Paradoxos do “Banco do Planeta”

 

Ou

 

Reinações de um banco de outro planeta


Por Sara de Moraes*

A música transcendental e a voz suave de Rodrigo Santoro compõem a nova campanha publicitária do Bradesco: o banco do planeta. Com um discurso de sustentabilidade e consciência ambiental, o nicho de mercado que a maior instituição financeira privada do Brasil tenta abocanhar é a dos novos eco-preocupados, que finalmente descobriram que os bichos-grilo dos anos 60 tinham uma pontinha de razão. Mas, apesar da pose de bom moço, preocupado com um mundo melhor e cheio de responsabilidade social, o Bradesco parece se esquecer de usar de sua política com seus próprios funcionários.

Mesmo depois de ter colaborado para que o Bradesco chegasse à casa dos R$8,01 bilhões de lucro em 2007, os bancários mais uma vez levaram um grande não ao pedir o auxílio-educação - benefício que é concedido hoje em todos os bancos do Brasil, menos no Bradesco. A parte cômica (para não dizer trágica) da história é que a instituição, com essa atitude, segue na contramão dos modelos mais recentes de gestão inteligente propagados pelos gurus na administração. Trocando em miúdos, funcionário incentivado a estudar aplica os conhecimentos adquiridos na empresa, fica mais satisfeito e trabalha melhor, o que gera maiores lucros.

Nas últimas reuniões entre Comissão de Empregados do Bradesco e o banco, a empresa não deu qualquer sinal de mudança de postura em fazer qualquer concessão e, espertamente, usou da antecipação da PLR (fruto da luta dos trabalhadores), em 1° de fevereiro, para abafar o resultado da reunião ocorrida no mesmo dia: a negativa do auxílio-educação. O banco, que parece ser de outro planeta, acredita que os mesmos funcionários que foram inteligentes para levantar os R$8 bilhões de lucro não serão agora.

O trabalho já desenvolvido na área da educação pela Fundação Bradesco foi o argumento utilizado pelo banco. É louvável (e garante a emoção do telespectador) o cheque gordo concedido às campanhas televisionadas, mas o que pouca gente sabe é que todo esse compromisso social é deduzido no imposto, ou seja, é dinheiro que deixou de ir para a sociedade e acabou se transformando em prêmios e visibilidade para a empresa.

O resultado? Os bancários vão fazer pressão, protestos e paralisações, o que significa menos dinheiro entrando nos bolsos dos banqueiros e um desgaste desnecessário que poderia ter sido evitado. Mas, ao que parece, o Bradesco não é muito esperto (e por que não dizer sustentável?!) quando o assunto é valorização do bancário. A lição a ser aprendida será a mesma dada pelo planeta: toda ação, seja boa ou ruim, gera uma reação.

* Sara de Moraes é jornalista do Sindicato dos Bancários de Juiz de Fora e mestre em Ciências Sociais pela UFJF

 

Responsabilidade social dos bancos é propaganda enganosa, diz Idec


A emergência do conceito de "responsabilidade social" das empresas, e sua rápida penetração no mundo da política e das relações sociais, é um avanço notável. Significa que as sociedades estão questionando, na prática, uma das idéias centrais do capitalismo: a de que o interesse egoísta é o motor principal da riqueza e da felicidade coletivas. Esta mudança cultural tem efeitos práticos evidentes: ela potencializa as ações da sociedade civil para resistir às ações predatórias do capital e para construir novas lógicas e relações.

Exatamente por isso, é muito importante separar o joio do trigo. Como o conceito de "responsabilidade social" empresarial é, ao mesmo tempo, recente e charmoso, há sempre o risco de que seja apropriado. Corporações interessadas em projetar imagem positiva, e com amplo acesso à mídia, podem alegar que são socialmente responsáveis, para desviar a atenção da opinião pública sobre suas práticas condenáveis.

A julgar por um trabalho de envergadura, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), há uma semana, este parece ser o caso do setor financeiro, no Brasil. Criticado há muito por constituírem cartel, abocanharem parte importante da riqueza pública (via juros da dívida pública) e cobrarem, na concessão de crédito a clientes, taxas de juros típicas de agiotagem, o setor adotado a estratégia de associar sua imagem à responsabilidade social - em especial a proteção à natureza e a mobilização contra o aquecimento global.

Quase todos os grandes bancos veicularam maciçamente, nos últimos meses, campanhas publicitárias caríssimas, coincidentemente com o mesmo sentido. O cartel, ao que parece, também atua em conjunto na construção de imagem. Mesmo que os bancos respeitassem o ambiente, já seria tentativa de iludir os cidadãos: cuidar da natureza é álibi para a devastar o patrimônio dos contribuintes e dos consumidores.

Mas o que o IDEC mostra, com base num vasto levantamento, é que, além de ilusória, a propaganda é enganosa. Ao avaliar (numa escala de um a cinco) as práticas trabalhistas, ambientais e de respeito ao consumidor das oito instituições financeiras com mais de um milhão de clientes no país (em ordem alfabética, ABN Amro Real, Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, HSBC, Itaú, Santander e Unibanco), o IDEC atribui-lhes "notas" que oscilam entre 1,51 (tenebrosos 3,02, numa escala de um a dez) e 2,75 (medíocres 5,5, de um a dez). O ranking é o seguinte:

ABN Anro Real: 2,75
Bradesco: 2,60
Itaú: 2,41
Banco do Brasil: 2,21
Caixa Federal: 1,93> HSBC: 1,73
Santander: 1,51
Unibanco: 1,51

O relatório completo (104 páginas, formato pdf) pode ser baixado aqui . Observação sugestiva: uma pesquisa nas páginas brasileiras do Google levava a crer, até a noite de domingo, que nenhum dos jornais brasileiros de maior circulação havia noticiado algo a respeito do estudo.

Fonte: Le Monde Diplomatique

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