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Teologia da Libertação : Por que Parou? A
desmobilização política da esquerda católica
a partir de 1984 2. Resumo
3. Introdução (definindo o Tema) No século XX, a "doutrina social da Igreja", que foi sendo constituída após a encícilica Rerum Novarum, de 1891, embora representasse avanço na atuação social religiosa, não conseguiu chegar até a raiz dos problemas sociais latinoamericanos. Durante toda a década de 1960 surgem movimentos populares com intensa participação de católicos - MEB, JUC, JOC, etc, que foram se conscientizando das injustiças sociais, influenciados por dois importantes acontecimentos de 1958-59: a eleição de João XXIII no Vaticano e a Revolução Cubana. A chamada "esquerda cristã", que pregava um maior compromisso eclesial com os problemas socioeconômicos, fortaleceu-se com a ênfase social dos Concílios Vaticano II e Medellín. O descontentamento das populações aumentou frente aos regimes militares em vários países da América Latina e devido à crescente desigualdade social gerada pela industrialização instalada no subcontinente sob a hegemonia do "capitalismo dependente". O aumento das críticas da sociedade civil e da Igreja frente aos governos, propiciou o incremento desse movimento e a sistematização teológica dessas lutas sociais na chamada "Teologia da Libertação" (TdL), que surgiu no período pós-Medellín, 1968-1971. A TdL alcança o auge em 1985, com a divulgação mundial do "silêncio obsequioso" imposto a dois teólogos sulamericanos pelo Vaticano (o brasileiro Leonardo Boff e o peruano Gustavo Gutierrez), proibindo-os de falar e publicar durante um ano. Em 1990, um partidário da Teologia da Libertação, Jean-Bertrand Aristide, é eleito Presidente da República no Haiti. A partir de então, nota-se uma desmobilização da TdL : por quê? O que teve efeitos sobre ela, bem como sobre as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base, núcleos de estudo bíblico e atuação sobre os problemas sociais), que as fez praticamente desaparecer do noticiário ? Que relação haveria entre esses fatos intra e extra-eclesiais? O que levou a essa desmobilização? Por que quase não se encontram livros da TdL após 1985? Esse movimento cumpriu seus objetivos ? Teria desmobilizado-se por pressão interna à Igreja, por fatores a nível nacional ou mundial, ou por causas internas - contradições, incoerências e insuficiência de sua análise dos problemas sociais? Um motivo é que o cristianismo da libertação foi afetado pelo sucesso do ramo conservador das Igrejas Evangélicas entre os pobres. O desaparecimento do socialismo realmente existente na U.R.S.S. e Leste Europeu gerou uma séria crise na esquerda do mundo inteiro; a derrota da F.S.L.N. nas eleições de 1990 na Nicarágua foi um golpe terrível, porque o sandinismo associado ao cristianismo foi um poderoso exemplo que inspirou toda uma geração de militantes cristãos. Considerando essas dificuldades e, acima de tudo, a hostilidade sistemática do Vaticano, não seria possível chegar à conclusão, como já aconteceu muitas vezes, sobretudo em 1989-90, de que a TdL está destinada a desaparecer - ou que já perdeu seu apoio popular ? Sem o objetivo primordial de dizer o que é a "TdL", a proposta de estudo é a de, após fazer breve explanação geral de seus principais conceitos e teses, aprofundar uma reflexão sobre essas e outras questões pertinentes à desmobilização católica, comparando-a aos fatos que ocorreram na sociedade brasileira e mundial no mesmo período. Tomamos como referência para a pesquisa o ano de 1985 devido a importantes fatos nesse período (Diretas Já, Fim da ditadura, as "Instruções" do Vaticano sobre a TdL e a Queda do Muro de Berlim quatro anos depois). Para tentar compreender o que é a TdL, começaremos questionando : a clássica afirmação de Marx: "A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração... ela é o ópio do povo" (Para a Crítica da filosofia do direito de Hegel, 1844) ainda é válida ? Engels vê várias semelhanças entre o cristianismo primitivo e o socialismo: ambos não foram criados por chefes, mas por movimentos de massa; eram movimentos de oprimidos e