A Psicologia Holística
Teorias Organísmicas da Personalidade
Humana
Carlos Antonio Fragoso Guimarães
Desde que René
Descartes estabeleceu seu método de análise como um instrumento
cientificamente eficaz no estudo dos fenômenos físicos e humanos,
exaltando o reducionismo e as relações causais entre as partes que constituem um
todo complexo, no século XVII, e postulou uma divisão estrita entre corpo e
mente - ou entre a res extensa e a res cogitans -, que as diversas
disciplinas acadêmicas tentam se adaptar a um esquema cartesiano de
explicação dos diversos fenômenos a que se dedicam. Assim sendo, na esteira da
tradição biomédica, a Psicologia foi, desde Wundt, moldada como uma disciplina
voltada para a análise do comportamento humano de acordo com preceitos
acdemicamente aceitos de reducionismo e mecanicismo. Tal bagagem referencial vem
dificultando o entendimento das relações complementares e a maneira como a mente
e o corpo interagem.
Wundt, que é considerado o pai da Psicologia
experimental moderna, seguindo a tradição empírica tão cara ao século XIX -
tradição esta que advém dos enormes sucessos da Física Clássica de Issac
Newton, que, por seu turno, foi precedida pela preparação de uma filosofia
racionalista apropriada e em grande parte desenvolvida por René Descartes -
estabeleceu uma orientação atômica ou elementarista dos processos mentais, a
qual sustentava que todo o funcionamento do nosso psiquismo poderia ser
analisado em elementos básicos, elementares e indivisíveis ( como os
átomos elementares e indivisíveis que constituiriam o universo mecânico
imaginado por Newton), e que seriam os tijolos constituintes das nossas
sensações, sentimentos, memória, etc. Esta abordagem reducionista e
mecanicista, muito simplória para dar conta de toda a imensa e complexa
riqueza do psiquismo humano, logo suscitaram uma forte oposição entre muitos
psicólogos e filósofos europeus, que não aceitavam a natureza extremamente
fragmentária da psicologia de Wundt. Estes críticos europeus enfatizavam uma
compreensão unitária entre a cônsciência e a percepção, e, em parte, de sua
interelação com o organismo como um todo. Esta pioneira abordagem holística em
Psicologia deu origem a uma importante escola na Alemanha: a Gestalt.
A Psicologia da Gestalt
Formulada entre fins do século passado e
início do nosso século, a Psicologia dos Padrões de Totalidade ou de Totalidades
Significativas(Gestalten, em alemão) surgiu como um protesto contra a
tentativa de se compreender a experiência psíquico-emocional através de uma
análise atomística-mecanicista tal como era proposto por Wundt - análise esta no
qual os elementos de uma experiência são reduzidos aos seus componentes
mais simples, sendo que cada um destes componentes são peças estudadas
sioladamente dos outros, ou seja, a experiência é entendida como a soma
das propriedades das partes que a constituiriam, assim como um relógio é
constituído de peças isoladas. A principal caraterística da abordagem
mecanicista é, pois, a de que a totalidade pode ser entendida a partir das
características de suas partes constituivas. Porém, para os psicólogos da
Gestalt, a totalidade possui características muito particulares que vão muito
além da mera soma de suas partes constitutivas. Como exemplo, poderíamos
tomar uma fotografia de jornal é que constituída por inúmeros pontinhos negros
espalhados numa área da folha de jornal. Nenhum desses pontinhos, isoladamente,
pode nos dizer coisa alguma sobre a fotografia. Apenas quando tomamos a
totalidade da figura, é que percebemos a sua significação. A própria
palavra Gestalt significa uma disposição ou configuração de partes que,
juntas, constituem um novo sistema, um todo significativo. Sendo assim, o
princípio fundamental da abordagem gestáltica é a de que as partes nunca podem
proporcionar uma real compreensão do todo, que emerge desta configuração de
interações e interdependências de partes constituintes. O todo se fragmenta em
meras partes e/ou deixa de ter um significado quando é analisado ou dissecado,
ou seja, deixa de ser um todo. Esta escola teve como principais expoentes Max
Wertheimer, Wolfgang Kohler e Kurt Koffka. Posteriormente, Kurt Lewin elaboraria
uma teoria da personalidade com base na compreensão gestáltica da totalidade
significativa, onde se estipula que o comportamento do indivíduo é a resultante
da configuração de elementos internos num "espaço vital", que é a totalidade da
experiência vivencial do indivíduo num dado momento ( ou seja, todo o conjunto
de experiências que se faz sentir num dado momento, de acordo com a
percepção/interpretação do indivíduo ). Estas idéias foram, em parte, adotadas
por Carl Rogers
em sua teoria da personalidade, conhecida como Abordagem Centrada na
Pessoa já que é o cliente que dirige o andamento do processo
psicoterapêutico, trazendo e vivenciando o material pessoal exposto nas sessões.
