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DALA STELLA NO CONCRETO

(Fragmentos)
Paulo Venturelli
Professor de Literatura na UFPR

 

No deserto em que Dala Stella se coloca, ele tem qualquer coisa de oriental. Rejeita o barulho, rejeita a prolifera��o desordenada de investidas ocas, cujo brilho � sempre f�tuo. E entra numa esp�cie de essencialidade, fruto de um satori, de uma ilumina��o que � seu modo de flagrar cada degrau do universo. Pensemos num menino sobre o cabo da vassoura: cavalo. Pensemos numa menina com um toco entre panos que seus bra�os embalam: filho/boneca. Carlos suga desses instantes a gra�a de uma capta��o que vira toque de muta��o: a pincelada faz voar, o recorte reatualiza a vis�o que vem dos lugares escondidos de Santa Felicidade. Por isso seu trabalho tem economia de formas, � uma arte que rejeita qualquer ret�rica, porque assume a pureza da linha e da cor, estilizando seus encantos pela vida.

Ele quer, antes de mais nada, o ludismo. Seu ludismo n�o quer dizer inconseq��ncia, ou falta de seriedade, ou descompromisso. Seu ludismo � a porta que ele abre para apascentar-se de novidades e forrar seu ateli� com a eletricidade de cores e volumes que v�o registrando uma hist�ria, um caminho. E tudo isso � evidente quando encaro um material b�sico em seu trabalho: o cimento. De apar�ncia fria, desumana, com fun��o s� utilitarista, Carlos consegue transform�-lo em seiva quente, mat�ria pulsante, humana, sobretudo humana. Na �ltima vez em que estive em sua casa, conheci outra �rea que ele est� explorando: cimento com vidro. As duas linguagens parecem se repelir, parecem guardar em si um curto-circuito de anula��o. Mas o artista est� sempre empenhado na busca, e nela j� se ergue nova linguagem, material inovador. Ele retira dos dois a incr�vel poesia da leveza, o total lirismo da transpar�ncia. � neste instante, mais que nunca, que chego a perceber como a palavra po�tica nele transforma-se em mat�ria t�til, visual. Seus objetos t�m muito disso: convidam ao toque, insistem numa intera��o que � de todos os sentidos, n�o s� do visual.

Cada quadro, cada desenho, escultura ou montagem ou colagem fustiga nossos subterr�neos e nos leva a um outro patamar da compreens�o. Para fruir tais texturas, � preciso mais que a esfera mental. � preciso ainda ir al�m, ir � poesia no concreto e na tinta e ver atrav�s de, por meio de. Germina em cada detalhe a explos�o do que se pode transfigurar. E n�o � milagre ou misticismo ou inspira��o. N�o, � trabalho, um trabalho que de repente revela a paz que h� no barulho, a calmaria que se estende sob o sol, a concha profundamente quieta, enquanto o oceano se parte em mil. Nada de tormentos descabelados, nada de suar sangue, nada de prazer de explodir os ossos, puro vazio. O que Dala Stella est� a oferecer � a constru��o que segue um roteiro de harmonias, sem alarde, e muitas vezes, harmonias surpreendentes, porque n�o se esperava encontr�-las logo ali, no vidro, no cimento, no isopor, no recorte de revista, naquele tom de cor. Notem bem: � por isso que ele trabalha com olhos e genit�lias. Estas fecundam, aqueles abrem gigantescos par�nteses no meio da pletora do mundo e descondicionam nossas vistas cansadas, para que possamos entender a vida como algo integralmente realiz�vel, vi�vel, sobretudo na cria��o. Carlos navega num mar de pequenas descobertas que se agigantam.

Adoro passar uma tarde em sua casa, chafurdar em sua mesa, onde encontro Montaigne, Cioran, Kafka encavalados em Matisse, Frida Kahlo, Picasso. Na meio luz da biblioteca, ou na claridade do ateli�, tudo se abra�a a tudo, tudo insemina tudo e saio de l� sempre gr�vido de novas luzes, experimentando uma insuport�vel vontade de bater asas. Dala Stella vive em regime de concentra��o. Num cent�metro quadrado faz o mundo, recria o dia, refaz a estrada. Uma tesoura e um jornal, e, pronto, l� vem coisa surpreendente, chaves para novas investidas. Ao seu redor, a gente v� que o sonho de verdade comanda a alma, n�o como embriaguez, e sim como via de acesso a tudo o que podemos ter de real: recriar cada instante.

 
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