A PEDAGOGIA DO AFETO
COMO FACILITADORA DA APRENDIZAGEM

Carlos Fran�a
  
Pedagogia do afeto, termo criado pelo autor para designar rela��es interpessoais de afetividade em sala de aula. Trata-se de introduzir, no processo de ensino-aprendizagem, algumas fundamenta��es te�ricas, t�cnicas e viv�ncias que possibilitam a troca energ�tica e o toque afetivo, de tal modo que as pessoas possam intercambiar a amizade, a ternura, a coopera��o, o respeito m�tuo, e tantos outros sentimentos positivos, fazendo do ambiente escolar um espa�o de bem-estar e realiza��o pessoal.
Fundamentado na Psicologia Transpessoal, � poss�vel aplicar uma determinada did�tica em sala de aula para permear de afetividade as rela��es docentes e discentes, melhorando a qualidade dos relacionamentos e a produtividade em sala de aula. (Fran�a, 2002).
Neste novo mil�nio, concomitantemente � forma��o intelectual do educando, ir� fazendo-se necess�ria uma forma��o emocional. Caso contr�rio, corre-se o risco de enfatizar demais o cognitivo, formando estudantes altamente intelectualizados e "baixamente" equilibrados.
Compet�ncia profissional e equil�brio emocional dever�o compor objetivos curriculares que lancem no mercado de trabalho seres humanos desejosos de melhor qualidade de vida, de tal modo que trabalhar n�o seja apenas para sobreviver ou consumir.
Sala de aula, este espa�o f�sico, no qual convivem seres humanos desempenhando os pap�is de professores e alunos, tem sido a realiza��o pessoal para alguns e o inferno em vida para outros.
Dependendo do tipo das rela��es interpessoais que s�o mantidas em sala de aula, decorrer� a qualidade de todo o processo de ensinar e aprender, pois n�o h� como separar o pedag�gico do humano. Tanto para professores, quanto para alunos, o processo educativo envolve a demonstra��o de compet�ncias e habilidades, envolve relacionamentos humanos nem sempre f�ceis, envolve um certo grau de ansiedade, enfim, envolve at� uma s�rie de exig�ncias e de fatores externos ao ambiente de sala de aula.
Podemos considerar que o ambiente de sala de aula, tanto pode ser alegre, agrad�vel, realizador e gratificante, quanto pode ser gerador de ansiedade, estresse, inseguran�a ou avers�o. Tamb�m podemos considerar que esse conjunto de fatores bons ou ruins, em grande parte, � decorrente das rela��es pessoais que se estabelecem entre os pr�prios alunos, ou entre os alunos e seus professores.
Assim sendo, de grande import�ncia s�o os tipos de rela��es interpessoais mantidas em sala de aula para melhorar a qualidade de vida neste ambiente. Nesse reduto social composto pelas classes de uma escola, importa estabelecer rela��es de amizade, de seguran�a, de coopera��o, de prazer em estar naquele lugar e com aquelas pessoas. Neste sentido, o contato f�sico afetivo � um �timo condutor de rela��es harmoniosas entre os membros que compartilham o ambiente escolar.

O in�cio da aula
Normalmente, todo in�cio de aula necessita do direcionamento da aten��o dos alunos para a mat�ria daquele momento. O professor precisa desta aten��o para propor as atividades pertinentes, mas nem sempre isto � f�cil, principalmente em classes com crian�as ou adolescentes. Num primeiro momento, h� uma natural dispers�o mental daquelas pessoas que se est�o reunindo para come�ar mais uma aula.
Aquelas pessoas chegam com suas preocupa��es, com suas novidades, com suas agita��es peculiares e, at� que se consiga a aten��o necess�ria para dar in�cio �s atividades da aula, leva-se algum tempo para isso acontecer. Algumas vezes esta necessidade de congregar a aten��o dos alunos come�a com "broncas" do professor, com amea�as, com atitudes disciplinares, ou seja, j� come�a a aula com desgastes no relacionamento.
Uma das formas de se conseguir a conflu�ncia mental da classe para as atividades que ser�o propostas, pode ser a utiliza��o de t�cnicas de respira��o ritmada. Existem muitas possibilidades a este respeito, mas conseguimos, ao longo de nossas pr�ticas, estabelecer uma seq��ncia respirat�ria que se mostrou bastante adequada.
Essas pr�ticas iniciais n�o demoram mais do que tr�s ou quatro minutos, mas s�o suficientes para efetivar a interioriza��o e a concentra��o necess�rias para o in�cio de atividades a serem propostas para a aula corrente.
Para induzir melhor este estado de aten��o, o exerc�cio respirat�rio pode ter uma m�sica suave de fundo. Em pouco tempo de pr�tica, come�a a se estabelecer um condicionamento entre a m�sica e a necessidade de se aquietar.
Todos sabemos, ou melhor, podemos sentir em n�s pr�prios, como a respira��o est� intimamente relacionada com nossos estados emocionais. H� uma acelera��o c�rdio-respirat�ria quando estamos agitados, assustados, com medo, com raiva, ou ansiosos.
Nos estados supracitados, a natural m�dia de 18 I/E pm (18 inspira��es e expira��es por minuto), toma um ritmo acelerado devido � maior dose de adrenalina liberada pelas supra-renais.
Por outro lado, ao reduzirmos ou ritmarmos o fluxo respirat�rio, fazemos diminuir a libera��o de adrenalina e a taxa cardio-respirat�ria, obtendo-se, como conseq��ncia desta a��o volunt�ria, estados emocionais de mais calma, tranq�ilidade e harmoniza��o interior.
Na obra "Respira��o Oriental: t�cnica e terapia" (Nakamura, 1992), podemos encontrar pesquisas que comprovam as afirma��es acima, tanto quanto o efeito ben�fico de t�cnicas respirat�rias no aumento das endorfinas (morfinas end�crinas) produzidas pelo c�rebro, principalmente a dopamina, geradora de grande bem-estar mental e org�nico.

