FOTOS

 

 
 
 

MESTRE JORGE - 1974

 

MESTRE JORGE (RASTEIRA) - 1974

       
 
 

MESTRE JORGE (BENÇÃO) - 1974

 

 

Programa Cidade x Cidade S. Santos, 1970

Mestre Jorge conversando com Silvio Santos, observado pelos Mestres Suassuna, Paulo Limão. Ao lado dele o seu aluno Serginho e o Mestre Anande das Areias.

 

 

A VERDADEIRA HISTÓRIA DA CAPOEIRA EM SOROCABA

 

Dificuldades iniciais

 

Desde criança tive grande interesse por artes marciais e quando conheci a Capoeira encantei-me. Não me bastava, porém, praticar essa linda arte folclórica de modo cego, inconsciente e alienado. Precisava saber sua história, filosofia e segredos, razão pela qual comecei a colecionar materiais escritos, sonoros ou de vídeo e a fazer perguntas muitas vezes inconvenientes aos que a praticavam. Como também desejava saber do seu início e desenvolvimento em Sorocaba, terminei aturdido diante de vários praticantes reivindicando para si a primazia pioneira. Eu sabia, entretanto, que a Capoeira só conseguiu alcançar o apreço das multidões e o prestígio internacional de hoje, graças ao trabalho e esforço de muitos do passado e não estava disposto a me deixar enrolar pela fanfarronice de opacos astros individualistas querendo ocupar lugar das inumeráveis estrelas no firmamento dos que se esforçaram. Com tal propósito busquei inutilmente as respostas nos livros editados em Sorocaba, alguns com o apoio da Prefeitura local e distribuídos para todas escolas municipais.

Ainda bem que conheci a “Bibliografia Crítica da Capoeira”, volume editado em Brasília, com recursos do governo federal em 1993, pelo Centro de Informação e Documentação sobre a Capoeira. Foi compilado e organizado por César Alves de Almeida, respeitável capoeirista baiano, conhecido nacional e internacionalmente como Mestre Itapoã. Ele, um dos raros discípulos formados pelo saudoso Mestre Bimba, criador da Capoeira Regional, citou Sorocaba na página 11 e 30, como sendo, talvez, a primeira cidade do interior do Estado de São Paulo a ter uma escola da luta, pois registra matérias de 1969, do grande jornalista já falecido, Alcir Guedes, no Diário de Sorocaba, dando conta de apresentações realizadas pela Academia de Ginástica Nacional, do Mestre Jorge Melchíades. Nessa época, a Capoeira só era privilegiada na Bahia e muito pouco no Rio de Janeiro, sendo que os mestres mais antigos do Estado de São Paulo lutavam com pertinácia para instalar sua prática na capital.

Atônito, por esses fatos terem sido esquecidos na nossa cidade, busquei mais esclarecimentos nos arquivos dos jornais, “O Cruzeiro do Sul” e “Diário de Sorocaba” e encontrei nesse ano, notícias de uma apresentação beneficente realizada pelo mestre Jorge, seus alunos e outros mestres, com renda integral em prol da Casa Transitória André Luiz, no Clube União Recreativo do centro, cujas dependências, ao que parece foram minúsculas para acomodar o grande público que pagou, para conhecer a tão temida prática dos negros e malandros.  Além de outras matérias sobre apresentações nas praças Frei Baraúna, Coronel Fernando Prestes e no Jardim Zoológico, dessa academia que funcionava na rua Arlindo Luz, perto do antigo cine Líder, também encontrei reportagem sobre acontecimento de enorme relevância para a Capoeira de São Paulo e do Brasil. A Academia do Jorge Melchíades levou, em maio de 1970, uma apresentação de repercussão nacional, no programa “cidade contra cidade”, do apresentador Silvio Santos, na antiga TV Tupy, Canal 4, ocasião em que fez, de modo inédito, praticamente todos sorocabanos delirar em torcida frenética (consegui a gravação de áudio desse acontecimento) pelos capoeiristas que ali representavam os do Brasil, para todos os rincões do país, que a transmissão alcançava. Os outros cidadãos que lá se apresentaram em várias modalidades artísticas foram capitaneados pelos valentes e saudosos guerreiros conterrâneos, como Salomão Pavlovski (fundador da Rádio Vanguarda), Luiz de Freitas Júnior (empresário, intelectual, produtor e diretor sorocabano do filme “Não Matarás”) e Pedrinho Salomão (ator premiado do teatro e diretor do Clube União Recreativo). Para que se tenha uma noção da ignorância de então, sobre a Capoeira, basta mencionar que Silvio Santos chamou o grupo de “os dançarinos do Supiriri” e que dos jurados emocionados, que deram a nota máxima ao espetáculo, apenas dois já tinham visto a Capoeira na Bahia. Esse grupo ajudou a trazer, para o serviço de atendimento público da cidade vencedora de Votuporanga, uma ambulância novinha em folha e equipada com os últimos avanços tecnológicos da época. O internacionalmente prestigiado Mestre Suassuna, reconhecendo o enorme valor desse evento para a Capoeira de São Paulo e do Brasil, contou orgulhoso, para a revista “Praticando Capoeira”, ano 1, número 06, na página 44, que dele participou, tendo exibido na reportagem uma foto da ocasião, em que jogou com a navalha no pé e o facão na mão, “contra” o admirável e saudoso Mestre Paulo Limão. Foi feito memorável e importante, que jamais deveria ser esquecido, pois os consagrados mestres Suassuna, Brasília e Pinati, entre os poucos que a partir de 1967 tentavam introduzir a Capoeira na capital paulista, são unânimes em afirmar que na década de 60 e início dos anos 70 era muito difícil divulgar essa atividade, tendo em vista que era desconhecida fora da Bahia e associada de modo negativo à prática religiosa do terreiro e da malandragem.

Pois bem, fiquei indignado com esse esquecimento e decidi resgatar o respeito negado a essa brava gente do início. Tomei como um desafio pessoal, entender, porque se tentou apagar da história da Capoeira sorocabana, os fatos que ora apareciam como pioneiros. Será que incomodaram muita gente? Por que incomodariam? De qualquer modo, eu também sabia que História se narra não com “conversa mole para boi dormir” e sim cientificamente, isto é, com fatos e documentos capazes de provar a verdade da narração, por isso, além de documentos passei a colher depoimentos:

JOSÉ LUCAS NETO, prestigiado professor de Capoeira e representante da Associação Cordão de Ouro em Sorocaba disse: “Iniciei na Capoeira em 1984, como aluno do Mestre Falcon e depois de formado comecei um trabalho próprio, realizando vários eventos, entre os quais, em 1999, um encontro nacional na cidade, com a presença dos mestres Suassuna de São Paulo, Itapoã da Bahia e Peixinho do Rio de Janeiro. Conheci Jorge Melchíades em 1982, em razão de suas atividades no recém formado Partido dos Trabalhadores de Sorocaba, mas só ouvi comentários de que ele tinha sido Capoeirista importante para o desenvolvimento da Capoeira na cidade.” Esse é o Professor Lucas, assim chamado carinhosamente pelos alunos e amigos.

Dr. JURACI  R. MARTINS. Delegado de Polícia aposentado, hoje atuando como advogado, me foi indicado pelo professor Lucas, como sendo um veterano praticante de capoeira e um dos responsáveis pela elaboração da lei municipal que instituiu o dia 20 de Novembro como o dia da Capoeira em Sorocaba. Ele começou a entrevista recomendando sua prática pacífica e muito coruja nos falou sobre as filhas Juliana e Fabiana, alunas do professor Serginho, do grupo Abadá de Capoeira, e acrescentou: “Iniciei a prática em Sorocaba, no final da década de sessenta, com o Jorge Melchíades e seu irmão, o Jorginho. Naquela época tudo era muito difícil para ambos, complicado mesmo. Havia muito preconceito e os alunos eram raros.” Informou-me ainda, esse dinâmico advogado, que antes de ensinar Capoeira o Jorge Melchíades havia criado e ensinado uma luta chamada Tudoeira, que antecipava em quase 30 anos as modalidades do Street Fight e do Vale Tudo, hoje em voga no mundo todo. Finalizou mencionando um outro aluno e colega de aprendizagem, o Dr. Joel Augusto Rufino, médico do trabalho , e me orientou também sobre uma fita de vídeo com depoimentos de alguns mestres locais, que a Câmara Municipal elaborou na época da instituição do dia do Capoeira e distribuiu pelas escolas da rede municipal.      

SÉRGIO ROBLES POIATO é um simpático bombeiro da Cia Nacional de Alumínio e morador do bairro Mineirão. Eis o que declarou: “Comecei a praticar Capoeira adolescente, com o Jorge Melchíades e seu irmão Jorginho, lá pelos idos de 1968 e foi com grande orgulho que em 1970 representei Sorocaba no “Silvio Santos”, ao lado de meus professores, do colega Rogério, do Celso Bersi e de grandes mestres como Suassuna, Almir das Areias, Paulo Limão, Freguesia...” O “Serginho” cedeu-nos uma foto do acontecimento, esclarecendo que nesse tempo só existia pugilismo e Judô na cidade e que, por isso, quando faziam apresentações em praças, escolas e em outras cidades da região, por desconhecimento e preconceito muitas pessoas afastavam-se intimidadas, pensando que era briga, e os brigadores de rua, que eram muitos na época, nos provocavam, querendo brigar também. Após falar sobre isso Sérgio me surpreendeu, ao relatar que junto com o irmão Mauro jogavam no time de futebol que o Jorge dirigia, e que em certa partida realizada em Brigadeiro Tobias, no antigo campo do Bandeirantes F.C., alguém atacou o goleiro do time, um moço muito pacato chamado Ari. Jorge teria ido em sua defesa e foi cercado por vários jogadores adversários dispostos a agredí-lo. Se defendeu derrubando alguns, socando outros e até mandando um grandalhão para o hospital. Apenas o Jorginho e o Celso Bersi foram ajudá-lo, tentando retirar do cerco quantos podiam, com sopapos e golpes de capoeira.  Perguntei ao Sérgio porque não entrou também para ajudar e ele me respondeu que não foi preciso, pois os três deram conta do recado. Interessado no inusitado assunto procurei entrevistar seu irmão.

 MAURO ROBLES POIATO é um simpático motorista profissional, também residente no Mineirão. Entusiasmou-se ao lembrar do tempo em que jogou futebol no Santos da Vila Amélia e como ponta esquerda do time do Jorge, A Musical F.C. Ofereceu para publicação algumas fotos do time, ao mesmo tempo em que identificou nelas o irmão Sérgio, o Jorge, o Jorginho, o Dr. Enio Landulfo (na época delegado de Polícia), o Edgar Moura (empresário e ex-presidente do São Bento), o Celso Bersi (capoeirista formado da primeira turma do Suassuna), o Jurandir Alves dos Santos e o seu irmão Juarez (proprietários de antiga loja de usados chamada Portão Vermelho), mais os estimados radialistas José Desidério e o falecido Valdir Gentil. Depois, falou que o acontecimento em Brigadeiro Tobias foi coisa séria. “Disputávamos a melhor de três e estávamos para ganhar a taça quando começou o quebra-pau. O pessoal de nosso time fugiu da raia, porque alguns matutos da torcida entraram na briga ameaçando com foices e paus. O policial em serviço no campo chegou a dar tiros para o alto com a finalidade de detê-los e de fazer cessar o tumulto, mas ainda assim a briga continuava... O Jorge estava cercado, desferindo socos e pontapés para todo lado para não ser linchado. Celso e Jorginho batiam nos que o cercavam, tentando dar uma folga ao Jorge. Um indivíduo com o dobro do tamanho do Jorge conseguiu prendê-lo por trás e certamente ia imobilizá-lo para que os outros batessem. Com pontapés, Jorge afastou os que tentavam socá-lo pela frente e com um arqueado de corpo, acho que um golpe de Jiu-jitsu, derrubou o que o agarrava, quebrando suas costelas. O ruído que se ouviu, saído da garganta do ferido foi tão dramático que aí sim, todos pararam de brigar para socorrê-lo. Só então puderam tomar consciência de que, na verdade eram quase todos colegas e que só brigaram por causa do calor exaltado da competição e da cabeça quente”.

PAULO BATISTA, valoroso moço que é salva-vidas no Sesi de Sorocaba há vinte anos e é um contra mestre mais conhecido como Tainha. “ Iniciei na Capoeira com o mestre Falcon em 1980, no antigo Sorocabinha, e na mesma década representei a modalidade em campeonatos abertos de artes marciais. Em 1986 fui vice campeão da categoria dos absolutos em torneio organizado por Pedro Gataz, professor de Karate. Conheci o Jorge Melchíades quando ele militava no Partido dos Trabalhadores, mas só tinha ouvido comentários de que ele criou uma luta do tipo briga de rua, chamada Tudoeira. Aliás, em certa ocasião o mestre Falcon me contou que o viu brigar no centro da cidade, na rua Monsenhor João Soares, com um sujeito enorme e vencê-lo.” Tainha também lembrou agradecido do Pedro Elias Gataz, que o tratou com muito respeito na época dos campeonatos, formou-o em Full Contact e arranjou os patrocínios necessários para que pudesse participar das lutas.

Mais uma briga do pioneiro da Capoeira sorocabana! Teria ele sido mais um bruto? Mais um truculento?

JURANDIR ALVES DOS SANTOS  é integrante do Jota &how, um conjunto musical que torna inesquecíveis eventos como casamentos, debutes, etc. Disse ele: “ Conheci o Jorge Melchíades em 1971 ou 1972. Trabalhava numa farmácia vizinha a uma das suas lojas e devido ao meu interesse por música tornei-me seu amigo e passei a jogar futebol em seu time. Ele era um empresário bem sucedido, de grande visão e sua rede de lojas se expandiu para várias outras cidades. Embora fosse um praticante de lutas, sempre foi muito educado, sério e preocupado com o bem estar dos amigos. Nunca o vi fazer bravatas, fanfarronice, instigar ou provocar ninguém e o que aconteceu em Brigadeiro Tobias foi uma fatalidade que ninguém desejou, nem o Jorge. Ele tinha uma certa presteza ética, tal como recentemente vi no professor Lucas, apartando uma briga num jogo de futebol em Votorantim com golpes giratórios dados no meio dos dois exaltados.” 

Todos os entrevistados declararam desconhecer qualquer sinal de Capoeira em Sorocaba, antes do aparecimento desse controvertido Jorge e do seu irmão Jorginho. Por outro lado, as pesquisas nos jornais locais e em outras partes não resultaram em nenhuma informação digna de crédito para localizar sequer um capoeirista que teria se apresentado em Sorocaba antes deles. 

 

                    Até tele-catch?

 

Para animar o livro busquei muitos depoimentos, porque as notícias dos jornais costumam ser genéricas e um pouco formais. Tinha recebido de uma leitora que prefere continuar anônima e a qual muito agradeço, fotos de 1974, do mestre Jorge Melchíades ensinando Capoeira em um hotel de Foz do Iguaçu. Em uma das fotos ele parece um "pau pereira", nome dado entre lutadores, a sujeito valente e pronto para brigar. Aliás, essa foi a imagem que fiz dele, quando soube de suas brigas. E teria ficado assim, se não tivesse localizado matérias no Diário de Sorocaba, edições de primeiro de Janeiro de 1970, 1971, 1972 e 1976, homenageando-o como bem sucedido empresário da cidade. Nos anos de 1975 e 1976, também encontrei-o fazendo palestra sobre Comunicações Sociais em curso promovido pelo Interact Clube e dando Cursos de Vendas para empresários e lojistas. Ainda há notícias de sua participação em montagem de Bibliotecas Públicas em cidades vizinhas, aparecendo numa delas em foto com o senhor João Abdala Marun, prefeito de Salto de Pirapora (01/09/76). Por outro lado, apresentava um programa na Rádio Cacique do Rubens Bismara, desenhava muito bem, fazia esculturas em madeira e pintava quadros a óleo, além de dirigir time de futebol masculino e feminino... Ufa! Vamos aos depoimentos de capoeiristas atuais...

NESTOR CLAUDIO DOS SANTOS, o mestre China, é Guarda Municipal e iniciou na capoeira com o Mestre Pedro Feitosa, no Grupo Cativeiro, na década de 80, e com ele formou-se em 1993. Ajudou a fundar o Grupo Escola Cultural de Capoeira, com o mestre Risadinha, no Lar Educandário Bezerra de Menezes, no projeto Parceiros do Futuro, na escola Humberto de Campos e no clube 28 de Setembro. É formado em Educação Física, almeja fazer um sério estudo sobre a História de Capoeira no Brasil e não conheceu o Jorge Melchiades. Apenas ouviu falar do seu pioneirismo.

JÚLIO CÉSAR OLIVEIRA ALVES é o policial militar que atende sempre de modo prestativo por mestre Risadinha. Ele iniciou a prática na Academia Casa do Engenho, em 1982, com o professor Escravo. Se tornou contramestre no grupo Cativeiro e depois que dele se desvinculou iniciou trabalho com mestre China, que o formou mestre e com quem desenvolve trabalhos nas entidades acima nomeadas. Com relação ao Jorge Melchiades disse o mesmo que mestre China.

JAIME BALBINO DA SILVA é mestre Jaime, diretor técnico da Associação de Capoeira Liberdade. Ele disse ter iniciado em 1981 com mestre Pedro Feitosa, no grupo Cativeiro e se tornado professor em 1990. Desenvolve trabalho específico com Capoeira de Angola, modalidade original da qual derivou a Regional. Disse que recebe da Bahia o autêntico pau biriba, com o qual confecciona os berimbaus que vende. Indignou-se pelo silêncio das revistas de capoeira, quanto ao falecimento do Mestre Gato Preto e o homenageou com um protesto.

JOSÉ APARECIDO MENDES, o mestre Cupim é presidente da Associação de Capoeira Liberdade e secretário geral da ASCA (Associação Sorocabana de Capoeira). Contou que começou em 1980, na Academia Netos de Luanda, do mestre Sabugo. Formou-se professor em 1990, com mestre Pedro Feitosa, no grupo Cativeiro e tornou-se mestre no grupo liberdade. Explica, orgulhoso, que na atualidade seu grupo conta com aproximadamente 20 capoeiras dando aulas tanto no Brasil como na Holanda e em Portugal. Lembrou a passagem do mestre Gato Preto por Sorocaba e o homenageou com emoção. Cupim também ensina na Associação Oba-Oba, no SOS bombeiros, parceiros do futuro e no projeto Cura. Disse não conhecer Jorge Melchiades e que apenas ouviu que implantou a Capoeira em Sorocaba.

JEOVÁ SILVA DO NASCIMENTO, o Mestre Jeová é vice presidente da Associação de Capoeira Liberdade e contou do seu início com mestre Sabugo, na Academia Netos de Luanda. Foi formado por Pedro Feitosa no grupo Cativeiro e tornou-se mestre em 1999 no grupo Liberdade. Atuou em Itu e Araçoiaba da Serra. Tem uma firma recuperadora de baús e carrocerias de caminhões.

Cansado de entrevistar marmanjos, resolvi me presentear com um refresco e entrevistar uma moça bonita que todos sorocabanos respeitam e conhecem.

IARA BERNARDI, é Deputada Federal do PT. Reconhecidamente competente, essa atuante parlamentar é autora de projetos importantíssimos, como o que criminalizou o assédio sexual. Iara foi uma das primeiras mulheres na cidade a treinar Capoeira e o fez no ano de 1982, na Rua da Penha 219, com o mestre Fálcon. Sua militância na política municipal, estadual e nacional, não permitiu que continuasse treinando, mas recomenda a prática nas escolas, porque quando foi professora de ensino fundamental no Jardim Simus, notou sensível melhora na coordenação motora, na disciplina e no interesse pelas aulas, nos alunos que iniciaram treinos de Capoeira. Disse que conheceu Jorge Melchiades quando freqüentou as reuniões iniciais de fundação do Partido dos Trabalhadores em Sorocaba. Ele foi um companheiro, entre aqueles que fundaram o partido na cidade. Aliás, Jorge cedia sua escola, o Cursos MAGNUS, para que nela se realizassem os encontros dos primeiros militantes. Lembra ainda que, o Jorge Melchiades formou o primeiro time de futebol feminino da cidade que teve repercussão no Estado de São Paulo. Ressaltou, que inicialmente a escola MAGNUS esteve na Rua da Penha 219 e depois na Mons. João Soares 158, e foi um importante centro cultural da cidade, pois nela eram promovidos eventos de teatro, cinema, lançamento de livros, encontro de intelectuais, etc.

WILSON CHEBA é um professor de Inglês que foi da primeira turma de formados do mestre Fálcon. Disse que só começou a praticar Capoeira porque aproveitou uma promoção da Escola Magnus, em 1980. Queria fazer um curso na área de metalurgia e se o fizesse na ocasião receberia outro curso inteiramente grátis. Escolheu a Capoeira como brinde e começou a treina-la com o mestre Fálcon, que deu seqüência ao trabalho pioneiro de Jorge Melchiades e da Academia de Ginástica Nacional, que funcionava na escola. Ressalta o espírito de solidariedade, seriedade e decência que resplandecia daquela casa de ensino e do mestre Fálcon, com quem treinou durante onze anos. Foi nessa escola que conheceu Jorge Melchiades, o seu diretor. "Era muito sério, parecia sempre muito ocupado". Daí, conheceu também o mestre Sabugo, que tinha entre seus seguidores o Pedro Feitosa e o Escravo. Cheba aproveitou para homenagear o mestre Fálcon e agradece-lo pelo forte apoio recebido, em momento muito difícil de sua vida.

NATALE ZUANETTE FILHO é um vendedor de drogas... Ops! Pegou mal. Desculpem. Foi uma brincadeira sem graça... Mas perdoável, não é? Afinal, ele tem uma drogaria! Ah, ah, ah... É uma farmácia excelente, de atendimento vip, na Av. Paraguai 788, a DROGACITY. Natale treinava fisiculturismo na Academia do Darci Medeiros, no largo do Mercado e tinha um amigo chamado Antonio Pascoto. "Era um rapaz de físico avantajado, que no final da década de 60 ganhou muitos campeonatos na modalidade, inclusive dois primeiros lugares no campeonato paulista e um terceiro do Brasil. Pascoto também era faixa marrom de Judô e um dia, em 1967, entusiasmou-se com a prática de uma luta que empolgava a cidade: a Tudoeira. Embalado, abandonou o Judô e matriculou-se na academia do Jorge Melchiades. Daí, acabou me levando também para lá. A academia ficava em frente ao hospital Samaritano, na Rua Rodrigues Pacheco e a luta era um tipo de defesa pessoal contra valentões, arruaceiros e briguentos, abundantes numa época em que era raro o uso de armas brancas ou de fogo nas desavenças. Era briga de rua pura, pois combinava socos, pontapés, cabeçadas, joelhadas, cotoveladas, unhadas e até dentadas, golpes de arremesso e de solo. Também treinavam comigo o bombeiro Zunir, os policiais militares Meireles e Ezequiel Mena, o Celso e outros. Como divertimento o Jorge ainda ensinava luta livre de exibição, pra que nos sentíssemos como o Ted Boy Marino, galã argentino, que integrava os "trapalhões" na televisão e lutava tele-catch, fazendo grande sucesso entre as garotas. O pessoal fez várias apresentações dessa luta, sendo que eu participei de uma em Tatuí e outra em Rio Claro". Natale seguiu caminhos diferentes dos da luta, mas continua esbelto e elegante, garantindo que goza de excelente saúde, porque pratica musculação até hoje. Mas, adverte que não teria a mesma sorte, se tivesse usado drogas anabolizantes. "Na minha época não tinha nada disso, era tudo na raça, na base do arroz com feijão". É bom lembrar que em 1967 o Jorge ainda não havia iniciado na Capoeira.

EZEQUIEL DE ASSUNÇÃO MENA é um simpático policial militar que entes de reformar foi músico na excepcional banda da Polícia Militar. Com um sorriso de satisfação fez questão de mostrar, vejam que incrível, uma carteirinha surpreendentemente  bem conservada, apesar de ter 36 anos, com foto e tudo, da APA, ou Associação dos Praticantes Amadores de boxe, luta livre e defesa pessoal, nome da academia do Jorge, que existiu de 1966 a 1968, antes de ser substituído pela Academia de Ginástica Nacional, porque em 1968 o Jorge começou a treinar Capoeira, primeiro com o mestre Valdemar Angoleiro, no antigo prédio Martineli, depois com o mestre Paulo Limão e mestre Silvestre, finalmente, contou com a supervisão do grande mestre Suassuna. Contou ainda que, entre os anos de 1964 e 1965, ele e o irmão Esdras trabalharam como vendedores de livros para o Jorge Melchiades. Passou a treinar com ele, porém, em 1967. Por ter sofrido forte influência do pai, o pastor evangélico, Carlos de Assunção Mena, que havia praticado luta greco-romana na juventude, desejava praticar alguma luta parecida. Essa oportunidade surgiu quando soube que o Jorge tinha aberto a APA. Entre os amigos da academia lembra de Antonio Pascotto, Abdala Dipsie, Toninho Galvão, Valter Barbosa, Guilherme Grams, Paulo Fontana Guariglia e seus irmãos: o Zé Eduardo e o Serginho "Crika”. Com Antonio Pascoto reencontrou-se na Polícia Militar, e juntos passaram a realizar exibições de luta livre, sendo que uma delas surpreendeu o policial que atuava na série brasileira de televisão, "O vigilante Rodoviário", filmando-a e se declarando empolgado com o espetáculo que davam. Como outra curiosidade, relatou que após algum tempo praticando Tudoeira, o Antonio Pascoto participou de um campeonato interno de Judô da Polícia Militar, entre judocas de faixas marrom e preta, sagrando-se campeão e recebendo a sua faixa preta. Entende que os treinos de Tudoeira deram condições para Pascoto vencer o campeonato. "A labuta da vida nos separou, mas sempre acompanhei as peripécias do Jorge Melchiads pelos jornais, como empresário, capoeira, advogado, teatrólogo, futebolista, escritor de livros... Ele marcou minha vida enquanto uma pessoa ética, inteligente e ponderada, sempre aconselhando o uso das técnicas da luta somente em última necessidade, em caso de legítima defesa próxima ou de outros. Procurava passar para seus alunos o respeito aos semelhantes, autoconfiança e autocontrole, qualidades que muito me favoreceram no trabalho de policial, quando, em algumas ocasiões tive de usar um pouco de força". Informou-me que seu irmão, o Nelson Mena, tinha servido o exército com o Jorge e não perdi tempo. Aprofundei no saudosismo e o entrevistei também.

NELSON MENA, é um professor de música que já tocou na banda da Polícia Militar, na Orquestra Sinfônica de São Paulo e hoje ensina música evangélica na Igreja Assembléia de Deus Independente, no bairro Vitória Régia. Já lutou tele-catch e serviu no 2RO.105 de Itu, com o Jorge, em 1959. Lembra que nem bem haviam se alojado no quartel, quando ouviu na BSS, bateria onde estava lotado, um boato que alguém havia "peitado" o soldado Melchiades, na BCR (bateria onde servia), e sido nocauteado com uma cabeçada que lhe quebrou o nariz. Por causa disso, alguns soldados passara a chamá-lo de "bodinho". Em outra ocasião arranjaram uma luta dele com um sujeito extremamente forte, que se exibia levantando a frente ou a traseira de um jipe, não me lembro bem. Não valia socos nem pontapés. E o outro, apesar de aplicar muita força sobre o corpo do Melchiades, bem menor e mais fraco, nada conseguiu. A luta terminou empatada porque a corneta tocou anunciando hora do rancho e ninguém quis perder a refeição. Soube que participou de outros entreveros, antes de se fazer respeitado por soldados e até por um sargento em especial, conhecido pela fama de duro brigão. Apesar disso, sempre se defendeu. Nunca soube dele ter provocado ninguém. Até hoje considero o Melchiades um amigo querido, sempre disponível aos que integram seu rol de chegados, sem interesse algum e com uma presença filosófica respeitável. Sei que ele também me quer bem, pois já demonstrou isso". Nelson Mena dá aulas particulares de instrumentação e orquestração de hinos evangélicos para banda de instrumentos de sopro.

 

Pioneiro, de fato

 

Para preencher algumas lacunas nas informações e desvendar verdadeira História da Capoeira em Sorocaba colhi documentos e depoimentos, sendo que, sobre o pioneiro na região encontrei ambos em abundância. As informações davam que Jorge Melchíades, durante os anos de 1966 a 1968 teve academia na Rua Rodrigues Pacheco 140, travessa da 15 de Novembro, no centro da cidade, onde ensinou um estilo livre de luta que criou, e chamou de "Tudoeira", e depois fundou a Academia de Ginástica Nacional  no início de 1969. Com o irmão Jorginho passaram a ensinar Capoeira. Apesar das dificuldades próprias dos empreendimentos pioneiros e dos enormes preconceitos da época, que os irmãos tinham de enfrentar, realizaram apresentações inéditas na cidade e região, bem como uma de grande valor nacional, no programa do Silvio Santos, na TV Tupy, canal 4, em 1970.

Quase uma década após todos esses eventos, o Cruzeiro do Sul, de 18-2-1978, noticiou que o professor Luiz Carlos Rafaldine, representando a Associação de Capoeira Nova Luanda, de Santo André, havia iniciado, em Outubro de 1977, o ensino da arte num clube da rua Campos Salles. Surgia, então, novo mestre no cenário capoeirístico da cidade. Ao que parece veio preencher a lacuna deixada pela Academia de Ginástica Nacional, que desapareceu em 1973, depois de mudar várias vezes de endereço. Tudo indica que, embora continuassem treinando aqui e ali, a Capoeira não foi atividade prioritária na vida dos irmãos. Apesar disso, Jorge Melchíades continuava notícia nos jornais, dirigindo time de futebol em disputa do campeonato varzeano da cidade (l974/75), montando bibliotecas públicas em cidades da região, dando cursos e palestras de vendas para o comércio em geral (l975/76) e em atividades político partidárias pelo antigo MDB (1976).

Em 1977, portanto, ocorria importante mudança na história da capoeira na cidade, pois, ao contrário de Jorge e Jorginho, que treinavam e ensinavam Capoeira apenas nas horas vagas, a alunos que também viam na prática apenas um Hobby, o Luiz Rafaldini, popular mestre "Sabugo", trazia para a cidade a sugestão de nova alternativa profissional.  Aos jovens do Estado de São Paulo a dedicação integral à capoeira começava a prometer prestigiosa profissão. O próprio mestre Sabugo, porém, não conseguiu viver muito tempo só da Capoeira, mas preparou, tanto quanto seus antecessores, o caminho para a profissionalização de outros. Com dedicação integral, o seu trabalho junto a clubes, órgãos públicos, escolas e veículos da mídia, imprimiu impulso sem precedentes na prática da Capoeira na cidade. Com ele surgiu o primeiro grupo organizado inteiramente na cidade. Sobre esse mestre fala com carinho e respeito, seu antigo discípulo.

 MARCUS SERGIUS MONTEIRO PRESTES é hoje um artista plástico renomado e músico. Mas, na época foi uma espécie de ídolo da juventude local, por dar excelentes exibições acrobáticas em seu jogo de capoeira. Disse: "Eu era praticante de Kung Fu, até iniciar na capoeira com o Mestre Sabugo, assim que ele começou a dar aulas na cidade. Depois vieram os outros alunos, como os dois filhos do Peralta, guarda civil famoso na época, o Baianinho, o Escravo, o Pedro Feitosa, o Ganso, o Peru, o Gilson, etc. Mais tarde juntou-se a ele também, o Fálcon, que já veio com jogo aprendido em outra parte.. Em razão de ser seu aluno mais antigo e ter facilidade em aprender, logo me tornei uma espécie de contramestre, participando com Sabugo de diversas apresentações em Sorocaba e região." Aproveitei a deixa do entrevistado para perguntar sobre matéria no Diário de Sorocaba, em 22-7-1978, anunciando que Marcus Sergius estava dando aulas para jovens na Escola Magnus da Rua da Penha, ao lado do Jorge Melchíades, que agora passava a ensinar executivos... Ele respondeu. "É verdade! O Jorge Melchiades tinha montado uma escola e voltado para a Capoeira. Ele cursava duas faculdades simultaneamente e sabendo que eu era muito popular entre os jovens, convidou-me para ajudá-lo, assumindo como seu sócio no curso de Capoeira. Mas, antes disso, logo que o conheci, levou-me a uma loja de roupas que tinha na rua Monsenhor Soares,  arrastou as araras e no vazio que se fez entre elas, disse que ia mostrar-me que seu boxe era melhor do que a Capoeira acrobática que eu praticava. Não sei porque cargas d´água fui abrir a boca para duvidar... Ele calçou um par de luvas de box e fechando ardilosamente todo meu espaço de ação, encheu a minha cara de alegria... Ah, ah, ah. Depois disso fui trabalhar com ele e treinamos juntos. Jorge tinha uma capoeira manhosa e com muito jogo de corpo. Era angoleiro e muitas vezes  deixava o outro sem ação apenas com a ginga, o que muito me admirava. Com ele aprimorei o jogo de dentro e a eficiência dos golpes. Lá no centro esportivo do Jardim Simus ele amparou meu corpo muitas vezes, enquanto me ensinava a fazer o mortal parafusado, movimento raro na capoeiragem da época. Nunca, porém, houve qualquer rompimento entre eu e mestre Sabugo, até porque ele com seus alunos vinham freqüentemente jogar nas rodas que promovíamos na Escola Magnus. Continuamos amigos e sempre o respeitei. Hoje, sou artista plástico conhecido como Monteiro Prestes. Como músico já gravei um CD e sou conhecido como Marcos Monteiro". 

CARLOS ANDRADE, angoleiro que todos chamam de Baiano Velho, é uma   figura querida nos meios capoeirísticos da cidade e fora dela. Ensina Capoeira e é funcionário público municipal. Disse: "Iniciei na Capoeira no Rio de Janeiro e procuro jogar em rodas e batizados de todos os grupos e locais. Por esse meu jeito livre de ser colaborei com muitas apresentações e também fui arrochado algumas vezes por capoeiristas que me julgaram atrevido. Todavia, só buscava a paz e mostrar minha técnica. Conheci Jorge Melchíades logo que cheguei em Sorocaba e fui um dos poucos privilegiados a treinar com ele; o pioneiro da Capoeira na cidade. Isso foi no final da década de 70, lá na Rua da Penha, no Cursos Magnus. Lembro que além de capoeira Jorge também ensinava defesa pessoal a algumas pessoas... Mas o fato que marcou sua presença em minha memória aconteceu em 1980, numa festa da sua escola, no Clube Recreativo. Nela, além de formaturas de outros cursos, também acontecia um batismo com a presença dos mestres Suassuna, Joel, Tarzã e outros. Eu relutava em jogar, porque não estava com calça apropriada e não conhecia quase ninguém. Mas, o Jorge me acolheu carinhosamente e me incentivou. Entrei e ele ficou gritando: “vai Baiano!" só para me dar moral. Joguei bem nesse dia e minha apresentação foi muito aplaudida pelo público. Recentemente estive na Bahia, com Mestre Neneu, o filho de Mestre Bimba, com Tonho Matéria, cantor e capoeirista, com Mestres João grande e João Pequeno, entre outros. Tenho 51 anos e me orgulho de ter ensinado muitas crianças a jogar capoeira, principalmente na Vila Angélica e bairros adjacentes".

