ATAQUE  BRUTAL NA CAXEMIRA AMEAÇA AUMENTAR TENSÕES ENTRE INDIA E PAQUISTÃO

Por Vilani Peiris e Sarath Kumara - 19/07/02

O ataque do dia 13 de julho, em um bairro pobre predominantemente hindu  de Jammu, a capital de inverno do estado indiano de Jammu e Caxemira, salientou as tensões crescentes entre a Índia e o Paquistão. Ainda que o incidente não tenha provocado qualquer ameaça militar de Nova Déli, a região permanece um barril de pólvora. Mais de um milhão de soldados indianos e paquistaneses   se enfrentam ao longo da fronteira desde dezembro passado, quando os separatistas caxemires atacaram o prédio do parlamento indiano em Nova Déli.

Pelo menos 28 pessoas morreram no ataque e muitas mais ficaram feridas. De acordo com testemunhas, 8 atiradores, alguns vestidos com roupas de clérigos hindus, atiraram granadas e abriram fogo com rifles automáticos sobre os trabalhadores que estavam ouvindo um jogo de cricket num radio de pilha. Os atacantes, então, prosseguiram nos barracos vizinhos, atirando indiscriminadamente antes de fugirem para a mata próxima.

Babloo, vendedor ambulante de balão de 17 anos, disse a BBC: "Nós estávamos acompanhando o jogo quando houve uma explosão. Todos achamos que tinha sido uma explosão de bomba e fugimos dali." Ele teve dois ferimentos a bala na perna. A maior parte das vítimas era de crianças e mulheres. Uma mulher exclamou: "Por que mataram minhas netas? O que elas fizeram aos militantes?"

Nenhuma organização reivindicou a autoria do ataque. Vários grupos extremistas islâmicos que se opõem ao governo indiano na Caxemira, no passado praticaram arbitrariedades, ataques sectários contra não muçulmanos. É bem provável que um deles tenha organizado o ataque de 13 de julho. Mas também não pode ser descartado que extremistas indianos, inclusive aqueles com ligações com as forças de segurança indianas, tenham praticado o ataque. Os fanáticos de ambos os lados têm interesses pessoais no aumento das tensões na Caxemira.

Quem quer que tenha sido o responsável, o ataque, que teve por objetivo incitar o ódio comunitário, foi profundamente reacionário em seu natureza. Todas as vítimas eram trabalhadores migrantes sazonais das áreas pobres da Índia, que estavam acampados em barracas e cabanas num lixão nas cercanias de Jammu. Conforme um jornalista explicou, eles eram "os pobres dos pobres".

Organizações extremistas indianas imediatamente se aproveitaram do incidente para exigir medidas de segurança mais apertadas para "defender os hindus" na Caxemira. O Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS) e outros grupos hindus chauvinistas organizaram um bandh - uma greve geral combinada com fechamento do comércio - na cidade de Jammu e em outras áreas para protestar contra o ataque. De acordo com relatos de imprensa, as manifestações foram dominadas por slogans anti-Paquistão e anti-governo.

O vice primeiro-ministro e ministro do Interior da Índia, L.K. Advani, visitou a região no fim de semana passado, juntamente com o ministro chefe do estado de Jammu e Caxemira, Faruq Abdullah, e seu filho, o ministro de estado para Assuntos Externos, Omar Abdullah. Defrontado pela multidão enfurecida que gritava "Por que vocês chegam agora - para buscar votos hindus", Advani prometeu que "medidas adequadas seriam tomadas para a segurança".

O incidente também será usado pelas forças de segurança indianas como meio de reforçar as medidas repressivas que são dirigidas contra a maioria muçulmana do estado e que tem desempenhado um papel fundamental no desenrolar do conflito da Caxemira. Organizações de direitos humanos internacionais acusaram no passado o exército e a polícia  indianos pelo abuso disseminado aos direitos democráticos, inclusive detenção sem julgamento, tortura e execuções extrajudiciais. Dentro da competência dos novos poderes da Lei de Prevenção do Terrorismo (POTA), a polícia deteve 96 pessoas em todo o estado no mês passado.

Após o ataque ao parlamento indiano, em dezembro, e, de novo, depois que militantes separatistas atacaram um acampamento do exército em maio, o governo indiano ameaçou o Paquistão com represálias militares. Nova Déli acusa Islamabad de estar organizando o que define como "terrorismo de fronteira" e insiste em que o homem forte do exército do Paquistão, o general Pervez Musharraf, tem que parar de infiltrar militantes islâmicos armados em Jammu e Caxemira.