A amplitude da aula
N�o � desconhecida a �nfase que a Educa��o tem dado ao aspecto cognitivo em detrimento de outros aspectos tamb�m importantes para o processo educativo. Essa preocupa��o, quase que exclusiva, com o objeto do conhecimento, gera uma pr�tica voltada para a import�ncia do conte�do das disciplinas, numa corrida aquisitiva de fatos e mais fatos, at� que a soma dos fatos seja igual a um diploma, ou a aprova��o em algum vestibular.
Na tentativa de corrigir nossas pr�prias contradi��es e para n�o ficar s� no n�vel das cr�ticas, j� de h� muito conhecida nos cursos de Pedagogia e nas Licenciaturas, � que fomos tentando conciliar tr�s perspectivas de desenvolvimento, quais sejam: a cognitiva, a emocional e a interpessoal.
Em conson�ncia com este tipo de proposta, � que nossas pr�ticas em sala de aula foram tentando conciliar o conte�do das disciplinas, ministrado num clima de harmonia emocional, ou seja, sem ansiedades ou medos desnecess�rios, tanto quanto permeado por relacionamentos interpessoais afetivos, cooperativos e otimizados. Em suma, uma pedagogia do afeto que leva ao prazer de ensinar e aprender conte�dos, num clima de equil�brio emocional decorrente de rela��es interpessoais harmoniosas.
Com estas inten��es, justifica-se a ado��o de t�cnicas de relaxamento, de medita��o, de automassagem, de intera��o afetiva, de visualiza��o criativa, de respira��es ritmadas, de trocas energ�ticas e de outras din�micas que possam favorecer a realiza��o de tais prop�sitos.
Atrav�s do recurso kirliangr�fico (fotografia da aura energ�tica que envolve as pessoas), fica f�cil mostrar para os alunos, por interm�dio de imagens fotogr�ficas, como se configuram os estados de ansiedade, fadiga, estresse ou depress�o e como � poss�vel lidar com tais estados por interm�dio de t�cnicas de harmoniza��o e controle emocional.
Por experi�ncia pr�pria, as pessoas sabem como � bom atuar num ambiente em que prevalece a simpatia entre os participantes. Portanto, promover rela��es simp�ticas entre os membros da classe � algo que propicia as rela��es de empatia ou, em outros termos, uma melhor compreens�o da maneira de ser de outro.
As trocas energ�ticas afetivas podem ser precedidas de uma harmoniza��o pessoal que se consegue depois de respira��es ritmadas, de uma medita��o contemplativa, de uma sess�o de relaxamento. Existem v�rios recursos para este fim.
As exig�ncias da vida escolar, muitas vezes, fogem ao controle do aluno, resultando em ansiedades excessivas ou at� mesmo neur�ticas. � de senso comum que as provas, as rela��es dif�ceis com alguns professores, o conte�do excessivo das v�rias mat�rias, a concilia��o de trabalho e estudo, e tantos outros fatores inerentes ao ensino formal, podem tornar-se fatores geradores de alta ansiedade.
Assim sendo, aprender a relaxar � extremamente importante pra contrapor-se �s agita��es ou contrariedade do cotidiano. Muitas vezes, um relaxamento de cinco ou dez minutos entre atividades intensas de estudo, servem como um repouso para a mente recome�ar com novo vigor. O relaxamento pode ser feito sentado na pr�pria carteira, mas, se houver possibilidade, o melhor � faz�-lo deitado. Fisiologicamente, interrompem-se as sinapses neuronais que vinham sendo utilizadas intensamente, propiciando ao c�rebro um momento de descanso necess�rio para a retomada dos estudos.