A festa mencionada por Baiano Velho aconteceu em 21-6-1980, no Recreativo do centro, quando o auxiliar do Jorge no curso de Capoeira da Escola Magnus ainda era o Fálcon. E, curiosamente, não foram apenas o Baiano Velho, o Marcus Sérgius e o Fálcon, os atraídos pela acolhedora personalidade de Jorge Melchíades. Verifiquei que o próprio mestre Sabugo, seu mais direto concorrente e seus alunos, colaboraram graciosamente em suas apresentações. Isto é muito significativo na capoeira! Significa que sob a batuta firme da liderança pioneira, todos capoeiristas de expressão na cidade e na época colaboraram entre si, construindo em paz e harmonia o próprio crescimento individual e da capoeira. Ao que consta, isso era resquício da prática capoeirística de antigamente, quando imperava a camaradagem. Da união mencionada resultou magníficos espetáculos, entre os quais há menções elogiosas sobre um no Clube Venâncio Aires de Itapetininga e de outro, na discoteca Zarabatana, da Rua Artur Gomes (Diário de  Sorocaba, 29-10-1979).

HAMILTOM PEREIRA, Deputado Estadual pelo PT, declarou: "Eu trabalhava na Metalúrgica Nossa Senhora Aparecida e freqüentei com alguns companheiros o curso de capoeira do Professor Luiz Sabugo, no clube união Recreativo (CS. 9/4/78). Treinando Capoeira conheci Fálcon, Biro-Biro, Petróleo, Geraldinho, Jesuíno e outros. Era garoto quando assisti Cidade Contra Cidade, programa do Silvio Santos, em que Sorocaba apresentou, como uma de suas mais fortes atrações a Capoeira. Posteriormente, soube que o responsável por essa apresentação foi o Jorge Melchíades. Por outro lado, eu ainda fazia o SENAI quando trabalhei algum tempo no departamento de vendas domiciliares de Lojas A MUSICAL e era o Jorge que nos ensinava técnicas de vendas. Assim, um dos  meus primeiros empregos foi vender álbuns de discos para ganhar comissão. Com Jorge aprendíamos a abordar educadamente as pessoas para conquistar clientes para a loja. Posteriormente, voltei a encontrar o Jorge no PT, início de 1982, quando fui convidado a me filiar ao partido. Houve uma plenária que discutia a campanha daquele ano e posicionei-me contra a proposta que o Jorge havia apresentado. Ele sempre foi preocupado com a educação e entusiasta da Capoeira. Cheguei a conhecer a Escola Magnus, na rua da Penha e inclusive me lembro do círculo pintado no chão, onde se dava o jogo. E quando, em 1988,  o Sindicato dos Metalúrgicos reabriu a sede antiga, também na rua da Penha, foi chamado Sindicato Cidadão por estimular o gosto pela cultura. Uma de suas atividades era a capoeira. Biro Biro e Docinho davam aulas práticas para os filhos de metalúrgicos. E eu, como diretor do sindicato tive a incumbência de pesquisar a história da capoeira e preparar material para as aulas teóricas. Um livro que muito me auxiliou nisso foi O que é Capoeira, do mestre Almir das Areias. Antes de terminar, gostaria de congratular-me com você, Wellington, com a população da cidade e com todos capoeiristas, que recebem este valioso trabalho de pesquisa sobre a História da Capoeira, atividade muito querida e popular na cidade. A busca por conhecimento da verdade é um trabalho sublime..."

EDUARDO ALVES DOS SANTOS, o mestre FÁLCON, atual titular da Academia de Ginástica Nacional, virtualmente a mesma que o Jorge fundou em 1968. Em depoimento diz ele: "Minha base veio  do  Mestre Joel, mas também treinei com Professor Antonio, um formado do Mestre Gilvan. Logo que cheguei de São Paulo conheci o Luiz Sabugo no bairro Barcelona e participei de alguns eventos com ele, no ano de 1978. Mas, um dia fiquei sabendo que havia outra academia na cidade e fui assistir um treino lá. Era uma filial da Cordão de Ouro do mestre Suassuna, com o nome sorocabano Academia de Ginástica Nacional e funcionava na rua da Penha, 219. Foi quando conheci o Jorge Melchíades, dando aula para alguns alunos e auxiliado por Marcus Sergius. Fiquei sabendo que levava um trabalho desde 1968. Comecei a treinar com eles e não me lembro quando o Jorge substituiu o Marcus Sergius (que tinha ido para a capital estudar e trabalhar), pelo capoeirista baiano conhecido por "Pipoca". Sei que passei a treinar também com ele até que voltou para a academia do Suassuna, em São Paulo. Foi quando o Jorge me pediu que o substituísse inteiramente, pois não poderia mais dedicar-se a ela, já que seus compromissos de estudo e trabalho o impediam. Aceitei e o Jorge me apresentou ao mestre Suassuna, com o qual tive de fazer um estágio, pois ia substituir o comandante da filial da Cordão de Ouro em Sorocaba. No segundo semestre de 1982, eu levava a Academia de Ginástica Nacional em outro local (*), quando cursos Magnus mudou para a Rua Monsenhor João Soares, 185. Jorge deixou-me o prédio da Rua da Penha 219 e para lá voltei, fazendo espetáculos de capoeira, maculelê e danças afro. Junto com a atriz de teatro, Matilde Santos, por exemplo, fizemos cursos para manequins, de danças e espetáculo teatral. A Academia de Ginástica Nacional teve seu apogeu nesse endereço, onde ensinei capoeira durante quase uma década. Saí ao mudar para a Rua Hermelino Matarazzo." Perguntei ao mestre Fálcon, sobre a briga do pioneiro, que ele havia presenciado. Sorriu e falou: "Esse é mais um aspecto curioso do pioneiro sorocabano, que conheci sempre brigando por justiça, coerência e lealdade. Lembro que naquela noite, um rapaz que parecia ter mais de dois metros de altura, muito forte e talvez com uns 23 anos de idade, cismou de desafiar o Jorge e não sei por qual razão, chamá-lo para brigar nos fundos de um estacionamento que ficava ao lado do Hotel Sorocaba. Só eu tinha percebido o fato e quando vi o Jorge atender seu convite e seguí-lo em direção ao lugar ermo, acompanhei-os. Chegando nos fundos do estacionamento o rapaz vociferava, dizendo que ia esfacelar a cara do Jorge com um murro e fazendo muitas ameaças e desafios. Jorge, que diante do outro parecia quase um anão, andava fumando nessa época e estava destreinado. Tinha ganho peso e já estava com mais de 40 anos. Ainda assim, muito calmo tirava baforadas do cigarro e tentava argumentar pacificamente com o outro, no sentido de demovê-lo da pretensão belicosa. O rapaz não quis saber de nada e de repente avançou para socá-lo. Jorge atirou o cigarro em seu rosto e aproveitando a breve confusão do agressor, atirou-o ao chão e foi para cima. Cobria-o de murros e tapas. Eu apenas observei, sem intervir, porque meu amigo Jorge controlava a situação e pediu que não me intrometesse em seus assuntos. Essa briga só não acabou pior porque alguns alunos da escola do Jorge viram a cena da sacada do prédio e correram apartar. Vários seguraram o rapaz e foi uma beleza vê-lo, muito forte, arrastando-os de um lado para outro. Lembro que ao ajudar segurá-lo tive a infeliz impressão de ver que minha cabeça não passava muito da altura de sua barriga..."  Comentei com mestre Fálcon sobre o Celso Bersi, formado na primeira turma do mestre Suassuna, em 1970, e ainda aproveitei pedir para que falasse sobre a Capoeira Mística. "Devido minha amizade com o Jorge terminei conhecendo o Celso Bujão, também seu amigo de longa data. A Capoeira Mística é um novo trabalho vitalizante, energético e terapêutico idealizado por Jorge e que logo estará à disposição do povo sorocabano de qualquer idade, sexo e condições físicas. Mais não posso revelar porque ainda é segredo..."

 

Nota de rodapé. (*) Segundo apurei mais tarde, o depoente se referia ao endereço que ocupou um breve tempo, na Rua Miguel Jardim.

 

Problemas à vista

 

Resumindo, eu havia decidido escrever a história da Capoeira na cidade, depois de verificar que muitos praticantes a ignoravam. Essa ignorância, porém, não impedia alguns de espalhar boatos "históricos" que aumentavam os méritos próprios e diminuíam os de outros. Em respeito ao trabalho e méritos de todos, desprezei os boatos e pesquisei os fatos. Até então, havia colhido documentos, fotos e filmado depoimentos, tendo tudo revelado que o pioneiro dessa prática na cidade foi Jorge Melchíades, um empresário que em 1966 ensinou uma modalidade de luta igual ao Vale-tudo atual. A Capoeira apareceu ligada a ele  nos jornais da cidade a partir de 1969, quando criou a Academia de Ginástica Nacional. Depois passou a representar o Grupo Cordão de Ouro da capital, do conceituadíssimo mestre baiano, Suassuna. Seu irmão, Jorginho, o acompanhou nessa aventura pioneira e ao que tudo indica se dedicavam à Capoeira como lazer. Fecharam a academia por volta de 1973, embora continuassem praticando-a aqui e ali. Verifiquei que em Outubro de 1977 surgiu em Sorocaba um terceiro professor da arte, o Luiz Carlos Rafaldine, que representando a Nova Luanda, de Santo André, ficou conhecido na cidade como mestre "Sabugo". Jorge Melchíades, logo em seguida, nos meados de 1978 montou a escola Magnus na Rua da Penha 219, onde voltou a ensinar Capoeira em um de seus cursos. A ele associou-se um ex-aluno do "Sabugo", o acrobático "ídolo" da juventude, Marcus Sergius. Depois, passou a ajudá-lo o endiabrado Pipoca, um vigoroso capoeira baiano. Em 1979 surgiu o Eduardo Alves dos Santos, praticante que também juntou-se ao Jorge Melchíades. Este o apresentou ao mestre Suassuna, que só depois de supervisioná-lo durante vários meses em estágio, na matriz da Cordão de Ouro, autorizou-o a substituir o mestre Jorge Melchíades na condução da filial de Sorocaba. Em 1982, o Jorge afastou-se da capoeira para voltar em 2001, com 61 anos,  e o Eduardo, devidamente autorizado, passou a professor "Fálcon", a novo titular da Academia de Ginástica Nacional e também a segundo credenciado da Cordão de Ouro em Sorocaba.

Em Maio de 1982 o jornal Cruzeiro do Sul divulgou a vinda de novo instrutor de Capoeira para a cidade: o mestre Miguel Machado, do Grupo Cativeiro, com academia na rua Sete de Setembro e ao qual vinculou-se Pedro Feitosa. E fosse com Fálcon, Sabugo ou Miguel, estavam instaladas na cidade as condições propícias para o desenvolvimento dos mestres e professores da atualidade. Entre eles, Biro-biro, Lucas (que tornou-se o terceiro credenciado da Cordão de Ouro), Tainha, Escravo, Pedro Feitosa, Cupim... O Escravo fundou o grupo Casa de Engenho e levou seu trabalho no início da década de oitenta, iniciando o Risadinha, entre outros, antes de mudar da cidade.

 

PEDRO FEITOSA DE ALMEIDA. Em respeito à vontade desse mestre deixo de publicar a entrevista que ele me forneceu, mas não considerou de seu agrado.

Esclareço e reafirmo, porém, que sou professor de capoeira, mas na faina de coletar entrevistas e escrever livro histórico devo ser repórter e historiador de fato, razão pela qual fundamento o que escrevo com notícias de jornal e depoimentos. As primeiras notícias de jornal a respeito do Jorge o dão como aluno do Paulo Limão, angoleiro respeitadíssimo, famoso e formado do Mestre Caiçara. O mestre Suassuna, por outro lado, em 1970 conheceu o Jorge e passou a ele a representação da Cordão de Ouro.  Como todos que conhecem esse mestre o admiram, não só pelos seus notáveis feitos como capoeirista técnico, como cantor e artista, como músico, mas também como educador internacional, homem íntegro e responsável, supomos que devia saber o que fazia, não é? Mais ainda! Tudo indica que o Jorge  foi o primeiro credenciado do Suassuna, a montar filial. E salvo erro a ser demonstrado, a academia de Sorocaba foi uma das primeiras, senão a primeira, a instalar-se no interior do Estado de São Paulo.

Os depoimentos e documentos indicam que quando o mestre Pedro Feitosa se desvinculou do grupo Cativeiro para criar o grupo Liberdade, foi acompanhado por Risadinha, iniciado do Escravo, mais o Cupim e o Jeová, iniciados do Sabugo. Mestre Feitosa também iniciou e preparou os atuais mestres Jaime e Cuco, entre outros, antes de afastar-se e retornar após quase dez anos, conforme matéria publicada no jornal Cruzeiro do Sul, de 3/5/1998.

Esclareço também, que o conteúdo fundamental da história que aqui desenvolvo é dado pelos documentos que atestam sua veracidade. Os depoimentos são acessórios, isto é, acompanham o principal. As coincidências nos relatos das pessoas de caráter ilibado e isentas de suspeita ajudam a complementar, a esclarecer lacunas e pontos obscuros, não totalmente elucidados pelos documentos, além de ilustrar e dar colorido à narrativa. Depoimentos só possuem valor como provas se os depoentes são de caráter ilibado e possuem conhecimentos técnicos a respeito do tema sobre o qual depõem, e ainda assim, nas coincidências produzidas por uma população razoável de depoentes, porque costumam oferecer discrepâncias maiores ou menores entre si. Algumas discrepâncias em depoimentos sérios são de importância desprezível, pois é normal que a memória falhe, quanto a datas e alguns fatos antigos. Mas, o depoimento com teor original ou isolado, conquanto possa ser atraente, do ponto de vista literário, e até verdadeiro, não tem valor nenhum enquanto documento histórico.

Explico, ainda, que desde o início das pesquisas, ao filmar depoimentos e vasculhar jornais antigos, dei ao pioneiro especial atenção por ser o mais antigo, o responsável pelo início e mostrar singular personalidade e especial mobilidade na cultura da cidade. Sobre ele há abundantes depoimentos e notícias nos jornais. Além de capoeirista foi empresário conceituado, apresentador de programa de rádio, palestrante em comunicação e vendas, pintor de quadros, escultor em madeira e desenhista. Dirigiu time de futebol masculino e feminino, militou de modo expressivo na política partidária local, estudava Psicologia e Direito... e ainda podia ser bom de briga, ao se defender. Decidi discorrer sobre ele, porque ele é assunto paralelo muito rico, que dá “sabor”  à história da Capoeira. Vejamos, por exemplo, o que segue.

MATILDE SANTOS. Tendo lido no Cruzeiro do Sul, de 24\11\84, que essa atriz de teatro fez espetáculos de Capoeira, de Maculelê e de danças afro, no antigo Teatro Fantoche com o mestre Fálcon, fui entrevistá-la. Ela contou que foi professora de dança na academia do Fálcon e quando perguntei se ela tinha conhecido o Jorge Melchíades, respondeu: "O conheci quando foi formada a FESTA (Federação Sorocabana de Teatro Amador). Ele foi seu primeiro Presidente e como ocupei um cargo nessa primeira gestão nos tornamos amigos. Ele conheceu meu trabalho de atriz e convidou-me para encenar uma peça com texto de sua autoria e direção, chamada ‘Beijos da Traição’, espetáculo com o qual ganhei prêmio de melhor atriz em festival que se encerrou no teatro municipal de Sorocaba." Perguntei como foi o dramaturgo e teatrólogo Jorge, como presidente da FESTA... "Ele era enérgico. E digamos que na época colocou a casa do teatro amador em ordem. Também sei que foi um dos primeiros da Capoeira em Sorocaba... Depois do Jorge chegaram outros, o Cuco, o Fálcon, o Caju, que é um discípulo do Cuco, né?." Aí comentei: Na minha pesquisa constatei que após a criação da FESTA (1983) o teatro amador de Sorocaba, que andava meio esquecido pela imprensa ganhou impulso inusitado e até passou a ser mais divulgado... "É verdade! Foi muito boa essa época, porque a gente trazia personalidades importantes do teatro nacional para dar workshops, palestras... Faz falta uma federação de teatro na atualidade. Após o encerramento da FESTA em l990, ninguém mais em Sorocaba aglutinou os artistas de teatro. Na época o Jorge abraçou a federação sem nenhum apoio dos órgãos públicos. Quando saiu, nós continuamos. Depois eu fui presidente da federação em várias ocasiões.”  Perguntei  sobre seu trabalho: "Estou na Companhia Clássica de Repertório, do Mário Pérsico, mas já trabalhei com Mantovani, Gil de Melo, Roberto Gil, Benão... Recentemente fui diretora, roteirista de dança, de balé-teatro... e com o Mário fiz: ‘Escola de Mulheres’, ‘Anjo de Pedra’ ‘O Primo Basílio’ e levei em São Roque ‘A Hora da Estrela’... Fiz muitas peças e além do teatro tem o meu trabalho de bailarina."

JESSÉ LOURES, é importante porta voz dos capoeiristas na Câmara Municipal. Disse ele: "Comecei na Capoeira logo após o meu irmão, no início da década de 80, na Academia Cordão de Ouro da rua da Penha, com Mestre Fálcon. Cheguei até o cordão amarelo, na época uma graduação diferente da de hoje. Em 1997 conheci o trabalho do Mestre Cupim, através do professor Pintado, ambos da Liberdade. Auxiliado pelos Mestres Jeová, Jaime e mais recentemente o Ouriço, que faz um trabalho de grande mérito." Perguntei sobre o projeto da Capoeira em escolas municipais. "A Capoeira sempre teve a discriminação branca... Ninguém fala, mas tem gente achando que capoeira é tudo, menos um esporte nacional. Me comprometi a defendê-la no legislativo e no executivo e com trabalho firme, persistente, conseguimos fazer aprovar na câmara, por unanimidade, uma lei fixando convênio da Prefeitura com a ASCA. Só fui saber quem foi o pioneiro na cidade pelo informativo do NUPEP, mas sei que teve o mérito de levar a Capoeira numa época bem mais difícil, devido ao preconceito. Aliás, esse trabalho de resgate histórico é muito importante. Posso dizer que tenho orgulho de ter em meu gabinete o símbolo da capoeira, um berimbau que me foi presenteado pelo Mestre Jaime, que gravou na cabaça o brasão da Câmara Municipal de Sorocaba. Agora, também faço questão de ressaltar o trabalho de meu irmão Josué Loures junto aos capoeiras, inclusive cedendo um salão para o pessoal do Grupo Liberdade praticar. E aproveito o ensejo para render homenagens a todos capoeiristas da cidade, para expressar meu contentamento pelo espaço que NOSSA POSIÇÃO abriu para a capoeira e para dar meus sinceros cumprimentos ao pioneiro, senhor Jorge Melchiades."

JOSÉ DESIDÉRIO é personalidade famosa, que dispensa apresentação, além de ser pessoa querida demais em Sorocaba e fora dela.  Esse competente e respeitadíssimo profissional da mídia declarou: “Conheci Jorge Melchíades em 1970, quando eu realizava um programa na Rádio Clube de Sorocaba, dirigida pelo amigo Gastão de Lima Neto. Era um programa versátil, que misturava músicas e entrevistas. Freqüentemente eu convidava o Jorge para falar, não só de música como também de futebol e Capoeira. Entre suas lojas de discos e meu programa de rádio havia uma parceria bem sucedida, já que a Cleusa e a Mary, duas de suas funcionárias traziam os últimos lançamentos para o programa, todos os dias, uma de manhã e outra à tarde. O Jorge teve várias lojas, uma, duas, três, quatro, cinco, seis... Era muito dinâmico. Não só cuidava delas como de atividades esportivas. Formou um time de futebol só de amigos, para brincar nos fins de semana e confraternizar com times das gravadoras de discos e com artistas, que sempre vinham divulgar trabalhos nas lojas do Jorge. Alguns jogos desse time eram verdadeiras festas, pois as meninas que trabalhavam com ele iam animar os jogadores que eram seus namorados, maridos e noivos. Era o time da Musical, que jogou várias vezes com a Associação Sorocabana de Imprensa, a Associação dos Colunistas Esportivos e com times de bancários, lojistas, etc. Então, Jorge promovia confraternizações, onde grandes amizades se desenvolviam. Não era interessante essa virtude do Jorge? Ele aglutinava pessoas para cultivar amizade. Pouca gente atentou para isso ou o entendia. No começo eu achei que só o Jorginho jogava capoeira, porque era difícil associar a figura do Jorge, empresário sério, com essa atividade que era tão preconceituada. Como ele trazia artistas da música, a gente achava que ele também trazia artistas da Capoeira... Até porque, esse negócio de andar com berimbau na mão pela cidade e exibindo uniforme de capoeirista é costume recente. Mas, foi ele quem trouxe a Capoeira e vários praticantes baianos para se apresentarem na cidade, em clubes e na academia que montou. Na época existiam três apaixonados em Capoeira em Sorocaba: o Jorge, o Celso Bersi e o Jorginho. O Jorge, indiscutivelmente, foi um homem pioneiro, arrojado... e continua sendo. Ele está aí, ao vivo, para quem quiser ver. Escreve livros e é um homem muito importante para nossa cultura. Na época, era um empresário que tinha muita ansiedade, dando sempre a impressão de que procurava alguma coisa perdida... Deu outra feição ao comércio de discos na cidade, tendo sido sua rede de lojas uma das primeiras a ter meninas bem uniformizadas e treinadas especialmente para cativar os fregueses. Eram lojas diferentes das tradicionais... Bem arrumadas, com visual colorido e arrojado... E a Capoeira para ele era como uma paixão por coisa bonita. Os três. Jorge, Celso e Jorginho se impuseram como pioneiros da capoeira em nossa cidade. Agora, o meu programa de rádio era versátil e extenso. De manhã e à tarde, das duas até as sete da noite. O entrevistado ficava quase cinco horas falando, entre músicas. O Jorge e o Celso foram entrevistados nele muitas vezes. Quando vinham artistas nas lojas eram levados para o meu programa. E não tinha aquela entrevista de dois minutos, como hoje. A pessoa ficava comigo a tarde inteira, conversando e falando de tudo, de pescaria, de futebol... A gente fazia um programa bem amigo, aberto, com gente falando por telefone. Ainda uso isso no meu jornal de hoje, porque não vou acordar a pessoa às seis da manhã para falar dois minutos. Quando ela é interessante e expõe assunto de proveito à população, fala cinco, quinze, vinte minutos ou meia hora, se for preciso. E o Jorge era um homem de vários assuntos. Falava sobre muitas coisas... De repente ele trazia um artista que ia fazer uma apresentação do Recreativo, por exemplo, ou falava da abertura de novas lojas, da estrutura comercial da cidade, do futuro de Sorocaba. Naquele tempo não se usava a expressão ‘marketing’ e sim relações públicas, propaganda.... Mas, o Jorge foi um grande ‘marketeiro’ da época. Nasceu antes do tempo. Se ele fizesse marketing, hoje seria ‘marketeiro’ de grande projeção. Pensava as coisas muito na frente. Como ele divulgava as lojas dele? Fazendo muitos amigos. Ninguém atentou para esse detalhe mas eu sempre disse que ele foi um dos primeiros ‘marketeiros’ da cidade.” Perguntei: o senhor esteve naquele jogo em Brigadeiro Tobias, em que teve uma briga feia com ele? “Sim. A gente se entrelaçava ali. A gente era amigo do Jorge e ficava muito feliz na união com aquela turma do futebol. Fomos lá jogar contra um time em que eu poderia estar em qualquer dos lados sem nenhum problema... Os vinte e dois que estavam ali não tinham motivo nenhum para briga, porque eram amigos. Mas o time da Musical vinha ganhando e começou a surgir uma rivalidade, uma tensão emocional, e de repente, teve a briga entre diversos jogadores, policial dando tiros para o ar e coisa e tal. O Jorge que era e é um homem de paz, de muita paz por sinal, foi atacado. Alguém tinha sido muito imprudente para tentar pegá-lo pelo pescoço. E o Jorge, para se defender, usou algo do que sabia para botar o sujeito no chão e quebrar uma ou duas de suas costelas. Mas aplicou só o suficiente para se defender. Até comentei depois com o Jorginho e com o Celso: se o Jorge aplicasse com raiva o que sabia a pessoa nunca mais levantaria. Tanto foi assim que o Jorge foi visitar a pessoa na casa dela para pedir desculpas. Foi um corre-corre de barbudo para lá e para cá, mas todos continuaram amigos. Talvez ainda hoje se encontrem por aí e conversem alegremente, porque ainda existe a lembrança daquela afinidade boa, daquela beleza, da amizade que existia naqueles jogos. Se voltassem as mesmas pessoas, em novo jogo, seria o mesmo encontro, a mesma alegria, a mesma felicidade, o mesmo prazer, porque não houve rompimento do elo. A partir daí não se teve mais o time da Musical. Quem viu, viu, quem não viu, nunca mais verá o time do Jorge, ‘dos Amigos da Musical’. Algum tempo mais tarde cruzei com ele na Rua São Bento. Me olhou fixamente e disse: ‘vou mudar de vida’. Como quem disse isso foi um homem bem sucedido no comércio, um insaciável por coisas diferentes, que conheci, entendi que ia montar mais cinco lojas, ou coisa assim. Passou-se mais tempo e cruzei com o Jorge novamente. Perguntei: e aí? E ele: ‘Mudei. Agora estudo Psicologia Espiritual, sobre a vida e a morte, sobre a existência fundamental, essencial... Ele já tinha esse estilo meio zen, de paz, tranqüilidade, e sempre foi uma pessoa que a gente admira muito pelo estilo de ver as coisas. É muito leal às pessoas que o cercam, sério e acima de tudo simples. Não sobe pelo orgulho ou pela vaidade nem desce pelo desânimo ou humildade falsa. Permanece sempre o Jorge, que a gente admira muito.” O senhor foi o primeiro na cidade a narrar os jogos de futebol de várzea? “Pois é! Comecei brincando nos jogos da Musical. Eu levava o gravador e gravava. O pessoal gostava e achava curioso, porque eu vinha de uma transmissão internacional de Copa do Mundo. O Jorge dizia: ‘Você vai irradiar jogo nosso, depois de vir de uma Copa do Mundo? Não acredito!” E eu: para mim é a mesma coisa! Tanto faz irradiar jogo da Musical, da Argentina ou do Brasil, porque estou entre amigos com vocês e quando estou com meus colegas de profissão. Além disso, a responsabilidade é a mesma. Não posso fazer coisa mal feita nem aqui nem lá." O senhor pode falar sobre seu trabalho atual? "Claro! Hoje sou Diretor Jornalístico Da Rádio Boa Nova, que é a antiga Rádio Clube e a mais antiga PRD7. Levo um programa de Notícias e Entrevistas que começa as 6:00 horas da manhã e vai até as 8:00. Trabalhei vinte e três  anos na antiga Rádio Clube e depois fui fazer uma experiência na rádio FM do Pagliato, a Rádio Ipanema. Durante anos fiz programas nas duas, na Rádio Clube AM e na Rádio Ipanema FM, até perceber que não podia servir a dois senhores. Saí da Rádio Clube e fiquei um pouco na Ipanema. Aí, acho que me deu a ansiedade do Jorge, porque queria ver coisa nova, diferente e arriscar, porque não estava mais na idade de andar mudando e porque o Brasil entrava numa fase de desemprego geral. Mas, saí da Ipanema e voltei para a Rádio Clube, que me recebeu de volta. Fiquei mais dois anos até que a Rádio Clube criou a CBN. Pensei: é melhor eu parar e deixar a juventude que está chegando tocar isso’. E parei com a Rádio Clube de novo. Pensava: "Zé, você não tem sossego?" Ah, eu não dava certo com a CBN! Fiquei uns trinta dias por aí... Os amigos me convidavam: ‘Zé, você não quer vir transmitir o jogo para nós? O locutor daqui ficou doente’. Assim fui transmitir um jogo e outro amigo, que era dono da Rádio Campinas, me convidou para comandar uma equipe de jornalismo de dezoito pessoas. Falei: vou ficar trinta dias. E fiquei seis anos tocando a CBN de Campinas, tendo recebido da cidade o título de cidadão e outros prêmios importantes, pelo trabalho desenvolvido. Enquanto ainda estava lá, montei a Rádio Cruzeiro do Sul e o Laor Rodrigues, que era seu diretor, me convidou para vir para cá. Respondi: Laor, eu vou ficar em Campinas e quando voltar de lá posso até aceitar seu convite. Campinas é uma bela cidade, que eu muito respeito e vou defender sempre... Mas, começava a perder o elo com Sorocaba e não podia, pois morava em Sorocaba. Mas viajava todo dia. Saía de madrugada e voltava a noite. Aí voltei e estou na Rádio Boa Nova. O pessoal da Maçonaria e o presidente da FUNDEC, o Wilson, também me convidaram para a TVCOM de nossa cidade. Aceitei e estou lá, fazendo um programa diário de esportes, que começa as 18:30. Nas Quartas, às 10:30 horas e Domingos às 14:30, entrevisto personalidades. Minha vida é essa. E tudo começou há algum tempo, com as primeiras entrevistas sobre capoeira com o Jorge Melchiades. Gosto desta vida e das pessoas que entrevisto, porque fazem parte da minha história. Elas contam histórias que eu gosto e o Jorge tinha muitas, do seu time de futebol, das lojas, da Capoeira... Agora ele fala de seus estudos, dos livros, da sua peça de teatro... Quero dizer, o Jorge é um homem de várias matizes e tem muita coisa boa para acrescentar à nossa cultura. Lembro até hoje o que ele dizia: ‘Capoeira não é para brigar. É para ter um físico bom. Para ele a Capoeira tinha filosofia. Dizia que era um jogo como o tênis, o futebol, que é boa para alma, para o espírito, para a cabeça e para a cultura, porque representa a herança da linda gente negra ao nosso país. Então, o Jorge tentava por na cabeça das pessoas, que Capoeira é para aperfeiçoar o físico e evitar doenças. Pode ver que o Jorge raramente fica doente. É um homem que tem uma saúde maravilhosa. Ele dizia que quem evita drogas de todo tipo e pratica esportes tem saúde privilegiada, raramente ficando doente e evitando até gripe." Confesso ter ficado um tanto quanto sensibilizado por esse apreço que o Jorge recebeu do Desidério. Me fez concordar, que fazer amigos é a melhor das opções na vida.

 

O pioneiro dá volta ao mundo

 

MANOEL TROIANO DOS SANTOS é conhecido como mestre Cuco  e  representa o Grupo Cativeiro em Sorocaba e região. É presidente da Liga Sorocabana de Capoeira e tem academia na Rua Nogueira Martins, 53, centro. Ele disse: "Comecei a praticar Capoeira na rua e depois com o mestre Miguel Machado, que vinha a Sorocaba toda semana para orientar os alunos mais ou menos graduados do grupo Cativeiro. Mais tarde, quando iniciei meus próprios trabalhos, queria expandir para fora da cidade porque aqui certos segmentos religiosos faziam forte resistência ao desenvolvimento da Capoeira. Apesar disso, na década de 90 criei o projeto "Capoeirança" e dei aulas para crianças carentes em vinte bairros da periferia. Aí o poder público interessou-se pelo projeto e o expandiu, fazendo a Capoeira entrar em mais de 50 escolas e ficar mais respeitada. Nós, do grupo Cativeiro de Sorocaba temos representação em seis países e participamos dos jogos regionais. Procurei me formar em Educação Física para dar um respaldo mais científico e técnico para a capoeira." Perguntei ao Mestre Cuco se teve contato com o pioneiro, e ele respondeu: "Fui um dos que, nos idos de 80 vendeu cursos da escola Magnus, cujo proprietário era o Jorge e onde conheci a Capoeira... Eu era adolescente ainda." Perguntei quem mais, além do Jorge, dava aula lá, em sua época. Respondeu: "Um mestre chamado Pipoca, que há pouco tempo reencontrei na Bahia."  Depois que iniciou, você nunca mais abandonou a Capoeira? "Iniciei no grupo cativeiro e fui recebendo graduações até me tornar mestre, sempre fazendo estágios adicionais pelo Brasil. Percebia, nessa trajetória, que o interesse público pela capoeira esquentava e esfriava, obrigando alguns professores a migrarem para outras artes marciais ou virarem evangélicos... Eu queria mostrar que a Capoeira é viável e preparei uma equipe de professores para trabalhar nos bairros, inclusive em academias mistas, para mais pessoas terem acesso a ela. Procurei me manter estável, independente da capoeira virar modismo ou ter pouca procura. E, apesar de mestres mais antigos se acomodarem, até por motivo de força maior, na ânsia de expandir a capoeira me expus, muitas vezes participando de lutas até contra outras artes marciais. Fui o primeiro a lançar CD de capoeira em Sorocaba e a incentivar os praticantes a cursar a faculdade de educação física, para que tivessem condições de trabalhar até em outros países. Tenho dois CDs gravados, um inovando, com ritmos de regae e dance e outro de Capoeira de Angola. Também dou sustentação para núcleos de Capoeira na região de Sorocaba e no exterior. Os que me respaldam nessa tarefa são os contramestres Gera, Alemão, Nei, Zóio, Cirino, Franja, Caju, Cocão, Careca, Jorge, Ingrid e Francine, minha filha. Acho legal manter a tradição, as raízes da capoeira de angola e da regional, além de praticar a contemporânea." Saliento que encontrei nos jornais de Sorocaba, anos de 97 e 98, matérias sobre o trabalho de Cuco e em 2001, notícias do primeiro campeonato nacional de Capoeira organizado por ele e seus formados em Xalapa, no México.

PAULO SÉRGIO FRANZONI foi aluno do Jorge Melchíades, no curso supletivo da Escola Magnus da rua da Penha e seu amigo. Hoje é funcionário público municipal e disse: “Eu o conheci primeiro na escola da Rua da Penha, que depois  mudou-se para a rua Monsenhor João Soares em 1982. Como tinha um salão comercial na frente desse prédio o Jorge aproveitou para montar nele uma livraria de usados ou um sebo. Nessa época ele também levava uma peça teatral e um time de futebol feminino. Eu, inclusive, fui o primeiro freguês do sebo dele. Comprei lá um livro, O Evangelho Segundo o Espiritismo. Ele anunciava nos jornais que comprava livros usados e às vezes eu ia ajudá-lo no serviço braçal de carregá-los. Nunca esqueço disso, porque nessa época ele estava com um corcel vermelho que vivia dando problemas mecânicos e em certa ocasião a gente precisou empurrá-lo. Depois, lembro que mudou-se para um prédio da rua Brigadeiro Tobias, no final de 84, onde a escola foi para adultos por pouco tempo. Lá virou a escola Magnus Júnior, que em 1989 passou a funcionar em prédio próprio, numa bonita chácara no Jardim Magnólia."  Perguntei: o senhor sabe com quem ficou  a livraria ou o acervo de livros do sebo? "Não. O que sei é que o Jorge não levou-o para o prédio da rua Brigadeiro Tobias, porque  na época fiz  uma colocação de vidros lá. Até lembro do Jorge, no quintal, fazendo uma escultura para sua peça de teatro... Fiquei impressionado. Ele pegou um bloco de barro e depois de molhar as mãos o enchia de tapas, murros e esfregões, até que, praticamente do nada vi sair uma forma escultural fantástica. O Jorge tem uns talentos que...” Aproveitei a pausa que fez para perguntar: No início da década de 80 o Jorge também promovia eventos culturais... Você chegou a participar de algum? “Lembro quando promoveu uma excursão para os alunos irem à São Paulo assistir a uma peça de teatro do Plínio Marcos. Eu nunca tinha entrado num teatro. Era o teatro Taíbe e a peça, Jesus Homem. omem.. Por sinal, ela causava um certo impacto, porque quem interpretava Jesus era um negro. Plínio Marcos fez isso para chamar a atenção ao preconceito que existia em cada um de nós. Ele dizia que devíamos prestar atenção nas idéias que Jesus passou, não na cor da sua pele. Plínio Marcos era um cara fantástico e o Jorge, que não lhe ficava atrás, gostava muito dele. Eu lembro que o Plínio Marcos estava fazendo uma palestra um pouco antes do espetáculo, sobre a situação política, econômica e social do país e eu me levantei e perguntei: Como a gente pode mudar isso? E ele falou: “Se todos nos unirmos podemos criar uma situação que mude essa realidade. O problema é que a maioria das pessoas se omite". Perguntei: O senhor viu o Jorge lutar ou brigar alguma vez? "Graças a Deus nunca vi. Acho que já devia ter parado de praticar lutas. Mas o pessoal falava, comentava. Conheci um rapaz de nome Maurício, por exemplo, que era extremamente forte e comentou que tinha treinado Capoeira com ele e que o Jorge era muito bom de briga. Talvez eu tenha visto algo parecido, quando ele me convidou para acompanhá-lo a São Paulo, pois ia retirar sua carteira de advogado na OAB... Ele achava que ia recebê-la de uma funcionária qualquer, em algum balcão e sem nenhuma formalidade. Por isso fomos vestidos de qualquer jeito e bem a vontade. Chegando lá, a entrega ia ser salão nobre da OAB, que já estava cheio de homens e mulheres muito bem vestidos. Achamos dois lugares discretos, meio escondidos e aguardamos. Logo se compôs, lá na frente e num elevado, a mesa diretora dos trabalhos. Um dos homens austeros e elegantemente trajados, que compuseram a mesa, falou apresentando o outro, o Presidente da OAB, que faria a entrega das carteiras. Ele foi logo solicitando que algum dos presentes fosse na frente fazer um discurso. Todo mundo ficou quieto. Aí ele falou que não entregaria as carteiras se nenhum advogado fosse lá fazer o discurso. Novo silêncio se fez. Foi quando vi o Jorge já diante do microfone. Fez um discurso em torno da responsabilidade política do advogado no país e foi muito aplaudido por todos. O ambiente intimidava e eu acho que o acanhamento tinha paralisado todo mundo. E o Jorge sempre foi um cara atrevido, fala bem e é muito inteligente. Acredito que se ele não fosse não iria outro, porque o pessoal ficou retraído na hora que o homem desafiou."  Aí perguntei se a estátua de barro que viu o Jorge fazer era para o teatro. "Era para uma peça escrita e dirigida por ele, que fui assistir no teatro Fantoche.  Seu nome era Beijos da Traição e nela tinha uma frase que nunca mais esqueci: “as palavras são desnecessárias quando os espíritos se entendem...”                              

