos do poeta. E
metrificar não é tão difícil como se possa imaginar, pois “até eu” consegui
aprender. Todo
poeta que deseja ser completo necessita estar familiarizado com a metrificação.
No exterior, todos os poetas metrificam. A implicância, me parece, é só no
Brasil. Vocês
já imaginaram um compositor que não sabe música? Um pintor que desconhece
rudimentos sobre tintas e matizes? Um escultor que não dá a menor “pelota” para
a forma? Quanto mais pudermos aprender sobre a arte que abraçamos, mais
haveremos de nos desenvolver nela e de colher seus apetecidos frutos. Ser poeta
pelas metades é “caretice”. Mas,
como dizia no início deste capítulo, o que se faz (mais) no Brasil, no momento,
é escrever tercetos. E para escrever
tercetos não precisa saber nada
sobre Bashô, Issa, kidai ou kigo. Se souber, melhor. Mas escrever tercetos também é válido. Só não
estaremos praticando o haicai, que,
como disse folhas atrás, é coisa bem diferente.
Além do terceto, que não dispõe de regras para a sua elaboração e pode ser
escrito por qualquer pessoa, não necessitando nem mesmo ser poeta,
informaríamos da existência do senryu
(ú), outra forma poética de expressão que está sendo bastante praticada, no
momento, no mundo inteiro, incluindo o Brasil. E, verdade seja dita, poemas
muito bonitos, mas que apesar de seus pontos positivos não são haicais. O senryu é um “parente chegado” do haicai. Consta que vem do “centro” do “haikai no renga”, enquanto o
haicai, propriamente dito, é a sua
primeira estrofe (hokku). No
Japão, o “senryu” é praticado por trabalhadores e mesmo executivos. São versos
leves e circunstanciais, que falam do cotidiano e expressam as condições de
vida do japonês moderno. O importante, no senryu,
é a mensagem (cômica, irônica, satírica). O
“senryu”, a princípio, era uma das mais conhecidas formas de “zappai” (forma
cômica). Hoje, seu sentido evoluiu. Vejam
alguns exemplos de senryu e poderão
notar que é um poema que agrada e mesmo empolga, se bem escrito, embora não
seja haicai: “Passar o fim de semana como perfeitos estrangeiros,
ou quem são minha mulher e meus filhos?”
Tudo isso
em função da triste situação de um chefe de família japonês, continuamente
longe de casa, distante de seus entes queridos, em busca do ganha-pão. Um tipo
muito encontrado no Japão de hoje é o “tashin-funin”, o “solitário
transferido”.
Alguns
casamentos chegam ao divórcio (separação) devido a esse estado de coisas. O
“senryu” abaixo reflete melhor todo esse drama nipônico: “Um envelope na caixa do correio. De uma namorada? Não, de meu filho.” Eis
aí uma mostra amarga do que existe hoje no Japão... e talvez no mundo inteiro,
que se reflete até na literatura. E essa “coisa ruim” já se implantou também no
Brasil. O senryu, não. O problema
social.
Ninguém
poderá dizer, com a máxima certeza, o que seja um haicai BOM. Desde que ele siga os preceitos deixados pelos poetas
tradicionais, será sempre um haicai.
Particularmente, devo deixar aqui transcrito que no haicai deve existir sempre a noção de sinceridade (makoto); a
expressão de uma realidade condizente com a verdade interior do poeta. Um
artifício bastante utilizado na composição do haicai é o “kireji”, que não possui explicações, em nosso idioma. É
uma maneira “sui generis” de se expressar, do povo japonês, mais ou menos
assim: ah! oh!, etc. Para identificá-lo, geralmente usamos um travessão, numa rápida mudança do
assunto que está sendo tratado, no poema. Onji seria a somatória dos dezessete
sons ou pausas do haicai. Kidai é o tema do haicai. Kigo é o vocábulo (palavra, frase ou
expressão) que simboliza ou representa um elemento da natureza – referência
sazonal. Muitas vezes, kigo e kidai se confundem no poema. Mas seria
entrar em pormenores e “delicadezas”, que poderiam trazer maiores confusões ao
leitor. Muito
mais teríamos ou poderíamos aqui expressar, sobre essa pérola nipônica. Não o
faremos para não tornar este assunto extenso e maçante. Nem tivemos a intenção
de exaurir o tema. Trata-se, este pequeno estudo, de uma singela orientação ao
haicaísta iniciante, que verá nele uma espécie de primeiro degrau para o
desenvolvimento de seu aprendizado, sobre esse poema.
