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O horror da vida, segundo Bacon, Iber� e Dalton

Francis Bacon

� ou n�o uma limita��o da arte concentrar-se tanto no horror da vida? A sala de Francis Bacon, na XXIV Bienal de S�o Paulo, justifica essa pergunta. Em um artigo de 1992, publicado na Folha de S. Paulo, logo depois da morte de Bacon, aos 82 anos, o escritor ingl�s Anthony Burgess, autor de A Laranja Mec�nica, afirma que o expressionismo "poucas vezes elege a alegria como estado de alma". Se isso n�o explica a obra do pintor irland�s, oferece uma chave importante para que se compreenda melhor a grandeza e a limita��o de sua pintura.

Como outros artistas afeitos � representa��o do lado obscuro da exist�ncia, Bacon amplifica o que � primeira vista poderia parecer apenas uma idiossincrasia, ou um capricho macabro. Mas seria ingenuidade atribuir a um capricho a histeria da s�rie de seus papas gritando, como seria ing�nuo reduzi-la a uma den�ncia: a de que a ordem estabelecida n�o passa de uma m�scara, sob a qual haveria uma deforma��o cong�nita.

Talvez fosse mais correto ver na deforma��o brutal do corpo humano, reduzido � carca�a, a express�o de sua incapacidade de crer na alegria humana. O paradoxo est� no fato de que a for�a descomunal de sua obra, capaz de antecipar como nenhuma outra os horrores do holocausto, nasce da afirma��o dessa descren�a.

O que sua obra parece confirmar � que, no limite, a dor cega, amputa, deforma. Se nenhuma pincelada de seus tr�pticos ou retratos soa espont�nea, se os fundos s�o chapados, como as paredes interiores das casas, se as cadeiras e poltronas guardam uma lembran�a m�rbida com m�veis reais, � porque a alegria est� exclu�da do processo de cria��o deste artista. Mesmo a deforma��o dos rostos e corpos, quando a tinta ganha espessura, soa como um maneirismo. Impor ao mundo seu horror visual, custou a Francis Bacon uma vis�o limitada da vida. Mas sua arte n�o perde nada com isso.

 

 

Iber� Camargo

Nos fragmentos autobiogr�ficos que comp�em Gaveta dos Guardados, organizados por Augusto Massi, Iber� Camargo repassa sua vida de menino, de homem e, finalmente, de homem-pintor. Em cada um dos momentos da sua vida, a presen�a da dor e da morte.

Na inf�ncia, o menino Iber� brinca de guerra com o negrinho Nan�, judiando dele, machucando-o mesmo. Adolescente, voltando da zona do mulherio, v� "num canto ensombreado do p�tio (...) uma crian�a desnuda, de gatinhas, com a cabe�a pendente, que se espojava num tremor fren�tico, o corpo inteiro a tiritar de febre", imagem que desaparece quando ele chama o concunhado. Os colegas de escola, cru�is, provocando-o com palavras obscenas: "Na boceta da m�e, na rebimboca da m�e, na re-bim-bo-ca da boceta da m�e", ou "Cal�a furada no fiof�! Cal�a furada no fi-o-f���". O pai que reprime o namoro com uma mulher mais velha, que mais tarde ele rev� no Rio de Janeiro, uma �nica vez, antes que ela morra. A morte de uma amiga e aluna que deixou como heran�a ao pintor sua tintas e sua paleta. Material com o qual ele pinta apaixonadamente um quadro em homenagem � aluna, mas que destr�i na mesma noite, transformando sua derrota numa ora��o.

A esses momentos de dor, somam-se in�meros outros, entre eles a venda de um quadro que representava a morte tocando na sua pr�pria caixa tor�cica, como um sanfoneiro macabro. O jovem que compra a obra promete voltar no dia seguinte, mas � encontrado morto em seu apartamento. E, finalmente, a trag�dia determinante de sua vida e de sua carreira como pintor, quando no dia 5 de dezembro de 1980 ele mata com dois tiros um desconhecido que o agrediu inexplicavelmente numa rua do Rio de Janeiro. Sem falar no c�ncer com o qual convive anos seguidos, e que o leva � morte, em 1994.

Esses fatos todos n�o devem ser confundidos com a obra do pintor Iber� Camargo. Mas � evidente que a s�rie dos carret�is, por exemplo, por mais abstrata que pare�a ao observador desatento, traz � tona um momento emotivamente significativo da inf�ncia do menino de Restinga Seca, ao mesmo tempo que confere maturidade ao pintor. Chega a ser emblem�tico o fato de sua �ltima tela se chamar Solid�o, sentimento inequ�voco de quem for�osa, mas conscientemente, habita o lado sombrio da vida.

Seria, no entanto, a arte de Iber� Camargo limitada por concentrar-se tanto no horror da vida? Aquilo que falta ao pintor ga�cho sobra em Alfredo Volpi, nosso representante mais l�cido da alegria de viver. Mas seria ajuizado dizer que a obra de ambos � limitada porque n�o foi produzida por um �nico pintor? Seria mais justo atribuir a humana limita��o a cada um desses homens-pintores, n�o a suas obras.

 

Dalton Trevisan

 

O Ventre do Minotauro ou Esse Maldito Vampiro, pe�a em cartaz no teatro Novelas Curitibanas, potencializa o car�ter dram�tico da obra de Dalton Trevisan. Aqueles que n�o conseguem l�-lo sem sentir uma sensa��o de enj�o no est�mago, que torcem o nariz ao besti�rio de sua literatura, t�m agora uma chance �nica. � praticamente imposs�vel n�o sair do teatro animado pelo vigor positivo desse escritor, dono de um poder regenerador capaz de ver humanidade onde s� parecia haver mesquinharia, sofrimento, ci�me, tara. O poder do texto, potencializado pelo desempenho impec�vel do ator M�rio Schoemberger, � t�o eficaz que o autor nos leva a suspender momentaneamente at� mesmo a condena��o do desequilibrado que estupra meninos e depois os mata, um dos momentos mais fortes do espet�culo.

Dalton Trevisan � a prova mais pr�xima, e irrefut�vel, de que os artistas que lidam com o horror da vida, mais do que lan�ar luz sobre o hemisf�rio obscuro da exist�ncia, extraem dele uma esp�cie rara de beleza, que vinga entre as pedras, dif�cil de ser identificada. Mas que com nossa contrapartida de humanidade, seja como leitores ou espectadores, pode mesmo ser experimentada como alegria.

 
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