ISMAEL DOS SANTOS ERGEZEL é um respeitado mestre de Português, que procurei entrevistar porque nas pesquisas em jornais de 83 em diante o pioneiro da Capoeira em Sorocaba apareceu encabeçando um movimento revolucionário na cultura teatral da cidade. O senhor Ismael também havia participado. Disse: "Na época, sofríamos o preconceito de não ter valor como dramaturgos, artistas e diretores de teatro, enquanto não recebêssemos as bênçãos explícitas dos que se consideravam os "monstros sagrados" da arte e da crítica na cidade, por integrarem grupos mais antigos e encontrarem respaldo no poder político vigente. Toda arte teatral, para ter algum apoio, portanto, tinha que adotar o mesmo modelo deles. Eram pessoas talentosas, sem dúvida, mas formavam uma espécie de casta, uma elite cultural com acesso privilegiado na imprensa escrita e falada e aos meios e modos de produção artística. Os que não faziam parte dela eram desacreditados e por isso encontravam dificuldades imensas para preparar atores, montar espetáculos e divulgá-los. A FESTA, Federação Sorocabana de Teatro Amador foi a mudança necessária e iniciou com o Jorge Melchíades, que como nós, trazia muita ansiedade por idéias novas. Sua ação enérgica, impetuosa e destemida abriu caminho para uma série de grupos menores que não encontravam espaço nem projeção. Eu fiz parte, tanto da primeira diretoria reunida para lutar pelos avanços, como de um grupo experimental chamado Nelson Rodrigues. A FESTA trazia a antítese às idéias vigentes e o pessoal da velha guarda resistia. Achava que não era o momento de mudar e por isso ocorreram confrontos. Primeiro, tivemos de nos bater contra os componentes da casta, depois com os órgãos públicos e com a imprensa. Tivemos também, um sério confronto de idéias com o Secretário Regional da Cultura da ocasião, que nos proibiu de entrar na Casa da Cultura e criou uma discussão ou quase uma briga na frente do prédio da entidade. Durante todo o tempo de tensão e nervosismo que enfrentávamos o Jorge era muito amoroso e falava: "Vamos com calma e em frente que a gente chega lá... A gente consegue." E realmente, conseguimos." Perguntei: O Jorge era o líder do movimento? "Sim, liderava a festança... Explico: o nome da Federação anterior era FETABAS, que teve memorável atuação mas depois parou no tempo. A ironizávamos criando lapsos de linguagem e chamando-a de OFEBAS, empresa fornecedora de serviços para defuntos. O nome tinha duplo sentido; além de Federação significava o eclodir de uma festa que dava a todo mundo a oportunidade de fazer teatro. Como de fato, por causa da FESTA a cidade fervilhou em arte, pois logo realizou o primeiro FESTAR, um festival de teatro de que participaram grupos de Sto. André, São Paulo, Jundiaí, Sorocaba e região. O teatro, que antes quase não aparecia nos jornais, passou a ser destaque até na primeira página, com amostras, palestras, apresentações, dramatizações de textos, poesias, debates etc. A FESTA popularizou o teatro, levando a uma visão menos preconceituosa. Antes, você montava uma peça e vinha meia dúzia de pessoas para ver. Depois, a população passou a ir ao teatro." Perguntei: li notícias indicando que a oposição levantada contra a FESTA gerou calorosos debates na Biblioteca Municipal e no auditório do jornal Cruzeiro do Sul (28/1/84). O senhor participou deles? "A FESTA fez algo que não se fazia até então. Promovíamos leituras dramatizadas de peças teatrais e de poesias com debates... Primeiro na Casa da Cultura e depois de expulsos de lá, na Escola Magnus da rua Mons. João Soares. Agora, os debates aos quais você se refere eram "brigas de cachorros grandes" e nós participávamos mais como torcida. Ainda éramos um tanto quanto inexperientes em luta política e as discussões eram entre o Jorge Melchíades e os intelectuais famosos da cidade e de fora, mais radialistas e jornalistas. As discussões eram acaloradas, porque eles se opunham a nós. Se achavam "monstros sagrados" do teatro e os únicos capazes de fazer cultura na cidade. É claro que eram figuras proeminentes e de grande qualidade, mas isto não lhes dava o direito de criar obstáculos aos mais novos." Então, o Jorge era encrenqueiro mesmo? "Uma figura interessante. Quando quer uma coisa vai até o final. Lutar pelo objetivo traçado é uma qualidade típica do Jorge. Ele discutia, batia boca, ia em frente e não abria mão de suas idéias. Eu confesso que em certos momentos ficava receoso... Tinha vontade de falar para ele: “Dá um tempo! Você está indo demais, além de nossas pernas...” Mas não falava, porque o Jorge tinha uma argumentação forte. Ia colocando idéias e argumentando até que chegava lá. E quando as partes não cediam diante da rica argumentação do Jorge, dava no que dava: em bate boca. Um tinha de segurar o outro senão partiam para o corpo a corpo. Mas, eu acho que isso tinha de acontecer. Fazia parte do processo de transformação.”  Encontrei notícias no jornal sobre sua peça, chamada Os filhos do ladrão... “ Pois é, ainda hoje, quando encontro o Tim, ator sorocabano, ele comenta que era uma das pérolas do teatro Sorocabano. Revelava o lado safado do político... escrachava, satirizava até com palavrões e cenas meio obcenas, na intenção de denunciar a sociedade reprimida da ditadura militar. Quando o Jorge disse: Vamos fazer um festival para os garotos mostrarem o que sabem fazer, a peça, “Os filhos do ladrão” foi premiada e uma de suas atrizes, a PIT, como a melhor do festival.” Perguntei: E hoje? Parou? “Alguns colegas de teatro pedem texto e eu escrevo... Faço também poesias, algumas publicadas. Tenho uma peça que esta sendo montada em São Roque. É sobre a problemática da juventude, que deu uma descambada na moral, na sexualidade e está meio perdida, sem direção ideal. Está no nada a ver, no pega nada... Aliás, o título da peça é Pega Nada.” O senhor também participou de protestos na praça central de Sorocaba? “Sim, foram por conta da oposição ferrenha que faziam à Festa. Não abriam espaço. O grupo de elite do teatro era terrível. A gente convidava para ver o espetáculo da gente e alguns deles diziam: “Não vi e não gostei”. Eles realmente achavam que só o teatro deles tinha valor. Tinha um que era advogado e uma pedra constante em nosso sapato. Boa gente, mas queria cobrar de nós os direitos autorais, como se fôssemos profissionais de teatro. Muitas vezes impedia nossos espetáculos de acontecer.” E sobre o Jorge na Capoeira? “Conheci o Jorge no início de 83, quando precisávamos de um espaço para ensaiar e o Renan Dimuriez arranjou com ele na Escola Magnus. Lá eu vi algumas fotos dele comandando um grupo de capoeira no programa do Silvio Santos e eu achei estranho, porque a gente não conseguia associar sua figura austera com a Capoeira... Mas, como o programa do Silvio Santos era o top do momento, as fotos mostravam que ele não atuava apenas na educação e no teatro. Foi quando também descobri que o Jorge é um batalhador. Eu admiro a calma dele. Ouve a gente. Não desiste do ideal. Mira em frente e vai...” O senhor, enquanto professor, tem tido contato com a Capoeira? “Tenho amigos que praticam e às vezes as escolas onde leciono pedem apresentações. Dizem que a Capoeira faz bem ao espírito e ao corpo... mas, a gente tem visto no antes, no durante e no depois de algumas apresentações, atitudes nada saudáveis, ou a incoerência entre o que se fala e o que se faz. Tem alguns grupos que desabonam a Capoeira e  desencadeiam uma reação contrária a ela. Tanto é que antigamente eu parava para ver uma roda de capoeira, mas hoje em dia passo direto.” O que o senhor pretende no futuro próximo? “Já tentei ser ator na antiga TV Tupi e fui metalúrgico. Há quinze anos dou aula em escolas públicas e no ano que vem pretendo lecionar em escolas particulares. Também quero voltar a fazer teatro. Estou muito preocupado com a juventude e o teatro oferece uma linguagem para incutir novas idéias. As velhas idéias estão aí se impondo e o adolescente cada vez mais envolvido pela sexualidade e drogado... Um psicólogo estrangeiro até diz, quanto a isso, que há uma normose, isto é, comportamentos antinaturais e alienados, mas que devido ao fato de tantas pessoas o reproduzirem, há quem ache que são normais.”

BENEDITO AUGUSTO DE OLIVEIRA, sindicalista da saúde e diretor teatral, mais conhecido como BENÃO. Disse-lhe: durante minhas pesquisas constatei que o senhor foi secretário da primeira FESTA... “Ela foi a segunda grande federação em Sorocaba, depois da FETABAS, Federação do Teatro Amador da Baixa Sorocabana. Havia a Confederação Nacional e a Estadual. A FESTA nós criamos para organizar os artistas de teatro na cidade. O Jorge Melchiades era presidente, eu secretário, Renan Dimuriez vice presidente. Fizemos um grande movimento teatral na cidade e um festival espetacular que foi levado no Teatro Fantoche e no Municipal. Aquilo ficou para a história do teatro sorocabano. Através da FESTA dialogávamos com todo movimento teatral do Brasil. O teatro sempre foi uma arte muito perseguida e no regime militar seus artistas foram discriminados... Atriz era prostituta, ator era drogado ou... Enfim, o teatro teve um período muito marginal. Teve um período da ditadura em que os artistas foram banidos, reprimidos e coisa e tal. As pessoas que faziam um teatro revolucionário foram presas e os artistas que restaram flertavam com o regime. Faziam um “teatrão” de consumo produzido para a classe dominante, que não desejava questionar a realidade do país. Era só entretenimento ou besteirol. As reações vinham do Arena, do Oficina, que faziam teatro revolucionário, político, engajado, em oposição à arte oficial, sem conteúdo de questionamento. Nesse período também surgiram grandes autores, como Plínio Marcos, por exemplo, que “corria por fora”. Tinham grandes atores e autores do chamado ‘teatro novo’, que pressionavam o modelo institucional de arte. E o Jorge, que vinha de outras histórias, deu uma contribuição muito importante ao teatro sorocabano ao aglutinar seus artistas. O artista é muito rebelde, por excelência. Essa coisa de  se organizar em entidade é complicado para ele. Você não vê aí uma greve dos artistas ou organização nesse sentido... E o Jorge talhava por um melhor nível. Sabia o que era uma entidade, como organizá-la e tudo o mais. Ele vinha de um outro segmento que não era o teatral genuinamente, mas vinha contribuir com a formatação de uma entidade, com a geração do saber político no meio artístico. Foi um cara que marcou época. Nesse período haviam os grandes monstros sagrados do teatro, que existem até hoje em Sorocaba. Há até quem diga que eu sou um deles... Haviam grandes diretores na época e artistas emergentes com muita vontade de fazer um teatro que revelasse a sua comunidade e dialogasse com ela. Como fazer isso naquele período? Como organizar? Como fazer uma federação de teatro? Ou uma assembléia com artistas de teatro? Isso não é pouca coisa. E foi aí que o Jorge trouxe o diferencial. Ele nos ensinou a fazer isso tudo. Teve a paciência de reunir as pessoas e de falar: “calma meus filhos, vocês estão muito excitados e é preciso disciplina. Uma revolução não é feita do dia para a noite... Tem que treinar... A categoria teatral dominada pela classe dominante da cidade era um ninho muito fechado. Se você fazia um teatro que relatasse a violência e levasse questões sérias para o palco, estava excluído. A FESTA resgatava o papel legítimo do teatro e o Jorge foi seu primeiro presidente, portanto, todo debate e bronca caiam em cima dele. Só que o Jorge, você sabe, é muito bem preparado. Nós ficávamos boquiabertos. Foi um cara que chegou, pegou todos aqueles artistas marginais e reuniu numa federação e daí foi discutir com a classe dominante a estética de fazer teatro, as novas fórmulas de fazer teatro, o novo papel do teatro e o novo conteúdo que o teatro devia ter. Então, sendo ele muito importante para a época, sua atuação só devia ser polêmica. Até hoje a sua atuação histórica nesse período continua muito polêmica. Mas é porque  ele tinha consciência do que estava defendendo e muitos de nós não. Então, hoje você ouve falar de materialismo dialético, ateísmo, espiritismo e tal e coisa. A gente começou a ouvir isso com o Jorge. Quem vinha dizendo para os atores da cidade: “olha, existem movimentos filosóficos cristãos e os que não são cristãos também, foi o Jorge”. Eu o vi recentemente e pelo visto não  mudou muito, inclusive  fisicamente. Parece que dorme no formol, né? No teatro ele escrevia e dirigia. Eu me lembro de ‘Maria das Dores’, mas tinha outras... Até hoje o Jorge  é um autor teatral muito talentoso. Tem visões cênicas muito boas e os espetáculos dele também eram muito polêmicos na época. Então, espero que ele continue nesse duro ofício nosso que é de montar espetáculos de teatro. Depois do nosso movimento o teatro amador tomou outros rumos. Uns diretores remanescentes dele acabaram ficando um pouco mais famosos e eu sou um deles. O poder público se tocou e quando chegou no final da década de 80, o município me contratou para fazer o Projeto Ícaro, do qual participei de 87 a 90. Antes disso estive em Piracicaba e fui contratado pelo centro acadêmico da UNIMEP, para dirigir teatro na época. Por volta de 86 eu montei lá a ‘Aurora da minha vida’ de Noel Alves de Souza e outras. O Renan Dimuriez foi para o norte do país fazer televisão, a TV Manchete de lá. Houve uma esparramada no movimento que nós tínhamos. A federação de teatro com os grupos organizados se extinguiu.” Perguntei: Então, o trabalho da FESTA abriu caminhos? O senhor continua no teatro? “Muitos caminhos, sem dúvida. Daqui a pouquinho,  inclusive, eu vou para um ensaio em Mairinque. Estou dando uma oficina lá, por conta de um projeto da Secretaria do Estado da Cultura. O projeto chama-se  ‘O riso’. Tem coisa que você contrai como um vírus, que vai até te matar e teatro é um deles. Eu sou sindicalista mas ensaio linearmente. Montei ‘O rinoceronte’ no ano passado, do Eugênio O’Neil, pela Oficina Cultural Grande Otelo, ‘Dorotéia’, de Nelson Rodrigues. Recentemente fui para o Mapa Cultural e montei vários espetáculos. Todo ano estou aí.”

CLAUDINEL RENATO DA SILVA é advogado, professor de educação física e terapeuta. Perguntei: soube que o senhor esteve no debate entre o Jorge, artistas do teatro e profissionais da imprensa escrita e falada da cidade. Disse: “Sim, foi na época em que alguns de nós tentávamos resgatar alguns valores culturais. Foi na Biblioteca Municipal, que era na Rua da Penha e lembro de ter alertado o Jorge de estar dizendo coisas que o pessoal não estava preparado para absorver naquele momento. Ele foi mal compreendido no que falou e todos ficaram muito revoltados com o discurso que ele fez. Para entender isso melhor, veja que naquela época até o beijo foi proibido em Sorocaba, por um Juiz de Direito. Eu estava fazendo teatro amador e com meu pessoal saímos por ai beijando todo mundo em sinal de protesto. A proibição criou uma celeuma que foi matéria jornalística em toda imprensa nacional...” Fiz um aparte: o senhor está dizendo que o pessoal não tinha capacidade de entender o Jorge, na época? “Alguns até poderiam entender, mas talvez não quisessem... O Jorge sempre esteve um pouquinho à frente de sua época. É um filósofo e psicólogo de fato, foi um ótimo aluno de Direito, participou de atividades no Diretório Acadêmico da FADI e em Sorocaba  sempre tivemos uma cultura provinciana, meio fechada. As elites iam aos grandes teatros em São Paulo e o restante da comunidade ficava a ver navios... Então, estávamos tentando modificar isso e o Jorge era um agitador... fosse porque exercitava uma reflexão um pouco à frente do pessoal ou talvez porque fosse presidente de uma entidade indesejada. Estávamos saindo de uma ditadura e todos veículos de informação ainda tinham alguma restrição a manifestações vindas do povo. E o Jorge era fogo! Não mandava recado. Falava o que tinha de falar com sinceridade, porque sempre foi sincero. E fosse lá porque fosse, foi mal interpretado.” O senhor foi colega dele de faculdade? “Eu vim de fora. Era aluno da FMU, faculdade de São Paulo e vim a Sorocaba para ficar três meses, mas gostei da cidade. Fiquei e tenho família e filhos aqui. Estou bem e Deus queira que eu seja sepultado nesta terra que tanto amo... Mas, naquela época eu fazia a Educação Física e Direito e o Jorge, Direito e Psicologia em São Paulo. O Jorge, além de teatro, capoeira e outros esportes, ainda fez algumas telas, que andou expondo na sede do Diretório Acadêmico da FADI. As cores, os traços que ele pintou foram tão singelos, tão bonitos que deu uma grande repercussão.” Poderia falar sobre o seu próprio trabalho na área social? “Eu era oficial de justiça e funcionário do Estado e não poderia advogar, então me disponibilizei e também me tornei professor de hidroginástica e fisioterapia. Sou voluntário e secretário de uma entidade voltada para a ecoterapia, que atende a pessoas carentes. Sorocaba, em razão desse trabalho voluntário está sendo agraciada com uma unidade completa de ecoterapia. Em trabalho voluntário, gratuito, damos um pouquinho do que sabemos para a comunidade. O trabalho existe há dois anos, mas só agora, enquanto entidade, atende nas dependências do quartel da Polícia Militar, na rua Prof. Mena Barreto. Neste sentido, todos devem conhecer o trabalho que a Polícia Militar de Sorocaba realiza com deficientes, com portadores da síndrome de Down e de lesões múltiplas. A ecoterapia é coisa inovadora na fisioterapia e estamos usando todos os recursos com profissionais do melhor gabarito, que são voluntários formados. São psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, professores de educação física e outros que estão lá servindo as pessoas."

Problemas, novamente.

 

O lançamento de um CD, pelo "pioneiro" da capoeira na cidade foi anunciado no jornal Cruzeiro do Sul, de 29/11/03, e como o Jorge Melchíades não estava lançando seu CD, quem o fez não podia ser pioneiro da capoeira na cidade.

É difícil não discutir o impacto que essa matéria representa à memória do cidadão atento, que lembra da população sorocabana, na noite e madrugada dos dias 30 e 31/05/70, torcendo diante do aparelho de televisão ou em caravanas no grande auditório da TV. TUPI, canal 4, para o grupo de capoeira do Jorge Melchíades ganhar a nota máxima no programa do Silvio Santos. E ganhou, porque em seguida essa geração de cidadãos saiu às ruas para comemorar a ambulância zero recebida como prêmio pela vitória que teve repercussão nacional. Eu ressalto, que o referido jornal é sério e merece ser considerado fonte de material histórico de valor, pois foi nele que pesquisei e colhi artigos que provam justamente o contrário daquilo que publicou em 29/11/03. Entre tantos fatos importantes para a história da capoeira da cidade esse jornal anunciou há 34 anos antes, por exemplo, em 26.11.1969, a promoção de um "espetáculo de capoeira no clube Recreativo" pelo "jovem mestre Jorge Melchíades... da Academia de Ginástica Nacional". Isto, quase 10 anos antes de publicar que Luiz Sabugo veio a Sorocaba para também ensinar a arte, em 18.02.1978. Só em 01.03.1990, ou 20 anos após publicar sobre o verdadeiro pioneiro, foi que veiculou a primeira notícia relacionada a bloco de carnaval, sobre o mestre que estaria lançando o CD. Antes disso, não se sabe de nenhuma matéria em jornal algum, vinculando-o à capoeira da cidade. Como alguém, em bom estado mental pode sustentar seu pioneirismo?  Mais ainda; antes do aparecimento do Jorge em 1969, não encontrei nesse jornal e em nenhum outro, foto, documento ou qualquer informação DIGNA DE CRÉDITO, sobre alguém que praticasse ou ensinasse capoeira na cidade. Ora, como ninguém põe em dúvida o excelente trabalho que o mestre Pedro Feitosa realizou e realiza na cidade, e existe a absoluta certeza de que os diretores, jornalistas e funcionários do centenário jornal são profissionais do mais alto gabarito e com elevada preocupação em divulgar verdades, como pode ter ocorrido esse engano? Essa contradição? Eu digo que se trata apenas de um mal-entendido que o jornal Cruzeiro do Sul esclarecerá oportunamente, porque tem o mais profundo respeito pela VERDADE e por seus leitores. Aliás, quem dá algum VALOR à verdade deve apreciar os depoimentos abaixo relacionados.

LUIZ CARLOS RAFALDINI é o mestre de Capoeira conhecido por Luiz Sabugo, que localizei na distante cidade de Santa Rosa de Viterbo, S.P. Sobre o brilhante trabalho que realizou na cidade, entre 1977 e 1982, existem vários artigos nos jornais locais. Ele declarou: "Iniciei na capoeira aos 16 anos, com mestre Nelson, da academia Areia Branca, em São Caetano do Sul. Mas também aprendi com o mestre João Ferreira e o mestre Valdenor, da associação Nova Luanda, de Santo André. Desta, montei uma filial na Parada do Alto (1977) e depois dei aulas no Recreativo até instalar-me na rua Cônego Januário Barbosa. Devido ao meu ingresso na Polícia Militar, tive de deixar Sorocaba numa época em que as rivalidades já tornavam difícil, senão impossível, alguém desenvolver um trabalho sério na Capoeira (1982). Infelizmente, em toda parte há pessoas que não se encaixam na seriedade e ao invés de ajudar entram com o empecilho. O cara ganha um pouco de cartaz que vai à cabeça, né? Aí sobe num tijolo e acha que subiu num palanque... Entendeu? Mas, a gente passa uma borracha nisso e joga fora, porque peso na consciência só sente quem a tem." Perguntei se mais alguém abriu com ele a academia Nova Luanda em Sorocaba. "Abri sozinho. Só pedi licença ao mestre Valdenor, que me aconselhou a formar uma grande família na capoeira." Comentei que vi fotos indicando que ele e o Jorge Melchiades, realmente, pareciam manter um bom relacionamento. "Se houve alguma rivalidade foi entre os que praticavam comigo e com ele. Entre eu e o Jorge nunca houve. Ao contrário, a gente sempre trocou idéias e experiências. Quando ele realizava um evento, o primeiro que convidava era eu. Depois de nós é que houve a mudança. Sobre isso eu até aconselharia as pessoas a olharem para trás com bons olhos, para ver o que de fato acontecia. E os que viveram esse passado devem ser procurados enquanto fontes de esclarecimento. Tem gente séria que faz isso. Pesquisa e vai atrás da realidade. Quem pesquisa de modo digno e sério não fica ouvindo só quem vangloria o próprio lado..." Pergunto: quais foram seus primeiros alunos em Sorocaba? "Os dois filhos do Peralta; o Ted e o Tércio. Depois vieram o Marcus Sérgio, o Peru, o Ganso, o Escravo... Mais tarde vieram o Pedro Feitosa, o Feitosinha, o finado José Feitosa, o Geraldinho e outros. Todos contribuíram para a divulgação que a academia teve. Você, que faz um trabalho de pesquisa sério, deve ter encontrado nos dois jornais da cidade as matérias sobre meu trabalho, não é? Quem me ajudou bastante na época foi o doutor José Theodoro Mendes, através da Isolda e do Zago, da Secretaria de Educação e Cultura." Pergunto: os irmãos Feitosa começaram na capoeira com você? "Começaram. Primeiro veio o Feitosinha e depois o Pedro, que hoje deve levar o trabalho dele, não é? Pois é! A última vez que passei em Sorocaba encontrei o mestre Cuco, que me perguntou: o senhor lembra de mim? E mostrou uma foto tirada comigo na porta da academia. Rapaz, eu não lembrei! Também, o homem está um guarda-roupa! A ele eu considero autêntico, porque diz abertamente onde e com quem começou... Mas tem cara que ao invés de plantar coisa macia, para colher mais tarde, tem vergonha de falar quem o ensinou. Acha que nunca vai ficar velho e que ninguém vai fazer o mesmo com ele. Eu falo bem de todos com quem aprendi e como eu tem muitos. Agora, tirando os que abandonaram a capoeira, eu pergunto: custava quem ficou praticando-a, fazer um exame de consciência, pensar? Eu comecei com fulano e o seu trabalho era direcionado, por que não continuar na mesma direção? Por que não dar continuidade ao trabalho de quem me amparou no começo? Então, atrás dele viriam outros que aprenderiam e dariam continuidade ao trabalho dele e assim por diante. Assim escreveria o seu nome na história de Sorocaba! Mas não. O cara diz: o Jorge foi o pioneiro mas não sabia nada... tentando desmerecer o outro sem perceber que não interessa se sabia ou não! Ele começou tudo e a visão que teve eu não tive. Acontece que a visão que tive ele não teve... É por isso que a gente trocava idéias. Ele ensinava a capoeira como recreação e viu, certa hora, que aquilo já não dava mais para ele. Agora, eu tinha feito da capoeira uma profissão e fui o primeiro na cidade a deixar essa opção a outros. Antes de criticar ou tentar tirar o mérito do outro, por que não se reunir? É tão fácil ser educado, gentil. Dizer: fulano, vamos marcar uma reunião? Cicrano, seria possível você participar de minha festa? Vamos trocar uma idéia? É assim que se forma uma grande família. E por que não fazer isso? O dia que o santo pecou foi o primeiro filme em que o mestre Lobão atuou. Veja onde ele chegou. E é simples, humilde. Se você dizer: Lobão, por gentileza, pode me dar umas informações? Com certeza ele fala o que você quiser. Ele não oculta nada. Assim o mestre Valdenor e outros!" Observei: soube que quando o Marcus Sergius passou para a academia do Jorge Melchiades você foi lá e no jogo com o Marcus pintou um clima tenso...  "Veja bem, quando o Marcus me falou que ia para a academia do Jorge eu falei que nada tinha a opor. A mesma coisa falei ao Pedro Feitosa, quando ele comunicou que ia treinar com um mestre de São Paulo. Não tive nada contra. Nesse dia, eu e o Jorge fazíamos uma roda com a participação dos nossos alunos. Eu jogava com o Marcus, que pisou em falso e por acidente meu pé terminou esbarrando no rosto dele. Só relou. Acontece que quem estava ali para atiçar fogo se entusiasmou: “opa, agora vai ter!” Para evitar um tumulto maior o Jorge entrou imediatamente, mas para jogar na moral e apaziguar o instinto animal dos que estavam querendo encrenca. Nós tínhamos a mesma linha de raciocínio e o meu jogo com ele foi para esfriar os exaltados e dar exemplo, educando para o esporte, entendeu?" Insisti: na inauguração do salão da Cesário Mota, não houve um jogo mais acirrado? "Lembro disso porque me contaram depois. Eu não estava lá. Alguns alunos meus e mais aqueles que jogavam brasa na fogueira se reuniram e foram lá na academia que o Jorge abriu em frente ao Objetivo, para tirar onda de agora eu pego. Embalaram o Peru, que era meu contra-mestre na época, e quando chegou a vez de ele jogar com o Jorge, entrou para rachar e levou uma catada. O Jorge deu um pega nele. Nada sério. Só o suficiente para que cada um se colocasse em seu lugar. E ninguém falou mais nisso, porque eu e o Jorge nos dávamos bem. Como já falei, quem faz um trabalho que condiz com a verdade pesquisa fundo e encontra os que realmente brilharam. Aí, talvez o cara venha a perceber que não vai tapar o sol com a peneira e tape o rosto com uma toalha ou entre debaixo de uma coberta, porque vai sentir vergonha. Agora, também conheci muitos procurando fazer nome pelo quebra-quebra, dizendo que faziam e aconteciam, e deles já tem um punhado debaixo da terra. Isso é uma questão de educação. Se você ia com a esposa ou noiva, de mãos dadas até a porta da minha academia, entrava o homem para um lado e a mulher para outro. O pai que estava lá no carro sondando o ambiente que o filho freqüentava via que o lugar era de respeito. Por isso a gente teve canja. O finado mestre Lazinho, por exemplo, chegou na humildade e falou: Dá para vocês desfilarem pela Escola de samba III Centenário? Só posso dar o pano para confeccionar a roupa. Eu respondi: estamos dentro. Dizia: vai ter uma apresentação lá em Porto Feliz, dá para você levar o grupo? E eu falava: vai todo mundo. O Lazinho foi precursor de muitas coisas e por isso cheguei até a desenhar o traje das baianas para ele (assim como o Jorge e o Marcus Sérgius, Sabugo gosta desenhar e pintar)." Perguntei: quando o mestre Pedro Feitosa começou no grupo Cativeiro ele fechou a Nova Luanda e você foi treinar com ele? Isso é fato? "Não. Não é. Quando me tornei bombeiro da PM em São Paulo, passei a ir raramente a Sorocaba e tive de fechar a academia porque ninguém podia tomar conta. Peru, Noel, Passarinho, todo mundo fazia faculdade ou curso técnico... Com a minha ausência constante dos treinos o pessoal se esparramou. Isso de eu ir treinar com o Pedro está equivocado. Ele iniciou comigo lá na Parada do Alto e sabe muito bem disso e o irmão dele também. Eles começaram lá. Se algum aluno meu, depois que fechei a academia passou a treinar no Cativeiro é outra coisa. Eu não. Primeiro, porque trabalhava em São Paulo. Segundo, porque só ia lá para ver meus filhos. O Geraldinho também se desgostou com alguma coisa e foi treinar Caratê..." Pergunto: se desgostou com os atos dos capoeiristas? "Digamos que quem plantou esse pé de jaca foi você e venha um cara falando que foi ele... Quem tem caráter não se dá bem com isso, entendeu? Tanto é assim que esse pessoal que veio depois só estragou a capoeira. No jogo, se um faz um movimento o cara já dá e vira briga. Tem que mudar isso, porque Sorocaba já foi um lugar importante na história da capoeira." Pergunto: em relação ao trabalho seu e do Jorge Melchiades, como se deu essa mudança? "A gente tem que ser realista e dizer que, infelizmente, nem todos que buscaram progredir na Capoeira procuraram ter uma profissão equivalente a de engenheiro, médico, dentista etc. Muitos foram formados professores e mestres sem a exigência de outro critério além de jogarem bem. Com pouca educação acabam criando problemas para a capoeira, porque não sabem, não buscam saber e ainda recusam o conselho que você dá. Vendem o almoço para jantar, não têm um registro em carteira e ainda acham que estão por cima. Com raras exceções, muitos que aí estão ensinando possuem baixo nível cultural e por isso só sabem falar em tom de arrogância, de violência, dizendo que batem, fazem e acontecem. Aí é a volta ao mundo animal, não é? Tem um que domina sem ver que o outro vai pular em cima dele também, para o dominar. Se procurassem aprender com os mais experientes poderiam mudar isso. Vocês que estão pesquisando a história de acordo, merecem a homenagem dos que têm e terão a oportunidade de contemplar o que foi um trabalho digno. E certamente haverá pessoas dispostas a retomar essa linha para chegarem a um consenso que poderá elevar a capoeira a um altíssimo nível." Pergunto: você diz que você e o Jorge não visavam apenas o desenvolvimento físico dos capoeiristas, mas também o intelectual? "Eu e o Jorge sempre conversamos. Ele colocava pessoas numa sala e ensinava a profissão de vendas de cursos para elas... Aí a gente juntava as idéias ali expostas e dizia: rapaz, eu não percebi isso! Eu ficava sentado ali, curioso e assistindo o intento dele de progredir e de dar uma melhor posição intelectual para o outro subir na vida também. É só você pensar que o Silvio Santos foi camelô e hoje é um senhor empresário. E se perguntar para o Jorge, garanto que ele dirá ter se espelhado na linha do Silvio Santos. Então, eu também reunia pessoas para ensinar uma profissão!" Pergunto: é verdade que nessas aulas ele usava berimbau, atabaque e pandeiro? "Usava. Sei disso porque muitas vezes participei delas tocando berimbau. Ele é intelectual e inteligentíssimo. Como já comentamos: dentro do meu trabalho posso englobar aquilo de bom que o outro tem e isso pode enaltecer mil vezes o meu trabalho. Quem diz que idéia não se dá, se vende, não está fazendo esporte ou um trabalho digno e sério, onde o cara tem que ser humilde e respeitar o outro. E se for inteligente olha para trás e sabe que tem de ser autêntico e humilde acima de tudo, porque quando está começando está sofrendo... Agora, eu te ensino, te amparo, te apoio... e quando você se sente forte me esfaqueia as costas? Então, os que deviam seguir a linha que estávamos seguindo devem perguntar: quem está aí mais próximo? Não é quem estava... É quem está aí mais próximo, no presente. Em Sorocaba é o Jorge. Ele é uma fonte de pesquisa. Chega nele e diz: Jorge, esqueçamos o que se passou, porque a minha linha de raciocínio é a que o Sabugo ensinou para nós. Eu queria... Com certeza o Jorge não vai dar as costas para quem quisesse fazer isso. "Pergunto: Você diz que o Jorge é uma referência de liderança para um trabalho decente? "Ele desenvolveu trabalho decente, honesto e é hora de divulgar um que é reconhecido, não só em Sorocaba. Se você for procurar, honestamente, vai descobrir que foi o Jorge quem começou lá, nos idos de 1968, 69. Aí você soma o total dos anos desde que começou. Dá 36 anos. E veja que fora eu, nunca tiveram a dignidade e a humildade de procurá-lo para conversar. Alguém teve? Ah, vê lá rapaz! Só querem encrenca, discussão e confusão. Dizem: se eu for lá eu quebro ele. Mas não é por aí. Pare e pense. Não é só você que tem jogo, que luta e se exercita. Além disso, um capoeira inteligente tem que ter educação, preparo e formação. O cara é um gato, é bom, não tem quem vença ele... só que a cultura dele é do tamanho de um caroço de azeitona. Tem uma expressão forte, mas é um matuto, um chucro. Ele quer despedaçar você para mostrar que é superior, que domina e que faz. Mas na verdade nada faz de bom, porque no esporte e na civilização não é assim que funciona. E principalmente na capoeira, que já é mal vista, não devia ser assim." Pergunto: do pessoal que treinou com você em Sorocaba, alguém já tinha aprendido alguma coisa em outro lugar? "O Falcon já tinha treinado em São Paulo. O Escravo não, o Pedro Feitosa também não... Depois teve o Ademir, o Volta Seca e o Fernando, que treinaram fora." Pergunto: vamos encerrar, quer acrescentar algo? "Quero agradecer a honra de participar deste trabalho histórico e também ao Theodoro Mendes e meus alunos, o Ted, o Tércio, o Geraldinho, o Feitosinha, o Pedro Feitosa, o Marquinho, o Ganso, o Peru, o Escravo, o Falcon e os outros... Também quero recomendar aos que pensam saber demais da vida e da capoeira, que aprendam a olhar para trás com humildade, para dar continuidade aos trabalhos que pretendem constituir uma família dentro do esporte. Porque quem segue conselhos de estupidez e de brutalidade não chega a lugar nenhum. É como se viciar em droga, que só te ensinam a porta de entrada, a de saída não." Depoimentos informaram também que em 1979 ou 1980 o mestre Sabugo alterou o nome de sua academia para Netos de Luanda”. Matérias como a do jornal Cruzeiro do Sul, de 21/8/81, testificam o fato e dão como titular da academia o mestre Sabugo, e o José Carlos dos Santos, popular Peru como seu contra-mestre.  

