PS - Ortopedia

Semana III

Segunda-feira, 3 de setembro
Depois de um final de semana afastado (ainda bem!!!) do Hospital, voltei, com certa preocupação porque certamente teria casos novos para conhecer na enfermaria e passar na visita com Dr. Sakaki, mas com certo alívio, pois seria meu último dia na enfermaria...

Como de costume, nesses dias que passei na enfermaria, acordei às 4:30. Chegando lá, alguns casos novos, como eu já esperava. O paciente que havia ido para a UTI na sexta ainda estava lá, porém sem uma avaliação por escrito da neurologia, assim não fiquei sabendo o que aconteceu...

A maioria dos pacientes eu já conhecia, e os Rx estavam separados nos envelopes que eu havia deixado na sexta-feira. Ótimo, pouco a me preocupar com eles. Concentrei meus esforços em conhecer os casos novos, e os casos que estavam internados na porta-fundo que haviam subido. Não eram muitos, mas cada caso sempre é complexo o bastante para me fazer perder (perder?) cerca de 15 minutos, entre conhecer a história, o exame físico, as queixas, se foi operado, como foi operado, e, é claro, como não poderia deixar de ser, separar os Rx...

7:40 é o horário da visita com Dr. Sakaki. Tudo mais ou menos pronto nesta hora, o R3 que acompanharia a visita naquele dia chega e me disse para continuar vendo os pacientes, porque a visita ia atrasar, porque Dr. Sakaki só iria passar por volta das 8:30-9:00. Bem, comecei a checar exames menos importantes, checar antibióticos, adiantar os resumos de alta dos pacientes que eu achava que já tinham condições de alta... Teria que fazer aquilo depois de qualquer forma...

Lá pelas 9:00, com R2 e R3 já na enfermaria, eles são chamados de volta ao PS pois a visita, diferentemente dos outros dias, começaria lá e só depois subiria... Droga! A visita iria começar ao contrário...

Comecei a ficar louco, checando e re-checando os exames, as posições dos Rx, se algum paciente havia tido febre... TUDO!

Minha visita começou por volta das 10:00, terminou por volta das 11:30. O único problema é que eu havia esquecido de checar uma cultura (que depois chequei e deu negativo, menos mal). Depois comecei a pedir os novos exames e radiografias que haviam me requisitado durante a visita. Prescrições de transfusões, pedidos de "inter-consultas" (quando vc pede para outro especialista ver seu paciente).

Lá por 12:30 só haviam duas coisas para eu fazer: trocar um gesso (não poderia ser naquela hora pois o paciente estava almoçando) e ir até a broncoscopia pedir para no dia seguinte auxiliarem numa entubação de um paciente com fratura de mandíbula que seria operado (porque ele não abria a boca, seria difícil para um médico "comum"). Era só uma possibilidade ele ser submetido à anestesia geral e ser entubado, mas era melhor prevenir... Também não dava para ser naquela hora pois os broncoscopistas estavam almoçando.

Então fui almoçar...

Almocei com um amigo que faz clínica médica. Os residentes do HC estavam entrando de greve naquele dia... Ele me pôs à parte do "movimento". Ninguém fala sobre isso na ortopedia. Também outras clínicas não entraram em greve, como a cirurgia geral, a oftalmo, a otorrino, sempre as clínicas "cirúrgicas". Talvez porque, entrando em greve, o residente acabe operando menos. E, nesses departamentos, os residentes querem é aprender a operar mesmo...

Voltei para o PS... Atendi algumas fichas na porta, enquanto dava um tempo para passar a hora do almoço e poder fazer aquelas duas últimas tarefas... Na segunda-feira, como já disse, o movimento na porta é muito intenso... Ajudei durante uma três horas, "tocando" a triagem.

