Contributo
“Confrontado com o baixo nível das conversas da juventude
portuguesa, decidi dar o meu contributo.
Compreendo que ninguém tem tempo e que, quando o há, temos
coisas mais engraçadas que fazer do que ler um livro, por
muito bom que ele seja. Ver vídeos, dar uma volta,
embebedar-se, pecar em geral, são de facto actividades mais
divertidas e mais rápidas.
Por esta e outras razões coloquei a nossa extensa cultura ao
serviço de todos os ignorantes que nos lêem. Para poupar
tempo e dinheiro aqui estão alguns tesouros da literatura
universal em poucas linhas e ao alcance de qualquer besta.
1) Marcel Proust. À la recherche du temps perdu. Paris,
Gallimard. 1922 (1.ere edition) - À procura do tempo
perdido. Livros do Brasil Colecção Dois Mundos). 1965
Resumo: Um rapaz asmático sofre de insónias porque a mãe não
lhe dá um beijinho de boas-noites. No dia seguinte (pág.
486. I vol.), come um bolo e escreve um livro. Nessa noite
(pág. 1344. VI vol.) tem um ataque de asma porque a namorada
(ou namorado?) se recusa a dar-lhe uns beijinhos. Tudo
termina num baile (vol. VII) onde estão todos muito
velhinhos e pronto.
2) James Joyce. Ulysses. Paris, Shakespeare Co.. 922 - trad.
Portuguesa (obrigatório dizer e é má) de João Palma-Ferreira.
Resumo: Um dia na vida de um judeu chamado Bloom que vai
cagar no primeiro capítulo. Um estudante chamado Daedalus
masturba-se na praia. O judeu bebe uns copos e fala com o
sapato. A mulher do judeu (que é cantora) lembra-se de como
fornicou o dia todo com o seu amante. Termina com a palavra
«Sim», prova indiscutível de que se trata de um livro
inteiramente positivo.
3) Júlio Dantas, A Ceia dos Cardeais, Lisboa, Lello, 1908 -
tradução portuguesa de David Mourão-Ferreira.
Resumo: Era uma vez três cardeais. Um era português, o outro
espanhol e o outro francês. Estavam a jantar no Vaticano e
lembraram-se de comparar engates. O francês tinha muita
lábia, o espanhol muita basófia mas o português é que a
sabia toda. No fim, os outros baixaram a bola e reconheceram
como é diferente (e melhor) O amor à portuguesa. Ou, como
disse no fim o cardeal inglês. «Portuguese do it best».
4) Leão Tolstoi, Guerra e Paz, (1800 páginas)
Resumo: Um rapaz não quer ir à guerra e por isso Napoleão
invade Moscovo. A rapariga casa-se com outro. Fim.
5) Luís de Camôes, Os Lusíadas (várias edições), versão
portuguesa de João de Barros)
Resumo: Um poeta com insónias decide chatear o rei e
contar-lhe uma história de marinheiros que, depois de alguns
problemas (logo resolvidos por uma deusa porreiraça), têm o
justo prémio numa ilha cheia de gajas boas.
6) Gustave Flaubert, Madame Bovary, (378 páginas)
Resumo: Uma dona de casa engana o marido com o padeiro, o
leiteiro, o carteiro, o homem do talho, o merceeiro, e um
vizinho cheio de massa. Envenena-se e morre.
7) William Shakespeare, Hamlet, Londres, Oxford Press
Resumo: Um príncipe com insónias passeia pelas muralhas do
castelo, quando o fantasma do pai lhe diz que foi morto pelo
tio que dorme com a mãe, cujo homem de confiança é o pai da
namorada que entretanto se suicida ao saber que o príncipe
matou o seu pai para se vingar do tio que tinha matado o pai
do seu namorado e dormia com a mãe. O príncipe mata o tio
que dorme com a mãe, depois de falar com urna caveira e
morre, assassinado pelo irmão da namorada, a mesma que era
doida e que se tinha suicidado.
8) Anónimo colectivo, Antigo Testamento (2 vol.)
Resumo: A mesma história tem dezenas de versões. Trata-se da
saga de uma família através de várias gerações. Uma história
de poder, luxúria, paixões incandescentes, ambições
desmedidas, crimes hediondos e sexo.
9) Anónimo colectivo. Novo Testamento (4 versões)
Resumo: Uma mulher com insónias dá à luz um filho cujo pai é
uma pomba. O filho cresce e abandona a carpintaria para
formar uma seita de pescadores. Por causa de um bufo, é
preso e morre.”
Claro que depois de lida a lista, só me resta ir às compras
e por a minha cultura literária em dia para não ser
apelidada de besta.
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