GILSON OLIVEIRA PEREIRA é fundador do Grupo de Capoeira Império da Bahia, em  São Paulo, onde reside. Perguntei: O senhor foi aluno do Luiz Sabugo, na academia Nova Luanda de Sorocaba? "Isso mesmo." Lembra dos demais alunos dele, nessa época? "Lembro de alguns. Tinha o Marcos, o Pedro Feitosa, o Escravo, o Peru, o Ganso... O Fálcon já apareceu sabendo capoeira e treinava com a gente, fazia parte do grupo." Pergunto: Você treinou com o sabugo até a época do recreativo? "Até um pouco mais. Quando ele foi para a ACM também. Depois treinei um pouco na academia da rua da Penha, quando o Marcus foi para lá. Depois vim para São Paulo. Aqui, inicialmente passei a treinar com o mestre Ferreira da academia Império Regional, e quando me formei criei minha própria academia, a Império da Bahia, no Tatuapé." Perguntei: soube que o grupo do Sabugo participou de diversos campeonatos pela Federação Paulista? "Aqui em São Paulo, no ginásio do Ibirapuera, em campeonatos, torneios e festivais." Teve contato com o Jorge Melchíades, também? “Conhecí o Jorge quando ele treinava perto do largo do canhão. Depois teve academia na rua da Penha, onde treinei com ele e participei de vários eventos que ele realizou." Então, o senhor chegou a treinar com o Jorge Melchiades? "Treinei. Inclusive, ele me deu um berimbau de presente que usei durante muito tempo em minha própria academia. Infelizmente tive de parar com ela. O dono do prédio pediu o imóvel e alugar outro ficou inviável, além disso eu tinha de terminar a faculdade. Mas, continuei a treinar na academia Ginga, do Delicado, para não perder a forma." Perguntei: pelo que entendi, o Escravo e o Pedro Feitosa iniciaram na capoeira com o Sabugo, mas o Fálcon já veio com jogo, é isso? "É isso. O Escravo, o Feitosa, o Peru, o Geraldinho são parte de um pessoal que iniciou lá. O Fálcon, às vezes puxava o treino como monitor." É verdade que o senhor já tentou um trabalho didático, com livros e fitas? "Essa idéia surgiu quando eu participava de treinos na academia do Suassuna. Mas lá isso ficou meio no ar e resolvi eu mesmo iniciar um trabalho neste sentido, mas devido meu afastamento interrompi e está tudo guardado, até hoje." Sua amizade com o Marcos Sergius parece sólida. Ela vem da capoeira até hoje? "Desde a infância! Estudamos e servimos o exército juntos, sempre mantendo a proximidade." O senhor era chamado de mãozinha? "O Sabugo me deu esse apelido, porque eu usava muito a rasteira de mão." Haviam diferenças na didática do Jorge e do Sabugo? "No básico da Regional e da Angola era iguais. As diferenças apareciam depois, conforme a personalidade e as condições individuais que tinham."

GERALDO PEDRO DA SILVA  é motorista de táxi autônomo em Sorocaba. O senhor foi aluno do mestre Sabugo, no final da década de 70? "Correto. Por intermédio de um outro aluno eu tive contato com o Sabugo e comecei a treinar capoeira lá na Parada do Alto. O nome do clube eu não estou lembrado, mas fica numa avenida ali." Quem foi o aluno que o levou ao Sabugo? "Seu primeiro nome era Francisco, o sobrenome eu não lembro." Perguntei: durante quanto tempo treinou com ele? "Aproximadamente uns quatro anos, durante os quais participamos de campeonatos pela Federação Paulista e em outros eventos." Eu soube que por um tempo você foi o braço direito do mestre Sabugo... "Quando ele precisava sair eu ficava responsável pela academia." E vocês tinham contato com o pioneiro da capoeira em Sorocaba, o Jorge Melchiades? "A gente tinha sim. O relacionamento entre o pessoal do Sabugo e o Jorge era muito bom. Eu lembro que fomos participar de espetáculos dados pela academia dele na boate Zarabatana, também em Itapetininga, numa peça teatral... em batizados." Dos mestres que estão aí hoje, quais passaram pela academia do Sabugo? "O Pedro Feitosa foi aluno do Sabugo. Iniciou com ele. O Fálcon não. Ele já veio de outra academia de São Paulo e começou a praticar com ele. Mas só participava. Não era aluno." Pergunto: e o Pedro Feitosa sim? "O Pedro Feitosa sim. Iniciou como aluno numa segunda turma." Como era na época do seu treinamento com o Sabugo? "Era muito bom, era agradável. O pessoal se respeitava. Não tinha essa coisa que tem hoje. Hoje você entra numa academia, o próprio amigo seu de treinamento não te respeita. Se você é formado e vai num batizado o outro professor não te respeita. É por aí, né? Aí eu fiquei meio decepcionado com o rumo que a capoeira estava tomando e resolvi praticar outro esporte. Não que eu não gostasse da capoeira. Depois de dois anos fora da academia do Luís fui treinar caratê. Acontece que, com a saída do Luís veio a Cativeiro para Sorocaba e esse grupo tinha uma filosofia com a qual eu não me dei bem. Então achei melhor sair fora. Mas, cheguei a treinar no grupo Cativeiro. O mestre Miguel queria até me formar, mas eu não quis, porque, realmente, achei melhor não mudar de filosofia. Para não ficar parado, fui treinar caratê. E treinei por mais de sete anos."

LUÍS GONZAGA RODRIGUES é Presidente da Escola de Samba Unidos do Cativeiro. Perguntei: o senhor pode relatar o seu contato com a capoeira? "Eu sempre gostei de samba e de ver os passistas que faziam sucesso no carnaval, quando saiam pelas escolas. Tinha o Jaú, o Tavinho, o Lazinho, o Nego, o Tião, o Tostão, o Albano. Entre eles um ameaçava derrubar o outro com pernada ou cabeçada. Esses movimentos eram mais no carnaval. Durante o ano não se via. Mas eu achava que isso era capoeira. Depois desses personagens mais antigos veio a nova geração, inclusive eu. Fiz parte da escola de samba do Guarani, depois do Terceiro Centenário e junto comigo tinha passistas como o Dito Vassoura, o João Pantera, o Darci, o Maurinho... Se um cochilasse o outro passava a perna nele. Tinha que ser rápido e estar com atenção no samba e no pé do outro. Então, ai veio a verdadeira capoeira para Sorocaba. A capoeira do Jorge, pessoa muito dedicada, mas que fez um trabalho voltado para quem tinha dinheiro e executivos. A academia dele era inacessível a nós, operários da escola de samba. Eu fui um dos que visitou a academia que ele tinha na Praça Coronel Fernando Prestes, no prédio vizinho ao do Círculo Italiano. Eu sonhava em aprender mas não podia, porque não tinha dinheiro. Achei até que a culpa era do Jorge, que não tinha filosofia para ensinar carentes. Sai de lá decepcionado. Mas continuei dando minhas pernadas até que apareceu a academia, Netos de Luanda, que já deu um pouco mais de espaço para as pessoas mais simples. No tempo da pernada esteve comigo o Escravo, que entrou na academia do Sabugo e conheceu o Pedro Feitosa, o Feitosinha, o Vicente, o Passarinho, o Peru, o Gastão... Daí, todos nós passamos a brincar no quintal de minha casa, todo Domingo. E fui aprendendo capoeira com eles. "Só para me situar; o senhor relatou que a capoeira de verdade, com berimbau, roda e sistema específico de movimentos, como é a da Bahia, o senhor conheceu na academia do Jorge Melchiades? "Foi. A data eu não sei. Só lembro que na época teve um programa na televisão, Cidade contra Cidade, e o Jorge se apresentou lá com um pessoal. Anos depois veio a academia do ABC, trazida pelo aluno do mestre Valdenor e do mestre João Ferreira. O Sabugo parece que era parente do Peralta, um guarda civil em Sorocaba, que ajudou ele a montar academia na rua Campos Sales. O Pedro Feitosa era aluno do Sabugo e eu o conheci lá no quintal de minha casa, brincando com a turma. Me lembro que o inicio dele foi ali, junto com nós. Depois, com todo o pessoal da Netos de Luanda fizemos ala na escola de samba Terceiro Centenário. Eu nunca deixei de incentivar o Pedro, que sempre foi e é meu amigo, para tocar em frente." Perguntei: Então o senhor, o Pedro, o Escravo e outros iniciaram uma roda de capoeira no quintal de sua casa? "Depois o Luís Sabugo também começou a vir em casa, que era ali na rua Quinze, onde hoje é uma garagem. Tinha um quintal grande e todo sábado e domingo fazíamos rodas de capoeira. Depois levei todos para a escola de samba do Terceiro Centenário onde eu era diretor e fizemos uma ala grande, lá." Perguntei: aí vocês fundaram a Unidos do Cativeiro? "Foi. Eu achei que a escola de samba dava mais oportunidade para aluno novo mostrar o que sabia fazer. E foi o certo, porque veio bastante aluno trazendo a mãe, o pai, os familiares. Nós fomos crescendo com aquilo e então formamos o nosso bloco próprio, o Unidos do Cativeiro que hoje é escola de samba." Complementei: foi em 1988 que virou escola de samba e o senhor foi o presidente, pois vi a matéria no jornal. "Eu e o Pedro já tomávamos conta. O Pedro da capoeira e eu do samba. Fomos indo, até o dia em que o Pedro passou tudo para o Cuco e formou o grupo dele." Quando foi que o mestre Miguel apareceu em Sorocaba, o senhor lembra? "Esse professor pertencia ao Cativeiro de São Paulo e veio com os alunos num batizado da Netos de Luanda no ginásio dos esportes. Ele gostou de Sorocaba e passou a convidar o Luís Sabugo para também ir lá em sua academia. E o Luís mandava eu, o Pedro Feitosa e o Geraldo, para representá-lo. O Miguel tinha uma técnica bastante avançada e convidou eles para sua academia na Consolação, na frente do cemitério. O Pedro foi e na minha opinião melhorou muito o jogo. Eu mesmo fui um dos que incentivaram o Pedro a montar academia. Eu dizia: você tem que batalhar agora para ver se o Luís vai aprender com você, e ele ria. Um dia o Pedro topou e arrumou um salão na rua Sete, surgindo a vinda do Miguel, que dava aula lá toda quinta. O grupo Cativeiro surgiu assim, com o Miguel vindo e o Pedro indo, até que se formou professor. Eu estive na formatura dele com o mestre Miguel, em São Paulo. Capoeira é luta e esse é o sentido do Cativeiro em Sorocaba. E o Pedro ia indo bem, até formar a academia dele. O Cuco, que já vinha vindo também ficou o mestre do Cativeiro. Depois que o Pedro saiu o Cuco começou a participar comigo na escola de samba e vai indo bem. Com samba eu trabalho em Sorocaba desde 1954." Esta entrevista com o conhecido Luizão ajuda a esclarecer pessoas equivocadas e até pesquisadores bem incentivados e mal intencionados, que não basta esmurrar para ser boxeador nem adicionar pontapés aos socos para virar lutador de Muai thai, da mesma forma que dar pontapés, cabeçadas, pernadas ou rasteiras não faz de ninguém um capoeirista.

 

Na origem dos problemas...

 

“E o programa de TV continuou na alegria incontida de toda Sorocaba

Toda a vibração, toda a torcida e toda a manifestação registrada no correr do programa, acabou por se estender às ruas da cidade, com o espocar de rojões em plena madrugada, enquanto que no palco do Teatro Tupi -- após as lágrimas incontidas de Salomão Pavlovsky, sob a forte emoção da vitória -- o prefeito Crespo Gonzales exteriorizava toda a sua alegria, ao lado dos estudantes do Instituto de Educação.

A cidade, que permanecera semimorta desde as 21:30 horas, renasceu lá pelas três da madrugada, com os rojões, as buzinas e as manifestações de alegria que rompiam o resto do silêncio, dentro de cada lar sorocabano.(...) não havia um só sorocabano alheio ao vídeo do Canal 4 ou, quando não, nos seus rádios portáteis sintonizados na Vanguarda.(...)”

Eis a reprodução parcial do texto de capa do jornal Cruzeiro do Sul, de 31/5/1970, ilustrado pela foto do saudoso Salomão Pavlovski junto com o apresentador Silvio Santos e ainda outra do prefeito, dançando feliz da vida junto com a torcida sorocabana. Sua página 12 ainda registra: “O quadro CAPOEIRA encantou a todos que já conheciam a autêntica capoeira da Bahia, e que se mostraram surpresos e mais satisfeitos com o que lá foi apresentado. Os próprios componentes do Júri, que só se limitavam a dar notas, pararam para fazer seus comentários elogiosos ao grupo desta luta-dança.”

O espetáculo grandioso assistido por todos da cidade e levado pelo grupo formado pelos sorocabanos Jorginho, Rogério, Serginho Poiato, Celso Bersi, mais Suassuna, Paulo Limão, Anande das Areias, Freguesia e outros, tinha a liderança do Jorge Melchíades. Um ano antes, em 30/7/1969, o mesmo jornal havia anunciado em plena capa: “Capoeira: um NOVO esporte praticado em nossa cidade.” E na quinta página, dedicada inteiramente à novidade, o genial Hermes Albino entrevistava o “jovem mestre Jorge Melchíades” e um de seus alunos na época, o também jovem, João Carlos do Amaral. Nunca vi esse jornal oferecer igual privilégio a outro capoeira, antes ou depois desse dia! O título da página foi: "Atenção: a capoeira está chegando aqui!", e macacos me mordam se o jornal não afirmava o início da atividade na cidade, testemunhado ao vivo!

Se apesar disso tudo, ainda há alguém iludido, achando que o pioneiro da capoeira em Sorocaba foi outro, deve ser por ter lido o livro do senhor Carlos Carvalho Cavalheiro, "Folclore em Sorocaba", cuja edição de 1999 foi financiada pela LINC (Lei de Incentivo a Cultura) e distribuída a todas escolas da rede municipal. Eu também estaria iludido, se tivesse lido o seu capítulo dedicado à Capoeira de Angola, sem saber antes, que nele há grandes equívocos e enorme desprezo, acredito que acidental, a todo esforço realizado por capoeiristas e jornalistas do passado. Faço a análise crítica desse texto, especificamente, com todo respeito ao autor, da mesma maneira como gostaria que fossem analisados e criticados os erros dos meus escritos, porque a crítica literária não se dirige à pessoa que se esforçou e deu o melhor de si ao escrever o livro. A crítica literária de um texto histórico visa o aprimoramento de quem lê e de quem escreve, sendo seu beneficio extensivo ao coletivo que precisa ter sua história preservada. Apesar do título do livro, no texto sobre capoeira o autor não expõe a relação dos capoeiras da cidade com a tradição dos fundamentos, do preceito, da ladainha, com a poética das quadras, dos corridos, com a arte do canto, dos toques do São Bento Grande, São Bento Pequeno e Angola; com os rituais de chamadas, das mandingas, da volta ao mundo, assuntos tradicionais de um autêntico estudo de folclore. Ele desvia de tal rumo para propor novo início da capoeira em Sorocaba, mas sem indicar referências nem apresentar documentos, fotos ou qualquer mínima prova para validar os dois “depoimentos” que lhe dão conteúdo. Fiquei confuso, inicialmente, pela imprecisão dos termos usados e pelas contradições, que são inúmeras. Logo de início, na pág. 54, por exemplo, há a afirmação de que a "Mistura de jogo, dança e defesa pessoal (luta)" foi criada “pelos negros escravos no Brasil." e na frase seguinte a sua contrariedade: "Provavelmente teria sido trazida pelos escravos angolanos". Na página 55 é exposta uma maneira de fazer ciência: formula-se o problema: “Difícil dizer se em Sorocaba existiram negros escravos capoeiristas”; levanta-se uma hipótese: “Não seria, no entanto, absurdo considerarmos tal hipótese”, e, sem razões que conduzam ao resultado final, conclui-se que os escravos da cidade “eram negros já aculturados e que, com absoluta certeza, desenvolveram a capoeira...” (negritos nossos). Ninguém pode evitar a impressão de que um despretensioso estudo de folclore terminou na tentativa de fazer história, porque a pesquisa sobre "escravos capoeiristas" culminou na "biografia" do senhor Pedro Feitosa. Se não fosse assim, como uma "escassa literatura" indicando "se houve escravos capoeiristas em Sorocaba" (pág.55) poderia ser suprida por dados "biográficos" de depoente que, ao que tudo indica não tinha nada a dizer sobre o assunto e nem idade para reportar o que acontecia na cidade na década de 60 ou na época dos escravos? Enquanto o mestre Jorge Melchíades enfrentava as duras batalhas do pioneirismo e do fechado preconceito na época, o senhor Pedro Feitosa teria no máximo 14 anos em 1969, pois ainda estava na guarda mirim! E teria cerca de 6 e 8 anos, respectivamente, em 1961 e 1963, anos sobre os quais depôs. Talvez tenha sido procurado para informar "se houve escravos negros capoeiristas em Sorocaba", por ser o respeitado mestre de Capoeira de Angola que todos conhecem, mas a sua "autobiografia" è resposta ao problema levantado pelo pesquisador? E se ela nada esclarecia sobre a questão pesquisada, por que foi publicada? É claro que o autor tem todo o direito de publicar a biografia de quem lhe aprouver, sem contrariar dados históricos comprovados por outros autores. E não está proibido de contrariar outros autores! Tem também, todo direito de contrariar quem queira, afirmando o que quiser.  Só não tem o direito de reclamar depois, quando os autores da história comprovada fizerem a análise critica de suas falhas e solicitarem que apresente provas insofismáveis do que declarou. Ao afirmar que existe “escassa literatura” sobre "escravos capoeiristas em Sorocaba", por exemplo, outros autores podem pedir que a apresente, para que não se pense que apenas passa a impressão de que existe alguma.

Pois bem, há mais de 30 anos antes desse texto ser escrito, se iniciou um acúmulo de matérias em jornais, de fotos, de áudio e de depoimentos, todos convergindo no sentido único de provar que a capoeira e seu ensino apareceram em Sorocaba no final de 1968 e início de 1969, com Jorge Melchíades e seu irmão Jorginho, que fundaram a Academia de Ginástica Nacional e representaram a Cordão de Ouro. E assim como o Cruzeiro do Sul, também o Diário de Sorocaba, jornal de extraordinário valor da cidade, dirigido pelos saudosos Vitor Cioffi de Lucca e digníssima esposa, Thereza Conceição Grosso de Lucca, registrava no dia 9/11/1969 um capítulo importante dessa história. O inesquecível Alcir Guedes, escritor consagrado e estudioso do folclore, membro da Ordem dos Velhos Jornalistas, do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Sorocaba, da Associação Sorocabana de Imprensa e detentor de vários prêmios locais e do Estado por relevantes serviços jornalísticos prestados à coletividade, também deu seu depoimento sobre o momento vivido, publicando matéria de capa sobre capoeira e frisando no título: "No cartaz, espetáculo clássico de capoeira, inédito em Sorocaba! Esse notável estudioso e antigo morador da cidade, que em 12/09/1954 já tinha matéria publicada na página 5 do Cruzeiro do Sul, chamava de inédito ao espetáculo que Jorge Melchíades e o Jorginho, mais alunos e convidados realizariam no clube União Recreativo! Depois, em 6/5/1970, em matéria intitulada: "Capoeira pode ser atração turística em nossa cidade", o senhor Alcir Guedes ainda indicava, empolgado e orgulhoso, a turma da Academia de Ginástica Nacional como a única em todo interior do Estado. Lamentava, esse jornalista amante de Sorocaba, que o Jorge, "bronqueado" contra a burocracia da Prefeitura deixou de fazer parceria com ela para criar na cidade um centro turístico e levar para praças e parques a capoeira com ensino gratuito. O Jorge teve a iniciativa de querer criar em Sorocaba rodas como na praça da República, em São Paulo, e em outros recantos da Bahia, mas entendia que para doar trabalho à coletividade não precisava posar como pedinte via ofício, diante de alguns apáticos funcionários públicos. Ele queria e exigia respeito pela sua pessoa e pelo que fazia.

Após enxurrada de provas sobre início e continuidade do ensino nos anos seguintes, outra se apresentou a partir de 1978, agora sobre Luiz Carlos Rafaldini, o popular Sabugo, que no segundo semestre de 1977 trouxe a Academia Nova Luanda para Sorocaba. Depois disso vieram os outros e todas as provas existentes indicam exclusivamente isso. O livro mencionado, porém, opõe afirmações esvaziadas de respaldo científico contra a correnteza de provas oferecidas por jornalistas digníssimos, que viveram na época mencionada no texto. Eles, certamente, deviam saber mais sobre a cidade que nos idos de 1960, do que um menino ou alguém que nascido bem depois, tenta dizer o que lá acontecia, dispensando provas. Parece que na feitura desse texto não se levou em conta que há pessoas desejando ser consideradas pioneiras da prática e que, para realizarem esse anseio afirmam qualquer coisa, até ter sido capoeira o que faziam, fosse fandango, umbigada, batuque, frevo, maracatu, passo de samba ou de canguru, pernada, cabeçada, coice ou nada. Tendo em mente que todos querem ser o pai da criança dotada de herança considerada valiosa, quem pesquisa a História deve ter cautela científica e não acolher declarações sem respaldo nas provas materiais ou documentos. Na ausência absoluta destas, considera-se dignas de certo crédito as coincidências relevantes nos relatos de amostragem respeitável de depoentes estranhos entre si. Qualquer historiador sabe, ainda, que a memória é falha e que os interesses em jogo costumam viciar depoimentos! Sendo assim, ainda que o mestre Pedro Feitosa seja talentoso e eu lhe tenha muito respeito, digo que não estava entre os primeiros praticantes de capoeira da cidade, porque afirmar o contrário disso é ir contra todas as provas documentais e depoimentos dignos de crédito. Neste sentido o autor do texto em análise andou bem, negando o pioneirismo desse mestre e atribuindo-o a outro. Ele indica, como primeiro, não o biografado, mas um rapaz de 17 anos de idade que teria ensinado "de forma secreta", a um “grupo de mais ou menos quinze pessoas”, uma capoeira "aproximada" a de Angola (pág.57), no clube 28 de Setembro. E fez isso durante 12 anos, a saber: de 1958 até o início da década de 1970... Durante um período desse porte, muitos tornam-se professores e mestres... Mas, procurei investigar e não encontrei nenhum vestígio desses “capoeiristas secretos” e   ninguém que soubesse deles. Talvez ninguém pudesse saber nada mesmo! Pela “lógica” do relato "a prática desse jogo estaria proibida" pela polícia, e para guardar segredo a bateria do grupo "era composta apenas de um berimbau e um pandeiro, instrumentos tocados em baixo volume para não chamar a atenção dos transeuntes e da polícia." Sou professor de capoeira e considero difícil regular o volume de uma bateria a um nível impossível de ser ouvido nas noites silenciosas da época, quando quase não existiam automóveis circulando na cidade e aparelhos de televisão eram raros. Além disso, como o canto e as palmas também denunciariam o jogo da capoeira, fariam só mímica? Sem contar que a prática da capoeira já tinha deixado figurar no Código Penal, desde 1940! Se isto não bastasse para tornar inverossímil esse relato, os órgãos da polícia relaxaram providências repressivas, especificamente contra a prática da capoeira, muito tempo antes. O Mestre Bimba fez exibição ao chefe do Estado Novo, o senhor Getúlio Vargas, em 1937, no mesmo ano em que recebeu o alvará oficial de funcionamento para sua academia, que funcionava a pleno vapor desde antes de 1932.

Ora, historiadores respeitáveis procuraram, durante mais de um século, determinar a origem, os rumos e a ocupação geográfica da capoeira no tempo. Todo esse esforço, que não deve ser desprezado, resultou em mapas delineando a propagação da capoeira de Angola e Regional pelo território brasileiro, partindo da Bahia em direção de outros estados. É claro que não podemos considerar essa História definitiva, porque pode ser modificada pela descoberta de fatos novos, mas que devem ser provados, porque não se pode contrariá-la de modo imprudente, sem causar danos ou sofrê-los.

A capoeira baiana, que se caracteriza pelos rituais e orquestra, com berimbau, atabaque, pandeiro etc., só começou a atrair a atenção dos jovens paulistas, em São Paulo, nos meados da década de 60. Antes, permaneceu no anonimato por mais de uma década, após ter sido apresentada aos paulistas nos confrontos entre capoeiras vindos da Bahia e praticantes de Luta Livre, em 1949. O tenente Esdras Magalhães dos Santos, o mestre Damião, chegou a dar aulas durante oito meses no ano de 1951, na academia de pugilismo do Kid Jofre, pai do nosso ex-campeão mundial de boxe peso galo, Eder Jofre, em plena rua Santa Ifigênia, no centro de São Paulo e demonstra tudo isso no seu livro, "Conversando sobre Capoeira". A respeito, leia-se também, O que é capoeira? do mestre das Areias ou Anande, e ainda, CAPOEIRA, os fundamentos da malícia, de Nestor Capoeira. O próprio mestre Damião voltou a montar a Academia Besouro do Mangangá, pioneira em todo Vale do Paraíba, em São José dos Campos, em 1971, que os mestres Esdras Filho e Lobão passaram a comandar... depois de participarem, um ano antes, do espetáculo levado pela Academia de Ginástica Nacional, no Clube União Recreativo de Sorocaba.

Como os documentos existentes dão respaldo ao exposto, logo se vê que quem passou aquelas informações ao autor do livro andou pecando contra os fatos e tentou justificar o pecado ao tentar angariar entre associados do clube 28 uma cumplicidade conveniente, pois diz: "Naquela época somente os negros freqüentavam o clube 28, o que ajudou a manter ainda mais em segredo as rodas de capoeira que aí se realizavam."(pag. 57\58). Não é possível evitar a desconfiança, diante da notícia de que houve quem praticasse algo que todos gostam de exibir, como a capoeira, "de forma secreta” e sem a menor necessidade, de 1958 em diante.

Como um jornalista do Cruzeiro Do Sul apoiou-se nesse livro para publicar matéria que contrariou publicamente a história que venho apresentando sobre o início da capoeira em Sorocaba, no Informativo Nossa Posição, fui forçado a discuti-lo para esclarecer os tópicos contraditórios. Mas estou pronto para, se alguém apresentar provas de que me enganei, ter a dignidade de me redimir fazendo as erratas necessárias, a bem da verdade histórica.

Outra informação totalmente equivocada, do texto em questão, foi a de que “em 1972, mestre Suassuna abriu uma academia em Sorocaba, chamada Cordão de Ouro, sob a responsabilidade de um aluno chamado Jorge” e que “A academia fechou em pouco tempo devido a falta de divulgação...” Além de errada, esse informe omite, acidental ou deliberadamente, toda publicidade que houve em torno da prática pioneira, de 1969 a 1973, que gravou na memória da população as primeiras imagem da capoeira. Essa publicidade de 3 anos, aproximadamente, foi maior do que a de qualquer outro capoeirista da cidade, numa década ou mais. Só a apresentação no programa do Sílvio Santos, em canal nobre e na época em que havia apenas 3 ou 4 emissoras de televisão, já basta para demonstrar o quanto de imprudência há na afirmação.

O texto prossegue com uma série de outros pronunciamentos discutíveis até chegar nos relatos do “senhor Chiu”, na página 57, que teria ensinado capoeira a uns quinze discípulos, no clube 28, “até o início da década de 1970”. Na página 58 se lê que, no “final da década de 1960 e início da de 1970, esse grupo chegou a jogar capoeira na praça Cel. Fernando Prestes, no centro de Sorocaba.” Para demonstrar a verdade dos onze longos anos de assídua prática de capoeira na cidade, é evocada como única testemunha da grande atividade do grupo, pessoa que alguém jamais evocaria, se pesquisasse ao menos um bocadinho nos jornais: o notável jornalista já falecido, Alcir Guedes. O texto busca o respaldo desse brilhante intelectual e estudioso do folclore, expondo que “se reporta, em artigo publicado na imprensa local, aos espetáculos capoeira de Angola que se realizaram em Sorocaba².”, e nas notas de rodapé cita título de matéria do Diário de Sorocaba, de 22.5.1973: Estas festas estão agonizando. Se não acudirem elas morrerão”. Aí uma insinuação “malandra”, que tenta atrair para o grupo do “senhor Chiu”, méritos que lhe dessem existência como capoeirista: “Estaria o articulista referindo-se ao grupo do Chiu?” Isso é um absurdo, pois refere-se a uma matéria de página inteira sobre o folclore, incluindo fandango, folia de reis, congada, bumba-meu-boi, maracatu, jongo mineiro, catira... E ao se referir à Capoeira de Angola, Alcir Guedes escreveu: “Tivemos em Sorocaba alguns espetáculos de capoeira. Devem ser repetidos.” Não é óbvio que ele se referiu aos espetáculos de capoeira que viu, sobre os quais escreveu inúmeras vezes e que realmente existiram na cidade? E esses foram os comandados por Jorge e Jorginho. Na matéria, ele não só evocava apoio geral para os movimentos folclóricos como também tentava estimular com a convocação, seus amigos pessoais, Jorge e Jorginho, a não caírem no desânimo face as imensas dificuldades que enfrentavam. Dirigia-se a ambos, que sabia  ainda em atividade na cidade, por isso os espetáculos “devem ser repetidos”. Com a análise de informações sobre um “grupo” que precisa usurpar feitos dos outros para existir encerro a crítica literária e passo a apresentar coisas mais agradáveis ou entrevistas.

