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Curitiba para os curitibanos 

Soaria como uma heresia dizer que a capital ecol�gica do pa�s � uma cidade chata. Melhor dizer que ela �, �s vezes, ma�ante. Nos domingos � tarde, por exemplo, quando toda a popula��o gastronomicamente ativa parece ter almo�ado polenta e frango - a 10 reais por cabe�a! - em Santa Felicidade, ou peixe na Mateus Leme, ou espeto-corrido nas churrascarias da Av. das Torres. Mas isso parece implic�ncia, afinal � dif�cil, especialmente para um curitibano, imaginar uma cidade onde os domingos � tarde n�o sejam chatos.

Essa cidade talvez seja ma�ante, ent�o, porque a sala onde a maioria das fam�lias mais tarde se re�ne, para assistir aos Fant�stico, est� invariavelmente decorada com os mesmos m�veis e os mesmos quadros? Em que outro lugar � h�bito largamente difundido combinar o sof� da sala, enfeitado com as inevit�veis almofadinhas de bico, com um quadro da mesma cor, e de qualidade duvidosa?

� ineg�vel reconhecer que, com insignificantes varia��es, os m�veis, objetos e quadros s�o iguais aos encontrados na maioria das casas e apartamentos da nossa orgulhosa classe m�dia. E o morador pode ser tanto um contador como um esclarecido professor universit�rio, um lojista ou um vaidoso profissional liberal. Mas tamb�m a isso se poderia protestar, acrescentando que esses h�bitos pertencem � classe m�dia brasileira, n�o sendo privil�gio nosso.

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 Mas e as pra�as? Cada vez mais enfeitadinhas com postezinhos, relojinhos, arquinhos, canteirinhos de florezinhas, tudo muito limpinho. A n�o ser pela pobreza e indig�ncia dos �nicos que se atrevem a sentar nos bancos de madeira: os mendigos, os desempregados, os vagabundos, numa esp�cie de resist�ncia surda � "revitaliza��o" dos espa�os p�blicos - que mais parece estrat�gia de expuls�o dos pobres e marginalizados para a periferia. Por que raramente uma m�e comendo um sandu�che com o filho? Onde um senhor respeit�vel lendo um livro? Nenhum casal de jovens namorando na grama? Melhor preservar o decoro, o respeito.

A bola da vez � a Pra�a Os�rio, que gra�as � interven��o oficial h� algum tempo organizou o servi�o dos engraxates, enfileirando aquelas cadeiras vermelhas horrorosas, mas que tamb�m expulsou dali os meninos que viviam desse of�cio, com suas prosaicas caixinhas de madeira. Se pelo menos eles estivessem na escola, mas � mais sensato acreditar que eles fugiram para a Tiradentes, para a Carlos Gomes.

Com a divulgada instala��o de um caf�, pr�ximo ao chafariz, mais do que oferecer um servi�o o que se conseguir� � expulsar dali os hippies, que exp�em produtos artesanais e balangand�s na cal�ada, como tamb�m as prostitutas ocasionais, os desocupados, os b�bados.

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 N�o que n�o interesse a essa cidade resolver seus problemas sociais, mas parece que ela prefere faz�-lo varrendo para a periferia a mis�ria, como quase todas as grandes cidade brasileiras fizeram. E nisso ela n�o demonstra a mesma criatividade que a tornou famosa por seus parques, pelo programa diferenciado de coleta de lixo e pelo sistema integrado de transporte coletivo. Se por um lado essa estrat�gia de exclus�o mant�m a imagem de para�so urbano, por outro ela acentua ainda mais a desigualdade social.

A despeito de toda a propaganda, � dif�cil acreditar que a rua da cidadania descentralizou servi�os essenciais, que os postos de sa�de v�o al�m de cuidar de gestantes, medir a press�o e distribuir alguns rem�dios, que os far�is do saber alteraram o perfil cultural da popula��o carente. Quem acredita nisso, sem hesita��o, provavelmente nunca p�s os p�s nesses lugares, n�o sabe onde a empregada mora, nem conhece os pontos finais dos �nibus alimentadores.

Quem n�o ouviu pelo menos uma vez que n�o se deveria alardear as qualidades da cidade para n�o atrair bandidos, assaltantes, nordestinos pobres? Afirma��es como essa, desdobramento natural da fala oficial, s� fazem acentuar a id�ia de que Curitiba � uma ilha de prosperidade. Ou os problemas teriam sido herdados de governos anteriores ou sequer seriam nossos, eles viriam de fora.

