Capoeira Antiga: resistência, crime e justiça - Adilson Silva Disponível em: http://formadogarrote.blogspot.com/2007/08/capoeira-antiga-resistncia-crime-e.html Acesso em: 2 de julho de 2008 publicado em: Sábado, 4 de Agosto de 2007 É de 1789 a informação tida até hoje como mais antiga a respeito de prisão por motivo da prática de capoeiragem. O processo transitou no antigo Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, e hoje compõe o acervo do Arquivo Nacional. Sendo o centro do comando administrativo brasileiro da segunda metade do século XVIII até 1960, o Rio de Janeiro atraiu grande contingente populacional. Para compor o quadro da sociedade escravista, a mão-de-obra africana foi profusamente incrementada na sede imperial. A perseguição mais feroz e sistemática aos capoeiras começa com a instalação da corte lusitana na cidade, em 1808. Após a Abolição de 1888, houve um relativo afrouxamento por parte da decadente Monarquia em relação à prática proibida da capoeira. Houve até, por parte destes, como gratidão, a criação de uma Guarda Negra, em defesa da Redentora e contra os Republicanos. Com a queda da Monarquia, a República tem nos capoeiristas e vagabundos os seus primeiros inimigos a serem banidos da capital. Deodoro da Fonseca apressa-se em nomear o chefe de polícia, o jovem promotor de justiça Sampaio Ferraz, republicano extremado. Logo nos primeiros dias do novo governo, começa a caçada impiedosa e decidida aos capoeiras. Haviam de ser banidos por completo da paisagem urbana da capital federal, e, por extensão, das demais capitais onde tal “praga” fosse encontrada. Presos sem culpa formada, os mais indesejáveis eram deportados para o "inferno" de Fernando de Noronha. Em notícia de 1890, Pereira da Costa fala em 59 capoeiras enviados para aquele presídio. Presos desde o amanhecer da República, em 1895 o representante do Jornal do Brasil impetra habeas corpus no juízo seccional de Pernambuco em favor de treze deportados, acusados de monarquistas, vagabundos e capoeiras. Além desse, outros habeas corpus da mesma espécie compõem o acervo do Memorial da Justiça do TJPE. Registros de um momento histórico que abalou a nascente República. Com a perseguição da época, a capoeira quase sumiu por completo do Rio de Janeiro. Na Bahia, permaneceu, mas ganhando aspectos de interesse turístico. Em Pernambuco, guardou suas características mais fortes, desdobrando-se noutra manifestação de resistência popular de natureza festiva: o passo do frevo. A partir de 1890, quando o primeiro Código Criminal da República traz a criminalização da prática da capoeiragem para a letra da lei, chamar alguém de capoeira era chamar de criminoso. Pelo menos desde a segunda metade do século XIX, os capoeiristas pernambucanos já haviam encontrado abrigo sob o som das bandas militares: são passistas. Registros memoráveis sobre nossos capoeiristas, brabos e valentões estão nas páginas de Pereira da Costa, Ascenso Ferreira, Mario Sette, Guilherme Araújo, Mário Mello e tantos outros. Mas talvez seja o lendário Nascimento Grande o último dos valentões do período da malandragem romântica do Recife. Nascimento que Gilberto Freyre chamava de "Nascimento Grande de José Mariano", aludindo ao tempo que o capoeirista era aliado do eminente abolicionista, nas lutas libertárias do famoso Clube do Cupim. *Adilson Silva é historiador do Memorial da Justiça