A JERUSALÉM DO HIMALAIA
(*) Por Eric S. Margolis
Na última semana, como as conversações de paz na conflagrada Caxemira fracassaram e a morte prosseguiu, o "The New York Times" divulgou uma matéria de capa, na qual revela que o serviço de inteligência americano concluiu "que a probabilidade de uma guerra entre a Índia e o Paquistão terminar num conflito nuclear aumentou significativamente."
Este alerta do National Intelligence Estimate, que é a reunião de todas as agências de inteligência dos Estados Unidos, foi feito no último verão, pouco depois de os rebeldes da Caxemira e os efetivos paquistaneses ocuparem as elevadas altitudes acima de Kargil, na porção hindu das montanhas himalaias do estado da Caxemira, que é dividida entre a Índia, Paquistão e China.
Leitores dessa coluna devem se lembrar que relatei em julho passado que o Paquistão e a Índia estavam caminhando para uma possível guerra nuclear - da mesma maneira que o serviço de inteligência dos Estados Unidos. Fontes militares no subcontinente também me disseram que a Índia estava a três dias de iniciar uma ofensiva em grande escala contra o Paquistão. Dada a superioridade da Índia de 2:1 em homens e 3:1 em artilharia, o Paquistão pode ver-se forçado ao uso tático de armas nucleares para deter o ataque indiano maciço.
Meu novo livro sobre a Caxemira e o conflito Indo-Paquistanês, "War at the Top of the World", que veio a público no último outono, detalhou completamente os perigos da guerra nuclear entre a Índia e o Paquistão, um conflito que poderá matar milhões e poluir o globo com poeira radioativa. Na época, poucas pessoas pareceram conscientes do explosivo, uma luta antiga de 53 anos pela "longínqua"Caxemira, mesmo depois de o presidente Clinton e a CIA denominarem como "a fronteira mais perigosa do mundo".
No mês passado, o Hizbul Mujahidin, o maior grupo de rebeldes islâmicos lutando pela independência da parte da Caxemira governada pela Índia, pediu um cessar-fogo do pior conflito que já matou mais de 70.000 pessoas desde o seu início, em 1989, além de conversações com a Índia. Outros grupos rebeldes da Caxemira opuseram-se vigorosamente a essas conversas.
A oferta surpresa claramente equivocada de
Atal Bihari Vajpayee,que primeiro falou de conversas "incondicionais", mas, em
seguida, rejeitou o pedido do Hizbul para que o Paquistão seja incluído e mostrou a
costumeira posição da Índia: a Caxemira é, e permanecerá como parte integrante e não
negociável da Índia e é uma questão inteiramente doméstica. A Índia só negociará
desde que a Caxemira seja parte da Índia.
Outros grupos islâmicos rebeldes buscaram minar as tentativas de conversações, num caso
atacando peregrinos hindus, um ato de puro terrorismo. Mais de 100 civis morreram neste
ataque e no fogo-cruzado que se seguiu entre rebeldes e a polícia paramilitar pouco
disciplinada da Índia. Os ataques rebeldes contra as forças de segurança da Índia
precipitaram-se em ondas, com pelo menos mais 10 mortos num bombardeio na última
quinta-feira.O Hizbul terminou com o cessar-fogo e retomou o combate.
A Índia afirma que os revoltosos da
Caxemira são "terroristas islâmicos" e "mercenários afegãos",
agentes do "terrorismo de fronteira paquistanês". A visão simplista de Nova
Déli foi adotada pela administração Clinton, que se inclina fortemente em direção à
Índia, sob a insistência dos partidários americanos de Israel. A Índia e Israel
estão, atualmente, simulando uma "aliança estratégica e nuclear".
Conselheiros militares israelenses estão ajudando as forças contra-revolucionárias
indianas na Caxemira, enquanto cientistas israelenses estão fornecendo um programa
nuclear de rápida expansão com material, experiencia técnia e eletrônica.