GLOSSÁRIO SOBRE KIGO Ano-novo, barata, guarda-sol, alamanda (flor), chuva
de granizo, noite de verão, vaga-lume, piracema, traça, cigarra, pernilongo,
lua de verão, aranha, minerva (flor), melancia, jaca, trovão, jacaré, rosa,
Natal, abóbora madura, campânula (flor), caracol, caranguejo, carnaval,
fantasia (de carnaval), flamboyant, flor de maracujá, garça, hortênsia,
lagarta, manga, mariposa, samambaia, sapo, vestibular, trigal amarelo, etc. Cobertor, tosse, inverno, rosa de inverno, árvore de
inverno, garoa, nevoeiro de inverno, manhã de inverno, balão, cipó-de-são-joão,
fogueira, frieza, suinã (árvore com flores vermelhas), noite fria, rio
minguante (com pouca água), camélia, mar de inverno, mosca de inverno, pitanga,
agasalho, casaco, chuva fria, frente fria, planura seca, salsão, fogos de
artifício, etc.
PRIMAVERA
Flor (de um modo geral), beija-flor, ipê, jacarandá, rã,
campo de primavera, pipa, lua enevoada, borboleta, sibipiruna, plantio (época
de), rio de primavera, mar de primavera, lua vernal, dia da criança, dia de
finados, araponga, bem-te-vi, jabuticaba, abelha, balanço, canário, dia da
árvore, poda, quadrado, sabiá, semana da pátria, viuvinha (flor), ninho de
pássaros, etc. Espatódea (flor), orvalho, libélula, outono, lua
cheia, folha de outono, vento de outono, estrela cadente, relâmpago, nuvens de
outono, céu de outono, colheita de arroz, campo de outono, espantalho,
crepúsculo outonal, folha vermelha, dia das mães, flor de maio, grilo,
crisântemo, arara, paineira, caqui, arapuca, bruma, caxinguelê, colheita de
uva, crista-de-galo (flor), luar, neblina, pica-pau, 1º de abril, quiabo,
trote, etc. Obs: Alguns kigos são comuns a várias estações. Texto de Humberto Del Maestro, Poeta Trovador, Haicaista, Escritor Capixaba, membro da Academia Espirito-santense de Letras
Meio-dia quente. Borboletas e alamandas descansam nas cercas. Depois do aguaceiro, a noite tornou-se cheia dos sons da lagoa. A chuva termina, mas as folhas dos arbustos se enfeitam de pérolas. O vento passeia com suas botas molhadas na tarde de chuva. É manhã de calma.. Coleiros, em plena festa, gorjeiam no campo. O sol está forte e o baile das borboletas continua intenso. Levanto assustado... A chuva, na madrugada, me acorda cantando. Manhã de alegria... Nos laranjais do caminho, abelhas trabalham. É noite de chuva. A goteira na cozinha perturba meu sono. O mar está calmo. A longa rede de arrasto vem vindo de manso... A noite é de prata. O chuveiro das estrelas me banha de sonhos. Cartão de Natal entre mil papéis antigos... -Lágrimas nos olhos. Canário fogoso, uma arapuca sem pressa... -Silêncio na mata. Noitinha, céu lindo! Lençóis de seda rosada flutuam no espaço. Geada inclemente! Nas pradarias e estradas, tapetes branquinhos. Varanda sombreada com brisas quentes da tarde. -Bailam samambaias! Pasto abandonado. Entre matos e espinheiros, paineira florida. Tarde delicada. Adormecidas na pérgula, lágrimas-de-cristo. Vendaval de inverno. A velha ovelha vadia vagueia no vale. É manhã de chuva. Abro a janela sem jeito... Mil beijos molhados. Vai-se embora o frio. Nos arvoredos da rua, bem-te-vis cantando. Tarde muito quente. Na janela da cozinha, moringa gelando. Casa perfumada. No velho tacho dourado, ferve a goiabada. Jardim enfeitado em tardes ensolaradas: -Brincos-de-princesa! O calor nos deixa. No chão do velho jambeiro, tapetes
lilases. Humberto
Del Maestro
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