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 � caracter�stica da por��o provinciana dessa cidade o bastar-se a si pr�prio, atribuir seus erros ao outro, olhar com desd�m o diferente, n�o sem um regozijo mal contido, ir�nico, cheio de emp�fia. Mesmo a indiferen�a, essa postura inegavelmente cosmopolita, que ostenta com tanto garbo e desenvoltura aquele a quem chamamos de curitibano t�pico, n�o pode ser tomada ao p� da letra. � preciso morar alguns anos aqui para desconfiar que por tr�s dela talvez medre o desprezo e a inveja, sempre corrosivos.

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 Outro lugar-comum nativo � vender a id�ia de que Curitiba � dona de uma arquitetura particular. Naturalmente quem pensa assim n�o est� se referindo aos setores hist�ricos, nem aos remanescentes de um neoclassicismo tanto mais grandiloq�ente quanto mais tardio, mas � arquitetura moderna.

No entanto, os marcos de nossa modernidade arquitet�nica continuam sendo a resid�ncia do arquiteto catarinense Frederico Kirchgassner, de 1929, as resid�ncias de Vilanova Artigas, dos anos 40, mais dois ou tr�s nomes, entre eles Ernani Vasconcellos, colaborador de L�cio Costa. A eles se deve uma arquitetura art�stica que, embora n�o tenha despertado interesse algum em sua �poca, � precursora n�o dos arquitetos paulistas e cariocas que trabalharam aqui na d�cada de 50, mas dos escrit�rios de arquitetura dos anos 60 at� metade dos anos 70. Nomes como Rubens Meister, Forte/Gandolfi, Domingos Bongestabs, Leo Grossman e Alfred Willer deram conota��o paranaense ao estilo de Le Corbusier e Oscar Niemeyer. Talvez n�o seja exagero dizer essa � a �nica contribui��o criativa da arquitetura moderna de Curitiba ao modernismo brasileiro, pelo menos at� a d�cada de 80.

Quando ao "estilo caixote" da fachada do Cemit�rio Municipal, do Cemit�rio �gua Verde, das Ruas da Cidadania, da nova Cinemateca e dos portais de alguns bairros, ele � de um evidente mau gosto - al�m de desmerecer a hist�ria do IPPUC, �rg�o que durante d�cadas teve uma import�ncia fundamental para a viabiliza��o do Plano Diretor da cidade. Embora d� unidade � arquitetura oficial, o estilo caixote reproduz � perfei��o um aspecto cada vez mais evidente da forma Jaime Lerner de governar: a supremacia da imagem - naturalmente forte, prepotente, impositiva - sobre a capacidade de enxergar de fato a realidade multiforme da popula��o. Se na d�cada de 70, devido a certa pujan�a na transforma��o do meio urbano, essa postura tingia-se de esquerda, agora ela se mostra com o conservadorismo de direita que sempre a animou.

Com linhas austeras e duras, de forte apelo popular, os mirantes e torres dos parques parecem guaritas, os portais lembram antigas fortifica��es. Essa imagem de estado b�lico, refor�ada pela recente instala��o de totens da pol�cia militar em v�rios pontos da cidade, mais do que proteger a popula��o � o sintoma de que alguma coisa n�o vai bem. E que o problema n�o � s� a viol�ncia, t�o evidente aqui como em qualquer outra capital brasileira. Embora tenhamos que conviver com as mazelas nacionais, somos praticamente obrigados a aceitar que a cidade � um reduto de calmaria e paz em meio � tempestade.

Assim como o estilo caixote � composto de colunas que n�o sustentam peso algum e de arcos que n�o trabalham, farsa imperdo�vel segundo o mestre L�cio Costa, Curitiba vende, e vende caro, uma imagem sen�o inconsistente de cidade de primeiro mundo, ao menos question�vel.

P.S.

Entre as cartas, fax e e-mail enviados em resposta a essa coluna, uma me chamou a aten��o, n�o porque guardasse alguma particularidade, mas pelo contr�rio por repetir obsessivamente um tra�o deprimente do imagin�rio oficial da cidade, um tra�o que encontra eco em boa parte da popula��o, um tra�o nazist�ide: o de que Curitiba, e todo a riqueza que esse nome guardaria, � para os curitibanos. Eco, por sua vez, de um slogan do per�odo da ditadura militar: Brasil, ame-o ou deixe-o.

 
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