ambos anunciavam uma libertação iminente. Engels revelou o caráter contestatório da religião na luta de classes. Rosa Luxemburgo afirma que pode-se lutar pelo socialismo com os valores do cristianismo original e que os socialistas são mais fiéis ao cristianismo que o Clero. A análise socioeconômica marxista foi utilizada pela Teologia da Libertação com a finalidade de desalienar a religião, tirá-la do além e fazê-la pensar sobre as questões deste mundo. A TdL procura mostrar que nem sempre a religião é alienante, mas depende de como é compreendida e como atua no mundo; e procura mostrar que marxismo e cristianismo nem sempre são opostos. Mas essa teologia teria atingido seus objetivos? Ou teria conseguido num primeiro momento e depois não se atualizou frente aos novos fatos do cenário nacional e mundial ? Assim, pergunta-se : a Teologia da Libertação "está viva" (Leonardo Boff, 2005) ou... "encontra-se sob uma pá-de-cal" (D. Paulo Arns, 2001) ? Não encontramos estudo específico que tente responder a essas perguntas e busque as CAUSAS da desmobilização dos fiéis e religiosos. Há muitos estudos sobre a Igreja Católica nas ciências sociais após 1970, principalmente sobre os conflitos Igreja x Estado e o problema das funções sociais da religião nas formações do capitalismo periférico e também sobre a TdL. A maioria visa explicitar como surgiu ou o que é a TdL, ou justificar com argumentos bíblicos a atuação política da Igreja ou relacionar a TdL e CEBs com os movimentos populares e o contexto político do momento, mas não textos ou teses que visem responder PORQUÊ ela encontra-se "sob uma pá-de-cal". Ou, caso se afirme que ela "continua viva", encontram-se poucos textos que produzam conhecimento novo, adaptando a TdL ao contexto pós-1985. Nesse sentido, é relevante e oportuno o estudo das causas da desmobilização política dessa teologia relacionada aos movimentos sociais, que teve intensa influência na sociedade nas décadas de 1970-80 e foi amplamente divulgada, mas que não se repetiu nas décadas de 1990 e 2000. Este estudo tem por
objetivo buscar as causas do declínio do movimento cristão
latinoamericano conhecido como "teologia da libertação",
que por vezes referiremos como "cristianismo da libertação",
por envolver as Igrejas Católica e Protestante. Esse
movimento, surgido em fins dos anos 1960, tem sido ao mesmo tempo
objeto da reflexão e atuação de religiosos e
leigos de vários países. Pretendemos nos concentrar
no caso católico brasileiro, tendo como panorama de fundo
a América Latina e o contexto capitalista mundial das
últimas décadas. Visamos assim ajudar a esclarecer
as inter-relações entre o declínio da
atuação política católica e a
desmobilização da sociedade civil no decorrer dos
anos 1990 até hoje. Uma questão muito discutida, é
a de como surgiu a TdL quais seus pressupostos, suas teses
e sua atuação social. Mas nós invertemos a
questão e perguntamos como declinou. Esse movimento
continua vivo ? O que tirou a importância que tinha nas
décadas de 1970-80 ? Nosso objetivo é então
buscar resposta a essas questões - as causas, motivos e
relações internas e externas que teriam levado a
TdL à situação atual. 4. Problematização Sociológica do Tema nos Marcos da Bibliografia (Sua Relevância e Conceitos) Questões religiosas têm sido debatidas intensamente nas ciências sociais no Brasil nas últimas décadas, girando em torno de vários temas e devido a diversos fatores: 1) As relações Igreja/Estado tornam-se tensas no Brasil em fins da década de 1960, pois a Igreja passou a combater a ditadura e a denunciar as torturas e prisões arbitrárias; 2) ao "optar pelo pobre" a Igreja entra em conflito com a classe dominante, com a qual sempre havia se associado historicamente no Brasil; 3) acentuam-se as divisões internas na Igreja devido a divergências políticas, opções pastorais ; 4) a relação entre cristianismo e socialismo (na TdL, por exemplo) vai ser tema de interesse às ciências sociais; 5) a relação entre Igreja e movimentos sociais é motivo para estudo e debates, inclusive no exterior. O tema proposto para estudo interessa ao marxismo, ao estudo da relação entre "classes e movimentos