CELSO BERSI é diretor de transportes urbanos da URBES, economista pós-graduado em Economia Empresarial e capoeirista que se formou professor, na primeira turma do mestre Suassuna, em 1970. Junto com ele foram formados Esdras Filho, Lobão, Almir das Areias ou Anande, Freguezia, Dirceu, Lessin, Romildo, Eli, Terval, Bentinho, João Dezoito, Paulo Japonês, Caio e outros "cobras" da capoeira. Perguntei sobre seu início na capoeira e respondeu: "Tive a felicidade de integrar, no ano de 1968, o primeiro grupo de capoeira do Estado de São Paulo, todo organizado em academia. Eu e o querido amigo já falecido, Romildo Fávero, tínhamos 17 anos e a intenção de treinar uma luta. Morávamos na capital e numa manhã de domingo fomos ao CMTC Clube para nos inscrever no Judô. Mas, próximo ao clube ouvimos o som de uma música estranha... Era o berimbau acompanhado de atabaque e pandeiro, fixando as imagens que até hoje trago na memória. Foi quando vi pela primeira vez o mestre Suassuna jogando com o mestre Brasília e ambos vestindo terno branco e chapéu. Dançavam, lutavam, eu não sabia bem o quê... Mas era muito bonito e eu nunca tinha visto. Em dado momento Brasília brandiu um facão e Suassuna uma navalha que havia colocado entre os dedos do pé. Foi algo de cinema! Eles estavam abrindo academia na Av. Angélica e das pessoas que os acompanhavam, a maioria era oriunda da Bahia. Nos inscrevemos com eles, que mudaram para a Rua das Palmeiras. Lá tive a honra de ter dois mestres extraordinários: o Suassuna da Regional e o Brasília da Angola. Meu início teve essas duas bases, embora, quando me refiro à linha do Suassuna faço ressalvas... pois ele próprio não se identificava como um capoeirista regional, mas simplesmente como capoeirista. O mesmo acontecia com o Brasília. Ambos jogavam de acordo com o toque do berimbau, sem obedecer a uma escola e sim à intuição do jogo. A partir daí Suassuna formou um grupo com os alunos e começamos a fazer uma série de apresentações, ora na roda da Praça da República, que começou na década de 60 com mestres Ananias, Evaristo, Félix e outros, e começava a se tornar tradicional, ora próximo ao Mackenzie, na antiga USP, num bar chamado Sem Nome, muito freqüentado por Chico Buarque de Holanda. Enfim, assim comecei na prática que chegava firme em São Paulo. Em Outubro de 1970 o Suassuna resolveu formar os capoeiras desse primeiro grupo, do qual tive a honra de pertencer. A partir daí seríamos professores, tanto que alguns foram ensinar em outras cidades, como em São José dos Campos, Campinas, Rio de Janeiro... A academia do Suassuna era ponto de encontro para capoeiras que vinham a São Paulo e por isso chegou a ser considerada um "consulado baiano". Ele mesmo, quando voltava das férias na Bahia, sempre trazia alguém, e entre os que vi chegar destaco o Almir, mais tarde conhecido como Das Areias ou Anande, pessoa amável e querida de todos."  Perguntei: Como conheceu o Jorge? "Eu tinha parentes em Sorocaba e vinha quase todo final de semana para cá. Numa dessas ocasiões, a dona Cinira do largo Francisco Eufrásio, prima muito conhecida na Vila Hortência, sabendo o que eu treinava, comentou que "existia alguém fazendo capoeira em Sorocaba". É estranho, mas me recordo bem dessa fala! Eu exclamei: O quê? Aqui em Sorocaba? Impossível! Ela vira um anúncio no jornal e não lembrava exatamente onde era a academia, mas me deu como referência o Largo do Líder. Então, num sábado à tarde fui descobrir quem era o capoeira da cidade e se possível jogar com ele. No Largo do Líder, novamente o som do berimbau me atraiu... Tendo-o como guia dos passos descobri que vinha de um salão, cuja porta estava escancarada para a rua. Com a cautela manhosa do capoeira que entra em território alheio me aproximei e... Grata surpresa! Jogando ali, com alguém que eu não conhecia, estava o mestre Paulo Limão, grande angoleiro da época! Fez uma festa quando me viu entrar e exclamou: "Bujão?" Era meu apelido. "Você por aqui?". Aí foi aquela alegria de amigos quando se encontram em lugar incomum para eles! O Limão sempre participou do nosso grupo. Era muito querido e quando o encontrei aqui, perguntei: Agora você está em Sorocaba? Ele respondeu que ajudava um amigo a afirmar sua academia e me apresentou o Jorge, que jogava com ele quando entrei. Este me apresentou o Jorginho. Aí fiquei sabendo que o Jorge já havia treinado em São Paulo, com o Valdemar Angoleiro. A academia era do Jorge e não era só de capoeira. Aliás, ele ficou muito comentado em São Paulo, na época, quando o pessoal soube que ele havia adaptado movimentos básicos da capoeira a técnicas de briga de rua, criando a Tudoeira. Efetivamente, foi o Jorge quem trouxe a primeira prática de capoeira para Sorocaba. A partir desse dia, quando vinha para cá treinávamos juntos: eu, ele e o Jorginho. Nossa amizade cresceu." Perguntei: Você esteve no Sílvio Santos? "Sim. O Jorge queria participar do programa “Cidade contra Cidade” porque via nele a oportunidade de divulgar a academia e mostrar a capoeira para o Brasil. Na época ela só era vista em Salvador, Rio de Janeiro e em raros locais... Se você ouvir a fita do programa, gravada em áudio, vai ouvir também jurados do Silvio Santos dizendo que nunca a tinham visto. Só dois deles a tinham visto na Bahia. Até o Silvio Santos perguntou ao Jorge se nós íamos "dançar o supirirí". Quando o Jorge acertou tudo com o Salomão Pavlovski, convidou o Suassuna e seu grupo para ir junto, mais o Jorginho, o Sérgio Robles Poiato, o Rogério, alunos de Sorocaba, mais o Paulo Limão. Isso foi em 1970. O Jorge coordenou toda a apresentação, contando com convidados especiais como Suassuna e Paulo Limão. E tudo foi brilhante para todos. Conseguimos dez de todos os jurados, que ficaram sensibilizados pela ótima apresentação. A nota máxima beneficiou muito Sorocaba, que ganhou a ambulância nova." Perguntei: Mas, antes vocês tinham se apresentado no espetáculo beneficente do Recreativo? "Isso. O Jorge marcou o espetáculo mas tinha só quatro alunos em condição de batizar e através do Limão convidou o Pinatti para somar com ele. Mas, a academia desse grande mestre, apesar de ser em São Paulo, ainda estava nas mesmas condições que a do Jorge em Sorocaba e não deu certo. Foi logo depois dessa tentativa mal sucedida que fizemos amizade e eu sugeri que ele fosse falar com o Suassuna. Era difícil formar um grupo de capoeira, mesmo em São Paulo, porque ela apenas começava... Depois, para integrar um grupo os alunos precisam freqüentar a academia além do horário de aula e na Cordão de Ouro isso acontecia. Talvez pelo carisma especial do Suassuna e sua dedicação profissional em ambiente fértil possibilitou que se formasse o primeiro grupo de São Paulo. Mas em Sorocaba tudo era diferente. O próprio Jorge era um empresário em ascenção e se dedicava à capoeira como lazer, nas horas vagas. Ele próprio tinha horários limitados e na academia revezava com o irmão. Por outro lado, da época os seus alunos o  procuravam mais para treinar defesa pessoal e não capoeira, que era desconhecida e impregnada de preconceitos. Hoje é tudo diferente dos anos 69 e 70. Na época faltavam até recursos didáticos que só foram desenvolvidos pela prática dos anos seguintes. Para ensinar o toque do pandeiro, do berimbau etc., e até para treinar, não havia fitas de vídeo, revistas ou manuais, métodos, nem se via capoeira nos canais de televisão ou nas ruas. Era difícil formar bateria e para treinar com música você tinha de procurar o "bolachão" do Pastinha em lojas de São Paulo. O do Caiçara veio mais tarde e o do Bimba a gente tinha de pedir pelo reembolso postal e ficar aguardando que chegasse da Bahia. E o Jorge, responsável como é, se preocupou sobremaneira, não só em trazer o grupo de São Paulo para divulgar bem a capoeira e cumprir com o compromisso firmado na cidade, mas também para dar boas condições aos que vinham. Lembro dele preocupado com a hospedagem e refeição do grupo, pois quando terminasse o espetáculo não haveria mais ônibus para São Paulo. Éramos em torno de vinte e cinco pessoas e ele ainda se preocupava em evitar que esse pessoal criasse algum problema na cidade, pois queria mostrar que gente séria também treinava capoeira. O Jorge se empenhava em criar para a capoeira uma imagem boa, desvinculada da malandragem barata, mantida como um ícone sagrado por muitos. Ele, como poucos mestres esclarecidos, aconselhava a característica da mandinga, do molho, da manha, da malandragem, dentro do jogo, dentro da roda, não na vida. Na roda a gente desenvolve um ritual criado no passado e está numa espécie de palco de teatro, representando as relações do negro oprimido com o feitor ou capitão do mato. A gente representa a vida do negro numa cultura arcaica, atrasada, e a nossa realidade é diferente. Então, essa característica do Jorge, de ser muito responsável em tudo o que faz, já começou a se destacar em minha visão na época." Perguntei: ao que tudo indica, em todos esses anos em Sorocaba você nunca encontrou nenhum capoeira preparado de modo "secreto” na cidade e antes do Jorge? O Celso riu aquele riso de bebê que o torna tão encantador e respondeu: "Nunca. Isso é bobagem e entendo que ninguém deve se omitir ante esse menosprezo contemporâneo aos que fizeram história no passado. Se nos omitirmos, devemos ter o mínimo de coerência e não mais reclamar quando vândalos destroem nossos monumentos, prédios históricos, relíquias artísticas e até a nossa dignidade." Comentei: ouvi dizer que no seu casamento teve roda. "Logo depois que conheci o Jorge, comecei a vir para Sorocaba com mais freqüência e a fazer muita coisa junto com ele. Acabei conhecendo a Cleusa, minha amada companheira, que trabalhava numa das lojas dele... Veja que a capoeira alegre daquela época me trouxe muitas coisas boas: a minha mulher, minha família... a amizade com Suassuna, pessoa espetacular, com outros e com o Jorge, sujeito às vezes irritante, porque vive exigindo de si e dos que se relacionam com ele, ação e moral racional... Mas isto a gente releva porque ele é um grande amigo e um querido mestre intelectual. Ele irrita, todos os que o conhecem sabem, porque denuncia as hipócritas relações superficiais e busca criar um envolvimento aberto, franco, pessoal, leal e sem frescuras. Quanto a sua pergunta, eu devo ter sido o primeiro do grupo a casar, por isso tive tudo. O pessoal resolveu vir para Sorocaba e participar do casamento. Veio até o Quebra-ferro, um capoeira amigo, de Salvador. A festa foi na casa da prima Cinira, na vila Hortência, e já ia alta quando lá pelas tantas ouvi o som do berimbau novamente... O pessoal fazia roda no meio da rua e jogava no asfalto. Saí para ver e quando cheguei o Suassuna fazia um jogo cheio de malícia e humor com o Jorge. Era realmente lindo o congraçamento das pessoas na roda. É claro que naquele momento meus desejos eram outros, mas não resisti e também joguei um pouco. Depois tive de sair, mas a roda continuou até muito tarde." Perguntei: Você também esteve na briga de Brigadeiro Tobias? "Emprestando as palavras do querido amigo Zé Desidério, em entrevista passada, digo que os jogos do time da Musical nos davam muita alegria. Um dia, porém, fomos jogar em Brigadeiro Tobias contra o time da ACES (Associação dos Cronistas Esportivos), que para ganhar a melhor de três reforçou-o com um pessoal bom de bola, mas meio rude. Tudo começou bem e antes do jogo teve até uma linda homenagem à Benedita, uma jogadora de basquete de Sorocaba que também defendia a seleção brasileira. Mas depois, durante o jogo alguém agrediu nosso goleiro, o Ari, um bancário muito pacífico. E o Jorge, que correu para protegê-lo, ficou bem no meio da confusão que se armou em seguida. Saíram muitos sopapos e nessa hora teve gente da torcida que também invadiu o campo para entrar na briga. Foi quando um cidadão forte e alto se propôs a dar uma gravata no Jorge... Só escutamos um baque surdo no chão e seu grito rouco. O Jorge se defendeu derrubando-o e quebrando uma ou duas de suas costelas. O tempo fechou, como se diz por aí. E foi uma confusão terrível, com policiais dando tiros para o alto e o pau comendo solto. Não teve jeito de segurar. O Jorge, eu e o Jorginho procurávamos nos defender das agressões em conjunto; um protegendo as costas do outro. Graças a Deus, mais tarde tudo foi resolvido a bom termo e a amizade que havia continuou entre todos." Comentei: nas pesquisas encontrei críticas duras da imprensa ao Jorge... "É. Alguns não entenderam que aquilo foi uma defesa. Recordo-me que numa manhã de sábado tomávamos um café no Bar União, lá no centro, quando um sujeito chegou e falou ao Jorge que nós não devíamos usar capoeira contra leigos. E o Jorge, que já andava irritado com tanta provocação perguntou se a gente devia só apanhar de leigos e respondeu algo duro para o sujeito, que retirou-se imediatamente e nos deixou em paz para tomar nosso café."  Quer complementar, antes de encerrarmos? "Sim. Queria dizer da minha satisfação e privilégio de ter conhecido o Suassuna, o Brasília e outras pessoas muito dignas da capoeira. Ao longo dos últimos 34 anos a minha amizade com o Jorge consolidou-se e ampliou-se para abranger as pessoas maravilhosas do NUPEP. É uma amizade incomparável, porque é para todos os momentos. Não só para os bons, mas também para os difíceis. Aliás, a emoção me toma, toda vez que falo da história dessa amizade e do privilégio que tenho, de desfrutar do prazer de discutir com as demais pessoas os conhecimentos que o Jorge buscou e procura transmitir a quem se propõe a sair do egoísmo individual e familiar para tentar fazer da sociedade mais ampla uma grande família. No final do ano de 2000, ele resolveu reiniciar os treinos de capoeira no NUPEP. Inicialmente todos estranhamos, por que queria voltar ao começo! Mas, depois entendemos que ele simplesmente não pode deixar de ser pioneiro e agora propõe a Capoeira Mística, como brincadeira antiestressante que encerra os mistérios da capoeira primitiva e um sério estudo filosófico dos seus fundamentos. Apesar de ser um resgate da capoeira, seu trabalho leva uma lucidez que a torna outra grande novidade que trás para Sorocaba e se Deus permitir, para o Brasil."

DANTE IÓRIO FILHO é Professor de Português e Inglês aposentado e gerente de compras da Icaper, Indústria e Comércio de Abrasivos Ltda. Seu depoimento foi colhido pela amiga Lia Ramos, que perguntou: Quando você conheceu o Jorge Melchiades? "Desde quando ele era adolescente. Eu era mais novo e o via sempre na Rua Artur Gomes, porque eu morava nessa rua entre a Penha e a Cesário Motta e ele entre a 7 de Setembro e o antigo Peladão do Scarpa. A mãe dele, a dona Estáquia, era muito conhecida, porque diziam que benzia e lia a sorte. Eu sempre achei que era uma médium sem saber, pois era muito católica. Conheci também a Pervite, irmã dele, que hoje dirige um centro esotérico, quando eu estudava no Padilha e ela começava como professora substituta. Fiquei sem ver o Jorge até reencontrá-lo em 1966 ou 1967, quando ele trabalhava com livros e tinha uma academia de lutas na rua Rodrigues Pacheco. Depois ele montou academia de capoeira e foi representar Sorocaba no programa Cidade contra Cidade, do Silvio Santos, conseguindo os pontos máximos numa disputa bastante difícil. Lembro que ele ficou muito comentado na época porque era muito bem sucedido e tinha uma grande rede de lojas com filiais em outras cidades. Pelo que sei o seu casamento não deu certo, pois ele deixou as lojas com a esposa e foi recomeçar tudo em outra parte. Em 1977 ele tinha uma loja de roupas na Rua Monsenhor João Soares e comprou o curso de madureza do Cebolinha, na rua 15 de Novembro, onde fui dar aulas. Depois, ele deixou essa escola para o Roberto Sagges, a quem queria muito bem e foi montar a escola Magnus, na Rua da Penha. Eu fui com ele para dar aulas de Português e Inglês ao primeiro e segundo graus do Supletivo. Nos tornamos bons amigos e sua escola tinha cursos de Atendente de Enfermagem, Mestre-de-Obras, Desenho Mecânico, Desenho Artístico, Violão, Capoeira e uma luta de defesa pessoal, que não lembro o nome. As primeiras reuniões para a formação do Partido dos Trabalhadores em Sorocaba se realizavam lá. O Eduardo, que depois passou a ter o apelido de Fálcon, começou a ajudar o Jorge no ensino da capoeira, lá. O Jorge vivia sempre muito envolvido com projetos culturais, com cineclube, teatro e até com festival de teatro amador, quando se tornou Presidente da Federação Sorocabana de Teatro, na época. No festival, alunos de várias escolas eram levados aos teatros Fantoche e Municipal, para assistirem graciosamente as peças da cidade e de fora. Ele também dava aulas no curso supletivo e os alunos gostavam de fazer dele um confidente. Escreveu e dirigiu Beijos da Traição e Maria das Dores, peças que assisti e gostei muito. Escreveu também O Admirável Homem Novo, que começou a montar. Até ia trabalhar nela, porque escreveu um papel de professor para eu fazer... Mas, alguma coisa deu errado e tivemos de parar os ensaios... Quando a escola mudou para a rua Monsenhor João Soares, ele montou um grande sebo em um salão que havia na entrada. Quando mudou para a Rua Brigadeiro Tobias deixou esse sebo para o Fálcon, no prédio da rua da Penha, assim como a academia de capoeira e um curso de manequim e outro de balé, acho. Na época o Jorge também levava um time de futebol feminino, que chegou a disputar o campeonato paulista em duas ocasiões... Depois a escola se especializou no ensino fundamental e parei de ensinar lá. Deixei de vê-lo em 1984 e voltei a revê-lo em meados de 1989, quando fazia mais uma temporada da peça Beijos da Traição. Apresentou essa peça no teatro municipal e levei os alunos da escola Mário Guilherme Notari para assisti-la. Depois, a meu convite, o Jorge e os atores foram à Escola para debater com os alunos. Bom salientar que essa escola fica na periferia de Sorocaba, no bairro Luciana Maria, onde na época era uma favela. O Jorge sempre quis levar atividades culturais, que eram ditas de elite, para o pessoal menos favorecido. E por ser arrojado, polêmico, sempre preocupado com questões sociais e muito amigo do Plínio Marcos, a quem trouxe várias vezes para fazer palestras em Sorocaba, e ainda por dizer francamente o que pensa e ter sido do PT, muitos o combateram, por considerá-lo subversivo e ateu. Comecei a freqüentar o NUPEP logo no começo, mas não pude continuar porque os horários de cursos eram incompatíveis com minhas outras atividades. Mas sei que até hoje esses cursos são levados pelo meu amigo Jorge, a quem considero muito sério, sincero e íntegro."

JOÃO CARLOS DO AMARAL é o atual diretor de esportes do Banespinha e da Associação dos Aposentados do Banespa de Sorocaba e Região e um ex-diretor de esportes do Ipanema Clube. Perguntei sobre sua entrevista, como aluno da primeira academia de capoeira da cidade, publicada no jornal Cruzeiro do Sul, em 30/07/69. “Já na época eu gostava de esportes e freqüentava a academia do Jorge,  perto do largo do líder e junto com o Edgar Moura e uns amigos de sua família. O Jorge fez um horário especial para nós e vinha nos dar aulas duas vezes por semana, das 6 às 7 da manhã, antes do serviço. Éramos jovens e queríamos desenvolver o físico e a agilidade. Na época, um jovem que apena estudava era muito raro e como a gente trabalhava durante o dia e fazia faculdade a noite tinha apenas este horário disponível. Treinei só uns três meses e não cheguei ao batismo, porque logo depois comecei a  viajar em função do serviço. O que mais me encantou na capoeira foi a música, a dança e o fato de ser uma novidade em Sorocaba. Eu gostava muito de esportes e também freqüentava a ACM, mas a gente treinava sem levar muito a sério e sem a intenção de virar capoeirista. Quando casei, em 1971, passei parte da lua de mel na Bahia, em Salvador e presenciando uma apresentação de capoeira me empolguei, porque quem conheceu a capoeira nunca esquece ou perde o jeito. Cheguei a comprar um berimbau lá, porque na época não tinha por aqui. Mas nunca toquei, porque não aprendi. Ficou só para recordar.”  Perguntei: Então a capoeira que o senhor treinou com o jovem mestre Jorge foi a referência para o que encontrou na Bahia? “Com certeza. E até hoje, quando vejo apresentações no Ipanema Clube e em São Paulo, fico bastante animado e recordo. A diferença é que hoje tem as mulheres, que estão muito ativas. Algumas fazem capoeira para defesa pessoal, outras pelo movimento da dança, da ginga. Não são tão recatadas como antigamente.” Perguntei: Na entrevista de 1969 há uma chamada de capa e mais uma página inteira no jornal. Isto, quando existia um preconceito muito forte contra a capoeira. A que o senhor atribui essa abertura na imprensa? “Olha, eu acredito que tenha sido pelos contatos e prestígio do Jorge, que era e é pessoa muito dinâmica. Ele tinha aquelas lojas no centro da cidade. Eram lojas de renome e o movimento comercial da época se dava no centro da cidade. Lá também a jovem guarda, juventude da época, fazia o footing  na frente do Recreativo, do Círculo Italiano e Sorocaba Clube. Tudo isso fazia com que as pessoas conhecessem o Jorge e os jornalistas lhe dessem uma específica atenção. Além do mais, a capoeira era novidade na cidade.”  Perguntei: o senhor diria que a influência do Jorge foi muito importante para a quebra do preconceito? “Com certeza! Tanto que o meu gosto pela capoeira remonta ao contato que eu tinha com o Jorge, que quando eu e outros jovens sem vícios íamos ao footing na praça. Além disso, ele vencia resistências psicológicas apresentando a capoeira ao lado da sua proposta de defesa pessoal, que o pessoal procurava.  Tanto era assim que além da capoeira a gente também treinava o que seria hoje uma espécie de luta-livre e um pouco de pugilismo. O Jorge trazia as luvas e ficava de sparring. Lembro também que havia uma espécie de cano de papelão, que ele adaptou para a gente treinar os golpes passando a perna por cima. Era como se fosse uma pessoa.”  Perguntei: O senhor acha que ele improvisava pela dificuldade de se montar academia? “Com certeza. Naquela época não tinha academias como hoje. Havia uma de Judô em frente da ACM, outra de halterofilismo no largo do mercado... Não era como hoje. Os homens eram recatados e mais ainda as mulheres. A vida do pessoal era sedentária e o pessoal bem mais devagar.”  Perguntei: O senhor também foi diretor do Ipanema Clube?  “Sim. Fui convidado para a gestão de 2001 e 2002, pelo Paulo Gomes e outros diretores. Sou associado desde 1981 e sempre participei na área de esportes. Quando entrei na diretoria o volume de pessoas na área de esportes era de mil e duzentas ao mês, e com a febre das academias passou a duas mil e oitocentas por mês, ficando a academia do clube aberta das seis da manhã às onze da noite. Também pratiquei esportes na ACM e no Scarpa. Todo mundo, hoje, se interessa pela parte física, tanto os mais velhos como os mais jovens. Atualmente estou no Banespinha e na Associação dos Aposentados do Banespa.”  Perguntei: Sua profissão também é ligada ao esporte?  “Não. Trabalhei sempre em banco. Primeiro no Banco de Crédito Real de Minas gerais, que hoje é o Bradesco e depois no Banespa.”  Perguntei: O senhor quer declarar algo mais, para encerrar? “ Sim. Quero aproveitar a oportunidade para mandar um abraço ao Jorge, que sei levar a escola Magnus Júnior e o NUPEP. Sempre o vejo caminhando com o tenente Brotas e passar na frente de minha casa. Quero agradecer também a oportunidade desta entrevista e declarar que aquilo que o jornal Cruzeiro do Sul publicou na época, retratou parte da minha vida que me marcou bastante. Foi bom recordar esse momento e ser útil mais uma vez ao esporte.”

 

Anos rebeldes

 

Do ponto de vista científico, antes que um povo registre sua existência pela escrita, encontra-se na Pré-história. A escrita surgiu na humanidade há cerca de 6.000 anos e o início de sua História se impõe pelos documentos que dele dão conta. Escrever sobre fatos históricos, portanto, é atividade de muita responsabilidade na educação civilizada. Por isso friso sempre, que os depoimentos apresentados neste trabalho são adendos que ilustram os documentos. A memória costuma ser falha, os interesses distorcem relatos e quem olha para o passado sem tê-lo vivido, pode interpretar costumes e modo de vida pela ótica dos costumes presentes, etc., de modos que quem quer saber sobre fatos notáveis de nossa cidade, sem ser “enrolado” deve pesquisar os documentos históricos produzidos sobre eles em tempo real. Pesquisar nos jornais da cidade, tendo em vista que nela há periódicos do nível do Diário de Sorocaba e do Cruzeiro do Sul é recomendável.

Também já circulou em nossa cidade a Folha de Sorocaba, excelente jornal que entre outras matérias sobre a capoeira do início, publicou uma com grande foto na contracapa em 26/11/1969, mostrando o saudoso mestre Paulo Limão tentando cabecear o Jorge Melchíades em saída de Aú. Diz o provérbio chinês, que uma imagem vale mais do que mil palavras e na ciência da História depoimentos e teses são inúteis, sem registros materiais como esse da foto. Infelizmente, porém, na literatura nacional da capoeira há imensas confusões, porque entre tantos que escreveram sobre ela, muitos não apresentaram fatos históricos e sim teses, boatos, opiniões e comentários sobre eventos geralmente fictícios. Adelto Gonçalves, por exemplo, fez uma crítica dura no Jornal da Tarde de 6/10/2001, a segmentos do livro A Capoeira Escrava, Editora UNICAMP, do conceituado pesquisador, Carlos Eugênio Libânio Soares, por apresentar propostas sem documentos, assim: “É ainda, no mínimo, curiosa a maneira como o historiador procura situar o que seria a origem da capoeira, recorrendo a cronistas que não utilizaram fontes documentais”. A crítica procede, porque todo processo educacional é sabotado, quando um historiador reproduz boatos ou força conexões entre fatos desconexos entre si, com o fim de forjar “conclusões óbvias”. Tais recursos são considerados inúteis pelos estudiosos mais inteligentes, que porém, não podem impedir os resultados funestos que produzem. Eu, para dar lustro ao enorme volume de documentos que autenticam esta história do início da capoeira em Sorocaba, entrevistei inúmeras pessoas.

REINALDO RAMOS SUASSUNA. A este notável e internacional mestre de capoeira peço permissão de antecipar um pequeno recorte do seu depoimento: “Quando conheci o Jorge Melchíades, em 1969, ele já havia treinado capoeira com o mestre Valdemar Angoleiro, no antigo prédio Martinelli e com os mestres Paulo Limão e Silvestre. Além disso, tinha academia em Sorocaba e já possuía boa experiência no ensino de uma luta que inventou, à qual chamou Tudoeira e que parecia muito com a chamada “capoeira” de Sinhozinho, do Rio de Janeiro. Lembro bem que não fazia acrobacia, não era muito elástico e me irritava bastante usando os punhos na roda, mas tinha um jogo firme e seguro, que o tornava respeitado em qualquer lugar onde se apresentasse. Tornou-se meu aluno quando já era um homem compenetrado e responsável e o considerei formado de fato e de direito, quando lhe confiei uma filial do Grupo Cordão de Ouro, a primeira, das mais de 300 hoje espalhadas pelo Brasil e por outros países. Na época, não lembro da existência de outra academia de capoeira no interior do Estado de São Paulo. Ainda não se usava cordão de graduação e o mestre se formava no ensino prático. O Jorge Melchíades não se dedicou de modo permanente à capoeira e após alguns anos parou de praticá-la, mas a honrou em todos os aspectos possíveis, representando-a com sua competência, seriedade, cultura e bons conhecimentos da capoeira de Angola e da Regional, indispensáveis aos alunos formados no Grupo Cordão de Ouro. Por isso foi consagrado e recebido, naturalmente, por todos que o conheciam, como um autêntico mestre às antigas. Eu também o reconheci como mestre e respeitei-o como tal, desde seu primeiro trabalho. Hoje fico feliz com sua volta e a vejo como prenúncio de acontecimentos muito produtivos para a capoeira”.

No começo eu temia, que após elucidar as confusões criadas sobre o início do ensino da capoeira na cidade e apresentar os mestres antigos e atuais, ficaria sem assunto e o meu livro restaria acabado, mas fino e desinteressante. Por isso, como achei muitas matérias nos jornais, revelando que o pioneiro era atuante em várias frentes da cultura e bastante conhecido na cidade, entendi que seria interessante expor suas peripécias. Este fato trouxe força inesperada ao trabalho que estaria fadado a ser apenas um árido relatório de datas e nomes, pois um público bem maior e de interesses diversificados passou a aprecia-lo. Educadores, professores e mestres de outras artes marciais e esportes, gente de teatro, empresários, intelectuais, políticos e cidadãos em geral passaram a comentar as matérias do meu livro publicadas em informativo e achei ótimo. As entrevistas colhidas, repito, em todos os casos só assessoram o que é documentado. Assim, se o Jorge Melchíades foi destacado é por ter estado lá no início e pela sua atuação ímpar na História das artes marciais de Sorocaba e na sua cultura empresarial, artística, literária, política, científica e filosófica. E observe, caro leitor, que não é ele quem conta sua história! Nem só os entrevistados. São os documentos que a contam! Quando o mestre Suassuna reclama do seu “irritante uso dos punhos na roda” é referendado pelo documento jornalístico sobre o Primeiro Campeonato Popular de Boxe Amador de Sorocaba (Cruzeiro do Sul, 20/01/1953), onde o Jorge Melchíades estava inscrito e quando teria, então, apenas 12 anos de idade. Se o mestre se refere à experiência do Jorge no ensino de lutas, entre abundantes matérias que dão conta disso, há uma foto no Diário de Sorocaba de 10/03/1968, demonstrando a vários alunos, um Seoi-Naguê com o Mário Damaceno, um faixa marrom de Judô, na época, na academia da Rua Rodrigues Pacheco 140. O Jorge dirigiu essa academia de 1966 até o fim de 1968, quando passou para a capoeira e a reportagem é de quando ele fez parceria com o famoso fisiologista, Haruo Nishimura, que era campeão sul-americano e atleta olímpico de Judô. Jorge treinou com o Haruo, que se formou em Medicina em Sorocaba. Também a respeitabilíssima colunista social do Cruzeiro do Sul, Guyma Baddini, que hoje nos encanta no dinâmico Jornal Ipanema, confirmou a referência do mestre Suassuna ao prestígio do seu aluno Jorge, ao noticiar o seu trabalho de capoeira, na sua famosa Mensagem da Guyma, várias vezes, inclusive em 24/02/70. Sendo assim, os depoimentos aqui apresentados são acessórios coerentes com documentos e ambos constroem uma história de vida interessante para a imensa população de leitores inteligentes e exigentes, que está acompanhado este trabalho e adorando-o, graças a Deus.

