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Riachuelo, 266

Se voc� gosta de caminhar, como eu - n�o importa se no bosque do Papa ou � beira
mar -, des�a comigo a S�o Francisco at� a Riachuelo. Repare nos ba�s de oferta das lojas. H� sapatos antiquados, t�nis de couro sint�tico, chinelas que poderiam pertencer a seu av�.

H� sempre algu�m que p�ra, puxa uma pe�a de roupa apenas entrevista, e depois de uma olhadela para os outros ba�s desiste, retornando � cal�ada. Enquanto repara nessas coisas, dobre � esquerda. Logo a frente, depois de algumas lojas de m�veis usados, do outro lado da ruela, h� uma chapelaria.

A vitrine exp�e bon�s para o inverno, quepes do ex�rcito brasileiro e at� um bon� dos confederados americanos. Dispostos lado a lado, de forma ordin�ria, h� coldres, algemas, bainhas de couro, canivetes.

Entremos. Contra a parede, no fundo da loja mal iluminada, est� sentado um homem. Mesmo que voc� n�o fa�a barulho ele vai levantar e vir at� o balc�o, lentamente. Talvez seja cego. A cabe�a meio de lado, levemente inclinada para cima, indica que devemos nos dirigir a seu ouvido esquerdo, n�o a seus olhos.

Antes mesmo da primeira palavra, ele parece ouvir o que temos a dizer. Mas, o que temos a dizer, n�s que entramos na loja como dois clientes casuais? N�o sei o que voc� pretende, mas eu sei porque estou aqui.

Depois de um soco no est�mago do velho, tiro do bolso um len�o e o amorda�o. Ainda curvo de dor, ele tenta levantar. Irritado com o branco dos seus olhos, jogo o corpo contra a parede dos fundos. Para onde foram as pupilas?

Sobre uma mesinha de canto, ao lado de uma cafeteira e duas x�caras, h� uma faca de p�o.

Pegue a faca - grito, e voc�, hesitante, me obedece.

Embora sinta vontade de fugir, voc� n�o consegue disfar�ar o desejo feroz de ficar e participar do que est� prestes a acontecer. S� em sonhos, ou na frente da tela de uma televis�o, como espectador c�mplice, voc� teve a coragem de praticar atos que o igualam aos animais.

Quase contente, voc� vai at� a porta, olha para fora e entra, n�o sem reparar no retrato do patriarca, numa das paredes. O bigode vasto, enrolado no �ltimo cent�metro, como os fios do barbante, d� um ar superior ao rosto. H� quanto tempo esses olhos fundos, mas firmes, desafiam em v�o o olhar est�ril do velho?

Pedreiro ou publicit�rio, estudante ou aposentado, voc� sente o medo roubando ar dos pulm�es, mas n�o foge. Voc� n�o vai desistir agora, enquanto vasculha as gavetas, atento aos fundos falsos; mesmo o pequeno cofre n�o � um obst�culo, antes um desafio.

Com a faca na m�o, espeto uma das p�lpebras do velho, at� que o globo ocular esteja prestes a saltar. L� est� a pupila, revirada para o c�rebro, como um nervo paralisado. Vistos assim, seus olhos parecem enxergar a morte. N�o h� d�vida que ela opera nele, mais h�bil do que eu, o que me irrita ainda mais.

- Velho filho da puta!

Como se lesse meu pensamento, voc� puxa outra cadeira, estica o bra�o at� agora im�vel do velho, e espalma a m�o enrugada no acento. A pedra vermelha do anel reflete palidamente a luz da rua.

Me d� a faca. - Agora quem obedece, sem hesitar, sou eu.

O que acontece a seguir poderia ser resumido na tira em quadrinhos publicada diariamente na primeira p�gina da Tribuna do Paran�. No primeiro quadro, voc� arranca a faca da minha m�o, a l�ngua dobrada entre os dentes, espumando. No segundo, os dentes escamados da faca cortam com um golpe lento os quatro dedos do velho, arremessados bruscamente no ch�o. No terceiro quadrinho a faca corre da orelha at� o pesco�o, interrompendo o fluxo da jugular.

Antes que voc� termine o servi�o, apanho um bon� c�qui da vitrine, cubro a cabe�a e saio; as m�os nos bolsos, limpas. Volto de onde vim, at� o obelisco da padroeira da cidade. Entro na Lord Loterias e aposto nas dezenas de sempre: 05, 07, 23, 31, 40 e 54.

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