sociais", à sociologia da religião e à sociologia da cultura, que têm acompanhado os movimentos sociais no Brasil nas últimas décadas, e portanto interessa-se também na TdL, que expressa em linguagem teológica os ideais desses movimentos e que, por sua vez, influi em sua atuação socio-política. Sem essa teologia, seria difícil entender fenômenos sociais e históricos de tal importância como a emergência do novo movimento trabalhista no Brasil em fins da década de 1970, ou os movimentos revolucionários na América Central e mesmo a rebelião zapatista de janeiro de 1994. (O tema proposto interessa também à Igreja, pois são raros os reestudos da Teologia da Libertação após 1985). A sociologia interessa-se por esse movimento de libertação pelo fato dela ter sido ciência auxiliar e paralela da teologia para a compreensão dos problemas sociais e pela notória influência que a TdL exerceu sobre os movimentos sociais nas últimas décadas. E, mesmo com a relevância social desse movimento, não se encontra estudo que vise especificamente questionar e ajudar a esclarecer os motivos do seu declínio. Ressalte-se também a relação entre seu declínio e a desmobilização política da sociedade civil que estamos assistindo no país nos últimos anos. Para uma fundamentação firme das teses e conceitos centrais da TdL é essencial a leitura de duas obras básicas : a de Gustavo Gutiérrez, Teologia da Libertação : perspectivas (1971), onde o autor vê a teologia como instrumento de crítica aos fundamentos econômicos e sócioculturais da sociedade; faz extensas análises econômicas de autores da "teoria da dependência" dos países subdesenvolvidos e propõe a construção, via revolução e socialismo, de uma nova sociedade. Também essencial é a obra de outro fundador da TdL, Leonardo Boff, Teologia do Cativeiro e da Libertação (1975), que reflete sobre as mesmas questões de Gutiérrez, mas não propõe de imediato o socialismo como solução, embora mantenha as mesmas críticas ao capitalismo. Sobre a crítica às estruturas internas das Igreja são úteis duas obras : Leonardo Boff, em Igreja, Carisma e Poder (1981) faz duras acusações à estrutura arcaica e autoritária da Igreja, aplicando os princípios da TdL à própria Instituição. Isso lhe valeu um ano de "silêncio obsequioso" em 1985 sem poder falar ou publicar sobre o assunto. Em 1998, um novo livro sobre a história da liberdade nos últimos séculos, Vocação para a liberdade, de José Comblin, dedica o último capítulo a reafirmar as mesmas críticas a esse centralismo da Cúpula católica. Para o estabelecimento da TdL como ciência é apresentada a tese de Clodovis Boff, publicada com o nome de "Teologia e Prática : teologia do político e suas mediações, (1979) que procura fundamentar a metodologia e o objeto da TdL entre as demais ciências humanas e estabelecer as bases científicas para toda obra de TdL que venha a ser publicada. Sobre os conceitos utilizados pela TdL, "libertação" é um dos mais centrais, usado por profetas e autores bíblicos para exprimir a ação salvadora de Deus na história (especialmente citado é o caso da Libertação do Egito, no livro do Êxodo). Pode ser comparado, em ciências sociais, à idéia de fim da escravidão, autonomia de um povo, entendidas também no aspecto econômico, i.e., o desenvolvimento econômico com justiça social, como fora usado na década de 1960 no interior da linguagem econômico-política do desenvolvimentismo e da "teoria da dependência". D. Hélder Câmara, que foi considerado o Bispo católico mais famoso do mundo na década de 1970, explica o surgimento do termo : "o conceito 'desenvolvimento' no qual havíamos acreditado tanto, com o Pe. Lebret e Paulo VI... frustrou nossas esperanças. Hoje preferimos falar em 'libertação' ". Nesse contexto, "libertação" tem significado religioso e político, espiritual e material, envolvendo fé e prática, a cultura religiosa e a rede social. Não se trata só de teologia, mas pode ser classificado sociologicamente como "movimento", não por ser 'bem coordenado' ou ser um 'órgão integrado', mas por ter capacidade de mobilização de pessoas ao redor de objetivos comuns. O termo 'pobre' é
outro termo relevante da TdL, uma categoria, e é usado no