Depois fui trocar o gesso que estava faltando trocar, e telefonei para a broncoscopia (não fui até lá de novo, estava cansado de andar), tendo conseguido falar com uma assistente que disse que iria tentar me ajudar (pois geralmente nesses casos de auxílio à entubação a cirurgia deveria ser marcada para 7:30, e a que estava em questão seria a terceira do dia, sabe-se lá que horas que iria entrar...).

Lá pelas 17:30 chegaram uma fratura exposta de hálux esquerdo (o dedão do pé), um descolante de pele em dorso do pé com lesão tendínea grave, e uma fratura fechada de ossos da perna. Os três foram internados, pois precisavam de tratamento cirúrgico (os dois primeiros eram urgências, iriam subir pro centro cirúrgico ainda naquela noite).

Às 18:30 chamaram um R1 para ajudar numa cirurgia do dia (falta de noção, faltava só 30 minutos para o final do nosso plantão). Sorteamos e o sorteado não fui eu (GRAÇAS A DEUS! Estava, como sempre, acabado de cansado...), foi o Bruno.

Ainda tive que fazer uma goteira (tala de gesso) para o paciente com a fratura fechada de ossos da perna. Pelo menos o paciente era legal e ajudava (tem uns que só sabem xingar e chorar de dor). Achava até um pouco de graça em tudo... Motoqueiro, é claro...

Motos são muito perigosas no trânsito de São Paulo.... Mais da metade dos pacientes internados pelo PS (desconsiderados os velhinhos), são por acidentes por moto. Depois vem a queda de altura (telhado, andaime, etc) como maior causa de trauma. Os traumas menores (que não são internados, mas que precisam de tratamento mais cuidadoso) são em geral por quedas em casa (escadas, banheiro, etc) ou esportes (e, deixo um comentário, cada vez mais meninas novas, na escola, andam jogando futebol por aí, e se machucando com "entradas", "carrinhos", etc... acho até legal... Meninas que jogam futebol são muito engraçadas).

Mas, voltando ao assunto do meu plantão, acabei por volta das 20:00 de passar a goteira e fazer a internação daquele paciente. Depois passei todos os casos da enfermaria para o Soyama, pois ele é que iria assumi-la agora.

Fui embora por volta das 21:00. No dia seguinte eu estarei no Centro-cirúrgico o dia todo.

 

Terça-feira, 4 de setembro
Meu primeiro dia de enfermaria era, por coincidência, também o primeiro dia da nova panela de internos. Por isso, cheguei mais cedo e prescrevi todos os pacientes das enfermarias. Isso cansa... O novo responsável pela enfermaria, o Soyama, modificaria as prescrições depois, conforme o que seria decidido na visita. Como era o primeiro dia dos internos, eles não chegavam cedo o bastante para evoluir ou prescrever pacientes, então... isso ficava a cargo dos residentes.

Após isso, fui para o centro cirúrgico, onde fiquei por muito tempo. Pela manhã entrei em várias cirurgias pequenas, como enxertos de pele, biópsias, coisas que eu acho muito úteis para aprender, pois poderei fazer depois, mais facilmente...

Pela tarde chegaram cirurgias maiores, próteses, grandes fixações, etc. Também muito legais, mas ainda longe do meu domínio pessoal... Quase não sei fazer ainda as coisas mais simples, quem me dera ser capaz de aprender as grandes cirurgias ortopédicas.

O último paciente teve a cirurgia suspensa, por falta de sangue compatível no banco de sangue. É que ele era politransfundido e não poderia receber qualquer sangue por causa disso, pois poderia causar uma reação grande, até a morte... E o paciente seria submetido a uma cirurgia grande, já não tinha lá boas condições de saúde, e era muito provável que fosse precisar daquele sangue. Por bem o assistente preferiu suspender a cirurgia naquele dia, seria marcada para sexta-feira, que é feriado, porém um dia mais "seguro" para operar, já que daria tempo do banco de sangue se preparar melhor.

Saí do centro cirúrgico às 21:30. Só voltaria no dia seguinte.