A Rússia, que está travando a sua própria guerra contra os lutadores islâmicos da
liberdade na Chechênia, recentemente se juntou à Índia e à China, numa nova aliança
para se opor aos movimentos de independência na Caxemira, Afeganistão, China ocidental
(ex-Turquestão oriental) e Ásia Central. A administração Clinton e a Rússia estão
tranquilamente cooperando para lutar contra os movimentos islâmicos religiosos e
democráticos, buscando derrubar as ditaduras pós-soviéticas.
Ao contrário das alegações indianas, os rebeldes são na maior parte muçulmanos da Caxemira e não intrusos, conforme testemunhei em minhas visitas à região. Ao contrário das negativas paquistanesas, seu excelente serviço de inteligência, ISI, discretamente ajuda alguns grupos de rebeldes com armas e bases. Os paquistaneses olham para os guerrilheiros da Caxemira como lutadores da liberdade. A agência de inteligência da Índia, a RAW, apóia os bombardeios dentro do Paquistão, objetivando a desestabilizar a nação fraca, próxima da falência.
O que é óbvio em toda essa trama é que a
maioria do povo da Caxemira ocupada, que é composta de 80% de muçulmanos, quer se livrar
do brutal e corrupto governo indiano e busca ou a independência ou a união com o
Paquistão. O efetivo de 600.000 soldados indianos na Caxemira não conseguiu esmagar a
"intifada", apesar do grande uso da tortura, das violações e da
represália em massa. Numerosas organizações dos direitos humanos, inclusive as
indianas, têm condenado Nova Déli por sua brutalidade na Caxemira e também contra os
rebeldes sikhs no Punjab. Por outro lado, deve-se notar que, quando o Paquistão
controlava o Paquistão oriental, atual Bangladesh, suas guarnições se comportaram com
brutalidade semelhante com os bengalenses que lutavam pela independência.
O fracasso das conversações de paz na Caxemira significa que a Índia e o Paquistão
estão de novo presos em sua confrontação excepcionalmente perigosa sobre a Caxemira, e
que ao longo da linha de cessar-fogo seus efetivos lutam quase que diariamente. Desde a
crise cubana dos mísseis, de l962, esta é a primeira vez que duas potências nucleares
estão diretamente envolvidas em conflito. Tanto o Paquistão quanto a Índia estão
jogando um perigoso jogo nuclear, que pode levar à guerra, intencionalmente ou por
acidente.
É bom que o mundo pressione a Índia e o Paquistão - e a China - para resolverem a
explosiva questão da Caxemira. Em 1947-49, as Nações Unidas resolveram que o povo da
Caxemira teria a permissão para votar sobre seu futuro. Isto nunca foi feito. Índia,
Paquistão e China anexaram partes estratégicas da Caxemira, sem jamais consultar os
habitantes desse estado que já foi independente.
Tragicamente, a Caxemira transformou-se na Jerusalém do sul da Ásia, um foco de paixões
históricas, nacionalistas de religiões rivais, que despertam violentas
emoções,compromissos frustrados e relações envenenadas entre nações irmãs, Índia e
Paquistão. A Caxemira pode também tornar-se o gatilho que detonará a guerra nuclear.
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(*) Eric S.Margolis é um conhecido correspondente internacional, bem
informado, que alia uma grande capacidade como jornalista de assuntos internacionais,
com experiência nas questões asiáticas, com a de comentarista. Em seu mais
recente livro, "War at the Top of the World", ele relata as
barbaridades do governo da Índia na Caxemira, a cooperação entre a CIA e o serviço de
inteligência da Índia em fornecer treinamento e armas para as guerrilhas do Tibet. Para
Margolis, o sucesso das forças islâmicas no Afeganistão elevou as tensões na Caxemira,
provocando uma volta ao nacionalismo tanto no Paquistão como na Índia. Para ler outros
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