sentido, não de 'fraco', ou 'objeto de caridade
assistencial', mas como sujeito de sua própria
história e de transformação social. Sua
força, visando conseguir sua auto-libertação,
a justiça social, a melhoria de suas condições
de vida, reside na conscientização de sua realidade
sócio-histórica e na união com os outros
milhões de pobres da América Latina. Os princípios
básicos da TdL são: Michael Löwy, em Romantismo e messianismo : ensaios sobre Lukács e Walter Benjamin (1990) fala do "romantismo anti-capitalista", usando um termo de Lukács : um dos traços mais fundamentais do romantismo, enquanto corrente sociopolítica é a nostalgia das sociedades pré-capitalistas e uma crítica ético-social ou cultural ao capitalismo. O romantismo existe desde fins do século XVIII até hoje sob várias formas, desde um conservadorismo exacerbado até o utopismo revolucionário, opondo-se à modernidade, com um misto de revolta e melancolia. Na visão romântica do mundo, esse passado pré-capitalista é visto cheio de valores éticos, religiosos, comunidade dos indivíduos, em contraposição à sociedade quantitativa moderna, de cálculo frio e racional. No "romantismo anti-capitalista", há uma tendência na qual se associam a nostalgia do passado e a esperança revolucionária em um futuro novo, a restauração e a utopia. Pode-se comparar essa crítica romântica ao capitalismo com a TdL, que teria se chocado com certos aspectos da realidade socioeconômica, ao não perceber ou prever fatos que iriam ocorrer após suas formulações teóricas. Este tema em debate pode ser visto sob a óptica do marxismo, no contexto do subdesenvolvimento dos países do terceiro mundo, dos problemas sociais e das relações entre Igreja e movimentos sociais no Brasil e América Latina, assuntos de intenso debate e interesse das ciências sociais nas últimas décadas. Os livros que citaremos a seguir são os poucos que repensam a TdL, que propõem temas antes não pensados e podem contribuir para sua reformulação; são os de Michael Löwy, Jung Mo Sung e Joseph Comblin. O sociólogo Michael Löwy propõe, em Marxismo e Teologia da Libertação (1991), uma aliança estratégica entre marxistas e cristãos e pergunta se o marxismo deveria ainda pensar a oposição materialismo/idealismo como questão fundamental. Segundo o autor, a TdL poderia contribuir para combater tendências materialistas, reducionistas ou economicistas do marxismo, apesar de recusar as teses marxistas do materialismo, da ideologia atéia, e da religião como ópio do povo. A TdL poderia levar o marxismo a repensar certos aspectos de sua doutrina tradicional sobre religião: nem sempre ela é o ópio do povo, mas pode ser instrumento de transformação social, como o marxismo. (Os cristãos que lutam pela libertação incitam o marxismo a refletir a dimensão moral, e não só histórica, do engajamento na revolução - o autor cita o sandinismo, que teve amplo apoio de cristãos, como a primeira revolução sem pena de morte). O autor também considera que a Igreja brasileira de 1970 a 1995 foi a mais avançada do continente, a primeira na qual surgem idéias de esquerda e que tem influência ampla na sociedade. Propõe como explicações para isso : a) a insuficiência do clero, daí a participação maior de leigos, b) a influência da Igreja e cultura francesas que são mais avançadas e críticas, o que ajudou a trazer idéias de esquerda ao país; c) a ditadura no Brasil fechou outros meios de crítica; d) intensa industrialização e urbanização nos anos 1950; e) os teólogos dos anos 1970-80 serem mais moderados no interior da igreja fez com que "ganhassem" alguns bispos para o movimento. Por fim, o autor pergunta-se se esse movimento de libertação estaria acabando, se teria fracassado, e sua resposta é a de que tem havido esses diagnósticos, mas são prematuros, pois tanto suas idéias como a expressão delas em grupos e movimentos evoluíram com o passar dos anos e possibilitou alguma readaptação. E conclui: é difícil senão impossível dizer qual o futuro do cristianismo de libertação na América Latina; irá depender de variáveis desconhecidas tais como as opções e prioridades do novo papa, ou o tipo