X CONGRESSO BRASILEIRO DE ÁGUAS SUBTERRÂNEAS
SÃO PAULO – SP
9 a 11 de setembro de 1998
VULNERABILIDADE NATURAL À CONTAMINAÇÃO DOS AQÜÍFEROS DA REGIÃO
DE ROCHAS SEDIMENTARES DA BACIA DO RIO MUNDAÚ / CEARÁ.
Carlos Eduardo Sobreira Leite1 e Gilberto
Möbus1
1Mestre em Hidrogeologia
Resumo - Objetivando estimar a
vulnerabilidade natural dos aqüíferos porosos da região norte da Bacia
Hidrográfica do Rio Mundaú, no litoral oeste do Estado do Ceará, foi empregada a
metodologia baseada no índice DRASTIC, com algumas modificações em função dos
conhecimentos de campo. Para tal, foram considerados os seguintes parâmetros:
profundidade do nível d’água (lençol freático), o meio aqüífero, a altimetria, o
impacto na zona vadosa e a cobertura vegetal.
Para cada uma das variáveis foram aplicadas cargas e pesos
distintos e gerados planos de informações (PI`s) que posteriormente foram
integrados com uso do IDRISI para obtenção do mapa final de vulnerabilidade. O
software SURFER também foi utilizado para processamentos de interpolação de
dados pontuais através de krigagem .
INTRODUÇÃO
A área de estudo está localizada na costa oeste do Estado do
Ceará, distando 120 Km da capital (Fortaleza), sendo as principiais drenagens o
Rio Mundaú e os Riachos Angelim e Salgado.
Do ponto de vista geológico, a bacia é constituída por rochas
do embasamento (ígneas e metamórficas) e sedimentos do Grupo Barreiras, Dunas e
Aluviões, sendo que estas últimas representam cerca de 60% da área total. A
análise do tema proposto, vulnerabilidade natural das águas subterrâneas, é
distinta nestes dois meios, sendo a questão principal o fator continuidade,
visto que na primeira região (embasamento), a circulação e armazenamento de água
subterrânea se dá em função da existência e características das fraturas
existentes (meio descontínuo) enquanto a segunda (sedimentos) pode ser
considerada como um meio contínuo e consequentemente as características das
variáveis analisadas podem ser regionalizadas.
Neste trabalho, foram feitas análises de vulnerabilidade
natural dos aqüíferos do segundo tipo, representados pelos sedimentos, com base
em produtos cartográficos existentes (altimetria) e gerados pelas equipes da
FUNCEME em trabalhos anteriores (cadastro de pontos d’água, reconhecimento de
solos, cobertura vegetal e mapeamento de unidades hidrogeológicas);
Os dados existentes foram primeiramente tratados com o software
SURFER que permitiu a interpolação dos pontos amostrados e conseqüente geração
do PI (plano de informação) de declividade. Os outros temas formaram os demais
PI’s, sendo todos integrados com a utilização do software IDRISI, que permitiu a
análise conjunta, de forma georreferenciada, proporcionando a obtenção do mapa
final de vulnerabilidade através de processos de multiplicação e adição de
imagens.
Os resultados obtidos demonstram a plena aplicabilidade de
softwares e metodologias relativamente simples, para análises regionais, com
otimização de tempo e recursos.
CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS
O termo
"vulnerabilidade natural à contaminação de
aqüífero" é utilizado para representar as
características intrínsecas que determinam a
sensibilidade do aqüífero a ser afetado por uma carga
contaminante imposta (Foster et al., 1987). Já o Conselho
Nacional de Pesquisa norte-americano definiu a vulnerabilidade das
águas subterrâneas a um determinado contaminante como
sendo a "tendência ou probabilidade do contaminante ser
encontrado em uma posição específica no sistema de
água subterrânea após sua introdução
em algum local acima do aqüífero mais superior" (NRC,
1993). Dado a complexidade dos fatores que afetam a
migração dos contaminantes nos sistemas
hidrogeológicos, pareceria mais lógico tratar cada
atividade potencialmente contaminante em separado. Isto infelizmente
é proibitivo em termos de custos e tempo. Assim, optou-se por
tratar com as características intrínsecas dos
aqüíferos sob um cenário típico de um
contaminante universal.
A metodologia aqui empregada baseia-se no modelo DRASTIC, que
se constitui num sistema padronizado de avaliação da vulnerabilidade natural de
aqüíferos a partir de dados decodificados em planos de informações e é um dos
índices de vulnerabilidade mais difundido atualmente. Esta metodologia foi
desenvolvida pela National Ground Water Association, e é empregada pela Agência
de Proteção Ambiental norte-americana (US-EPA), constituindo-se num modelo
qualitativo para avaliar a poluição potencial das águas subterrâneas usando
variáveis hidrogeológicas da região em estudo (ALLER et al., 1987). Este modelo
foi desenvolvido para avaliar áreas maiores que 0,4 Km2. As
variáveis, ou fatores, arrolados neste modelo são:
D - Profundidade das águas subterrâneas (Depth to
groundwater);
R - Recarga devido a chuva (Recharge);
A - Meio aqüífero (Aquifer media);
S - Solos (Soil media);
T - Topografia (Topography);
I - Impacto na zona vadoza (Impact of the vadose
zone);
C - Condutividade hidráulica (Condutivity
hydraulic).