Já o psicoterapeuta Frederick S. Perls desenvolveria uma corrente de
psicoterapia baseada nos fundamentos da escola da gestalt, pondo em prática uma
ação terapêutica voltada aos padrões vivenciais significativos do indivíduo.
Esta corrente é conhecida como Gestalt-Terapia.
A Psicologia Organísmica de Kurt Goldstein
Jan Smuts, militar e
estadista inglês, que se tornou uma figura importante na história da África do
Sul, é frequentemente reconhecido e citado como o grande pioneiro e precursor
filosófico da moderna teoria organísmica ou holística do século XX. Seu livro
seminal intitulado Holism and Evolution, de 1926, exerceu uma grande
influência sobre vários cientistas e pensadores, muito embora, na época de seu
lançamento, tenha passado quase despercebido da elite intelectual da primeira
metada do século, tendo só aos poucos ganhando seu merecido espaço nos meios
acadêmicos e filosóficos, principalmente graças ao impacto que exerceu em
pensadores e teóricos do porte de um Alfred Adler, famoso teórico da
personalidade e discípulo dissidente de Sigmundo Freud; ou de um Adolf Meyer,
psicobiólogo; ou na recente e menos mecanicista linha médica, dentro da
alopatia, chamada de psicossomática, etc. Smuts cunhou o termo holismo da
raiz grega holos, que significa todo, inteiro,
completo. Mas as verdadeiras bases da concepção holística, ou do
pensamento holístico, vêm verdadeiramente de muito antes, desde Heráclito,
Pitágoras, Aristóteles e Plotino até
Spinoza, Goethe, Schelling, Flammarion e Willian James (Hall e Lindzey, 1978;
Crema, 1988; Guimarães, 1996).
Um dos maiores expoentes do pensamento
holístico em psicologia e em psiquiatria é Kurt Goldstein. Ele formulou a sua
teoria holística da psique a partir de seus estudos e observações clínicas
realizados em soldados lesionados no cérebro durante a I Guerra Mundial, e de
estudos sobre distúrbios de linguagem. Deste leque de observações, Goldstein
chegou à conclusão (hoje mais ou menos óbvia) de que um determinado sintoma
patológico não pode ser compreendido ou reduzido a uma mera lesão orgânica
localizada, mas como tendo características e/ou fortes reforços ou abrandamentos
do organismo como um todo, como um conjunto integrado, como um holos e
não como um conjunto de partes mais ou menos independentes.
Segundo
Goldstein, o corpo e a mente não podem ser vistos como entidades separadas, tais
como separamos o software do hardware, pois ambos só se expressam
na conjunção, na união e íntima conexão de ambos. O organismo é uma só unidade e
o que ocorre em uma parte afeta o todo, como já era reconhecido pela da medicina
Homeopática e pelas artes da cura não ocidentais, como na medicina chinesa, e na
sabedoria das tradições populares e xamanísticas de povos ditos "primitvos"
(Capra, 1986; Eliade, 1997; Guimarães, 1996).
Qualquer fenômeno, quer
seja positivo ou não, se passa tanto ao nível fisiológico quanto psicológico, ou
seja, se passa sempre no contexto do organismo como um todo, a menos que se
tenha isolado artificialmente este contexto, como se fez nas ciências e nos
meios acadêmicos desde Descartes, com as esferas da Res Cogitans, que é a
esfera do mental, e da Res Extensa ou a esfera do físico, e a ramificação
entre ciências naturais e ciências humanas. Ora, não existe real diferencianção
(no sentido de mensuração) entre estes dois ramos. Assim, qualquer redução ou
caracterização em um ou outro destes critérios (físico e mental) é um isolamento
artificial e, conseqüentemente, parcial.
As leis do organismo são as leis
de uma totalidade dinâmica, que harmoniza as "diferentes" partes que constituem
esta totalidade. Portanto, é necessário descobrir as leis pelas quais o
organimso inteiro funciona, para que se possa compreender a função de qualquer
de seus componentes, e não o inverso, como se tem feito até hoje (Hall e
Lindzey, 1978). É este o princípio básico da teoria organísmica ou holística em
saúde, principalmente em Psicologia.