de movimentos sociais que irão influir no continente nos próximos anos. A possibilidade de desaparecer não é verdadeira no momento (1991). Conclui dizendo que, de qualquer forma, a TdL já deixou sua marca no continente. Jung mo Sung, em Teologia & economia : repensando a Teologia da Libertação e utopias (1994), é um dos poucos autores que se propõe a repensar a TdL e levantar algumas questões antes pouco abordadas, como a "não percepção de uma das características fundamentais da moderna sociedade burguesa: a promessa de realização de todos os desejos humanos, através do 'mercado sacralizado' que exige sacríficios humanos (i.e., dos pobres),... e que faz do capitalismo uma 'religião econômica, sacrifical e idolátrica'". É a idolatria do mercado, que pretendia livrar-se da religião e tornou-se ele uma nova religião, na ilusão de realizar o paraíso terrestre. Os "ídolos da opressão" são hoje representados pelo Mercado, Dinheiro e Capital. Sung critica a ausência ou imprecisão de temas econômicos nos livros da TdL, o que esvaziaria o conceito de libertação : "Encontramos essa visão muito presente em diversos setores da Igreja que acreditam que o problema social está só a nível da distribuição (de bens) e não da produção, o que é equívoco total". Cita um autor que afirma que a atual produção mundial de bens seria suficiente para alimentar não cinco, mas cinquenta bilhões (sic) de habitantes no mundo todo. Reduzir o problema social à intencionalidade subjetiva, à má intenção dos latifundiários e/ou dos capitalistas é não compreender a diferença fundamental entre as sociedades tradicionais e as modernas. Essa sua crítica é útil para repensar certas análises incompletas da TdL na esfera social e econômica. Joseph Comblin, em Cristãos rumo ao século XXI : nova caminhada de libertação (1996), pergunta o que significam as mudanças na América Latina nos anos 1965-95 e quais as saídas: fim do socialismo, declínio do Estado e do interesse político dos cidadãos, o êxodo rural e a duplicação da população nas últimas décadas, a concentração da riqueza, a economia informal. Constata o impasse em que se encontra a Teologia da Libertação: "está se concluindo uma etapa em que nasceu e caminhou uma reflexão teológica... Diante do agravamento da pobreza e a perda da vigência de certos projetos políticos (socialismo) muitas das discussões anteriores (na TdL) não respondem aos acontecimentos atuais. A libertação torna-se mais urgente e mais remota. Há 30 anos, tudo parecia simples; agora tudo parece complexo..." E postula a necessidade estimular novos autores ... para avaliar e preparar uma história nova. Segundo ele, o importante é entender, à medida do possível, o que está acontecendo, pois alguns pensavam que a redemocratização iria reavivar os contatos com os movimentos; que os sonhos anteriores a 1964 se realizariam, mas ocorreu a perda de identidade, o desinteresse político. O autor fala de estar havendo apenas uma pausa na TdL : "alguns falaram em crise... alguns achavam que a queda do socialismo provocaria desintegração da TdL... esse não é o caso... A TdL não ficou abalada... ". Mas nota-se que a TdL permanece mais a nível teológico ; no nível social-político ocorreu uma desmobilização junto com os movimentos sociais. 5. Objetivos frente
ao debate teórico e ao conhecimento sociológico
É tarefa de toda disciplina pensar a diferença específica de seu objeto, cabe distinguí-lo rigorosamente dos demais e construir os conceitos próprios requeridos para pensá-lo. Assim, o objeto próprio deste projeto é o porquê da desmobilização da TdL. Diferentemente de tantos estudos que foram feitos sobre o surgimento, sobre a formulação, sobre a relação Igreja/Estado, as divisões internas da Igreja, ou mesmo as relações Igreja/sociedade, não encontramos, durante a pesquisa bibliográfica para elaboração deste projeto, nenhum livro ou tese que responda especificamente ao porquê da desmobilização da esquerda católica. Daí a necessidade e a oportunidade da pesquisa proposta, pelos reflexos sociais e políticos que representou e ainda representa no contexto nacional. O objeto aqui não é a descrição etnológica de práticas