Lidando com a pr�pria energia
For�a �dica, orgone, chi, prana, ki, ou outro nome que se d� � energia vital, � um campo de energia que interpenetra cada �tomo do nosso corpo, irradiando-se de diversas formas. A energia vital � uma s�, mas dependendo do tipo de atividade desenvolvida, pode apresentar-se na forma de energia f�sica, energia mental, energia sexual, energia afetiva, energia espiritual.
A bem da verdade, a transmuta��o de energias j� nos � bem conhecida, pois energia mec�nica transforma-se em energia el�trica, esta por sua vez pode transformar-se em energia t�rmica e assim por diante.
Portanto, � poss�vel transformar energia vital em energia afetiva e pass�-la para o colega de classe ou para a classe toda. Bastam alguns momentos de pensamentos fraternos, a leitura de algum texto apropriado sobre amor, fraternidade, compaix�o, toler�ncia, ou a audi��o de uma m�sica suave, rom�ntica, sublime, para que nosso campo energ�tico se transforme numa imensa aura de afetividade. Essa energia afetiva pode ser passada para outras pessoas das mais variadas maneiras. Uma delas � o abra�o afetivo, amigo, contagiante.
Na pequena obra de Kathleen (2000), "A Terapia do Abra�o", vamos encontrar logo no primeiro par�grafo: "O toque f�sico n�o � apenas agrad�vel. Ele � necess�rio. A pesquisa cient�fica respalda a teoria de que a estimula��o pelo toque � absolutamente necess�ria para o nosso bem-estar, tanto f�sico, quanto emocional".
Segundo a referida autora, em v�rios grandes centros m�dicos, faz parte do treinamento do pessoal da enfermagem o toque terap�utico, como coadjuvante na cura de pacientes, pois o toque f�sico ajuda a aliviar a dor, diminui a depress�o e a ansiedade, estimula a vontade de viver, ajuda na recupera��o de beb�s prematuros privados do toque materno por estarem nas incubadeiras e assim por diante.
Existem v�rios tipos de toques f�sicos e cada um deles provoca mudan�as fisiol�gicas internas, cujos efeitos externos podemos observar empiricamente em n�s mesmos.
Vamos lembrar, por exemplo, o toque agressivo, desde um leve empurr�o at� um ofensivo tapa no rosto. Internamente, as supra-renais liberam uma dose maior de adrenalina que, ao se espalhar pelo corpo, coloca-nos em posi��o de ataque ou fuga. O cora��o se acelera, a respira��o fica s�frega, ocorre a vasoconstri��o, a contra��o muscular, assim como v�rias outras rea��es org�nicas decorrentes de um toque agressivo.
Outro exemplo seria o toque er�tico, contatos f�sicos que excitam nossa sexualidade mesmo que n�o se destinem � c�pula, liberando horm�nios sexuais, causando o intumescimento dos �rg�os genitais, a lubrifica��o que prepara para o ato sexual e assim por diante, numa s�rie de rea��es t�o bem conhecidas das pessoas adultas que se tenham exposto a este tipo de toque.
Ora, do mesmo modo que toques terap�uticos, agressivos ou er�ticos desencadeiam rea��es org�nicas peculiares a cada um deles, da mesma forma o toque afetivo tamb�m provoca mudan�as internas fisiol�gicas.
Ainda com refer�ncia � mesma obra de Kathleen, ela postula que o abra�o � uma forma especial de tocar, porque: abra�ar faz a gente se sentir bem, acaba com a solid�o e o isolamento social, faz a pessoa se sentir aceita pelo outro, melhora a auto-estima e o equil�brio emocional, alivia a tens�o, estimula a doa��o de si mesmo, faz superar o medo e a timidez, diminui a ansiedade e tantos outros benef�cios decorrentes do abra�o fraterno, amigo e sincero.
Com certa jocosidade, a referida autora prop�e que, al�m de todos os benef�cios citados, abra�ar n�o requer equipamentos especiais; n�o exige ambienta��o especial (qualquer lugar � bom para abra�ar, seja no lar, na rua, na escola, no campo de esportes, na igreja, etc); torna os dias mais felizes quando compartilhamos nossa felicidade; continua fazendo benef�cios mesmo depois de desfeito e o melhor de tudo - � totalmente de gra�a.