Estes fatores, denominados fatores DRASTIC, são relacionados
entre si através de um equação simples, aplicada a cada unidade geográfica de
trabalho, que neste caso se resume ao pixel dos PI’s.
Índice DRASTIC = DpDc +
RpRc + ApAc +
SpSc + TpTc +
IpIc + CpCc (01)
onde: Dp , Rp , Ap
, Sp , Tp , Ip , Cp
= pesos dos fatores DRASTIC na equação;
Dc , Rc , Ac , Sc ,
Tc , Ic , Cc = fator de carga das variáveis nos
seus respectivos intervalos de ocorrência (range).
Para aplicação do sistema DRASTIC na região de ocorrência dos
aqüíferos sedimentares (meio contínuo) da bacia do Rio Mundaú, a equação 01
sofreu modificações, sendo eliminados alguns fatores (recarga devido a chuva,
solos e condutividade hidráulica) e adicionado outro (cobertura vegetal), em
função da área apresentar regime pluviométrico homogêneo em virtude da pequena
dimensão da área, os solos presentes não apresentarem características que
provocassem variações com relação as cargas inferidas pelo método, se ter dados
sobre a hidráulica do aqüífero de forma muito localizada e portanto não ser
prudente a sua generalização para toda a área, e finalmente, a cobertura
vegetal, por mostrar-se espacialmente variada e ter reconhecida importância com
relação aos aspectos de vulnerabilidade.
Assim, para a equação empregada para estimar o índice de
vulnerabilidade da área em apreço tem-se:
Índice DRASTIC modificado = DpDc +
ApAc + TpTc +
IpIc + VpVc (02)
onde; Vp = peso do fator DRASTIC de cobertura
vegetal (Vp = 1)
Vc = fator de carga do fator Cobertura
vegetal
CARGAS PARA OS CINCO FATORES EMPREGADOS NO SISTEMA DRASTIC PARA
A ÁREA DE ESTUDO.
1 - PROFUNDIDADE DO NÍVEL D’ÁGUA
Intervalo de profundidades do lençol
freático (m)
|
carga
|
0 - 5
|
10
|
5 - 10
|
8
|
10 - 15
|
6
|
> 15
|
3
|
2 - MEIO AQÜÍFERO (A)
Unidades
geológicas/hidrogeológicas
|
carga
|
Dunas
|
9
|
Paleodunas
|
8
|
Grupo Barreiras
|
6
|
Aluvião
|
5
|
Mangue
|
2
|
3 - TOPOGRAFIA (T)
declividades percentuais
|
carga
|
0 - 2%
|
10
|
2 - 6%
|
9
|
6 - 12%
|
5
|
12 - 18%
|
3
|
> 18%
|
1
|
4 - IMPACTO NA ZONA VADOSA (I)
Unidades Pedológicas
|
carga
|
AREIAS QUARTZOSAS EUTRÓFICAS e DISTRÓFICAS
AREIAS QUARTZOSAS DISTRÓFICAS
|
10
|
LATOSSOLO VERMELHO-AMARELO álico A fraco textura média
LATOSSOLO VERMELHO-AMARELO DISTRÓFICO A fraco textura
média
|
8
|
PODZÓLICO VERMELHO-AMARELO tb EUTRÓFICO A moderado textura
arenosa/média
PODZÓLICO VERMELHO-AMARELO tb EUTRÓFICO A fraco textura
arenosa/média
|
7
|
PODZÓLICO VERMELHO-AMARELO tb DISTRÓFICO abrúptico A fraco
textura arenosa/média
PODZÓLICO ACINZENTADO tb DISTRÓFICO abrúptico A textura
arenosa/média
|
6
|
SOLOS ALUVIAIS EUTRÓFICOS A moderado textura
média/argilosa
|
4
|
PODZÓLICO VERMELHO-AMARELO tb EUTRÓFICO abrúptico plíntico A
fraco textura arenosa/média
|
3
|
PLANOSSOLO ta EUTRÓFICO solódico A fraco textura
arenosa/média
PLINTOSSOLO tb EUTRÓFICO abrúptico A fraco textura
média/argilosa
|
2
|
SOLOS SALINOS INDISCRIMINADOS costeiros textura
indiscriminada
|
1
|
5 - COBERTURA VEGETAL (V)
Cobertura vegetal
|
carga
|
Litorânea
|
9
|
Vegetação de Tabuleiro
|
5
|
Mata ciliar
|
6
|
Mangue
|
6
|
PLANOS DE INFORMAÇÕES GERADOS
A seguir são mostrados os PI’s gerados para cada
fator.:
Figura 1 - Fatores de carga da profundidade dos níveis d'água
subterrânea
Figura 2 - Fatores de carga do meio aqüífero
Figura 3 - Fatores de carga da topografia (declividade
percentual)
Figura 4 - Fatores de carga do impacto na zona vadosa
Figura 5 - Fatores de carga da cobertura vegetal
DISCUSSÃO SOBRE AS ZONAS DE VULNERABILIDADE E
CONCLUSÕES
Com base no já exposto, foi gerado o mapa do índice DRASTIC
(Figura 6). Como ferramenta empregou-se o programa IDRISI, que se constitui num
sistema computacional com capacidade de operação com planos de informação
georeferenciados, além de tratamento de imagens, em computadores tipo "PC".
