"Numa noite de
inverno do ano de 1969, nos escritórios da Fundação Ford, no Rio, Fernando
Henrique teve uma conversa com Peter Bell, o representante da Fundação Ford no
Brasil. Peter Bell se entusiasma e lhe oferece uma ajuda financeira de 145 mil
dólares. Nasce o Cebrap".
Esta história, assim
aparentemente inocente, era a ponta de um iceberg. Está contada na página 154
do livro "Fernando Henrique Cardoso, o Brasil do possível", da
jornalista francesa Brigitte Hersant
Leoni (Editora Nova Fronteira, Rio, 1997, tradução de
Dora Rocha). O "inverno do ano de 1969" era fevereiro de 69.
Há menos de 60 dias, em
13 de dezembro, a ditadura havia lançado o AI-5 e jogado o País no máximo do
terror do golpe de 64, desde o início financiado, comandado e sustentado pelos
Estados Unidos. Centenas de novas cassações e suspensões de direitos políticos
estavam sendo assinadas. As prisões, lotadas. Até Juscelino e Lacerda tinham
sido presos.
E Fernando Henrique
recebia da poderosa e notória Fundação Ford uma primeira parcela de 145 mil
dólares para fundar o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). O
total do financiamento nunca foi revelado. Na Universidade de São Paulo,
sabia-se e se dizia que o compromisso final dos americanos era de 800 mil a um
milhão de dólares.
Os americanos não estavam
jogando dinheiro pela janela. Fernando Henrique já tinha serviços prestados.
Eles sabiam em quem estavam aplicando sua grana. Com o economista chileno Faletto, Fernando Henrique havia acabado de lançar o livro
"Dependência e desenvolvimento na América Latina", em que os dois
defendiam a tese de que países em desenvolvimento ou mais atrasados poderiam
desenvolver-se mantendo-se dependentes de outros
países mais ricos. Como os Estados Unidos.
Montado na cobertura e no
dinheiro dos gringos, Fernando Henrique logo se tornou uma "personalidade
internacional" e passou a dar "aulas" e fazer "conferências"
em universidades norte-americanas e européias.
Era "um homem da
Fundação Ford". E o que era a Fundação Ford? Uma agente da CIA, um dos
braços da CIA, o serviço secreto dos EUA.
Acaba de chegar às
livrarias brasileiras um livro interessantíssimo, indispensável, que tira a
máscara da Fundação Ford e, com ela, a de Fernando Henrique e muita gente mais:
"Quem pagou a conta? A CIA na guerra fria da cultura", da pesquisadora
inglesa Frances Stonor Saunders (editado no Brasil pela Record, tradução de Vera
Ribeiro).
Quem "pagava a
conta" era a CIA, quem pagou os 145 mil dólares (e os outros) entregues
pela Fundação Ford a Fernando Henrique foi a CIA. Não dá para resumir em uma
coluna de jornal um livro que é um terremoto. São 550 páginas documentadas,
minuciosa e magistralmente escritas:
"Consistente e
fascinante" ("The Washington Post"). "Um livro que é uma
martelada, e que estabelece em definitivo a verdade sobre as atividades da
CIA" ("Spectator"). "Uma história
crucial sobre as energias comprometedoras e sobre a manipulação de toda uma era
muito recente" ("The Times").
1 - "A Fundação Farfield era uma fundação da CIA... As fundações
autênticas, como a Ford, a Rockfeller, a Carnegie, eram consideradas o tipo melhor e mais plausível
de disfarce para os financiamentos... permitiu que a CIA financiasse um leque
aparentemente ilimitado de programas secretos de ação que afetavam grupos de
jovens, sindicatos de trabalhadores, universidades, editoras e outras
instituições privadas" (pág. 153).
2 - "O uso de fundações
filantrópicas era a maneira mais conveniente de transferir grandes somas para
projetos da CIA, sem alertar para sua origem. Em meados da década de
3 - "A liberdade cultural não
foi barata. A CIA bombeou dezenas de milhões de dólares... Ela funcionava, na
verdade, como o ministério da Cultura dos Estados Unidos... com a organização
sistemática de uma rede de grupos ou amigos, que trabalhavam de mãos dadas com
a CIA, para proporcionar o financiamento de seus programas secretos" (pág.
147).
4 - "Não conseguíamos gastar
tudo. Lembro-me de ter encontrado o tesoureiro. Santo Deus, disse eu, como
podemos gastar isso? Não havia limites, ninguém tinha que prestar contas. Era
impressionante" (pág. 123).
5 - "Surgiu uma profusão de
sucursais, não apenas na Europa (havia escritorios na
Alemanha Ocidental, na Grã-Bretanha, na Suécia, na Dinamarca e na Islândia),
mas também noutras regiões: no Japão, na Índia, na Argentina, no Chile, na
Austrália, no Líbano, no México, no Peru, no Uruguai, na Colômbia, no Paquistão
e no Brasil" (pág. 119).
6 - "A ajuda financeira teria de
ser complementada por um programa concentrado de guerra cultural, numa das mais
ambiciosas operações secretas da guerra fria: conquistar a intelectualidade
ocidental para a proposta norte-americana" (pág. 45). Fernando Henrique
foi facinho.