religiosas, ou o estudo da estrutura interna da Igreja, nem das relações Igreja/Estado enquanto instituições, mas sim da evolução dos fatos político-religiosos na América Latina (sobretudo a partir de 1985), a conscientização e atuação política de indivíduos e grupos católicos. Pretendemos nos concentrar no PORQUÊ da desmobilização desse movimento, desvelar suas ambiguidades teóricas e procedurais, seus erros conceituais, metodológicos e estratégicos que o teriam levado à situação atual. Fornecer uma introdução analítica ao estudo dos novos acontecimentos no jogo de forças político-religioso, na medida em que estes foram importantes na mudança social. O tema proposto só adquire sua significação sociológica quando inserido no quadro teórico em que situa o problema das funções sociais da religião, tendo também em vista o panorama do capitalismo periférico. Embora o tema seja amplo, propomos como objetivo nos ater a algumas perguntas bem específicas, como: 1. Porque a TdL "parou" ? 2. Que relação há nisso com os fatos socio-políticos desse período ? 3. Qual a influência da Cúpula da Igreja sobre essa desmobilização ? Hipóteses:
(i) Causas intra-eclesiais: Justamente quando houve a redemocratização do país, a TdL havia alcançado seus objetivos de sistematização cristã dos movimentos e pastorais sociais e de expôr uma "nova maneira de ser Igreja". Ao mesmo tempo, aparecem as "Instruções" da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé (1984 e 1986) e o "silêncio obsequioso" do Vaticano (1985) contra os dois maiores sistematizadores da TdL, Gustavo Gutiérrez e Leonardo Boff. Tal fato foi objeto de manchetes de primeira página em jornais do mundo todo, o que gerou uma intensa divulgação da Teologia da Libertação num primeiro momento, fato que nunca havia ocorrido com uma teologia latinoamericana. Posteriormente, parece ter contribuido para "esfriar" a esquerda católica, no seguinte sentido: devido ao fato dos católicos em geral terem grande simpatia pela pessoa do papa João Paulo II, que combatia o "perigo do comunismo", teriam hesitado em aderir à TdL, por utilizar a análise marxista. Diferentemente de João XXIII e Paulo VI que, no Vaticano II ou através de encíclicas, estimularam a participação social dos cristãos, João Paulo II não incentivou e mesmo barrou o comprometimento político dos católicos com os pobres, o que pareceu à militância católica estar em contradição com a vontade do pontíficie e não saber se seguia a seus líderes no Brasil (teólogos e bispos ligados à TdL) ou ao papa. Com os católicos sem saber a qual "pastor"' seguir, sua mobilização enfraqueceu-se e podemos dizer que essa foi a causa interna da desmobilização da TdL. Seria possível perguntar se existe uma espécie de "luta de classes" dentro da Igreja, e a resposta seria 'sim' no sentido sociológico, de uns optarem pelos pobres e outros pelas elites, mas 'não' no sentido econômico, pois nenhum dos membros da Igreja são pobres. (ii) A Conjuntura política nacional: Durante a ditadura, a Igreja era praticamente a única voz permitida de expressão popular. Pode-se citar o caso de sindicalistas do ABC que durante o período só conseguiam se reunir em igrejas. Com a abertura política, a Anistia em 1979 e as greves operárias de 1978-80, os movimentos sociais já não dependem tanto da Igreja para se reunirem, o que inicia certo distanciamento entre esta e os movimentos em que se apoiava a TdL. O fim da ditadura no Brasil em 1985 fez com que os movimentos que lutavam pela redemocratização alcançassem seu principal objetivo e esvaziassem seu discurso. Com o enfraquecimento dos movimentos e do sindicalismo (com o neoliberalismo) a partir dos anos 1990, a TdL que era "expressão" religiosa desses movimentos, perdeu outro de seus pilares. (iii) Fatores externos: A queda do Muro de Berlim em 1989; a não vitória, na eleição de 1990, dos sandinistas na Nicarágua ligados aos movimentos sociais católicos; o fim do Comunismo Soviético em 1991, foram outros duros golpes em outro dos pilares da TdL, que tinha o socialismo como proposta de solução dos problemas socioeconômicos latinoamericanos. Com esses fatos e o fortalecimento do