Goldstein acreditava que os sintomas
patológicos eram uma interferência do meio sobre a organização do todo, ou eram,
em menor grau, consequencias de anomalias internas. Mas, de qualquer forma, a
tendência intrínseca ao equilibrio dinâmico poderia levar o indivíduo a se
adpatar à nova realidade, desde existam os meios que sejam apropriados para
isso. Assim, Goldstein via em todo o ser vivo uma tendência de
auto-realização que significaria uma esforço constante para a realização
das potencialidades inerentes dos seres vivos, mesmo que haja um meio ostil. É
assim que, mesmo em abientes não propícios, vemos nascerem plantas que, mal
grado, não consigam se desenvolver totalmente, mesmo assim teimam em nascer,
mesmo que venhma a morrer ou a se atrofiarem em breve, mas a ânsia de viver é
mais forte. Esta idéia de auto-realização ou de auto-atualização
foi, posteriomente, adotada por teóricos vários, desde Carl Rogers até
biólogos, como Maturana.
Andras Angyal e o conceito de Biosfera
Assim como Goldstein,
Andras Angyal, húngaro naturalizado americano, não poderia conceber uma ciência
que não fosse holística, alcançando a pessoa e a vida como um todo. Mas, ao
contrário de Goldstein, Angyal não podia admitir numa distinção entre o
organismo e o meio-ambiente, assim como um físico relativista não pode acreditar
numa sepação rígida entre matéria e energia. Angyal afirma que organismo e meio
ambiente se interpenetam de uma forma tão complexa que qualquer tentativa para
separá-lo expressa uma visão mecanicista do mundo que destrói a unidade natural
de todas as coisas (unidade sutil, é verdade, mas bem visível na
interdependência bio-ecológica e social de todos os seres vivos), o que cria uma
diferenciação artificial e patológica entre o organismo e o meio (Hall e
Lindzey, 1978; Capra, 1986), o que estimula todo o tipo de crime social e
ecológico que vemos em nosso século. Se, na história da humanidade, houve
grandes catrofes naturais e grandes genocídios através da mão humana em nome da
religião, por exempo, mesmo assim nunca se matou tanto como em nossos dias, em
nome de uma concepção de mundo mecanicista- racionalista e capitalista, onde
tudo foi separado de tudo, e os seres vivos são vistos como máquinas e nada
mais.
Angyal criou o termo biosfera para traduzir uma concepção
holística ou ecológica que compreenda o indvíduo e o meio "não como partes em
interação, não como constituintes que tenham uma existência independente dos
demais, como peças de um relógio, mas como aspectos de uma mesma realidade, que
só podem ser separados realizando-se uma abstração" (Angyal, cit. em Hall e
Lindzey, 1978, p. 43).
A biosfera, portanto, em seu sentido mais amplo
seria mais ou menos como a atual conceção de Gaia, ou da Terra
viva. A biosfera pode ser vista em vários níveis, inclusive no nível humano,
onde um indíviduo constitui uma biosfera particular em relação ao seu conjunto
orgânico e psíquico, assim como uma sociedade, etc. Assim, a Biosfera inclui
tanto os processos somáticos quanto os psicológicos (individuais e coletivos) e
os sociais, que podem ser estudados assim, separadamente, mas só até certo
ponto.
Segundo Hall e Lindzey (1978), embora seja a Biosfera um
todo indivisível, ela é composta e organizada por sistemas
estruturalmente articulados. A tarefa do cientista seria, assim, de identificar
as linhas de demarcação determinadas na biosfera pela estutura antural do todo
em si mesmo. Assim, um homem se diferencia de outro homem, mas ambos possuem
características que nos permitem classificá-los como homens e não como peixes,
etc.
O organismo individual, um sujeito, portanto, constitui um
pólo da biosfera, e o meio ambiente, natural e social, o outro polo. Toda a
dinâmica essencial da vida está fundanda na interação entre estes dois pólos.
Angyal postula que não são os processos de um ou de outo que determinam ou
refletem a realidade, mas a interação contínua de ambos. Assim, a vida como um
todo unitário nos daria uma nova visão e a possiblidade de percebermos fenômenos
e detalhes que nos escapam no estudo polar de ambos os níveis da
realidade.
Bibliografia
Hall, Calvin S. & Lindzey, Gardner. Theories of Personality, 3º
Ed., Jonh Wiley & Sons, Inc. 1978
Fadiman, James & Frager, Robert. Teorias da Personalidade. Ed.
Harbra, São Paulo, 1986
Capra, Fritjof. O Ponto de Mutação, Ed. Cultrix, São Paulo, 1986.
Guimarães, Carlos. Percepção e Consciência, Ed. Persona, João Pessoa,
1996
Conheça o autor desta
página
Ligações para outros sites