CLODOALDO RODRIGUES NUNES é professor universitário de Economia e de Direito do Trabalho no UNISAL (Centro Universitário Salesiano de Americana) ligado a Campinas. Ele reside em Tatuí e também é assessor jurídico dos Sindicatos dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de Sorocaba, de Tatuí e Itapetininga. Também atua no Sindicato das Domésticas de Tatuí em Itapetininga; em Sindicato de Turismo e Hotéis de Tatuí. A amiga Adriana, que o entrevistou, perguntou: como se deu sua formação acadêmica? “A primeira foi na década de 60, nas ciências exatas, na Física, depois passei para as Ciências Políticas, ainda na USP. Em seguida fiz Direito e Economia. Na década de 70 cursei Direito aqui na FADI, onde conheci o fundador do NUPEP, o Jorge Melchíades. Era início do ano letivo, em 1977, e a gente não se conhecia. A gente só estava lá na classe, cada um do seu lado, até que um dia o pessoal do Diretório Acadêmico interrompeu nossa aula para falar do baile dos calouros. Contestei as normas impostas para a venda dos convites e quando a sala silenciou e os membros do diretório começaram a engrossar, me vi isolado. Felizmente apareceu o Jorge, que como eu, achava que de ditadura bastava a dos militares. Levantou-se lá no fundo da sala, onde costumava sentar e, inflamado como é deu continuidade às contestações que fiz. A classe acordou e rebelou-se. Os membros do Diretório saíram frustrados nos seus intentos. Naquelas circunstâncias, já deu para prever que a gente ia ter uma grande amizade e foi o que aconteceu. A primeira série noturna soube do incidente e aderiu a nossa posição, criando um embaraço para a faculdade onde o baile dos calouros é ponto forte da tradição e podia se inviabilizar. Logo se levantou a suspeita de que havia subversivos na nossa classe e até o deputado e ex-governador, Fleury Filho, que na época visitava amigos da diretoria da faculdade, nos honrou com sua visita em nossa classe. Tornei-me suspeito para falar do Jorge, mesmo assim comento sempre a sua generosidade, sua amizade desprendida, leal e empreendedora. Quando vim de São Paulo buscava um pouco de paz em Sorocaba, porque lá eu tinha cumprido prisão política e era muito vigiado. Logo que cheguei e conheci o Jorge, expus a ele minha condição e ainda assim me convidou para dar aulas na Escola Magnus. Eu avisei: Jorge, você poderá ter problemas! Como se eu não tivesse avisado nada, acolheu-me com carinho em sua escola, um verdadeiro reduto das idéias livres e democráticas. Felizmente, fora os preconceitos, nenhuma outra perseguição ideológica mais séria atingiu a mim ou ao Jorge. Contaram-me que quando ainda era criança montou uma banca de revistas e de livros usados ali na frente do Correio, no centro da cidade. Depois, quando a capoeira era considerada coisa de marginal e ele era um empresário conceituado, teve a coragem de praticá-la, divulgá-la e ensiná-la na cidade. Com certeza deve ter sido até vilipendiado, em face dos preconceitos religiosos que havia contra a capoeira. Ele deu cursos para balconistas e vendedores dentro das próprias lojas, como parte de um serviço de consultoria na área de vendas. E acho que foi o primeiro da cidade a fazer isso. Hoje, quando vejo o competente e famoso professor Marins em cartazes e na tevê, me lembro... do Jorge! Veja que tenho muito prazer em falar dele, porque além de tratar-se de uma pessoa generosa, criativa, é o MEU AMIGO Jorge. Para que se faça uma pálida idéia das aventuras e venturas que podemos ter, tendo-o como amigo, lembro que depois daquele acontecimento na faculdade, aonde eu ia o Jorge ia junto e aonde ele ia eu também ia. Nos tornamos amigos inseparáveis. Ainda em 1977, ambos tivemos de desistir da Faculdade de Direito, mas voltamos nos anos seguintes para nos encontrar e eleger uma diretoria ao DARO (Diretório Acadêmico Rubino de Oliveira), que deu início a uma proposta de assistência jurídica gratuita à população. Era uma espécie de posto de Atendimento Jurídico Experimental, anterior a qualquer outro fornecido pelas faculdades de Direito da cidade. Eu levei o Jorge ao PT e ele foi um dos primeiros do partido, aqui, embora não tenha sido aceito pacificamente. O PT, naquela época era muito metalúrgico e o Jorge tinha sido um empresário de sucesso. O PT, ideológico como era, não via com bons olhos aos empresários. Na época, cheguei a acreditar que ele só permanecia no partido pela amizade que tinha por mim, tal o grau de rejeição e de pressão que ele teve de suportar. Mas ele, que parece até gostar de andar na contramão das posições correntes, resistiu e foi, seguramente, o único empresário que esteve no PT de Sorocaba em seus primeiros tempos. Era um PT metalúrgico e se você não vestisse macacão era tido como espião ou inimigo. O Jorge deve ter sofrido bastante com isso, mas sustentava uma situação interessante: não negava sua origem, sabendo que o pessoal também não tinha como fechar as portas para ele. Logo se viu que o PT ganhou muito com a presença dele, porque aonde ele chega dá o ar da sua combatividade e provoca muitas reações intelectuais nas pessoas sem preconceitos contra o ato de pensar. Por isso, logo ganhou a confiança e chegou a Vice-presidente do partido local, quando o Presidente era o doutor Antonio Sérgio Ismael. Assim que se formou em Direito tornou-se o conhecido “advogado do PT”, e junto com Marcelo Milani, hoje promotor de Justiça na grande São Paulo, foi notícia nos jornais locais atuando firme na defesa de flagelados do desastre do tancão, que chocou a cidade na época. Ainda como advogado gozou da confiança incondicional do senhor Domingos Simões, de Ibiúna, grande líder popular e personagem que entrou para a História do Brasil ao abrigar em seu sítio mais de setecentos estudantes liderados pelo então estudante José Dirceu e o Luís Travassos em Congresso da UNE, que estava proibido pela ditadura militar. Esse é o MEU AMIGO Jorge! Nos debates e nas atividades em que atuávamos fazíamos uma dupla que combinava muito bem. Ele, às vezes chocava com o que falava, e na campanha para a eleição do DARO, por exemplo, ele entrava nas classes falando duro sobre a alienação dos universitários sorocabanos e criando um impacto emocional, que sem dúvida despertava a atenção geral. Aí eu entrava apaziguando o pessoal e mostrando como devíamos agir para mudar a situação política local e do país. Ele foi um elemento fundamental nessa primeira chapa de posição meio avançada que assumiu o DARO, em 1980 ou 81, não lembro ao certo". Pergunta: “Avançada”, para você era uma posição de esquerda? "Isso, para dizer mais claramente. A princípio a chapa não foi bem recebida, mas depois da nossa campanha elucidativa e ao terminarmos o mandato, o próprio secretário da faculdade, o doutor Ademar Adade, nos cumprimentou pelo trabalho realizado. Até me emociono quando começo a mexer nessas boas lembranças, porque o Jorge sempre foi um querido companheiro. Falar dele me emociona. Imagine que ele quase me arrastou e ao Antonio Sérgio Ismael, para experiências em que utilizaríamos conhecimentos da Física, da Fisiologia e da Psicologia, para pesquisar as causas dos conflitos humanos. Até começamos o estudo! Foi quando o Jorge disse que as pesquisas o levaram à Filosofia Metafísica... Eu sempre acompanhei o Jorge, entendendo que ele estava sempre na contramão por ser um anarquista intuitivo... Mas aí não dava mais. O que ele tenta realizar, a meu ver, não pode ser realizado neste mundo cruel, escuro e frio. É um ideal para almas mais elevadas, de outro mundo mesmo! Você não esperava por essa, mas eu e o médico Ismael, materialistas dialéticos de carteirinha, estivemos juntos nos primeiros tempos do NUPEP. Não prosseguimos, em razão das amarras mantidas com este mundo físico. Aí, derivamos por caminhos diferentes, mas mantendo em elevada conta um ao outro". Pergunta: foi a primeira e única chapa "meio avançada" que se elegeu ao DARO? "Depois da nossa não sei. Mas, leve em conta que a nossa primazia já foi muito. A FADI era um quartel general de conservadores e ali "cutucávamos a onça” com um palito de dentes, todos os dias. Ainda vivíamos a ditadura militar e estávamos muito limitados. Trabalhamos muito, eu e o Jorge, como conselheiros de uma diretoria que ainda precisava aprender a fazer política! O pessoal de esquerda, que até então esteve naquela faculdade, costumava criticar, mas sem oferecer alternativas. E só não fomos cabeças de chapa porque não podíamos nos expor, até pela amplitude dos outros compromissos que tínhamos. Mesmo assim, conclamávamos para debates, desafiávamos mesmo! E o pessoal se encolhia, porque não estava acostumado. Depois, do meio para o final do mandato o Jorge entrou na nossa contramão. Ele, embora fosse amigo do Presidente do diretório, cobrava-o franca e duramente, nas reuniões da diretoria, a assumir integralmente o que havíamos prometido em campanha. Eu, talvez por ter sofrido o que ele não sofreu, era mais compreensivo, mais cauteloso e menos impetuoso nas exigências. Divergimos muito quanto às ações imediatas e ele, para manter a coerência com sua impetuosidade expôs no mural da faculdade um protesto com as razões do seu afastamento e saiu. Eu, também me mantive coerente com a cautela e tive de arregaçar as mangas de tal modo que no final acabei perdendo o ano, por faltas. A separação foi uma solução, não um problema, porque continuamos amigos e fiéis a nossa consciência individual. Foi o Jorge quem desencadeou o movimento, embora não estivesse na cabeça da chapa, porque tínhamos de tomar cuidado. Numa conversa ele disse: Rodrigues, vamos mudar esse panorama de aceitação? De inércia? Vamos fazer uma chapa e tocar esse negócio aí?’ Eu estava receoso. Afinal, já tinha caído nas mãos da repressão! Mas o Jorge insistiu. Acabei topando e o resultado foi espetacular. Quem vê nessa história apenas querelas estudantis engana-se, pois havia um processo educativo em curso, a organização de um movimento e uma trincheira, de onde se fazia a defesa valente de alguns princípios da liberdade democrática que era escamoteada na época. Depois da nossa diretoria chegou a do Crespo, atual deputado, com um trabalho muito bom, porque vinha da UNICAMP, onde já existia uma visão mais aberta... Só para constar, na nossa classe tinha algumas jovens patricinhas, que quando eu e o Jorge chegávamos diziam: ih, lá vem os chatos! Mas, um dia, anos depois de formados, num desses cartórios da cidade, duas delas vieram para mim de braços abertos e dizendo: Rodrigues dá cá um abraço! Fiquei até constrangido, porque não estava acostumado a essa intimidade. E elas disseram: hoje sabemos que vocês não eram os sapos que a gente imaginava e que passaram muita coisa boa para nós! Isso foi quando as coisas apenas começavam a mudar com o governo do Presidente João Figueiredo”.  Pergunta: O doutor Claudinel Renato falou de uma exposição de pinturas, na ocasião. “O Jorge é empresário, escritor, orador, diretor de teatro e ainda por cima desenha, pinta. São qualidades difíceis de se encontrar numa só pessoa. Não podíamos imaginar que ele tivesse a qualidade de artista plástico e foi realmente uma surpresa”. Adriana: poderia falar de suas experiências anteriores, com a ditadura? “A pergunta que muitas vezes ouço é se o que fiz na juventude não teria sido uma loucura. Mas na época a gente não tinha opção! Tinha paixão e coragem, que é bem maior na juventude porque a gente acha que não vai morrer e que vai mudar o mundo. Foi um ato de loucura, mas não tínhamos alternativa e mesmo com medo, hoje muito maior, acho que ainda faria tudo de novo. Nem bem entrei na USP, com todo entusiasmo de um calouro, em Abril de 1964, e logo após o golpe de estado já via cartazes por todo lado: Abaixo o golpe da direita! Na Física tinha um pessoal politizado, que me passou informações que até então eu não tinha. E até 67 vivi um período muito produtivo, porque mesmo sem Internet, a gente trocava documentos com estudantes e professores do Brasil inteiro. E a gente chegou na conclusão de que precisava de um partido capaz de oferecer as transformações que o país exigia e que ele tinha de ter a marca da classe que objetivamente teria maior interesse na transformação da sociedade: a operária. Em 67, teve até um grupo de Minas que chegou a propor o nome desse partido: Partido dos Trabalhadores. Em 67, ainda, começamos a sair do movimento estudantil, que teve seu ápice em 68 e a partir para um contato maior com a classe operária. Fui contatar a categoria dos trabalhadores gráficos, que até 64 tinha sido uma das mais avançadas e após uns três meses com suas lideranças, disse ao meu pessoal que a classe operária revolucionária não existia, porque toda a liderança estava intimidada e sem coragem para enfrentar a ditadura militar. Outros, em reunião de balanço, concluíram também, que não existia a classe operária no sentido exato do termo. Aí a gente entendeu que se não existia a classe operária, revolucionária, teríamos de criar uma. E saímos para os bairros... Eu já era professor e fui fazer curso de cronometrista, para entrar numa fábrica vestido de operário e convocar para a reação os que poderiam liderar. Não cheguei a ingressar na fábrica, mas participei do que chamávamos de escola de formação de quadros, que explica a formação de lideranças operárias do tipo do Lula. Em 69 fui para Presidente Altino, em Osasco, morar em uma casa alugada com mais três operários. Um deles a gente chegou até a alfabetizar, outro, o Arsênio, faleceu há um ano atrás dando seu nome a um centro cultural ou biblioteca em Osasco, se não me engano. O Arsênio foi representante do movimento operário na Europa, um pouco antes de morrer. Então, nós, estudantes da USP, sabíamos que naquela época o ensino universitário era para poucos e que devíamos levar o  conhecimento a que tínhamos acesso, aos que não tinham. E passávamos para os operários a história do movimento operário, o conhecimento do materialismo dialético, que frutificou mais tarde nas lideranças surgidas. Muita gente não entende como o Lula, por exemplo, passou de peão a Presidente da República! Acontece que, como os filhos dos nobres medievais, que tiveram professores dentro dos castelos, os peões tiveram professores particulares. Então, a liderança operária surgida nas décadas de 60, 70 e 80, foi bem amparada em seu início, e o camarada inteligente aproveita mais com professor particular do que qualquer outro freqüentando um curso regular. Acho que a minha geração cumpriu um papel importante na socialização do conhecimento. E olha que estou falando de gente boa como o Betinho, que foi ser operário numa fábrica de xícaras já sendo sociólogo”.  Adriana: você também foi preso, na fase da perseguição política? “Entrei em janeiro de 71 e saí em novembro de 72, da prisão, onde ocorreu minha primeira pós-graduação. Digo isso porque a ditadura prendia, em geral, o pessoal mais intelectualizado do país, proporcionando com isso uma oportunidade extraordinária para estudar, depois que se passava no vestibular da tortura, período muito triste. Passado esse vestibular a gente ia para o Presídio Tiradentes, em S. Paulo, onde era muito bom. Só para você ter uma idéia, fui contemporâneo do renomado professor Caio Prado Junior, já velhinho e consagrado. Comecei a estudar Economia de forma sistemática com um professor da PUC que esteve com a gente. Também ensinei Física e iniciei a leitura dos clássicos gregos. Quando digo que a cadeia era um ambiente bom, entenda, não sou masoquista. Digo que um intelectual não perde tempo e aproveitava toda oportunidade para estudar. E tinha gente muito boa lá, para ensinar. Muito do que hoje acontece foi pensado lá atrás. Eu tenho uma série de amigos que hoje ocupam posição no governo. O próprio Ministro José Dirceu passou por lá, ainda que não no meu tempo. O Frei Beto foi meu contemporâneo, entre outros. Depois de liberado eu tive que ir todo mês na Justiça Militar, por um bom tempo, para explicar o que estava fazendo. Era um interrogatório que, afinal, terminou. Mas, numa das vezes em que lá estive me puseram junto com outros, encapuzado, e me deram alguns pontapés na canela, antes de me liberar. Foi quando decidi sair de S. Paulo e ir para uma cidade do interior onde pudessem esquecer de mim. E decidi vir a Sorocaba pela sua tradição industrial. Aqui nasceu o Grupo Votorantim, onde temos tradição na tecelagem. Sorocaba participou, em 1917, da primeira greve geral do Brasil. Então, vim para Sorocaba esperando dar minha contribuição, para tentar mudar aquela situação. E hoje dou aulas de Economia em Americana, no UNISAL, que é o Centro Universitário Salesiano, de Americana, junto a Campinas, e sou professor de campo no curso de Direito do Trabalho, lá mesmo. Eu tenho um amor muito grande por esse curso que ajudei a organizar e só o deixo morrendo ou se me dispensarem, porque é em ambiente muito bom, de pesquisa, de camaradagem. É maravilhoso o que faço da minha vida hoje. Também elaboro uma tese sobre o sindicalismo no Brasil, um caso sério. É preciso muda-lo. Sindicalismo dos trabalhadores e dos patrões são questões muito delicadas. O Presidente Chaves, da Venezuela, foi tentar mexer com isso e quase cai do cavalo. Meu maior problema é que minha vida agitada me afastou da convivência com alguns amigos queridos, como o Jorge, por exemplo, do qual, após vários anos lembro das inquietações da época de formação do PT. A Escola Magnus estava lá, na rua da Penha, onde o partido nasceu e onde nossos encontros eram realizados. Nessa escola se organizaram discussões com pessoas ligadas a grupos de teatro e algumas ensaiavam lá. Tem as peças que ele escreveu e levou ao público, resgatando para o teatro da cidade, ao menos durante aquela época, a sua função formadora, educativa e política, desprezada em favor da diversão elitista e alienante. Esse é o Jorge de quem me lembro, um homem cheio de paixão tentando realizar mudanças nas cabeças e dando a sua contribuição. É evidente que às vezes a gente se perde, porque tudo na vida é muito importante e sempre fomos radicais, no sentido de querer conhecer as raízes das coisas. Sempre fomos “duros” quanto a isso, mas tentando não perder a ternura da flexibilidade, nessa busca por raízes. E a gente nunca levava os conflitos para a pessoalidade nem guardava ressentimentos contra as pessoas com quem travava embates acalorados e às vezes plenos de emoções intensas. Estávamos sempre dispostos a abraçar carinhosamente o oponente com o qual, ainda há pouco quase nos engalfinhamos no confronto do debate. Tudo é passageiro para quem pratica a tolerância e nisso me identifiquei logo com o Jorge. Eu e ele sempre brigávamos, em razão de nossas divergências, mas sabíamos nos reconciliar logo, por aceitar as diferenças que deviam ser mantidas, já que eram fundamentais ao nosso crescimento. Um defeito grave é ser bitolado e turrão, porque tudo tem dois lados e essa é a dialética da vida. A luz não existiria sem a sombra nem o bem sem o mal. O processo do conhecimento é comparativo e não há que se dizer a ‘minha verdade’, porque enquanto o ser for inteligente aprende. Logo, a “sua verdade” poderá ser circunstancial, ou de acordo com o nível mental de antes da aprendizagem. Daí, a importância de ser tolerante. A gente sempre brigou pelo que entendia ser o correto. E, se conheço bem o Jorge, sei que como eu, continua se atirando de cabeça e com paixão na ação que entende levar ao fundo, ou à raiz dos problemas”.  Pergunta: poderia falar sobre a sua família? “Tenho dois filhos do meu primeiro casamento e uma filha, do segundo. São filhos espetaculares e minha família é maravilhosa! Ao dizer, porém, que tudo o que fiz na vida e faço, é pensando em minha família, saiba que me refiro a uma família muito maior do que a formada por mulher e filhos. Tudo o que faço é pelo meu país. Desculpe-me a emoção... É que, dizem, a gente vai envelhecendo e ficando manteiga, não é?”. Mais algum comentário, antes de encerrarmos? “Agradeço a oportunidade de conversar com você e de poder falar do meu grande amigo Jorge, com quem passei bons momentos e de quem tenho só excelentes recordações. Muito obrigado”.  Gente fina o senhor Clodoaldo, não é? E parece que ouço o Jorge dizer, como habitualmente se refere a ele: “Esse é o MEU AMIGO Rodrigues, a quem tanto amo e de quem me orgulho”.

VALDENOR DA SILVA SANTOS é Comendador e um alto expoente da capoeira no Brasil e no estrangeiro, que em seu livro, Capoeira, Ciência e Verdade, publicado em 1980, assinala, nas páginas 115 e 116, Jorge Melchíades e Luiz Rafaldini, como os dois únicos mestres na cidade de Sorocaba, até essa data. Ele é Presidente da Federação Paulista de Capoeira, Diretor Técnico e fundador da Federação Brasileira de Capoeira, também fundador e Presidente da Associação Nova Luanda Capoeira Regional e membro da Comissão Nacional Organizadora do 1º Congresso Unificado de Capoeira. A ele perguntei: Em jornais e depoimentos sobre à história da capoeira de nossa cidade encontrei referências ao senhor, como titular da Academia de Capoeira Nova Luanda de Santo André, cuja filial foi instalada em Sorocaba por um formado seu, o mestre Sabugo, poderia falar sobre isso? “Eu dava aula no Parque das Nações, em Santo André, quando o Luiz Carlos Rafaldini veio treinar conosco. Era capoeirista muito técnico, esforçado, que depois ficou conhecido como Mestre Sabugo. Ele queria ter a própria academia e quando se formou fizemos uma parceria e ele abriu em Sorocaba uma das filiais do então grupo Nova Luanda.” Perguntei: Durante todo o tempo em que ele representou a Nova Luanda em Sorocaba, só ele se reportava ao senhor? “Sim, pois ele representava a Matriz de Santo André!”. Perguntei: Como foi esse trabalho? “Um bom trabalho. Em Sorocaba a nossa filial foi muito bem aceita porque outros tinham trabalhado lá anteriormente e creio ter sido o caso do Melchíades, da Cordão de Ouro. Por isso, em Sorocaba foi muito tranqüilo, principalmente porque nossa orientação e referência sempre foi trabalhar com ética e cordialmente, tendo a capoeira como desporto”. Perguntei: O senhor citou o Mestre Melchíades. Chegou a participar de algum evento dele em Sorocaba? “Não. Na época eu trabalhava como soldador e ainda não tinha me lançado de corpo e alma na capoeira. Não tinha muito tempo para viajar”. Perguntei: Quando o senhor fundou a Nova Luanda? “Comecei a fazer capoeira em 69, com o mestre Zé Andrade e fundei a Nova Luanda aqui em Santo André em 27/02/74. Na época foi difícil, porque nas cidades que não tinham tido nenhum trabalho em andamento, a discriminação contra a capoeira e outras atividades da cultura afro-brasileira era muito forte. A dificuldade era grande. Quando íamos alugar um espaço para abrir escola de capoeira as pessoas ficavam boquiabertas. Muitas nem sabiam o que era a capoeira. Isso só foi melhorando ao longo do final da década de 70 e nos anos 80, até que chegamos ao estágio de hoje, em que há uma consciência internacional em relação a capoeira na história da formação do povo brasileiro.” Perguntei: Esse trabalho no início de 70, do senhor e demais pessoas, facilitou para os que vieram depois encontrarem um mercado mais aberto para a capoeira. Como o senhor vê aqueles que acabam esquecendo o pessoal do passado, que abriu caminho para a capoeira de hoje? “Essa situação se apresenta em várias profissões, em razão dos vícios existentes na postura do ser humano. Eu fui facilitador para uma ou duas gerações e outros facilitaram para a minha geração. O não reconhecimento desse fato só deve preocupar a quem não reconhece, pois a perda é da própria pessoa que deixa de citar referências do presente ou do passado, por vaidade, ingratidão ou coisa semelhante. Quando faço uma palestra ou digo algo, procuro ressaltar o trabalho dos que me antecederam, e cada vez que faço isso me valorizo ainda mais, como capoeirista e ser humano”. Perguntei: Uma revista da Editora Três apresentou o senhor mostrando técnicas e como detentor de títulos regionais e nacionais na capoeira, falaria disso? “Essa revista foi a primeira a divulgar a capoeira como desporto. Ela ressaltou que o capoeirista devia vivenciar a cultura e os rituais da capoeira mais a parte desportiva. A revista foi feita na época em que a capoeira estava sendo implantada como competição, em laboratório que resultou na elaboração do primeiro campeonato brasileiro de 1975. O mestre Pinatti estava lá juntamente com professor Gladston de Oliveira Silva, técnico da Federação na época e quem incluiu a capoeira na Universidade de São Paulo. A gente sentiu que havia a necessidade de um material de formação técnica, até hoje muito defasada. Existem movimentos comuns a qualquer capoeirista e o fato de o aluno ser  criança, jovem ou idoso, não implica em ensinar uma capoeira diferente para cada um. Você mostra a forma correta de execução do movimento com maior economia de energia, com maior equilíbrio e eficiência e cada qual vai trabalhar dentro do próprio limite físico e faixa etária. Mas, todos devem conhecer a forma técnica mais correta.”. Perguntei: Essa orientação sobre metodologia o senhor dá através da Federação Paulista? “Sim. Fui eleito em 1994 e depois reeleito para mais duas gestões. Passamos estas orientações seguindo a escola de capoeira do Airton Neves Moura, o mestre Onça, fundador da Federação Paulista de capoeira e aluno direto do mestre Bimba”. Perguntei: No jornal Cruzeiro do Sul, de Sorocaba, encontrei material sobre a ética do capoeirista da Nova Luanda. Foi o senhor que elaborou? “São materiais que adquiri do meu mestre e extrai de livros. Sempre gostei de pesquisar e quando encontro interessantes assuntos técnicos, culturais ou de organização, acho que devem circular. A capoeira não precisa, mas nós, capoeiristas, precisamos, porque nenhum profissional de qualquer área vive bem se não estiver sempre se atualizando. O capoeirista, para ser um profissional de sucesso e ter trânsito livre nas várias camadas sociais tem de estar preocupado em se formar em outras áreas. Ele assume papel de pai, psicólogo, professor, educador, técnico, e para exercitar com responsabilidade essas atividades deve ser esclarecido.”. Comentei: O senhor já expressou essa visão no seu livro, Conversando nos bastidores com o capoeirista (1996). “Esse livro não foi bem interpretado na época. Sofri algumas ameaças e chegaram a falar que eu realizava um trabalho anticapoeira, porque explicitava nossas dificuldades e necessidades de organização. Mas, eu nunca quis dizer que a culpa fosse só do capoeirista. Temos as questões sociais, políticas, econômicas. Todavia, no livro expus alguns comportamentos de capoeiristas, que observava na experiência. E dizia que, se trabalharmos com dignidade, buscando mais metodologias, discutindo sobre a organização da capoeira e sobre idéias que podem melhorar a vida dos capoeiristas, trabalharíamos melhor. Felizmente isso mudou e de alguns anos para cá tenho recebido alguns elogios pelo livro. Ainda este ano, com relação ao nosso trabalho no país e no exterior, ficou evidente não ser um trabalho anticapoeira. Anti é o capoeirista que não vislumbrou o quanto a capoeira pode crescer e que o trabalho é importante, pois pode ser reconhecido não só pela competência do capoeirista, mas também pela nobreza do que faz. Mas isto pede uma forma melhor de se comunicar e uma ética moral, para que haja uma melhor relação entre grupos de capoeiras e com a sociedade em geral; para que a violência seja minimizada, pois não é da capoeira, é das pessoas, da sociedade, do mundo. O capoeirista tem de perceber, que Bimba e Pastinha deram à capoeira um reconhecimento social, que permitiu que ela adentrasse em escolas, quartéis, faculdades, clubes, igrejas, comunidades de bairro, enfim, em diferentes espaços sociais e instituições. No esporte, no lazer, no trabalho, na cultura, na saúde, em todas estas áreas as portas foram abertas ao capoeirista. Será que agora vamos querer voltar para as ruas, para o digladiar entre grupos? Nesta semana meu grupo digladia com o seu e como me saí bem nos encontramos na praça de novo para o seu tirar a diferença? A competência e o potencial dos capoeiristas envolvidos nos grupos é indiscutível. Apenas entendo que a forma pela qual algumas lideranças transam a relação entre capoeiristas não é a melhor e não vai levar a lugar nenhum, a não ser às seqüelas que já sobram na sociedade: ao boletim de ocorrência, aos braços e pernas quebrados, às cicatrizes no rosto e até à morte. É claro que essas situações não são constantes, mas a gente sabe que existem e as procurei relatar no livro, para os que precisavam dessa visão e orientação. No livro também enfoquei outras questões, como a constituição e legalidade das entidades, a metodologia e a graduação, a formação cultural e acima de tudo, política, pois, como diz Paulo Freire, educar é ato político e o capoeirista faz política, inclusive trabalhando dentro das comunidades.” Perguntei: Gostaria de acrescentar algo mais a entrevista? “Gostaria de informar que desde 13/01/2003 até o final desse ano tivemos lideranças de todo país mobilizadas no congresso brasileiro de capoeiristas. Lá estiveram mestre Itapoan, os filhos de mestre Bimba, Formiga, Denerval, mestre Sacy, Odilon, Gildo Alfinete, verdadeiras lendas vivas da capoeira baiana. De outros estados vieram mestre Camisa, mestra Cigana, Zulu, Mão Branca, Burguês, Suassuna, Brasília... Não vou conseguir citar todos, porque colocamos na quadra de São Paulo 1.300 mestres de capoeira de todo o Brasil, de todas as correntes e estilos. Todas as lideranças estiveram juntas por três dias, discutindo e tirando o primeiro documento unificado da capoeira brasileira. Foi o momento mais importante da minha carreira profissional, porque fui contemplado como membro dessa organização. Nós pedimos o reconhecimento da profissão do mestre de capoeira e que tenhamos um organismo norteando a capoeira em todo o país; um órgão ou conselho nacional que seja gerenciado por capoeiristas de todos estados. Não somos contra o CREF, que é um órgão legítimo. Só acreditamos que já temos o direito de reivindicar um organismo próprio, que irradie para todas entidades e grupos com atuação na América do Sul, na África, Ásia, Estados Unidos ou Europa. Há grupos de capoeira isolados e isso pode não ser por vontade própria. Podem não ter tido a oportunidade de entrar em contato com outras correntes da capoeira. Estamos esperando, também, a lei feita pelo deputado Fleury, que desvincula a capoeira e a ioga do Conselho de Educação Física. Já tivemos manifestações em todo país e eu mesmo encabecei passeata na avenida Paulista para sensibilizar deputados estaduais e federais e conseguir a quebra do vínculo com o CONFEF. Quero também deixar registrado que quando o conselho nacional de capoeira for constituído terá departamentos, não só da ciência da educação física como também de tantas outras ciências que o capoeirista precisa para trabalhar bem no século vinte e um. Eu faço palestras, oficinas e atividades destinadas a melhorar o profissional de capoeira ou capoeiristas, aqui e no exterior, independente da sua formação. Para encerrar gostaria de agradecer a você, Wellington, que vai levar esta informação a pessoas do Brasil e do exterior e dizer, que cada dia acredito mais no capoeirista. Falta, para alguns de nós, talvez, ampliar nossa sintonia e atuar em conjunto, para preservar esta coisa fantástica que a gente gosta e ama que é a capoeira. Estou à disposição de todos na Federação paulista e na Federação Brasileira de capoeira, também na Comissão de Organização do Congresso Nacional Unitário. Agradeço a todos que me ajudaram a chegar até aqui. Welllington, por favor, leve aos amigos e mestres Risadinha de Sorocaba e Ibiracy de Mairinque, o meu abraço a as congratulações pelo bom trabalho.”

 

A dignidade de uma retratação

 

Não esperávamos coisa diferente e os digníssimos responsáveis pelo Jornal Cruzeiro do Sul, publicaram em 11/4/2004, na página A-8, matéria com o título “Há 35 anos o jogo da capoeira chegava a Sorocaba”, que serve de correção ao equívoco cometido em 28/11/2003.

Quando decidi escrever sobre o início do ensino da capoeira baiana na cidade e sobre o pioneiro desse mister, acabei me dando mal, pois ele teve desempenho destacado, não só nas artes marciais como também em atividades culturais variadas. Tive de ampliar as horas de pesquisas e o número das entrevistas e terminei atolado num mar de documentos e de depoimentos interessantes, de pessoas dignas que o conheceram. O material colhido ultrapassou o necessário para o livro que eu pretendia escrever e por isso eu deveria encerrar este trabalho por aqui. Mas, não consegui, porque lamentaria privar o leitor de depoimentos atraentes, sobre fatos cômicos, dramáticos, educativos e até românticos, que acumulei. Resolvi encerra-lo, portanto, só depois de publicar todos. 

PERVITE CARVALHO DOS SANTOS é professora aposentada, diretora e fundadora da Escola de Médiuns Eustáquia Campos Carvalho e vive em Sorocaba há mais de 50 anos. Perguntei a ela se conheceu o pioneiro do ensino da capoeira na cidade e respondeu: “O Jorge Melchíades é meu irmão mais novo, que nasceu aqui em Sorocaba. Desde criança foi muito ativo e criativo, com muitos dons. Garoto, ainda, tornou-se um desenhista muito bom. Era um pouco magricela mas tinha forte tendência para lutas. Não por ser agressivo, mas creio que por querer fazer coisas diferentes. Disso resultou que quando tinha l5 ou 16 anos, o Gino, como também era conhecido, começou a ser procurado por jovens de várias partes da cidade, que queriam treinar lutas com ele, em um pequeno campo de futebol que ele próprio, liderando outros meninos, construiu aí, no antigo “buracão” da Rua Artur Gomes. Parece que ensinava a outros o que aprendia de Box, de Judô, sei lá o quê!”  Perguntei: Ele era briguento? “Só para você ter uma idéia, em 1948 ou 1949, quando ele teria 8 ou 9 anos, a diretora da Escola Normal Municipal, hoje Getúlio Vargas, onde ele fazia o primário, convocou minha mãe para conversar. Mamãe não podia ir e eu fui representa-la. A diretora, a dona Ana, disse que ele era muito educado com professores e pessoas mais velhas, mas que brigava muito. E me fez um sermão sobre a forma de corrigir isso, até tocar o sinal de saída. Quando eu saía, conversando com a diretora e ao lado dos alunos que fluíam do estabelecimento para a Av. Eugênio Salerno, ocorreu um tumulto na frente da escola. O que ví? O meu querido irmãozinho trocando socos e pontapés com dois meninos. A diretora olhou-me com severidade... E como eu não podia negar que conhecia o Jorge, ri. Ela repreendeu-me imediatamente: “É a irmã mais velha e lhe dá apoio?”. Não era verdade. Eu ria porque me vi numa situação ruim! Morria de vergonha e não sabia o que dizer ou fazer ao vê-lo confirmando a queixa da diretora. Não havia desculpas para ele nem para mim, e o que a diretora deve ter percebido é que nós não teríamos como corrigi-lo. Mas, sempre é bom esclarecer que naquele tempo as brigas entre garotos eram fatos banais e não tinham a conotação marginal de hoje. Fora o horário da escola e de eventuais trabalhos as crianças viviam brincando nas ruas. Os veículos eram raros, grande número de ruas era de terra e não ofereciam perigo. Também não haviam tantos marginais como hoje, para assediá-las. Além disso, a cultura machista fazia com que os pais preferissem ter um filho agressivo e briguento, do que um passivo ou submisso. Por isso, creio que a única tendência perturbadora do Jorge não era a de ser briguento e sim a de questionar. Ele não engolia fácil e quieto, nem o que os próprios professores diziam. Se haviam dúvidas ele questionava e ia fundo. Contrariava, desse jeito, pessoas que odeiam questionamentos porque se acostumaram a dizer as bobagens que todos aceitam pacificamente. O Gino, muitas vezes embaraçava com as questões que fazia!”. Perguntei: A senhora dirige uma escola de médiuns. Como veio a desenvolver esse trabalho? “Quando o Jorge iniciou o NUPEP, em 1984, eu estava junto. Eu estava lá nos primeiros dias. Comecei a aprender e a aplicar o que aprendia e logo as pessoas começaram a me procurar em busca de aconselhamento espiritual, obrigando-me a criar um trabalho paralelo ao do NUPEP. Os estudos, aqui, são baseados na ciência psicológica que o Jorge criou e desenvolveu.” Perguntei: não é difícil vê-lo como irmão mais novo? “Eu o vejo como irmão, como mestre, como meu ídolo, como um amigo e o amo muito, muito mesmo! Tudo isso junto, realmente, torna difícil explicar como o vejo”. Perguntei: A senhora também foi diretora de escola? “Fui professora em Barueri e aqui em Sorocaba. Em Brigadeiro Tobias, sendo pedagoga, passei a substituir o senhor Esdras de Moraes, que era o diretor, e o fiz por 4 ou 5 anos.”  Observei: A senhora pode não lembrar, mas já me deu aulas de taquigrafia. “Há uns tempos atrás, quem era ou queria ser jornalista, secretária, escrivão, escrevente etc., tinha de aprender, tanto datilografia como taquigrafia. E durante vários anos ensinei essas disciplinas numa escola de datilografia tradicional que existia na Rua da Penha”. Perguntei: Como funciona sua escola de médiuns? “Como escola! O desenvolvimento da mediunidade, conhecida como percepção extra-sensorial e tratada como função Psi-gama na ciência da Parapsicologia, é parte experimental importante nos nossos estudos. Temos ainda um teórico básico, no qual discutimos sobre nossa origem, que não é na matéria burra, mas sim na energia geradora que chamamos Principio Inteligente. Depois, entramos no estudo da formação do universo sob a visão da ciência materialista e em seguida passamos para a parte média, onde estudamos sobre o condicionamento das massas e um pouco sobre o doutor Sigmund Freud e a Psicanálise... Assim a gente vai aprendendo e subindo os degraus que cada qual pode, na superação dos próprios limites.”  Perguntei: A senhora diria que o Jorge é coerente com o que ensina porque vive querendo superar limites? “O Jorge, como já disse, sempre foi muito ativo. Quando menino foi engraxate, jornaleiro e quando tinha só uns 12 ou 13 anos, montou uma banca de revistas e de livros usados lá em frente ao correio, na rua São Bento. Antes, com cerca de 8 ou 9 anos ajudou o tio Júlio, que já  andava doente quando montou a primeira banca de jornais e revistas na frente do mercado, no antigo Largo Santo Antônio, em frente a praça Nicolau Scarpa. Havia quem o chamasse de volúvel, porque não conseguia ficar muito tempo com uma coisa só. Mas o fato é que ele não dava bola para a torcida e parecia procurar algo, que só encontrou quando criou o NUPEP. Aí abandonou praticamente tudo e dedicou-se a experimentar na própria existência as verdades encontradas no estudo. Antes, vivia atrás de  algo incerto e desconhecido, tateando às cegas em busca de novas experiências e se encrencou muitas vezes por isso. Foi açougueiro, vendedor de livros, gerente de vendas, professor, advogado, político, teve marcenaria, sorveteria, criou uma rede de lojas na cidade e fora dela. Casou-se muito cedo com uma moça boa e trabalhadeira, que era empregada doméstica da família Maurício Delosso, que era proprietária de uma loja em frente à ponte da rua 15 de Novembro. Quando eles se separaram ela era uma grande empresária... O Gino fez muita coisa que no final, deixou para outros desfrutar. E você sabe; sempre tem os que se aproveitam do que receberam, agradecidos, mas também tem os ingratos, não é?”. Perguntei: A senhora lembra quando ele começou a ensinar capoeira? “Olha, eu nunca me interessei por assuntos de luta... Só lembro do seu envolvimento com elas e de ter assistido uma apresentação dele no programa de televisão do Sílvio Santos. Foi uma grande realização para a cidade de Sorocaba, na ocasião.” Perguntei: Quer acrescentar mais algo? “Quero só agradecer a oportunidade”.