Em função dos pesos e fatores de carga que as variáveis DRASTIC
poderiam assumir, foi elaborado uma tabela de classificação quanto ao grau de
vulnerabilidade das águas subterrâneas. Os intervalos de cada classe são
apresentados na tabela 07.
Tabela 07 - Classificação da vulnerabilidade natural das
águas subterrâneas
Grau de vulnerabilidade
|
Intervalo dos índices
DRASTICmod.
|
Área protegida (isenta de risco)
|
< 35
|
pouco vulnerável
|
35 - 65
|
vulnerável
|
65 - 95
|
Área de risco (muito vulnerável)
|
95 - 120
|
Área de proteção obrigatória(extremamente
vulnerável)
|
> 120
|
Os valores do índice DRASTIC apresentaram valores num intervalo
de 37 a 146. Como pode-se verificar, não foi obtido valores que caracterizassem
áreas totalmente protegidas (índice DRASTIC < 35). Isto é coerente dado as
características do meio (sedimentar) e dos níveis d’água subterrânea ( sempre
inferiores a 15 m).
Figura 6 - Índices DRASTC para a região das rochas sedimentares
da bacia do Rio Mundaú
A zona de manque (área da calha do rio sob influência das
marés) mostrou-se pouco vulnerável dado as características intrínsecas do
terreno. O teor de finos e matéria orgânica é normalmente elevado nestes solos,
o que garante um meio altamente absorvente e, somado a isto, a presença do sódio
promove uma expansão das argilas, gerando um nível pouco permeável. Na porção
intermediária dessa zona o índice DRASTIC sofreu um aumento, indicando uma zona
vulnerável. Isto se deveu principalmente à altura do nível d’água subterrânea.
Lembrando que o plano de informação sobre nível d’água subterrânea foi obtido
por interpolação a partir das informações de campo, logo deve-se tomar este
zoneamento com reserva.
Já na área de ocorrência das rochas do Grupo Barreiras, a
classificação predominante foi de alta vulnerabilidade. Mesmo sabendo-se que o
Grupo Barreiras apresenta uma grande variabilidade nos tipos granulométricos,
verificou-se que há o predomínio da fração arenosa, o que confere um meio
propício a circulação das águas no seu meio e, também da carga contaminante a
ela por ventura associada. O solo predominante nesta região, Podzólico
vermelho-amarelo, apresenta uma textura arenosa, o que favorece a infiltração e
a percolação. Somando-se a isso a sua grande ocorrência areal, faz com que tal
área deva ser gerenciada com cuidado especial em termos de uso e proteção dos
mananciais subterrâneos.
Nas áreas onde foram detectadas manchas de solo com plintita a
vulnerabilidade vê-se atenuada pelo efeito selante desse elemento. O mesmo
ocorre quando a textura do horizonte b passa para eutrófico abrúptico. Em
contrapartida, quando o nível d’água subterrânea encontra-se muito próximo da
superfície (< 10 m) tem-se área de alto risco.
Como era de se esperar, a zona mais vulnerável, considerada
como área de proteção obrigatória dos recursos hídricos subterrâneos para sua
preservação, é a da ocorrência dos sedimentos quaternários/recente das
dunas/região litorânea. Qualquer atividade com um certo potencial poluente deve
ser evitado nesta região. Inclui-se aí a necessidade da elaboração e implantação
de um sistema de saneamento básico para suprir as necessidades atreladas a uma
futura demanda.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Aller, L. , Bennet, T. , Lehr, J.H. , Petty, R.J. , Hacket, G.
DRASTIC: A standardized system for evaluating groundwater pollution using
hydrological settings. Preparado por National water well association para US
EPA Office of Research and Development, Ada, USA, 1987.
Foster, S. , Ventura, M. , Hirata, R. Contaminação de las
águas Subterraneas. Organização Mundial de la Salud, Organização
Panamericana de la Salud, Centro Panamericano de Ingenieria Sanitaria y Ciencias
del Ambiente, Lima, Peru, 1987.
National Research Council. Groundwater Vulnerability.
Assessment: Predicting Relative Contamination Potential under Conditions of
Uncertainty. National Academy Press, Wasshington, DC, USA ,
1993.