A resposta inicial do governo indiano ao último ataque foi relativamente branda. Durante sua visita a Jammu, Advani, que tem uma longa história como um fanático hindu, evitou acusar diretamente o Paquistão pelo massacre. Perguntado sobre o envolvimento do Paquistão, ele simplesmente disse: "No momento, não posso comentar, ainda estou colhendo informações."

Depois de uma reunião de gabinete de emergência do Comitê de Segurança, presidida pelo primeiro-ministro Atal Behari Vajpayee, o ministro do Exterior, Yaswant Sinha, declarou: "Está claro que tudo isto está sendo praticado por inspiração do Paquistão. Foi um ataque horripilante." No entanto, conforme muitos comentaristas assinalaram, "com a inspiração do Paquistão" não é a mesma coisa do que acusar diretamente o Paquistão de estar organizando o ataque. Após 50 anos de discussão e conflito sobre a Caxemira, essas nuances de significado são importantes.

Pressão Internacional

A aparentemente suave resposta de Nova Déli, pelo menos agora, é meramente tática. Tanto o secretário inglês, Jack Straw, como o secretário de estado americano, Colin Powell, devem chegar ao subcontinente indiano na próxima semana para conversas com Nova Déli e Islamabad.

Com vistas a seus próprios objetivos imediatos, Washington recomendou que o governo de Vajpayee se abstenha de qualquer ação militar. Tendo conseguido o apoio de Islamabad para a invasão americana ao Afeganistão, o governo Bush explorou sua "guerra contra o terrorismo" para construir um importante presença política, militar e de inteligência no Paquistão, o que poderia ser prejudicado em caso de guerra com a Índia. Powell condenou o último ataque na Caxemira, dizendo que seu objetivo era "minar os esforços para aliviar as tensões na região", mas não acusou o Paquistão. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos buscaram apaziguar o governo Vajpayee, prometendo pressão sobre Islamabad para reprimir os grupos separatistas caxemires.

Nm comentário do dia 16 de julho, o Times of India assinalou a pressão sobre Nova Déli: "A cautela do governo é a evidência da situação difícil em que ele se encontra. A comunidade internacional começou a pressionar a Índia para que adote passos adicionais para diminuir a tensão e começar um diálogo com o Paquistão."

Contudo, o governo Vajpayee viu-se diante do fogo cruzado dos partidos de oposição e também de alguns aliados chauvinistas hindus. O líder do RSS, K.S. Sudarshan, declarou: "O RSS gostaria de expressar a sua mais forte indignação em relação aos repetidos fracassos do governo, tanto no centro como no estado, em proteger a vida das pessoas em Jammu."

Os partidos de oposição atacaram o governo de direita de Vajpayee, insistindo que sua resposta ao "terrorismo" era inadequada. Durante um debate parlamentar, na terça-feira, a líder do Partido do Congresso, Sonia Gandhi, exigiu que o governo adote medidas duras para "combater o terrorismo". Sua representante Shivraj Patil acusou Vajpayee de não ter "política, visão e determinação" no combate ao terrorismo e de se fiar muito no Estados Unidos.  O CPI-M entoou a mesma nota, pedindo medidas efetivas para frustrar a atividade terrorista. Depois de se oferecer para colaborar com o governo para reprimir o terrorismo, a oposição encenou uma caminhada de protesto.

Advani respondeu às críticas renovando seus ataques ao Paquistão. Ele disse que, nas discussões com um funcionário americano, tinha repetido a exigência da Índia aos Estados Unidos,   de colocar o Paquistão na lista dos países que patrocinam o terrorismo. "Se os Estados Unidos quiserem", disse ele, "eles podem acabar com o terrorismo e colocar um fim na infraestrutura do Paquistão. Basta ameaçar que Wahsington iria declarar o país um estado terrorista". Mas nem Advani nem qualquer outro ministro fez uma ameaça direta de represália militar contra o Paquistão.

Ainda que Vajpayee e Advani possam estar, no momento,  querendo o alinhamento com os Estados Unidos em troca de avanços nos laços econômicos e militares, o caráter instável do governo indiano faz com que se torne mais sensível às acusações dos extremistas hindus e da oposição de que não consegue defender os hindus e a Índia. Em tais circunstâncias, qualquer incidente tem o potencial de impulsionar rapidamente o governo de Vajpayee para o confronto militar com o Paquistão, como um meio de garantir seu próprio apoio em casa.

Pretextos é que não faltam. Os ataques violentos continuaram em Jammu e Caxemira esta semana. Na terça-feira 14 pessoas foram feridas em um ataque de granada em uma rua repleta na cidade de Anantnag, na Caxemira. No dia seguinte, três pessoas morreram e 9 ficaram feridas com a explosão de uma bomba. De acordo com estimativas conservadoras, pelo menos 60.000 pessoas já morreram no conflito armado de 10 anos pelo controle da Caxemira disputada.

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