Conforme estudos j� bem conhecidos na �rea m�dica, podemos afirmar que os toques afetivos, seja o abra�o, o passar a m�o no rosto ou nos cabelos afetuosamente, o beijo no rosto, o tapinha amigo nos ombros, o pegar nas m�os carinhosamente, enfim, as v�rias demonstra��es cotidianas de afei��o e amizade... liberam endorfinas no nosso corpo. Endorfinas ou, decompondo a palavra, morfinas end�crinas, que s�o produtos do nosso pr�prio c�rebro. O toque f�sico afetivo estimula a produ��o dessas endorfinas, principalmente a dopamina, que causa bem-estar geral e sentimentos de felicidade.
Por essas raz�es citadas acima, � que nas nossas aulas, principalmente nas primeiras, em que as pessoas da classe ainda n�o se conhecem direito, estimulamos o toque afetivo para criar um ambiente fraterno, seguro, cooperativo, amigo, e livre de timidez, ansiedades e temores in�teis para encontros onde se pretende compartilhar conhecimentos e sentimentos.
De modo geral, apesar das inibi��es iniciais, as pessoas apreciam as viv�ncias que contenham exerc�cios de toques f�sicos, pois, al�m de agrad�veis, parecem ir ao encontro desta tend�ncia do povo brasileiro de tocar-se. Provavelmente, no Estado de S�o Paulo, o grande n�mero de pessoas com ascend�ncia �tnica proveniente de italianos, espanh�is, portugueses, parece facilitar o contato f�sico, j� que s�o povos latinos, expansivos nos relacionamentos interpessoais. Mesmo a ra�a negra e a ind�gena, que comp�em nossa etnia brasileira, s�o afetivas, carinhosas. Por outro lado, conforme � de conhecimento geral, alguns povos orientais e mesmo europeus s�o mais comedidos nas suas manifesta��es afetivas em p�blico.
Era interessante notar que as viv�ncias com toques f�sicos testadas e adotadas em sala de aula, tamb�m revelavam os mesmos resultados satisfat�rios, conforme o depoimento de pessoas que participaram dessas pr�ticas em workshops, oficinas, palestras, congressos, mini-cursos e outras atividades que configuram os servi�os de extens�o � comunidade.
Portanto, para facilitar o entrosamento da classe e o ambiente prop�cio para a aprendizagem, buscamos formas de entrosamento afetivo atrav�s de v�rias viv�ncias como as descritas a seguir, tendo em vista objetivos diversos conforme o momento ou o contexto da aula.
Algumas viv�ncias s�o �teis para iniciar uma aula, outras para encerrar; facilitar a harmonia entre grupos de estudo ou harmonizar a classe toda.
Tamb�m s�o �teis para evitar a dispers�o mental e concentrar-se naquele momento em que s� se deveria vivenciar a aula. S�o �teis para relaxar, diminuir o estresse e a ansiedade da vida agitada de hoje e com isso passar energias boas e ben�ficas uns para os outros. Despertar sentimentos de paz, amizade, �nimo, valores e atitudes que elevam o ser humano. E, acima de tudo, ver no colega de classe um companheiro de jornada, enquanto durar os anos de escolariza��o. O outro aluno n�o � aquele que compete conosco, amea�ando-nos com o medo da derrota individual, mas algu�m que coopera conosco, prenunciando o sabor da vit�ria conjunta.
As t�cnicas e viv�ncias praticadas em sala de aula transcendem este espa�o f�sico limitado por quatro paredes. O espa�o psicol�gico do aluno � muito mais amplo, e a qualidade de vida aprendida nesse limitado espa�o escolar se desloca para um espa�o de vida muito maior. Os relatos escritos de nossos alunos confirmam esta possibilidade de transcend�ncia. Portanto, uma Pedagogia do Afeto pode complementar o trabalho maravilhoso de uma Psicopedagogia Preventiva, n�o s� no seu objetivo de evitar dificuldades de aprendizagem, mas de otimizar rela��es humanas afetivas no ambiente escolar.

REFER�NCIAS
BOSSA, N. A.  A Psicopedagogia no Brasil: contribui��es a partir da Pr�tica. Porto Alegre: Artes M�dica, 1994.
FRAN�A, C. For�a Interior. 3a. Ed. S�o Paulo: Pensa�mento, 1995.
FRAN�A, C. �Um Novato na Psicopedagogia� in SISTO, F. F. (e outros) ATUA��O PSICOPEGAG�GICA E APRENDIZAGEM ESCOLAR, 7� Ed. Rio de Janeiro: Vozes,  2002.  
FRAN�A, C. Did�tica Transpessoal: facilitando o ato de aprender e de ensinar. Tese de Livre Doc�ncia. Faculdade de Educa��o da Unicamp, 2002.
KATHLEEN, K. A Terapia do Abra�o. S�o Paulo: Pensamento, 2000.
NAKAMURA, TAKASHI. Respira��o Oriental: T�cnica e Terapia  S�o Paulo:   Pensamento, 1989.
 
Pedagogo; Doutor em Educa��o pela Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP
Pedagogia do Afeto
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