 

Quarta-feira, 5 de setembro
O primeiro paciente que seria operado no dia seria submetido a uma amputação, abaixo do joelho. Era um caso grave de fratura exposta, com muita perda de pele e de músculos, que não seria possível se proceder com uma plástica... E estava prestes a infectar, e aí seria muito pior para o paciente.

No começo de minha residência achava as amputações coisas horríveis, mas com a experiência vi que as coisas não são exatamente assim. Amputações são feitas quando mais nada pode ser feito para salvar um membro, e que a insistência em querer salvar só pode levar muitas vezes a complicações, infecções e risco de morte. Os pacientes demoram, sofrem muito para aceitar e concordar com a idéia da amputação, mas, depois de amputados, se recuperam rapidamente, livram-se das medicações pesadas, recebem altas... E mais, a tecnologia das próteses, principalmente em membros inferiores, é muito boa, e os pacientes, após período de adaptação mais  ou menos longo, podem voltar a andar!

No começo da tarde, logo depois de eu almoçar, chegou um paciente com uma amputação de antebraço para tentativa de reimplante.

Os reimplantes são outra coisa que me impressionavam muito no começo, e ainda me impressionam bastante. Mas descobri que as coisas não são tão maravilhosas quanto a TV mostra. A maioria das tentativas de reimplante fracassam. Vários fatores contribuem para isso:

- O tempo que leva desde o acidente até o reimplante é primordial. Quanto maior o pedaço amputado, menos tempo se tem para fazer um reimplante.

- Como o pedaço amputado foi preservado também é muito importante. Deve-se sempre colocar dentro de um saco com soro fisiológico, e este saco dentro do gelo. Muitas vezes chegam de outra forma, sem gelo, ou diretamente sobre o gelo. Isso impossibilita o reimplante.

- A cirurgia é muito complicada, requer recursos enormes e pessoal especializado. É preciso ver se o reimplante tem indicação. Por exemplo, não há indicação para reimplante do dedo mínimo, se for só este o amputado. Não se faz, é muito arriscado.

- Quanto menor o pedaço amputado, menor as chances da cirurgia dar certo, pois os vasos e nervos são finos demais e com freqüência trombosam... Pontas de dedos, por exemplo, não tem indicação de reimplante, a rigor... Mas pode-se fazer plásticas bem legais...

- O tipo de acidente também é determinante. Acidentes do tipo com "guilhotina" são melhores para reimplante do que "arrancamentos".

Este reimplante era no nível do antebraço, seria bem fácil suturar as artérias, nervos, veias, tendões e fixar os ossos.  Chegou com poucas horas depois do acidente, e, melhor, era incompleta a amputação, havia restado ainda uma artéria, a artéria radial, que ainda nutria a mão.

Essa cirurgia durou cerca de seis horas. Dois assistentes do grupo de microcirurgia, e eu, estávamos na cirurgia. Claro, não fiz nada além de passar instrumentos, mas sinto que ajudei bastante.

Ao sair desta cirurgia, soube que todas as cirurgias do PS daquele dia haviam sido realizadas (coisa rara de acontecer) pelos outros residentes, e era só ir embora. Eram 19:00!

 

Quinta-feira, 6 de setembro
A primeira cirurgia do PS havia sido adiada para mais tarde por falta de material adequado naquele momento. Era a revisão de uma prótese de quadril. Então, entrou no lugar uma cirurgia do grupo de mão, que eu ajudei com prazer. Levou a manhã toda, era um retalho que estava sendo rodado para cobrir o dorso de uma mão.

Naquela tarde entrou a revisão daquela prótese. Foi muito legal, apesar da cirurgia ser um pouco complicada para um R1, curti. Depois, outras cirurgias, e a última foi uma placa DHS para fixação de uma fratura transtrocanteriana de fêmur. Simples, mas nunca tinha visto, da próxima vez disseram que eu poderei fazer. Legal...

Fui embora mais ou menos 21:30 naquele dia.