neoliberalismo nos anos 1990, as esquerdas no mundo todo perdem um referencial prático do socialismo e passam a questionar algumas de suas teses, o que enfraquece também a TdL, que propunha (de forma explícita ou velada ) o socialismo como solução dos problemas sociais latinoamericanos. Como não buscou outras soluções diferentes do socialismo, a TdL ficou sem saber o que propor após a Queda do Socialismo. (iv) Contradições internas à TdL: (a) os seus vários textos deixam no ar se visam ou não o socialismo, se pregam a revolução ou não, ou qual caminho para chegar a uma "nova ordem social". A ambiguidade e, em alguns casos, franca contradição, enfraquece sua argumentação; (b) Os textos não explicam até que ponto as teses de Marx para o proletariado são válidas para os "pobres" (as aspas se justificam por ser um termo técnico da TdL) latinoamericanos, ou se estes se misturam numa espécie de "pobretariado". Outra falha da TdL é não utilizar a colaboração de outros autores reconhecidos das ciências sociais que não Marx, e nem de outras instituições, como as universidades, que também buscam a compreensão dos problemas coletivos e o desenvolvimento social, mas parecem agir num voluntarismo salvacionista, como se a TdL sozinha fosse suficiente para as transformações sociais; (c) Parece haver certa hesitação quanto ao fim onde esse movimento quer chegar; não diz claro se "libertação" equivale a "desenvolvimento econômico e social" - fala-se em "justiça social", "ruptura", "transformação das estruturas sociais" -, ou como esta se liga à "libertação espiritual", eterna (o que gera espaço para críticas de esquecerem o aspecto religioso, privilegiando o políticoeconômico); O catolicismo sempre se caracterizou justamente por pregar outra solução para a felicidade que não a busca de bens e prazeres. Mas a TdL fala em redistribuição de bens e prega algo semelhante a um "capitalismo para todos", o que poderia equivaler à mesma ideologia do "usufruto de bens" da sociedade capitalista; (d) A TdL tentou fazer um amálgama de diversas ciências distintas como a política, religião e economia, utilizando termos de ambas e que nem sempre conseguem se interligar num todo coerente, parecendo haver certa "colagem" de termos incongruentes. Essas ambiguidades e/ou contradições internas enfraquecem sua argumentação. (v) Outras hipóteses
podem ser levantadas : teria sido "concidência" a
TdL desenvolver-se justamente no período dos papas que
tiveram maior atuação social ( João XXII e
Paulo VI) entre 1958-1978, e ter declinado após 1985, com
João Paulo II, que deu ênfase em suas viagens, em
sua própria personalidade e no "combate ao
comunismo", mas não nas questões sociais ? A
ascensão da TdL teria ocorrido quando os agentes a ela
ligados foram apoiados pela Cúpula da Igreja e declinou
quando terminou esse apoio. Seria isso a confirmação
da influência do "culto da personalidade dos papas"
e do centralismo católico de que fala Leonardo Boff. Mas
essa hipótese das "mudanças vindas da Cúpula"
é questionada por alguns teólogos e sociólogos.
Em resumo, com esses novos
fatos relevantes no cenário nacional e internacional, a
TdL não renovou seu discurso e praxis - como mostra a
pouca frequência de textos seus após 1985 - não
soube evoluir sua reflexão no novo contexto que estava
ocorrendo dentro da Igreja, no Brasil e no mundo. Seu método
(teoria e prática) já não se adaptava aos
novos fatos e, inclusive, as esquerdas do mundo todo foram
abandonando suas teses ou readaptando-as com o fim do socialismo
soviético, mas a TdL continuou a falar como se o contexto
político-econômico continuasse a ser o mesmo dos
anos 1960-70. Somando o fator político interno (movimentos
populares conseguirem eleições diretas, o retorno à
democracia e conquistas sociais na Constituição de
1988) ao fator externo (fim do Comunismo Soviético), ao
fator religioso (perseguição explícita aos
teólogos, padres e bispos e seminários, por parte
da Cúpula da Igreja) teria desestimulado os católicos
continuarem participando da TdL e CEBs. 6. Como pretende
desenvolver a Pesquisa. (Procedimentos teóricos e
metodológicos, as fontes, bibliotecas e entrevistas).
