PERSPECTIVAS CHINESAS PARA QUESTÃO DA CAXEMIRA

Por Bhartendu Kumar Singh

As perspectivas chinesas para o problema da Caxemira chamam a atenção por pelo menos três motivos: primeiro, a China ocupa mais de 20% do total da área do antigo estado da Caxemira. Uma grande porção de terra, cerca de 38.000 km² em Aksai-Chin, foi tomada pela China durante a guerra de fronteira sino-indiana de 1962. Mais tarde, foram adquiridos  mais 5.000 km² do Paquistão; em segundo, a Caxemira é a única questão que pode abrir brechas nas futuras relações sino-paquistanesas; terceiro, a posição chinesa sobre a Caxemira sinaliza a maturidade do comportamento da política externa chinesa.

A postura chinesa em relação à Caxemira desenvolveu-se em dois etapas. Dos anos 50 aos anos 80, a China seguiu   uma política pró-paquistanesa devido, em grande parte, à sua condição de pária no sistema internacional e à animosidade com a Índia depois da guerra de 1962. Mao Tsé Tung sempre tratou a Índia de uma forma ofensiva, mas tinha sérias desconfianças em relação á sua política para o Tíbé. Nos anos 60, a discórdia generalizada entre soviéticos e chineses e o apoio dos soviéticos à Índia na questão da Caxemira colocou a China na defensiva; começou a cortejar o Paquistão e a apoiá-lo em todas as questões, inclusive a da Caxemira. As declarações chinesas sobre a Caxemira salientavam dois aspectos: 1) viam a Caxemira como um território sob disputa e 2) apoiavam o princípio da autodeterminação para o povo da Caxemira. O Comunicado Conjunto Sino-Paquistão, de 3/05/62, e o posterior Acordo de Fronteira, de 2/0363, reconheceram a natureza de disputa da Caxemira.

O Acordo de Fronteira deu a delimitação formal e a demarcação da fronteira entre Xinjiang, da China, e as áreas contíguas da Caxemira ocupada pelo Paquistão (POK). O artigo VI do Acordo determinava que, após a solução da disputa da Caxemira entre Índia e Paquistão, a autoridade soberana interessada abriria diálogo com a República Popular da China sobre a fronteira, conforme determinado pelo artigo II do mesmo Acordo. Durante este período, a China apoiou o Paquistão e a "luta justa do povo da Caxemira pela autodeterminação" e aprovou as importantes resoluções da ONU, frustrando as pretensões da Índia.

No entanto, nos anos 80, a política chinesa para a Caxemira sofreu uma metamorfose. A ascensão da China como Grande Potência, além de sua aceitação pela comunidade internacional, levou ao declínio de sua política externa radical. Houve também um amaciamento nas relações sino-indianas, principalmente depois da visita do primeiro-ministro, Rajiv Gandhi, a Beijing, em 1988. Dali em diante, a China desistiu do termo "autodeterminação" e das referências às resoluções da ONU para a Caxemira. Parece, no entanto, que a rejeição à "autodeterminação" teve alguma coisa a ver com a exigência crescente por autodeterminação que vinha de Xinjiang e do Tibé. Por conseguinte, a China começou a projetar a Caxemira como uma disputa "bilateral" entre a Índia e Paquistão. Curiosamente, as apreensões da China sobre o multilateralismo a convenceram a evitar um papel para si na solução da disputa, o que reforçou a ênfase indiana sobre o bilateralismo.

Desde o início dos anos 90, a ascensão do fundamentalismo islâmico e a sua própria questão interna de revolta em Xinjiang modificaram as perspectivas chinesas sobre a Caxemira. A China sabe que os revoltosos em Xinjiang e na Caxemira foram treinados e financiados pelos fundamentalistas islâmicos operando a partir do Afeganistão e Paquistão. Esta percepção levou a China a adotar um papel neutro durante a Guerra de Kargil. Ainda que a China não quisesse criticar o Paquistão, via, no entanto, mérito na afirmação da India de que a questão era essencialmente de infiltração terrorista pela Linha de Controle (LOC). Daí, sem nomear o Paquistão, pediu que se preservasse a LOC.

O impasse continuado entre Índia e Paquistão sobre a Caxemira põe em risco as perspectivas de uma segurança regional que a China vem estimulando no sudeste asiático. Primeiro, ela acredita que a questão da Caxemira pode levar os dois países à beira de um conflito nuclear. Segundo, a Caxemira também impede o progresso econômico dos dois países. Finalmente, isto pode se espalhar por Xinjiang. Portanto, os interesses nacionais chineses exigem uma solução rápida para o problema.

Não se sabe se a China apoiará a idéia de uma Caxemira independente apesar de ter sido defensora da "autodeterminação" no passado. Uma Caxemira independente representará mais um outro estado muçulmano em sua fronteira e reforçará o nacionalismo uyghur em Xinjiang. A China pode ter que competir com o Paquistão e Estados Unidos pela influência na Caxemira. Mais uma vez, todo o estado de Jammu e Caxemira, se juntando ao Paquistão ou a Índia, pode não encontrar apoio dos chineses; porque, no primeiro caso, o Paquistão se estenderá para além da fronteira chinesa, tornando a situação em Xinjiang volátil e, no segundo caso, as ligações com o Paquistão seriam cortadas pela expansão do território indiano. A manutenção do status quo, portanto, serviria melhor aos interesses da China. Por esta razão é que a China quer formalmente um acordo negociado da disputa entre Índia e Paquistão o que  provávelmente fortaleceria e legitimaria o status quo.

O autor é pesquisador da Jawaharlal Nehru University
 

Publicado no Institute of Peace and Conflict Studies

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