 

Sexta-feira, 7 de setembro
Apesar de feriado, haveria várias cirurgias do PS agendadas para serem realizadas naquele dia.

Ao chegar, às 7:00, fui direto ao centro cirúrgico livrar meu colega Newton, que havia passado a noite inteira dentro do centro cirúrgico. Ele estava acabando de lavar e colocar os campos um paciente com um ferimento descolante de pele grave. Ele saiu e eu fiquei cuidando dos pequenos sangramentos, e retirando pedaços de tecido desvitalizados que encontrava... Havia muitos coágulos... Estava sozinho...

Ao retirar um dos coágulo, acontece um sangramento grande... Fico enxugando, tentando ver de onde vem o sangue.... parece um vaso grande... era a veia tibial anterior, lacerada longitudinalmente... Não dava para coagular, era um vaso muito grande....

Comprimi com uma compressa... Fiquei comprimindo, torcendo para que as plaquetas e o sistema de coagulação do paciente fizessem sua parte... Uma opção seria ligar a veia definitivamente... Mas, será que isso não seria prejudicial? Não seria melhor manter a veia? Ou não, as outras duas grandes veias dariam conta e o melhor era ligar???

Ainda estava sozinho, comprimindo uma veia... Nunca desejei tanto que um R+ chegasse logo.

Chegou um R2. Ele também teve algumas dúvidas sobre o que fazer, mas estava mais seguro. Poderia ligar a veia sem problemas. Insuflamos o garrote pneumático, que o Newton já havia instalado antes de ir embora, e agora, sem sangramentos, avaliamos a situação. Realmente, uma laceração longitudinal da veia tibial anterior. Encontramos a artéria, o nervo fibular parcialmente lesado. Ligamos a veia. Soltamos o garrote, o sangramento voltou. Insuflamos o garrote, ligamos mais embaixo. Soltamos o garrote. O sangramento voltou...

Chegou um R3. Ele resolveu abrir a incisão mais para baixo e ligar a veia mais embaixo ainda. Deu certo, o sangramento havia parado. Havia ainda uma pequena lesão na artéria tibial anterior, que o R3 suturou com nylon 8-0 (mais fino que um fio de cabelo). Ficou ótimo.

Fechamos a pele (não totalmente, pois ele havia perdido bastante pele), e mandamos para a enfermaria.

Já eram 11:00 quando a que seria a primeira cirurgia agendada começou. Era daquele paciente cuja cirurgia havia sido suspensa na terça-feira. Foi feita a prótese bipolar,  e foi bem legal também a cirurgia.

Depois, lá pelas 15:00 a terceira: revisão de uma prótese de joelho. Foi bem rápido, durou menos de uma hora.

16:00. Ainda faltavam 3 cirurgias: uma fixação de fratura de fêmur com pinos de Ender (que foi suspensa para o dia seguinte, pelo avançado da hora), e duas limpezas cirúrgicas, que seriam enormes, e precisavam de sangue.

Sentamos nos sofás do centro cirúrgico e ficamos esperando, esperando... Havia chegado uma pioartrite de ombro no PS, que seria levada para centro cirúrgico para drenagem ainda naquele dia... E ainda faltavam as duas limpezas.

Às 18:00 chegou a primeira paciente para limpeza, com o sangue desejado. Montei todo o material cirúrgico na velocidade da luz (geralmente sou muito calmo para essas coisas, mas estava com MUITA pressa, tinha compromisso INADIÁVEL às 19:00).

A limpeza acabou às 19:00. Pedi pro R3 me dispensar da última limpeza, por causa do compromisso. Ele foi legal, compreendeu e deixou. Mas Bruno teve que ficar de noite no meu lugar. Tomara que ele pelo menos tenha entrado também na drenagem da pioartrite de ombro, que devia ser muito legal de aprender a fazer (ficaria para ver esta se pudesse).

Fui embora voando, às 19:15.

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