Nascimento
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J.R. ::
Nascendo, senti frio. Desde cedo sabia que quebraria
muito meu peito, que sentiria muitas vezes o sangue cair rápido para algum
lugar independente do meu corpo. Cabeça, tronco e membros, pela anatomia
normal, nada me falta, mas sinto um buraco no cérebro... ou será no meu pé?
Pareço um quadro branco que ainda vai ser pintado, sem óleo, sem tinta...
com água - a falta de gosto e de cor é mais conveniente, não digo mais
normal, mas conveniente.
Mas é certo que me sinto assim, um nada se metamorfozeando,
hoje. Ontem não era, eu parecia um deus - eu realmente era um deus, como
tudo ao meu redor. Amanhã, quando eu enterrar meu passado, terei muitas
alternativas para continuar seguindo em frente. Seguir em frente, seguir em
frente. Sentir e seguir com aquela consciência de ser único, mas encontrando
em todas as esquinas um irmão que me lembra a infância, que me lembra o
enterro que não foi totalmente esquecido.
Como seria sem graça a imortalidade da consciência, da razão
pessoal! Viver sem culpa, sem luta, sem desespero; não, haveria desespero,
já que haveria razão e consciência. Seguir em linha sabendo que essa linha
reta não existe; nunca existiu, um absurdo.
Mas nasci sentindo frio, provavelmente me cobriram com toalhas e roupas de
cores que eu não escolhera. Deram-me alimento, cresci e vivo morrendo desde
sempre. Constante, inquieta esta vida, este mundo tratado por fórmulas
matemáticas que foram previamente ossificadas com convenções.
Vem um passarinho cantar por aqui, é difícil aparecer desses
animais por aqui, mas veio voando, pairando, parou. Observou-me, "coloquei
um som no aparelho", fiquei encarando o vento. Dormi e estou sonhando com o
passarinho, mas não estou escrevendo, isto é só uma alucinação!
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