RUBENS MARTINS MENDES, é representante comercial. Perguntei: O que tem a dizer sobre o pioneiro da capoeira em Sorocaba? “O conheci na infância, quando tinha aproximadamente 7 ou 8 anos. Eu tinha a mesma idade e vivíamos num bairro próximo ao centro, ali na Rua Arthur Gomes. Fomos amigos e nos víamos freqüentemente, até a idade de 14 ou 15 anos, mais ou menos, quando, então, seguimos caminhos diferentes. O que tenho a dizer dele é que era um garoto dinâmico, lutador e ciente das coisas que queria. Estava sempre procurando alguma coisa para fazer e isso o diferenciava um pouco dos outros da rua. Ele gostava de coisas diferentes. Nós jogávamos bola, por exemplo, e ele gostava de luta. A gente vivia perto do “Peladão do Scarpa”, onde hoje funciona o Shopping Sorocaba e onde antes havia cinco ou seis campos de futebol. Todos os meninos da rua viviam neles e gostavam da bola, mas o Jorge não se dava bem com ela. Ele vivia estudando, procurando e juntando dinheiro para comprar livros, inclusive de lutas. Aliás, como na época os artigos de esporte eram muito caros e estavam fora do nosso alcance, ele fazia luvas de boxe com lona pintada, saída de bancos de automóveis, e promovia torneios na rua. Ele gostava muito, mas o pessoal não, né? O pessoal queria futebol. Para convencer o pessoal a treinar com ele, bem que tentava transmitir o que lia, as formas de se fazer, o processo... Mas isso não era próprio da nossa época, do pessoal da rua! Para jogar futebol ninguém precisava de explicações nem ler. Agora, para aprender luta que não existia na cidade, tinha de entender os livros, que na época tinham raras figuras. Nessa questão de lutas até lembro que ele dizia sempre: “Rubens, o leão não faz ginástica nenhuma porque já é forte de natureza. Nós precisamos fazer, porque não somos leões e temos de enfrentar pessoas fortes como leões”. Saíamos juntos, porque eu era o seu amigo mais chegado”. Perguntei: o senhor presenciou brigas dele? “O Jorge tinha objetivos. E quando se aperfeiçoava em alguma coisa, digamos, em lutar, ele procurava ler e fazer. Precisava de parceiros com quem treinar e como o pessoal não se interessava, ele arranjava encrenca com caras maiores e mais fortes que ele, para se testar, para saber a capacidade dele. Por causa disso andou apanhando muito. Junto comigo, inclusive. Ele ia entrar numa briga e eu dizia: Gino o que você vai fazer? O cara é forte, é grande! E ele respondia: “quero saber se é mesmo”. Em um dos casos, arranjou peleja com um da nossa rua, muito musculoso e mais velho que ele uns 2 ou 3 anos, tempo este que frente a um adolescente de doze ou treze anos dá uma diferença grande de corpo. O outro não era muito mais alto que ele, mas era de físico avantajado, comparado ao do Jorge. E ele comentou comigo: ‘Rubens, eu vou. Tenho de encarar esse camarada’. E como não adiantava tentar impedi-lo, aconteceu. Ele nunca havia freqüentado a esquina aonde esse rapaz ia, mas, foi lá e cumpriu com o que falou. O outro era forte mesmo e ele andou apanhando. Mas não endireitava. O Gino tinha essa mania. Em outra ocasião, estávamos subindo a Artur Gomes para ir comprar alguma coisa que a mãe dele tinha pedido. Tínhamos cerca de 12 anos e estava descendo a rua um rapaz bem mais velho, mais alto e com a compleição de adulto. Houve algo entre eles e o Gino falou: ‘Rubens eu vou experimentar esse aí’. Eu achava um absurdo aquilo! “Eu quero saber”, ele dizia. E começou a encrenca. Ele foi para cima do outro e apanhou bastante. Ele queria experimentar o que lia nos livros.” Perguntei: Mas, tanto ele quanto seus adversários não se machucavam? “Ocorriam escoriações, olhos pretos, narizes quebrados, arranhões, caroços e inchaços, mas nunca vi acontecer nada mais sério. O cara dava e levava tapas, socos, chutes e mordidas. Às vezes saía sangue, mas nunca vi ninguém quebrar ossos ou usar arma. O negócio naquele tempo era no braço mesmo. Brigar era um costume para alguns garotos”. Perguntei: E essa história das luvas de Box que ele fazia? “Ele catava retalhos na Tapeçaria do Ireno, que reformava estofamentos ali na Rua Professor Toledo, perto da Sete de Setembro. Aí desenhava o formato da luva de boxe no tecido, recortava e depois que alguém costurava para ele, punha um pouco de algodão. A gente colocava a mão por detrás, assim... Aquilo era horrível! Só parecia macio! Quando a gente usava era uma pedra. O tecido era só imitação de couro e ressecava, a tinta saía em pedaços e a lona ficava com aquelas coisinhas ásperas, parecendo lixa. Quando a luva batia no rosto da gente, raspava, machucava!”. Perguntei: E ele só apanhava, então? “Não. Batia também. Por isso eu admirava o Jorge. Durante o tempo em que saímos juntos, até os 15 anos, via muita persistência nele. Uma vez, não sei se foi em um sábado à noite, fomos à praça Coronel Fernando Prestes, onde acontecia o footing. Rapazes e moças circulavam lá, para namorar. E existiam algumas gangues, como seriam chamados esses grupos hoje, que ficavam no centro da praça aprontando e provocando quem passava. Eles tinham seu maioral, um moço muito grande e forte, apelidado de Gorila. Era grandão e servia de protetor para os outros do grupo. Era o segurança da turma. Se um do grupo arrumava encrenca com quem passava e não agüentava o tranco, o Gorila comprava a briga para ele. Então, o Jorge, nesse dia já tinha em mente que tinha de enfrentar o Gorila. Como sempre, eu disse para ele não arrumar confusão. E ele, como sempre, me disse: “preciso saber”. Eram mais ou menos nove horas da noite, por aí, quando a gangue fechou o Jorge dentro de um círculo de onde não saía ninguém, nem entrava. O Gorila foi para cima, e o Gino, com uma perícia que parecia estar se aprimorando, deu um giro e plantou o outro no chão. O cara caiu e sentiu o drama, né? Não sei se quebrou alguma coisa, mas o grandão sentiu e o Gino saiu vitorioso naquele dia. Não houve seqüência nem represália por parte dos amigos do Gorila. Todo mundo ficou admirado de ver o Gorila caído e respeitou. O cara ficou no chão. Depois levantou, sentou de novo e acabou ficando no chão mesmo. O Jorge era desse tipo. Como não havia academia de vale-tudo na cidade treinava assim. Outra vez estávamos subindo a rua São Bento, chupando sorvete, quando um camarada chato, já adulto, começou a encher o saco e a nos ofender. Parecia um pouco alcoolizado. O Jorge falou, ‘Rubens, vou dar um jeito’. Eu disse: Gino, deixa isso aí. Mas, ele parou. O cara veio e parou na frente dele falando bobagens. Aí começou, sabe como é, né? Não era nada fácil arranjar dinheiro na época e o Gino estava com o sorvete de casquinha quase inteiro. Tinha lambido pouca coisa dele, mas não se importou de perder e com um berro enfiou o sorvete no nariz do sujeito, que, com a cara cheia de massa, como naqueles antigos filmes de pastelão, se intimidou. O Gino ficou ali para resolver o negócio, para ver se o cara ia em cima. Mas não foi. Claro que naquela época era muito diferente de hoje. Os rapazes brigavam, mas se respeitavam, porque era muito raro alguém puxar arma ou atacar de turma. Mesmo assim eu vivia preocupado e tinha medo de sair com o Gino. Eu não gostava de brigas. Sempre evitei. Já fiz algumas naquele tempo porque não tive como evitar. Era só no extremo. Eu saia com ele e falava: não vá arrumar encrenca hoje, está certo? E ele dizia: “tá!”. Mas não dava outra coisa!”. Perguntei: Ele também desenhava? “Fazia história em quadrinhos! Escrevia uma estória e depois a desenhava em cadernos de desenho. O Jorge tinha muita vontade de conhecer as potencialidades dele e não parava. Sempre queria mais e fazer alguma coisa. Ele falava, eu vou, eu vou, ia e não parava. Vivia tentando coisas diferentes para ganhar algum dinheiro. Muitas não davam certo, né? Mas ele fazia. Na rua Arthur Gomes tinha o buracão, uma vala enorme por onde passava um córrego e outra vala de outro lado, com uma plataforma de puro mato no meio. Um dia ele pegou ferramentas, convidou o pessoal e forçou os amigos, falando em um novo campo de futebol, o que todo mundo queria. Nas mãos da molecada apareceram foices, enxadas e houve muito trabalho. Depois fomos catar madeira para fazer as traves. E realmente, surgiu um campinho ali na plataforma. Obra do Jorge. Sabe, a idéia dele, o incentivo dele, o entusiasmo dele em fazer, porque ninguém ia querer mexer lá, tendo o Peladão do Scarpa tão próximo, né? Mas aquele campo ia ficar na nossa rua, onde se concentrava tudo. Ele fez um buraco lá, falou, fez, insistiu e o campinho saiu.” Perguntei: sem ligar para futebol fez um campo de futebol? “Ele não tinha habilidade com a bola, mas se esforçava e às vezes participava. Você sabe, tem gente que não dá para a coisa, né? O futebol não era o negócio dele. Mas a idéia do campo foi dele. E esse campinho passou para outras gerações. Já adulto, a gente passava por ali e era outra criançada brincando no campinho, que foi assentando, foi assentando, e ficou por ali até bem depois que oo do Peladão do Scarpa desapareceram. Foi quase recentemente que construíram um edifício de apartamentos em cima”. Perguntei: O senhor gostaria de acrescentar mais alguma coisa? “Mais tarde eu vi o Jorge de longe, com aquele entusiasmo todo casar com 19 anos. Fiquei sabendo da vida que teve, do sucesso que atingiu como empresário, da academia de lutas, da participação no programa do Silvio Santos e que estava estudando muito. Mas só o via muito esporadicamente.” O senhor é representante comercial? “Aposentei-me na Livraria e Papelaria Gutierrez e trabalho representando o produto com o qual trabalhei quase a vida inteira: material escolar. Meu trabalho é ir ao encontro de alguém numa papelaria. Se você tem uma, possivelmente eu já visitei você. Eu faço a praça de Sorocaba e o meu sócio faz a região”. O senhor Rubens é muito simpático e modesto também, porque só fui saber depois, por outras pessoas, que é muito estimado na sociedade sorocabana, pois foi conhecido como o grande “Canhoteiro” ou “Rubinho”, que brilhou em times famosos de futebol amador de Sorocaba e fez nome de grande fintador e artilheiro.

Entre os moradores mais antigos da cidade, realmente, pude apurar que na época havia muitas brigas entre jovens, sendo considerados acontecimentos banais. Eram como rituais para alguns e embora quem apanhasse pudesse buscar a revanche, esta era tida como oportunidade de mudar resultados, não realização de ódio. Normalmente, ao entrar na idade adulta a maioria abandonava as brigas.

ULISSES NUNES é um afamado cirurgião dentista de Votorantim, que quando foi entrevistado pela Adriana Alves de Lima, em razão da homenagem que o informativo Nossa Posição prestou ao seu pai, o senhor HEITOR DA COSTA NUNES, declarou que seu pai contava para ele e o irmão, também cirurgião dentista já falecido, Carlos Alberto Nunes, que o Jorge Melchíades, de quem foi muito amigo desde a adolescência, tinha sido muito bom de briga.

ANTONIO GALDINO LEITE FILHO é caminhoneiro autônomo, residente na cidade de Itu.  Perguntei a ele: quando o senhor conheceu o Jorge Melchíades, o pioneiro da capoeira de Sorocaba? “Foi lá pelos idos de 1955, quando tínhamos 15 ou 16 anos de idade. Eu morava na Vila Santana e ele perto da rua Sete de Setembro. Tínhamos amizade criada no ginásio e como eu gostava de lutas comecei a treinar alguns golpes de Jiu-jitsu com ele. A gente era que nem galinho no meio da frangada. A turma respeitava a gente.” Perguntei: Soube que o Jorge  também ensinou outros jovens no campinho da rua Artur Gomes. Era onde vocês  treinavam? “Sim. Ele ensinava vários garotos e sem interesse lucrativo nenhum. Era uma maravilha o prazer que ele tinha em passar para outros as técnicas de briga que ele tinha desenvolvido. Me ensinava também, mas eu já tinha treinado Box e era briguento antes de conhece-lo.” Pergunta: O senhor se recorda de brigas do Jorge, nessa época? “Claro! Lembro de uma, quando saímos do colégio Estadão, um dia, e caminhávamos pela Av. Eugênio Salerno. Tínhamos uns 15 ou 16 anos e um sujeito com seus 19 ou 20, muito forte, provocou briga com o Jorge. Não precisou insistir muito. Se pegaram e a briga foi violenta, mas sem arma. Foi no braço. No ano de 1959 servimos o exército juntos e lá vi ele brigar mais algumas vezes. Depois que servimos o exército, cada um seguiu sua vida. Ele casou-se, e como eu, já não queria mais saber de brigas e sim de trabalhar, de cuidar da família, de vencer na vida. Mas um dia, pelos idos de 1961, quando eu levava açúcar para o Rio Grande do Sul e trazia vinho e ovos de lá, parei em frente ao açougue que ele tinha no Cerrado para visitá-lo. Lembro como se fosse hoje; nem bem cheguei e vi um sujeito falando alto, fazendo escândalo por causa de algum negócio e provocando o Jorge. Tudo começou dentro do açougue e seria fácil para o Jorge sair com uma faca... Mas não. Saiu na mão limpa e o pau quebrou. Sabe como é, a gente não apartava. Deixava correr solto. O outro era forte, ágil e bom de briga. Foi uma briga feia, que durou bem uns cinco minutos. Rapaz, ajuntou muita gente para assistir aquilo. Quando apartaram, o Jorge estava inteiro e se queixando que o outro tinha conseguido despentear o seu cabelo. Ele tinha a mania de dizer isso depois das brigas... Mas a cara do outro estava um desacerto total! A gente brigava demais, eu e o Jorge. A gente não tinha medo de ninguém. Eu, inclusive, andei apanhando várias vezes, por me meter com marmanjo. A gente era garoto ainda e brigava com homem formado. Voltei para casa várias vezes com o olho roxo e sangue escorrendo do nariz. A gente  brigava mesmo, rapaz!” Perguntei: o senhor não ajudava o Jorge e nem ele ao senhor? Nem apartavam, por quê? Havia algum pacto entre vocês? “Era uma espécie de dignidade machista. Na época havia muitos rapazes que gostavam de medir forças no tapa e quando se encontravam, não havendo arma nem a entrada de terceiros não havia intervenção. A gente deixava o pau quebrar mesmo. Depois, um saía cantando e outro de cabeça baixa. Uma vez, paquerei uma menina bonita na praça e o namorado dela se alterou. Saímos para a briga e quando vacilei, ele deu um chute de bicuda na minha cara e quase me furou o olho. Aí apartaram. Ainda bem, senão ele me matava. Tive problemas terríveis com esse olho durante muito tempo. Mas a namorada dele era bonita, rapaz! E acho que depois desse dia ficou gostando de mim (risos)! Ôôô tempo doido!”  Perguntei: o senhor me disse antes que pescavam juntos... “Desde moleque eu pescava em tudo quanto é lagoa, rio e córrego de Sorocaba. O Jorge só me acompanhava pela amizade. Não gostava. Na cachoeira da estrada de Votorantim a gente pegou peixe que não estava escrito, rapaz! A água era o meu ninho. Nela eu tanto pescava como nadava. A gente atravessava o rio a nado bem onde a água da cachoeira era mais revolta. O Jorge quase morreu afogado, uma vez, tentando me acompanhar. De 1980 para cá eu tive de parar de pescar em Sorocaba por causa da poluição. Com dois movimentos no anzol o peixe já estava morto. O pobrezinho morria antes de chegar na mão da gente, de tão fraco que estava. No ritmo da luta eu nunca ganhei do Jorge, mesmo assim a gente vivia querendo mostrar que podia mais que o outro, fosse no que fosse. E na água eu ganhava dele. No quartel, em 1959, teve um torneio de nado livre e peguei o segundo lugar sem nunca ter nadado em piscina. A gente nadava no rio Sorocaba, onde passava tardes maravilhosas e ainda levava peixe para casa. Nessa época a gente dava cambalhotas e saltos no ar com muita agilidade. Era uma ginástica doida demais! Uma noite, no Exército, encrenquei com um e juntou meia dúzia para me bater. Como dentro do quartel não adiantava brigar, porque apartavam logo e a gente levava punição, saímos todos para fora. Quando ia começar, apareceu o Jorge dizendo que queria brigar também. Eu falei que o negócio era meu e ele veio com uma conversa de ralhar enérgico comigo: “não vai brigar sozinho porque é muita gente”. Quem ouviu o papo dele pensou que ele estava preocupado em me proteger. Que nada! Ele só queria era entrar na minha briga. Eu deixei e aí ficou seis contra dois... Ficou tudo acertado e na hora do pega, nem bem eu e o Jorge começamos a ensaiar socos e pontapés no meio deles, afinou todo mundo. Rapaz! Eles começaram a gritar para dois Polícias Especiais que passavam ao largo, reclamando que eu e o Jorge estávamos querendo agredir eles! Por causa disso pegamos cadeia no quartel. Mas foi gozado! Seis baitas homens acusando a gente de querer bater neles. E eu não era raquítico, mas parecia, comparado com tanto soldado massa bruta que tinha no quartel. O jorge ainda era menor do que eu! Não deu briga daquela vez... Que pena (risos)! Mas, logo o soldado Melchíades foi deixando de me acompanhar, porque no quartel eu arranjei uns amigos que gostavam de farra, com bebida e tudo mais, sabe? Ele não gostava. Então, a gente deixou de sair junto, mas nossa amizade continuou como sempre: do fundo do coração. Se precisasse, ainda era eu por ele e ele por mim. Quem não conhecia, me respeitava mais do que o Jorge, porque eu tinha mais envergadura que ele. O Jorge tinha um jeito meio pacato que enganava, porque na briga era valente. Uma vez, um sujeito disse que ele só havia batido em quem não era de nada e que se fosse com ele o Jorge se daria mal. O Jorge convidou o sujeito para fazer ele se dar mal, no campo de futebol do quartel. E eu fui junto para assistir. Rapaz, o sujeito já tinha desmaiado e ele não parava de bater. Não percebeu que o sujeito tinha apagado. Continuou batendo. Naquela vez eu tive de intervir, senão o outro morria. Carregamos o cara desmaiado até a torneira das garagens e jogamos água na cabeça dele. Não dá nem para acreditar, rapaz! Quando ele voltou a si fez questão de cumprimentar o Jorge e terminar com a bronca! É aquele negócio, ele se enganou. Achou que era o bom do pedaço porque era grande e chegou um menor para encalhar a vida dele. Normalmente a gente não queria brigar. Eu era pobre e fui criado quase como garoto de rua e o Jorge também, mas a gente tinha educação. Só quando aparecia alguém querendo botar banca e humilhar a gente, que a educação era deixada de lado e a gente partia para o tapa. Era uma loucura! Veja você que passei 118 dias entre detido e preso no quartel. É quase meio ano! Fugi da cadeia umas três vezes. Eu queria ser livre mesmo! Não queria ninguém mandando em mim e o Jorge era assim também. Ele só não me acompanhou depois, quando eu, o Caiolli de Itapetininga e outros colegas, alguns que depois foram expulsos, começamos a tomar umas e outras e a bagunçar na cidade. Em outra ocasião teve um sujeito boa pinta, cidadão rico e bem educado aqui de Itu, na nossa bateria, que se prevaleceu por ser grande no tamanho e na riqueza e fez uma ironia que me ofendeu. Eu cheguei até a cuspir na cara dele para que viesse em cima de mim. Também dei uns empurrões nele, mas ele não veio. Me arrependo disso até hoje. Foi a única coisa que fiz de errado naquela vida de brigas. A gente tinha gênio briguento mas era para o lado da valentia. A gente só brigava com quem queria briga e nunca se prevalecia de quem não gostava dela. A gente não queria intimidar nem constranger ninguém, só liderar, se destacar nas brigas do mesmo jeito que outros se destacavam no futebol, nas roupas caras ou no carro que o papai comprou. A gente vivia nas ruas da cidade desde crianças, trabalhando, e para manter alguma dignidade no meio de fanfarrões e briguentos a gente tinha de brigar. Acho que a gente brigava para sobreviver psicologicamente e para isso a gente fazia tanto esforço de vontade e de inteligência quanto o sujeito de berço, cercado de facilidades, que se tornava juiz de direito ou se formava numa universidade estrangeira. O pessoal só dá cartaz e faz propaganda do filhinho de papai, mas a gente tinha o mesmo mérito, de outro jeito. Como nunca puxei arma para ninguém, mesmo apanhando, nem me prevaleci dos mais fracos, também me orgulho de nunca ter sido covarde!” Perguntei: O senhor Nelson Mena falou de uma briga do Jorge, logo no início do serviço militar, em que ele deu uma cabeçada no nariz de um. O senhor se recorda dessa? “Ele deu uma cabeçada num sujeito que falava grosso e era agressivo com todo mundo, mas que arriou logo nas primeiras pancadas que o Jorge deu. Todo mundo gostou do acontecido, mas a coisa foi parar no oficial de dia e deu uma confusão grande. Todos da BCR (Bateria Comando do Regimento) ficaram detidos uma semana por causa disso. A gente era preparado para brigar, rapaz! Eu lembro dessa cabeçada. Eu lembro, porque um ataque nosso era para valer, mesmo. E se grudasse no corpo-a-corpo o cara estava perdido porque ia logo para a lona. A gente levava para o chão e engravatava. O Jorge gostava das brigas, mas não se envolvia em arruaças. Ele ia em outra direção. Gostava de estudar. Quando eu ia na casa dele, na adolescência, ele estava sempre fazendo desenho. Fazia gibi, rapaz! De começo ao fim, com quadrinho e tudo. Era craque mesmo! O pai dele era um guarda civil muito enérgico. Educou ele para ser trabalhador desde menino e não se meter com bebida nem com maconha, que começava a circular naquela época. Tive uns amigos que entravam nessa. Eu nunca. No quartel eu só tomava um pouco de bebida, porque lá não dava para ficar sem fazer nada. O Jorge não. Ele não se metia em confusão que nem eu. Eu comecei a andar com arruaceiros e por causa disso ele se afastou.”  Observei: parece que tanto o senhor quanto o Jorge viveram e vivem de maneira intensa. “Minha vida foi e continua intensa mesmo! Comprei uma fazenda em Goiás, faz três anos, e trabalhando sempre com caminhão, viajando... Eu tinha comprado uma terra aqui em Itu para fazer um cassino, no tempo em que estava para ser liberado. A liberação não saiu e resolvi fazer um hotel fazenda. Depois, como eu trabalho nas divisas do Uruguai, Paraguai, Argentina e Ponta Porã, resolvi adquirir a fazenda lá de Goiás. E estou feliz da vida! Não vejo a hora de estar aqui quando estou lá e não vejo a hora de estar lá, quando estou aqui. Que vidão! Ando tão feliz que você não faz idéia! Já fui à Europa várias vezes sozinho e sem falar bem idioma algum. Conheço tudo quanto é país de lá. Eu levo a vida assim, o mais livre que puder. Ajudo a quem posso, trabalho demais e só paro para descansar quando estou realmente com sono. Canseira não me faz parar de trabalhar, o sono sim. Agora, o Jorge deve estar bem também... Não o vejo desde aquela visita ao açougue dele em 1961. Ele era danado e também em termos de namorada sempre me passou para trás. Ele era mais educado. Eu chegava de repente, com muita cara de pau e a mulher se assustava. Eu não armava esquema, mas o Gino era sabido. Naquele tempo não era como hoje, que qualquer conversa funciona. A mulher era mais retraída.” Perguntei: nessa época de brigas o senhor conheceu algum capoeira em Sorocaba? “Olhe, em Sorocaba só achei boxe e Judô. Escarafunchei a cidade e briguei muito nela, mas até 1968 nunca ouvi dizer que tinha, não vi nem encontrei capoeirista nenhum.” Perguntei: o senhor gostaria de acrescentar mais alguma coisa? “Gostaria de acrescentar uma recomendação para a juventude de hoje. Ela deve ter uma direção na vida, para ter a dignidade de ser um líder do seu time, sem armas nem drogas. Eu peço para o jovem sair dessa. Deve ser bom malandro e não entrar no vício, seja do cigarro, da maconha, ou de outra coisa pior. Essas coisas só são boas naquele momento. Depois resta só um buraco fundo, escuro e sem saída. Eu consegui largar de fumar já faz uns 20 anos e de uns 10 para cá provo para todo mundo que minha saúde melhorou bastante. Até 8 anos depois de parar de fumar eu ainda cuspia alguma coisinha escura, que saía do pulmão. Então, o jovem deve evitar essa porcaria e mostrar sua masculinidade no seu jeito de ser, nos esportes e de uma maneira digna. No campo feminino eu acho que a menina devia ser como antigamente. As meninas não davam moleza para os homens, se valorizavam e obrigavam a gente a se esforçar para conquistar. Elas obrigavam a gente a se aprimorar, a melhorar. Hoje muitas meninas cantam o rapaz e são fáceis demais. Perdem o valor. Se o rapaz é briguento, saiba que hoje não pode mais fazer como eu e o Jorge. A época dos valentes já passou. Agora a época é dos que agem na surdina das tramóias, nas entrelinhas das leis, escondidos atrás de turmas, de armas e de tocaias, onde não correm perigo nenhum de apanhar na cara, na frente de todo mundo. O jovem deve brigar ainda, mas nos esportes e pelas idéias que levam as pessoas a terem uma maior dignidade. O jovem deve procurar os caminhos dignos, porque se for líder, outros vão segui-lo e ele terá contribuído para um mundo melhor. A pobreza não serve de desculpa para ninguém se tornar mau caráter. Fui pobre e nunca botei a mão no que é dos outros nem precisei. Já perdi meu caminhão e fui enganado, sofri muito e nem por isso me perdi. Trabalhando firme tornei a levantar e estou bem de vida hoje. Não precisei usar a desgraça da mentira e sempre gostei da palavra correta. Então, eu acho que o jovem tem que ter firmeza de caráter e dignidade. Se achar um dinheiro na rua deve devolver para quem perdeu, porque deve se orgulhar de saber ganhar o seu. Se fizer isso, quando chegar na minha idade terá uma felicidade como a minha. Eu ando de cabeça erguida e feliz em todo lugar que vou. É isso o que quero para os jovens, que hoje estão desviando desse caminho por causa da televisão ou por qualquer outra causa. Hoje, querem levar a melhor em tudo, não importa o caminho. Só que não existe caminho melhor do que eu indiquei. A pessoa que conseguir andar de cabeça erguida é feliz para sempre e transmite a felicidade para todo mundo. É isso o que tenho a dizer.” Depois da entrevista encontrei o senhor Galdino classificado em 4º lugar na lista de atletas preparados para disputar o Troféu Bandeirantes de Boxe, no Ginásio do Pacaembu em São Paulo, no jornal Cruzeiro do Sul de 10/8/1956.

ROSEMIL FERREIRA DE MELO, é funcionário da Indústria de Abrasivos Icaper e reside em Sorocaba. Perguntei: como o senhor conheceu o mestre Jorge Melchiades? “A gente se encontrou quando meus pais tinham depósito de bananas ao lado do açougue que ele teve no Cerrado. Mas eu não lembro dele lá, porque só tinha 4 ou 5 anos de idade. Mais tarde, quando eu era adolescente assisti o programa do Silvio Santos e ouvi falar dele, mas foi só por volta de 1974 ou 1975, que o conheci de verdade. Eu tinha amizade com o Eunápio Leite Rafael, que era conhecido como Napinho, e com Vanderlei Amorim, o Dagal, que eram próximos ao Jorge. Naquela época a gente gostava de lutas e o Eunápio comentou que o Jorge poderia dar aulas de capoeira para nós se formássemos um grupo e arranjássemos um lugar para treinar. Não sei qual de nós arranjou o Clube de Campo Jardim São Paulo e o Jorge começou a nos ensinar lá, nas terças e quintas feiras a noite. Foi a primeira vez que eu tive contato com a capoeira e gostei. Eram muito gostosos os treinos, porque o Jorge era um mestre muito paciente e mantinha a paz e a alegria do grupo o tempo todo. Eu fiquei apenas uns três ou quatro meses e parei. Depois eu soube que o pessoal parou também, porque a diretoria do clube requisitou o horário para outras coisas.” Perguntei: O Clube de Campo Jardim São Paulo é onde atualmente funciona a ACM? “Sim. Na época eu acredito que apareceram em torno de vinte a trinta jovens para treinar, todos amigos. Não lembro se o Dindo, que era amigo do Eunápio e treinou mais tempo com o Jorge foi dessa turma, mas estavam lá o Nivaldo Arlindo de Nagai, o Armelindo Manente... Ninguém tinha a intenção de treinar capoeira a sério, porque eram garotos da classe média que almejavam outros rumos. A idéia era só de exercício e de ter uma noção de defesa. E a maior parte treinava, creio eu, por gostar do Jorge, que tinha uma forte liderança e uma paciência tremenda para explicar os golpes de um a um. Acho que o Jorge nasceu para isso. Ele tem o dom  de ensinar muitas e muitas coisas para as pessoas.”  Após tantos anos o senhor voltou a praticar capoeira e, novamente em função da amizade com o mestre Jorge? “Sim. A gente se cruzou novamente, depois de muitos e muitos anos separados um do outro. Atualmente treino com ele, para estar na companhia de amigos, harmoniosamente e brincando uma atividade física, gostosa.” O senhor tem mais algo para acrescentar? “Só quero dizer que o mestre Jorge faz com que a gente tenha esperança na humanidade!”

AFONSO BARCHI é ferroviário aposentado. Perguntei a ele: poderia relatar como conheceu o pioneiro do ensino da capoeira em Sorocaba? “Foi no quartel de Itu, onde servimos o governo. Eu pertencia à mesma bateria que o soldado Melchíades e à mesma equipe de telefonistas de campo. Fazíamos a instalação das linhas de telefonia para comunicação do comando em tempo de guerra. A equipe tinha de instalar telefones ao longo de uma mata durante os treinos no ano todo. Depois de estendida a linha, tínhamos uma folga de aproximadamente meia hora a quarenta e cinco minutos, intervalo no qual o soldado Melchíades costumava fazer a gente de sparring dele (risos). Ele treinava golpes de luta livre com a gente, enquanto aguardávamos o comando para o recolhimento das linhas.” Perguntei: Outros que serviram o exército com vocês me disseram que ele ensinava luta a vários colegas de quartel, é verdade? “É. Ele ensinava vários golpes e também a cair no chão duro sem se  machucar. Sempre que era possível ele ensinava o pessoal da nossa equipe. Ele vivia aplicando tesoura voadora no meu pescoço e fazendo eu virar cambalhotas. Tinha muita agilidade. Também pulava e saltava com os dois pés no tórax da gente.”  É verdade que tinha um pessoal forte e valentão, no quartel? “Tinha. Na nossa bateria tinha o P, o F, o C... Este C era uma pessoa muito metida e teve um entrevero com o Melchíades. Parece que foi feio. Eu não presenciei, porque não estava lá nesse dia. Mas os relatos eram de que o Melchiades deu uma cabeçada nele. Fora do quartel ele não freqüentava a minha roda de amigos, mas a gente vivia pegando carona juntos, para ir ao quartel ou voltar. Depois da baixa só fui vê-lo em 1970, no programa do Sílvio Santos, onde ele apresentou um quadro de capoeira. Nesse dia Sorocaba disputou contra outra cidade e ganhou uma ambulância.”  O senhor Barchir é casado com a simpática dona Marilene e ambos são excelentes dançarinos de salão, segundo todos que os viram dançar no Estrada e em outros clubes da cidade.

NASSIB STÉFANO é aposentado do SESI e membro da Diretoria do Gabinete de Leitura Sorocabano. Foi entrevistado pela Adriana, que perguntou: Senhor Nassib, poderia falar sobre si e a família?  “Bom, sou casado há 44 anos com a professora Leonette Georges Kayal Stéfano, que aposentou-se como diretora do Ginásio Municipal Achilles de Almeida. Ela é brasileira naturalizada, porque nasceu em Beirute, onde estudou. Também fez cursos na Sorbonne, Universidade de Paris, e domina o idioma francês. Temos três filhos: a Gisele, que é professora e enfermeira padrão, o empresário Carlos Alberto e Paulo Roberto, professor de matemática. Tenho 5 netos. Trabalhei no SESI durante quase 43 anos, numa batida só, com o velho Pannunzio e depois com o velho Crespo, com quem estou ligado até hoje, na direção da Sociedade Amigos de Sorocaba. Meu tempo no SESI foi uma fase bonita da minha vida, porque lá havia um ambiente sadio, familiar. Tanto foi bom que recebi propostas para ganhar mais e sair, mas recusei, porque a única preocupação que queria era a de desenvolver bem meu trabalho. Fiz de tudo lá, mas aposentei-me como tesoureiro.” Pergunta: E o Gabinete de Leitura, como entrou na sua vida?  “Entrei como sócio em 1954 e mais tarde fui convidado para participar da Comissão de Contas, com a atribuição de fiscalizar gastos da diretoria. Depois, a convite do Alaor Aguiar, que ficou vinte e poucos anos como diretor, ingressei na diretoria. Desde então, estou sempre nela após pequenos intervalos. Ultimamente, enfrento o desafio de restaurar jornais antigos. O primeiro trabalho foi o primeiro ano do jornal Cruzeiro do Sul, cujo exemplar inaugural foi há 100 anos, em 12 de junho de 1903. Restaurei do número 1 ao 102 e encadernei essas edições em 3 volumes de capa dura, que são verdadeiras relíquias. A restauração me dá um trabalho medonho porque não sou especializado. Só imagino como deve ser feito e faço, sem ter verniz apropriado para dar maior textura ao papel, nem outros aparatos técnicos que são caríssimos! Eu restauro do meu jeito e fica bom, mas uma melhor técnica aprimoraria o trabalho. O primeiro volume do Cruzeiro do Sul estava um frangalho; uma verdadeira peneira. Com o manuseio e decorrer do tempo, a fibra do papel perde a resistência, fica quebradiça e amarelada, de modo que ao virar a página ela já rasga. Por isso também pedimos a  quem pesquisa para ser delicado ao manusear volumes antigos.”  Pergunta: O senhor está muito motivado com esse trabalho, não é?  “Porque gosto e tenho muita paciência! Eu passo a cola e junto as partes e aguardo que a água da cola seque, senão o papel se desfaz. Vou fazendo outro e logo verifico que a primeira colagem soltou. A própria água descola. Então, volto a fazer de novo. Tem de ter persistência, porque é trabalho muito lento, muito lento. Mas eu gosto. Fui obrigado a dividir em três volumes encadernados o primeiro ano do Cruzeiro do Sul, pela fragilidade do papel. Coloquei folha por folha em plástico especial e fechado, para não desmantelar. Agora ninguém mais põe a mão no papel. Você pode ler tranqüilo sem tirar do plástico. Tem mais dois volumes incompletos, que o pessoal da época encadernou faltando números e eu respeitei, porque a encadernação é uma preciosidade. Então, levei quase dois anos para fazer só estes cinco volumes. Mas explico que não fico o dia todo aqui. Tenho afazeres em casa, faço parte da contabilidade da empresa do meu filho Carlos. Sou filatelista e também coleciono coisinhas que gosto. Minha esposa vive de cabeça quente, porque colecionador sem tempo sempre deixa alguma “bagunça”. Tenho a mania que vem da infância, de colecionar figurinhas, e até hoje, quando encontro álbum com algum significado eu compro. A gente amadurece mas certas raízes infantis continuam.”  Pergunta: E o relacionamento com o Jorge Melchíades, onde entra? “Ele alugou de mim o prédio da Rua da Penha 219, onde instalou sua escola.” Perguntei: Ela é hoje a conceituada Escola Magnus Júnior, de ensino fundamental, com sede própria que ocupa praticamente um quarteirão. E começou nesse prédio, não foi? “Sim. É verdade. O professor Jorge foi meu inquilino por quase 10 anos; aproximadamente de 1978 a 1987. Foi um bom tempo. Aliás, foi com ele que vim a conhecer a capoeira. Eu sabia que ela existia na Bahia e Rio de Janeiro, mas ainda não conhecia. Em Sorocaba conheci primeiro o trabalho dele e depois o do Eduardo, que passou a tomar conta do curso de capoeira, subordinado ao professor Jorge Melchiades. Salvo melhor juízo, quem introduziu a capoeira aqui na cidade foi o professor Jorge. Tivemos um bom relacionamento e comecei a admirar o senhor Jorge pela posição que ele passou a adquirir na cultura da cidade”. Pergunta: Ele ainda guarda todos os recibos de aluguéis do prédio da Rua da Penha, como provas da evolução da Escola. “Aquele prédio foi herança minha, de minhas irmãs e sobrinhos.”  Perguntei: Em 1970 o professor Jorge Melchíades comandou o grupo de capoeira que fez uma apresentação histórica no programa do Silvio Santos. O senhor lembra?  “Sim. Esse acontecimento teve muita repercussão e mobilizou segmentos empresariais, artísticos, culturais e estudantis na cidade, para que se viabilizasse. E nós ganhamos a ambulância que estava em disputa. Isso repercutiu muito em outras grandes cidades e foi muito bonita nossa vitória. Praticamente toda população da cidade acompanhou esse feito pela televisão. Repercutiu muito porque foi uma luta renhida. Todas as cidades queriam ganhar, é óbvio. E nós fomos vencedores. Foi muito publicado nos jornais, e nos de Sorocaba principalmente. Foi uma publicação atrás da outra, dada a importância, porque não foi só pela ambulância em si, mas porque houve grandes cidades na disputa e foi uma euforia tremenda pela nossa vitória. Nos últimos anos tenho acompanhado pela imprensa os lançamentos dos livros dele, que inclusive li aqui no Gabinete e estão disponíveis para os associados. Antes eu só o conhecia como educador e amigo, depois ele se projetou na literatura filosófica e passei a admirá-lo ainda mais por isso. Para escrever livros dessa natureza a pessoa precisa ter conhecimentos.”  Pergunta: Quando o senhor se referiu ao professor Jorge falou com grande empolgação sobre a questão cultural, e o próprio vínculo do senhor com o Gabinete de Leitura demonstra seu apreço e afinidade com a cultura...  “É que sou doente por livros. Eu não gosto, sou doente! Só lastimo que meu tempo ficou curto. Antes eu achava que me aposentando ia atingir todos os objetivos almejados. Pelo contrário! Fiquei sobrecarregado. Este pede para eu fazer, aquele isto ou aquilo, vou ao banco resolver pendências e nisso tudo perco boa parte do tempo. Aqui no Gabinete fico poucas horas. Se pudesse ficar o dia todo, iria ler muito dos livros preciosos que têm aqui. Mas não tenho tempo. Eu assino quatro jornais: A Folha, o Estadão, O Cruzeiro e o Diário de Sorocaba. Do Estadão e da Folha acompanho a parte cultural. Toda vez que saem livros bons eu anoto num controle e vou comprar. Qualquer dia não terá mais lugar onde os colocar. Adoro.”  Pergunta: O senhor sempre foi “doente” por livros?  “Fui contaminado lá na infância, com os gibis. Lá onde nasci, em Presidente Bernardes, só existia grupo escolar. Os pais com condições financeiras melhores mandavam os filhos estudar em São Paulo. Meu pai era comerciante e me mandou para São Paulo, ao Colégio Sagrado Coração de Jesus, nos Campos Elíseos, no regime de internato. Daí, nunca mais larguei dos livros, nunca mais. Depois me formei contador na antiga Escola de Comercio de Sorocaba, onde catedráticos antigos e grandes professores ensinavam, principalmente Contabilidade. Depois ingressei na faculdade de Direito, mas por circunstâncias diversas fui obrigado a trancar e não retornei mais. O Gabinete de Leitura também é uma paixão, pois é entidade centenária voltada à cultura da sociedade. Aqui já se realizaram palestras memoráveis. Uma das que me recordo foi do sertanista Orlando Vilas Boas, que falou sobre a vida dele junto aos índios.”  Pergunta: Em relação à situação cultural houve uma modificação nos hábitos das pessoas e em alguns aspectos até houve prejuízos grandes. Em entrevista anterior o Dr. Cármine Graziosi lamentou uma geral falta de interesse atual pela leitura... “É lamentável, mas assim é. Dos raros leitores existentes parece que a maioria gosta só de romance! Não se discute gosto, mas os livros com profundidade e capazes de ajudar no aprimoramento da consciência crítica não têm muito sucesso. É triste isso. De qualquer modo, por amar os livros tornei o Gabinete um prolongamento do meu lar. O dia em que não venho aqui acho falta. E a única tristeza minha e não ter mais tanto tempo para pesquisar livros do meu gosto e ler. Mas não faltará a ocasião, pois Deus nos dará muitos anos de vida para chegar ao que queremos.”  Pergunta: Deseja acrescentar mais alguma coisa, senhor Nacib?  “Só agradecer a entrevista e estender o meu abraço ao amigo Jorge e também para a dona Carmen, a quem faz muito tempo que não vejo e é a outra diretora da escola Magnus.”