O método proposto
procura ver a partir da totalidade social este fenômeno
politico-religioso que tentará ser explicado por suas
relações dialéticas entre teoria e práxis,
entre Igreja e sociedade, ao contrário de uma abordagem
empírica, que levaria em conta apenas um dos aspectos,
social ou religioso, independentes entre si. Essas incoerências
podem ser desnudadas com o uso do ponto de vista lógico,
para buscar as contradições internas da teoria, bem
como as contradições entre propostas irrealizáveis
e objetivos inalcançáveis num dado contexto. É
necessário avaliar até que ponto são viáveis
suas propostas de união dialética fé/práxis,
de transformação social e também a
reformulação das estruturas da própria
Igreja. Engels contribuirá para desenvolver este estudo na medida em que via relação entre as representações religiosas e a luta de classes. Acima da polêmica materialismo/idealismo, ele estava interessado nas formações sociais concretas da religião. O catolicismo não era visto como uma "essência infinita" (Feuerbach) e sim como um sistema cultural, mutável no decorrer da história; seria um "espaço simbólico" no qual lutam as forças sociais antagônicas. Segundo Engels, as religiões tinham interesses utilitários, i.e., cada classe usaria a religião que lhe convém, como "disfarce religioso" do conflito classista. Ele também compreendeu que o clero não é homogêneo, mas divide-se segundo a composição de classe em certas cincunstâncias. Assim, durante a Reforma, o alto clero era a cúpula feudal da hierarquia e o baixo clero fornecia os ideólogos da Reforma e do movimento camponês revolucionário. Esses pontos de vista serão úteis no estudo do declínio da TdL. 7. Bibliografia e fontes: i. Obras de caráter geral (economia, sociologia, marxismo): ANDRADE, Paulo Fernando.
Fé e eficácia no uso da sociologia na
teologia da libertação. S. Paulo : Loyola,
1991. (tese) ii. Obras gerais sobre religião: ALVES, Márcio
Moreira. A Igreja e a política no Brasil.
São Paulo : Brasiliense, 1979. (tese) (iii) Obras de Teologia da Libertação: ALVES,
Rubem. A theology of human hope. St. Meinrad, Ind.
: Abbey Press, 1972. (iv) Teses: IFFLY,
Catherine. Église catholique, territoires et
mobilisations sociales au Brésil : les facteurs
internes et internationaux de la modification du role
socio-politique de l'Église a São Paulo depuis de
debut des annes quatre-vingt. , Paris, [s.n.], 1999Tese de
doutorado ; Universite de Droit, d'Economie et de Sciences
Sociales de Paris. (v) Artigos e entrevistas: FERNANDES, Florestan. "O
dilema histórico da Igreja Católica".Folha
de S. Paulo, 30/setembro/1988. (reproduzido em Crítica
Social nro. 3, dezembro/2003). (vi) Obras de Referência: Dictionnaire
de la théologie chrétienne. Paris :
Encyclopaedia Universalis, 1998. ------------------------------------- Sumário
Apêndice: Mensagem recebida de D. Pedro Casaldáliga, Bispo de S. Félix do Araguaia-MT, conhecido participante da teologia da libertação, ao apresentarmos a ele uma versão prévia deste projeto: De :Pedro Casaldáliga
Querido Antonio Marcos, é
confortante ver que tem gente nova interessando-se por uma
teologia, que "infelizmente" está sempre
(precisando) de atualidade: cada vez há mais pobres no
mundo e cada vez o sistema é mais iníquo e mais
imperial. O mundo de Deus e da Humanidade necessita muita
libertação... Pedro Casaldáliga -----------------------------------------------------------------------------------
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