Eu, Wellington Figueiredo, fui formado em capoeira pelo mestre Cuco, mas bem cedo tive interesse pelo desenvolvimento dessa arte na cidade. Sonhava em escrever um livro sobre o assunto, porque quando perguntava sobre o início do seu ensino na cidade os capoeiristas não sabiam ou davam informações contraditórias. A confusão era tanta que cheguei até a imaginar, que havia uma intenção proposital e velada de se criar uma falsa tradição oral... Foi no livro, “Bibliografia Crítica da Capoeira”, de 1993, lançado em Brasília por César Alves de Almeida, o mestre Itapoan, discípulo baiano do lendário mestre Bimba, um dos maiores expoentes da capoeira no Brasil, escritor e intelectual respeitadíssimo, que encontrei as primeiras menções ao “jovem mestre Jorge Melchíades”, que mais tarde verifiquei ter sido o pioneiro do seu ensino, na cidade. Eu já tinha ouvido falar dele inúmeras vezes, mas como pessoa ligada à política, ao teatro e à  intelectualidade e até cheguei a freqüentar, por volta de 1987 e durante alguns dias, um curso que ele ministrou no NUPEP. Na sua postura de palestrante não havia referências a lutas ou artes marciais, motivo pelo qual fiquei surpreso, depois, quando também encontrei o seu nome no livro, Capoeira, Ciência e Verdade, de 1980, do Valdenor da Silva Santos, o consagrado mestre Valdenor, mestre de Luiz Sabugo, que ensinou em Sorocaba de 1977 a 1982 e foi responsável pela Academia Nova Luanda, nome que alterou depois, para Netos de Luanda. Com as referências proporcionadas por esses livros, passei a pesquisar nos jornais da cidade e encontrei, no início de 1969, registros da primeira escola de capoeira em Sorocaba, a Academia de Ginástica Nacional do “jovem mestre Jorge Melchíades”. Os documentos jornalísticos informaram depois, ele associou-se ao Grupo Cordão de Ouro, do renomado mestre Suassuna e a partir de 1970 passou a representa-lo na cidade e fora dela. Foi nos meados de 2002 que o procurei para uma entrevista a respeito desse histórico e soube, que apesar de sexagenário havia iniciado novo trabalho de capoeira no NUPEP. Ficou contente com minha iniciativa de escrever o livro e convidou-me para publicar os resultados das pesquisas, no Informativo Nossa Posição. Convidou-me, também, para integrar seu trabalho atual de capoeira, onde sou seu atual contra-mestre, junto com o Celso Bersi, mais o recentemente formado em Capoeira Mística, o professor Diógenes. Logo após as primeiras publicações, verifiquei que realmente, havia sim, um grupo de pessoas espalhando boatos, com o fim de inventar nova história para capoeira para a cidade e publicando em livros, na imprensa e na Internet, informações descuidadas, cuja falsidade pode ser verificada facilmente por quem se proponha a examina-las com um mínimo de cuidado. Pois bem, denunciei alguns erros dessas publicações e, incapazes de apresentar documentos que comprovassem a existência da capoeira ou de outros capoeiristas na cidade, antes de 1969, o grupo passou a desenvolver outras táticas, em nada melhores do que as anteriores. Embora essas pessoas dissertem sobre as décadas de 40, 50 e 60, quando existiam na cidade, jornais competentes, fotografias, desenhistas, pintores, rádio e radialistas, historiadores, escritores, jornalistas, nada documentam das atrevidas afirmações que doam, como se fossem notícias “quentinhas” de ocorrências da época, a jornais que se sujeitam a divulga-las. Volto a esse tema, para alertar estudantes do presente e do futuro a respeito dessas “conclusões” precipitadas e até levianas da atualidade, que se tenta inserir na história da nossa cidade, como se fossem fatos passados. Lembro aterrorizado, do livro de George Orwel, 1984, e insisto, que qualquer historiador bem intencionado busca demonstrar o que afirma por documentos e não entrevistando pessoas influenciáveis pela simplicidade e até incompetência para reconhecer modalidades diversas de lutas ou de folclore. Um historiador sério não fica apenas especulando sobre “vestígios” forçados nem fazendo afirmações grotescas e absolutamente inválidas diante da ausência absoluta de documentos diretos. Pesquisando tão somente no nosso Gabinete de Leitura Sorocabano, já encontraria jornais como O Tibiriçá, que desde 1842 dão notícias sobre  fatos da cidade e poderia, se quisesse divulgar verdades, apresentar uma matéria escrita e direta, clara, como esta do Diário de Sorocaba de 26/02/1881, que informa a prisão, em 5 meses, de “1.017 vagabundos, 45 capoeiras e 14 navalhistas”... Isso mostra, que se jornalistas da época consideravam importante noticiar sobre capoeiras, a ponto de reproduzir na capa, notícia do Rio de Janeiro, porque não noticiariam sobre os de Sorocaba? Talvez porque não existissem, e nem rodas disto ou daquilo, não é? Tenho apresentado um trabalho sério e farto de documentos, mas se esse grupo apresentar, ao invés de tanta “cascata”, apenas uma notícia documentada, de que houve capoeirista em Sorocaba antes do Jorge Melchíades, serei o primeiro a curvar-me ante ela para corrigir meus escritos onde for necessário. Eu teria vergonha de agir diferente, porque dizem que “errar é humano e persistir no erro é burrice”. Feito o alerta volto a apresentar meu trabalho, que apesar de ser o único sério até o momento, foi criticado por apresentar entrevistas com briguentos no informativo passado. O chato é que ainda devo apresentar outras, porque os briguentos caracterizaram uma época da cultura de nossa cidade. Para tentar amortecer futuras críticas, antecipo um trecho da entrevista realizada com o senhor Jorge Melchíades. Perguntei: Devido à violência de hoje, falar de brigas provoca aversão nas pessoas. Não provoca no senhor? Ele respondeu: “Se entendermos por briga, um confronto de vale-tudo, é bom saber que tivemos a condenada publicamente, porque acontecia sem regras e fora dos rinques, e outra aprovada moral e legalmente, porque ocorria, e até hoje ocorre, dentro dos rinques... Se a briga é essa, digo que ela não me interessa, mas não posso renegar as valiosas aprendizagens que tirei dela no passado. É certo que mesmo na época das brigas havia pessoas expressando a aversão que você mencionou. Vários pais, por exemplo, proibiam os filhos de ter amizade comigo e isto me magoava muito, porque eu também era pobre. Não é razoável supor, porém, que essa aversão indica condição espiritual superior a dos briguentos! Pode indicar, simplesmente, pessoa que se julga melhor do que outras. Se queria competir com os briguentos, por exemplo, sem correr o risco de apanhar, falaria mal deles, guardando uma respeitável distância deles, é claro! Todo moralista hipócrita critica nos outros as atitudes que gostaria de ter e TEME, por isso sempre existiu quem “vencia” os briguentos com fofocas; diminuindo seus méritos e julgando-os ignorantes, brutos e agressivos, para sentir-se moralmente e espiritualmente melhor que eles. “Vencer” sem realizar esforços nem se arriscar é a grande vantagem do fofoqueiro, que se alegra com esse tipo de “vitória” para evitar a tristeza de se julgar um cagão. Esse tipo, abundante até hoje, julga a outros, negativamente, para se sentir melhor e positivamente, vencendo competições que acontecem na sua imaginação. Ora, os briguentos não eram burros, porque nenhuma alma de Deus é! Nós sabíamos que briga não resolvia problema algum, e que, ao contrário, criava outros. O que não sabíamos era como agir melhor, porque quem devia nos ensinar dava exemplos competitivos, inclusive louvando campeões disto ou daquilo e “briguentos” do cinema e dos rinques! E quando buscávamos um pouco desses louvores, como os mocinhos de cinema ou atletas, nos menosprezavam. Salvo pelo fato de que tínhamos a coragem de enfrentar riscos, esses competidores inconscientes não diferiam em nada de nós, pois exercitavam idêntica hostilidade, truculência e rivalidade. Entretanto, muitos lutadores de rua que conheci eram éticos, honestos e leais amigos, coisa que não se pode afirmar dos fofoqueiros. Na época dos briguentos, aliás, os que mais falavam de paz e amor, a pretexto de protestar contra a violência da “grande briga” no Vietnã, foram arrebanhados como gado para compor o próspero e desgraçado mercado consumidor de drogas que temos hoje. Esses hipócritas, então, ajudaram a desagregar a família e a incentivar a irracional rebeldia dos jovens contra os pais e mestres... Você lembra da música: “Não confie em ninguém com mais de 30 anos”? Então, os hipócritas pacifistas promoveram a saída dos jovens do lar, a promiscuidade sexual, a gravidez precoce, o aumento no número das crianças abandonadas, a reprodução desgovernada e o surgimento de sérias moléstias venéreas. Como os briguentos de rua eram em número insignificante, diante dos que promoveram a famosa “revolução dos costumes”, não se pode atribuir a eles a violência e a geração de tantos políticos corruptos e safados de hoje, a criminalidade, a miséria, o tráfico de armas e de drogas, o efeito estufa e o descongelamento das calotas polares... Tudo isso e muito mais só está aí para mostrar que a “elevada condição moral” de muitos pacifistas não passa dos meros julgamentos verbais ou escritos. Aliás, a ação “moral” dessa gente é como briga: só aumenta os problemas. Logo, quem tem real consciência da realidade não tenta parecer santarrão ou melhor que outros, mas dá exemplo de que tem essa consciência.” Em seguida temos a entrevista feita com o senhor

ANTONIO CARLOS ALVES, amplamente conhecido na cidade de Sorocaba como profissional gráfico e pelo apelido: Pixe. Perguntei: O senhor poderia nos relatar suas experiências na época em que haviam muitas brigas na cidade? “As brigas do meu tempo, na década de 60, foram mais em campo de futebol. Ali, qualquer pé de frango dava uma sopa para muita gente.”  Perguntei: O senhor chegou a jogar no time do Jorge Melchíades, entre 1970 a 75... “Eu joguei no time da Polícia Militar e também de zagueiro no time que ele formou, o da Musical. Eu, o Maurício, que era encanador, o Marião, de Brigadeiro Tobias, e o Jorge, chegamos a formar uma linha de zaga onde atacante mole não passava, porque a gente não chutava da cintura para baixo (risos). O Jorge cumpria bem o papel de zagueiro direito, porque era firme, pegador. Eu fui conhecendo ele e chegamos a ter uma amizade muito forte mesmo.”  Perguntei: Os briguentos não tinham medo de encontrar pela frente um faixa preta de alguma arte marcial? “Não. Para  brigar na rua você tinha que ser bom em briga de rua mesmo. Aí ninguém perguntava se o outro era faixa preta ou não, porque ninguém podia marcar bobeira. Nem começava e um já enfiava o braço no outro. Já em briga de campo de futebol você tinha de bater e correr, bater e correr... Eu vi o Jorge brigar no campo dos Bandeirantes, em Brigadeiro Tobias. Ele pegava  pesado, feio mesmo, e com o irmão Jorginho e o Celso, encarou uma turma grande. Essa briga teve grande repercussão nos rádios e na imprensa da cidade, porque criticaram muito o Jorge, por ter se defendido usando o que sabia. Acho que queriam que ele apanhasse, quietinho. O saudoso radialista sertanejo, o Nhô Juca, que era famoso e tinha um “ibope” altíssimo, falou dela várias vezes no ar... Um cara agarrou o Jorge por detrás e o Jorge quebrou várias costelas dele. Foi feio! Para se defender o Jorge teve de fazer isso, porque tinha muita gente cercando ele e o cara pegou ele por detrás. O Jorge arrumou essa encrenca para proteger os mais franzinos do time, que naquela ocasião formava o time quase todo. Eles não eram acostumados a brigar e se mandaram assim que saiu a briga, sobrando muita gente para o Jorge. E ele agüentou o tranco. Só foi ajudado pelo Jorginho e o Celso.”  Perguntei: Fale de alguma briga sua. “Tive muitas, mas a mais famosa foi no Bar Andorinha, que era em frente ao Bar Passarinho, ali na Rua São Bento. Foi uma briga muito feia. Uns grandalhões da cidade entraram no Bar Andorinha, em 22 de Dezembro de 1969, e começaram a nos provocar, dizendo que tínhamos mexido com eles. Não era nada disso. Mas, o pau foi feio  e moeu o bar Andorinha inteirinho, que teve de fechar para reforma. Lá era muito freqüentado e todo mundo aproveitou e saiu sem pagar. Uma pena. Os donos do bar eram gente boa e tiveram um prejuízo violento. Mas eles reconheceram que eu, o Lolo e o Brancão não tivemos culpa. A gente só agüentou os caras. Essa briga foi da pesada também e me deu um processo criminal...”  Perguntei: Como as brigas eram encaradas na época? “Tinha que resolver no braço. Não tinha esse negócio de dar facada, tiro. Não tinha essas coisas. Era negócio para homem mesmo e se resolvia ali. Esse negócio de ficar dando tiro era para covarde. Teve também uma briga no Clube dos Japoneses. Estava tendo um baile lá e um amigo meu dançou com uma menina. Um cara achou ruim e chutou ele para fora. A gente estava no footing da praça e ele veio contar para a gente. Fomos lá, eu, o Lolo e o Brancão. O sargento E. de S. participou desta também e teve duas costelas quebradas. Um cara que jogava no São Bento, o V. C., entrou nessa e apanhou pra caramba. Saiu todo machucado. Depois fomos todos parar na delegacia e lá ficamos amigos. Na delegacia ficou tudo resolvido. Também tinha brigas de turma, mas não com essa ignorância de hoje em dia, que por qualquer coisa se mata. Outra coisa, nós nos orgulhávamos de não usar drogas. Tinha cara briguento que nem cerveja tomava. O Jorge era um desses. A gente ía de cara limpa. As brigas de hoje não têm a graça de antigamente, porque éramos verdadeiros, leais. Hoje tem muita falsidade. Agora, eu também vi o Jorge na luta de boxe. Ele gostava de treinar comigo, na gráfica que comprou de mim, depois que deixou as lojas para trás. Ele gostava de treinar boxe e era muita legal, porque ensinava a gente como bater e sair. Ele também gostava de capoeira. Aliás, foi ele que trouxe a capoeira para Sorocaba e montou a primeira academia na cidade. Ates dele não tinha. E olha que eu sei o que digo, porque briguei pela cidade toda e nunca achei ninguém de capoeira. Eu ouvia falar muito do Jorge, mas só fui conhece-lo pessoalmente, logo depois da apresentação de capoeira no Silvio Santos, quando Sorocaba ganhou uma ambulância. Aí peguei amizade com ele.” Perguntei: Vocês não participaram juntos, de uma briga? “Foi uma pena, mas não tivemos essa oportunidade, apesar das brigas acontecerem muito em campo de futebol. Eu tive outra na ACM do Jardim São Paulo. Eu estava jogando futebol de salão pelo Supermercado da Paca, contra um time da Vila Haro. Eu tinha um amigo sem um dos braços, que brigou do meu lado, enquanto nego que vivia contando papo pulou fora. Para descontar o que aconteceu, em outro jogo, no ginásio de esportes, os caras desse time trouxeram um caminhão de gente e nessa briga entrou até a polícia. Fechou o tempo. As vezes eu dava sorte e outras não, mas acabava ali, na mão. Se tinha vingança era para descontar no braço.” Perguntei: Seu contato com o Jorge Melchiades começou aí por 1970? “Isso! Ele era dono da rede de lojas A Musical e a minha primeira esposa, a Marlene, era funcionária dele desde 68, acho. Ele tinha várias lojas. Depois ele saiu, comprou minha gráfica que era na Rua da Penha e chamava-se Universal. Ele trocou o nome para Gráfica Rápida e mudou ela para a Avenida São Paulo. Acho que ficou um ano com a gráfica e depois vendeu para umas pessoas que terminaram nem pagando ele. Os caras vieram de noite, carregaram o caminhão de máquinas e sumiram.” Perguntei: O senhor Celso Bersi relatou que chegou a treinar nessa gráfica com ele. O senhor lembra disso? “Tinha bastante gente que ia treinar com ele lá.” Perguntei: O senhor me conta outra briga? “Uma vez, foi na Praça da Bandeira. Ia descendo eu, o Brandão e o Moacir pela Rua Francisco Scarpa. Por lá existia a turma de um tal de Coelho, que veio nos provocar com a velha história de que tínhamos mexido com eles. Nessa, vieram de turma e tivemos de usar tijolos para nos defender do número maior. Não teve jeito. Teve gente que quando acabou a briga estava com a orelha dependurada na cara, só por um fio de pele...”  Pergunta: Quer acrescentar algo mais? “Gostaria de falar que o Jorge sempre foi um grande amigo. Um cara leal, sincero e muito bacana. Tenho muita saudade dele e qualquer dia desses irei lá, no NUPEP, para conversar com ele.” Uma das críticas feita ao Jorge e mencionada pelo Pixe pode ser lida no Diário de Sorocaba de 25-8-71, na página de esportes, sob o título “Aula de Judô em Brigadeiro”. Agora apreciemos a entrevista do senhor

CARLOS ALBERTO PIRES, o mestre Escravo, que fundou o Grupo de Capoeira Casa do Engenho, hoje representado em cinco Estados e no Chile. Ele realiza um trabalho na Faculdade de Marília. Perguntei: Como o senhor iniciou na capoeira? “Meus avôs eram capoeiristas e ensinaram aos filhos, mas o meu tio fez mau uso da capoeira e foi preso. Aí o meu avô proibiu meu pai de jogar capoeira. Meu pai falava: “eu quero que você seja torneiro mecânico, não capoeirista, porque capoeirista não presta”. Em São Paulo um mestre me disse que a capoeira presta sim, se for usada para o bem do corpo. Me matriculei na academia dele e comecei a treinar. Mas como o meu serviço mudou de São Paulo para Paulínia, onde não tinha academia, fui obrigado a parar. Isso foi mais ou menos em 1970.” Perguntei: Nessa época, fora em Sorocaba não tinha academia de capoeira ou capoeiristas no interior de São Paulo, não é? “É. Em 77 ou 78, quando eu já estava em Sorocaba, vi uma placa anunciando que no Ginásio de Esportes haveria uma roda de capoeira. Lá eu conversei com o Peru, que me deu o endereço da Academia Nova Luanda, na Parada do Alto, do mestre Sabugo, onde me matriculei. Passado um tempo, não sei se em 78 ou em 79 o Marquinho saiu e foi para a Cordão de Ouro, filial do Suassuna, que o Melchíades tomava conta. Depois, o Falcon foi para lá também. O Pedro Feitosa saiu mais tarde, lá por 1980, e foi para o Cativeiro. Eu tinha uns colegas em Santos, que eram os mestres Lima, Bandeira, Corisco e o Besouro, um formado do mestre Valdenor. Fui lá para São Paulo, me matriculei na academia dele e em 1981 me formei. Montei um grupo de capoeira no Jardim Magnólia, e um dia, a gente treinava em sete, quando chegou um ônibus com uns cinqüenta capoeiristas e um mestre vindo de São Paulo para levar um trabalho aqui. Eles entraram na roda e Nossa Senhora! Nosso grupo era pequeno e levamos desvantagem. Parou a roda e a gente teve de continuar o trabalho de portas fechadas.” Perguntei: Aí o senhor formou o grupo Casa do Engenho? “Em 22/08/1981...”  Perguntei: Quanto tempo o senhor treinou com o Sabugo? “Uns três anos. Comecei quando a academia dele se chamava Nova Luanda e continuei depois, quando ele mudou o nome da academia dele para Netos de Luanda.”  Perguntei: No seu tempo, quem mais era aluno do Sabugo? “Tinha o Peru, o Falcon, o Pedro Feitosa, o Feitosinha, o Geraldinho...” Perguntei: Tem fotos do senhor em batizados na discoteca Zarabatana e no Recreativo, que o mestre Jorge Melchiades realizou. Nessa época o pessoal de academias diferentes tinha um bom relacionamento? “Os mestres tinham, mas os alunos criavam casos. Nas rodas, as brigas começam com os alunos, e às vezes tem mestres que aproveitam para entrar. Eu acho que deveriam ter cabeça e parar com isso.”  Perguntei: O mestre Sabugo contou que alguns alunos dele visitaram a Cordão de Ouro, no tempo que ela ficava lá na frente do colégio Objetivo, e que o Melchíades deu um corretivo neles. Por isso o senhor disse que os mestres se davam bem, mas os alunos criavam caso? “É... Eles faziam muita fofoca. Igual aconteceu comigo em 1991, quando fiz um batizado no ginásio AJB. Nessa época o Cuco apareceu lá com seus alunos e disse: “Eu vim aqui para ver se o Escravo está ensinando direito”. Estava um batizado muito bom. Tinha meninos de Sorocaba, de Capão Bonito, de Guapiara, Limeira, e teve uns arranca rabos lá. A gente ficou um pra cá, outro pra lá. Aí, fui embora para Marília. Também estive em Minas Gerais, em Londrina, em Mato Grosso do Sul e no Rio de Janeiro, formando grupos. Tem um menino meu lá no Chile fazendo um trabalho. Aqui em Sorocaba, os meus alunos, Pulga, Segundo, Carão, Darci, Feijão, o Gaube, levavam o trabalho. Quando fui para Marília, alguns deles foram para o Grupo Negro Fujão. Mas agora o Adilson está voltando para casa e o Pulga também. Estão levando o trabalho.” Perguntei: O senhor gostaria de acrescentar algo mais? “Quero dizer que a gente procura levar um trabalho bom, sem desavenças com outros grupos. Mas tem alguns capoeiras que ficam dizendo, vou quebrar, vou brigar... O mestre Besouro levou uma facada no pescoço em 79, em 82 levou outra próxima ao coração, em 89 tomou uma bala na cabeça. Tudo por causa de briga em roda de capoeira. Aí, em 89 juntei um pessoal e falei: olha que o mestre Besouro é melhor que nós todos juntos e se acontecer conosco o que aconteceu com ele, será que vamos sobreviver como ele? Então, a partir daquela data paramos com as brigas. Hoje gostaria que todos os professores e mestres tivessem mais amizade para melhorar a imagem da capoeira. Porque esse negócio de um não poder ver o outro, de um não ajudar o outro, só denigre a capoeira. Hoje também tem muita gente se dizendo capoeirista mas que só quer saber de pular, de fazer acrobacia. Como diz o filho do Bimba: “capoeira só é Regional ou Angola enquanto você tem contato com o chão”. Antigamente não se dizia eu jogo isso e você aquilo, nomes diferentes. Todo mundo jogava e se entendia. Agora tem mestre dizendo que você é saruveiro só porque não joga do jeito que ele quer. Gente! Como pode falar que o cara é saruveiro se ele tem até trinta anos de capoeira? Uma coisa que me magoou muito é o projeto de capoeira em escola. A capoeira já foi proibida e marginalizada e quando começou a subir na vida, o que essa turma faz? Dá aula de graça! O camarada está na pior e por querer manter o nome na praça sai dando aula de graça por aí. Ensina um traficante, um marginal a dar golpes de capoeira e a capoeira se suja. Gostaria que o pessoal pensasse melhor e começasse a trabalhar com amizade, para mostrar um serviço mais bonito, mais limpo. Este seria o meu gosto. Obrigado.” Vejamos agora o que diz o senhor

JOSÉ ROBERTO FERRI, que é contador na APAE de Sorocaba. Perguntei: Como o senhor conheceu o pioneiro da capoeira na cidade? “Nos meados de Maio de 1974, quando fui contratado para ser Contador da empresa de vendas que ele criou. Ele tinha outra empresa, “A Musical”, que era uma rede de lojas de discos e de som. Naquela época havia a febre de música dos anos 70. A gente estava naquela idade de acompanhar os Beatles e essa rede de lojas empolgava. Era onde o Jorge e a esposa trabalhavam. Depois ele montou um comércio de vendas domiciliares de discos e fitas, com equipe de vendas. Colocava o pessoal em duas ou três peruas Kombis e mandava vender em várias cidades. Eu era o Contador dele, e durante um certo tempo também joguei no time de futebol da Musical. Nesse tempo a gente também ia lá no campo do Lar Escola Monteiro Lobato, alguns dias de manhã, para aprender capoeira com o Jorge. Ia eu, o Topo Gígio, o irmão dele, o Tuco, o Eunápio, o Ivan Gomes... Tinha o Jorginho, que também faz tempo que não vejo e mais outros que já não lembro.  Mas a capoeira durou pouco tempo na minha vida, primeiro porque antes eu não conhecia ninguém que praticasse, e depois de conhecer o Jorge e treinar com ele, não prossegui porque tinha outros compromissos na cabeça... Você pára, fica tempo sem praticar, acaba abandonando e perdendo o jeito. Agora, o nosso time chegou a disputar o campeonato de futebol varzeano da cidade e fazendo bonito. Foi em 1974. E fizemos bonito porque era um time sem pretensão no meio de outros como o Santa Terezinha, o da Polícia Militar, o do João de Camargo, do América, do Corinthians de Vila Haro, do Avenida, do Unidos... Eram times fortes e com tradição no futebol, com jogadores de nome. E a gente fez uma campanha bacana. Naquela época, a Rádio Clube, que hoje é a Rádio Boa Nova, transmitia nossos jogos, porque o José Desidério, que já havia jogado no time da Musical acompanhava a gente e irradiava. O Zé sempre foi uma pessoa fantástica e muito simples. Tenho bastante amizade com ele e sempre fui fã dele, até quando trabalhou em Campinas. O Zé foi muito amigo do Jorge e acho que são amigos ainda, pois se queriam muito bem. Nessa época o Jorge gostava de dar uma de técnico e ficou encantado com o time da Holanda, que apareceu com o sistema da Laranja Mecânica, um modo de jogar em equipe, coletivo, que deixou todo mundo empolgado. Aí o Jorge ia lá no quadro negro e explanava como a Holanda jogava, para ver se o pessoal deixava de lado o estrelismo, o individualismo, mas isso aí não ia entrar nunca na cabeça do pessoal (risos). Era uma maneira dele fazer a coisa. Terminava o jogo e a gente, perdendo ou ganhando ia ao barzinho tomar cerveja. Tinha cervejada. Hoje acho que isso acabou, uma, porque a cerveja está cara, outra, porque quase todos os times pagam os jogadores e no nosso tempo não. Naquele tempo a gente jogava e bebia com o time porque gostava, por amor. Eu jogava na Musical de volante, e era muito bom. Quando eu jogava em Osasco fui convidado para treinar no São Paulo, pelo Zoé, que depois foi técnico aqui no São Bento, do Atlético Mineiro e ainda está aí na cidade. Ele fazia o meio de campo do time do São Paulo com o Nenê e morava em Osasco, quando me convidou. Mas eu não fui porque naquele tempo a gente trabalhava e estudava. Era difícil. E também, quando eu jogava no amador da Bhrama, fui convidado para treinar no São Bento, só que não fiquei sabendo do convite que o Michey tinha feito ao meu pai. O meu pai conversou com o Pantan, que treinava o time da Bhrama e ele não se tocou. Só mais tarde, quando já tinha passado da minha fase de jogar, o meu pai veio conversar comigo e falou: encontrei com o Michey e ele falou que você é mascarado, porque foi convidado para o São Bento e não foi... Eu não estava sabendo de nada! A outra chance que eu tive, em termos de carreira, foi naquela época que a Polícia Militar tinha um time de futebol muito forte e eu era contador de um laboratório de análises clínicas. O pessoal do time fez de tudo para eu entrar na PM para seguir carreira. Mas eu estava com 18 anos e não gostava de militarismo. Foi uma burrada, porque hoje eu podia estar tranqüilo, aposentado, podia ter seguido carreira.”  Perguntei: Quem jogava nesse time da Musical de 74? “O meu irmão Altamir, o Maurício, que era goleiro, o Topo Gigio, que tinha uma gráfica, o Marião, de Brigadeiro Tobias, deixa eu ver quem mais... Tinha outro goleiro, o Paulão, que foi gerente do Bamerindus, o Jorginho, o Jorge. O time começou a surpreender todo mundo e chamou a atenção dos olheiros do São Bento, que levaram um dos nossos, o Barbosa, para treinar lá. Não sei o que aconteceu depois... Ah, também tinha o Mussum, que era amigo do Barbosa e foi fotógrafo do jornal Cruzeiro do Sul. Não lembro mais... Depois dessa época só soube do Jorge quando ele montou uma escola de ensino profissionalizante, ali na rua da Penha, o Cursos Magnus. Ele também era meio místico, voltado para estudos esotéricos, de Psicologia, de tudo. Eu sei que dessa época em que estive perto dele foi um período diferente na minha vida. Cheguei até a cuidar por uns tempos do time da Musical, o que foi uma coisa excelente. Hoje eu não tomaria conta de time de futebol... Não tenho mais pique. Foi uma época boa, porque eu e o Jorge sempre fomos amigos. O Jorge não bebia; com ele não tinha essa. A gente que gostava de jogar bola ia num bar, bebia uma cervejinha nos fins de semana... Esse contato a gente não tinha com ele.” Perguntei: O senhor gostaria de acrescentar mais alguma coisa? “Só falar que foi muito bom conhecer o Jorge, ter amizade com ele. Sinto saudades dele, e um dia ainda quero sentar, conversar com ele. Ele é uma pessoa excelente para a gente conversar. Transmite amizade, lealdade e sempre transmitiu. Só tenho a agradecer muitas coisas que aprendi com ele.” Em paralelo aos documentos que referendam este trabalho, disponibilizo ao leitor de Nossa Posição, entrevistas com personalidades ligadas ao pioneiro da História da Capoeira em Sorocaba, porque são depoimentos representativos de uma época, sobre fatos curiosos, cômicos, de cidadãos e de pessoas importantes da cidade, em algum tipo de atividade. Em alguns casos, são pessoas que possuem grande expressão política, social e cultural, e  este é o caso do Doutor

ADEMAR ADADE, escritor e Secretário da Faculdade de Direito de Sorocaba (FADI), que foi entrevistado por Adriana Alves de Lima, Patrícia Ramos e Miguel Pontes. Adriana perguntou: Como o senhor conheceu o pioneiro da capoeira em Sorocaba? “Foi aluno nosso.”  Pergunta: O dr. Clodoaldo Rodrigues, a quem já tive o prazer de entrevistar, em depoimento teceu comentários elogiosos à postura democrática, diplomática, elegante e cavalheiresca do senhor, quando ele e o Jorge Melchíades elegeram uma chapa ao Diretório Acadêmico Rubino de Oliveira (DARO), 1981, ao que se sabe a primeira com uma postura mais de esquerda... “Desde que esta Faculdade de Direito foi fundada, em 1957, o DARO se constituiu em um território livre, onde a Diretoria da escola não intervinha. Mas, após 1964, com os militares no poder, muitos estudantes se revoltavam, motivo pelo qual passaram a ser mais vigiados. Quem passou a gerenciar, praticamente, a eleição dos centros estudantis foi a direção das escolas. Inclusive, durante a fase da revolução, o nome “Centro Acadêmico”, teve que ser mudado para “Diretório Acadêmico”, porque os militares assim exigiam. O Ministro da Educação era o Jarbas Passarinho, então. Nós éramos obrigados, também, a mandar constantes informações sobre alunos, e informávamos apenas o que acontecia no cotidiano curricular daqui na faculdade, tanto que nunca tivemos nenhum problema. Não tivemos nenhum aluno preso, indiciado, ferido ou morto por contrariar os interesses da revolução. Passada essa fase, o memorável dr. Hélio Rosa Baldy eliminou do regimento toda e qualquer intervenção da faculdade no diretório acadêmico, que passou a ter prédio próprio e eleição livre. Apenas somos informados da eleição de Fulano, Beltrano ou Cicrano. Então, no tempo do Clodoaldo e do Jorge havia essa intervenção da faculdade. É claro que para eles deve ter sido difícil, mas, apesar de tudo, nós da Diretoria, nunca fomos perguntar a algum aluno se ele é da esquerda, direita ou de centro; se ele  é preto, branco, chinês ou japonês. Nada. O perfil do estudante da faculdade de direito, para nós é único. Se ele é idealista e quer se tornar um bom profissional, é respeitado pela direção desta escola. Sempre estamos atentos para oferecer o que há de melhor, embora  nem tudo seja perfeito. Alguma falha pode haver. Mas, eu só posso dizer da época é que o Clodoaldo e o Jorge nunca ofereceram problema para a faculdade. Ao contrário, foram pessoas que com suas idéias e atitudes só enriqueceram o debate pelo fortalecimento da democracia. Eu, particularmente, sempre tive boa amizade com o Jorge e com o Clodoaldo. Eles sempre foram meus amigos e não apenas alunos.” Pergunta: Parece que o Diretório Acadêmico da época criou a assistência jurídica gratuita, que se mantém até hoje...  “Sim, exatamente. Os acadêmicos dão assistência na sede do próprio diretório e às vezes a levam aos bairros. Mas isso depende de cada diretoria. Não são todas que oferecem isso.” Pergunta: Em nossas pesquisas descobrimos que o senhor já foi radialista, juntamente com o seu irmão, o saudoso Ésper Adade, da Rádio Cacique.  O prof. Jorge Melchíades fez uma apresentação de Capoeira, em 1970, no programa do Silvio Santos, “Cidade contra Cidade”, e o senhor, tendo sido uma pessoa do meio jornalístico, como viu esse evento? “Em 1970 eu já não militava em rádio. Tinha parado em 1965 e estava só na faculdade. Mas, assisti pela televisão, quando Sorocaba se apresentou. Vi a apresentação dele e depois a repercussão do fato pelos jornais. É claro que contribuiu para Sorocaba ganhar mais pontos no programa e foi uma repercussão de nível nacional.” Pergunta: Parece, então, doutor Ademar Adade, que o Clodoaldo e o Jorge não foram pessoas que passassem despercebidas... “Realmente, eles eram muito atuantes e se destacavam pela amizade que mostravam ter, um pelo outro, enquanto lutavam pelos ideais em que acreditavam. Eles pareciam vir de famílias pobres e eu assim os reconhecia porque também vim de uma.” Pergunta: No site da FADI constatei que o senhor participou, em 16/4/56, de uma comissão para a construção da faculdade... Gostaria que o senhor falasse disso e também do seu trabalho como secretário. “O secretário é o coração da escola, porque é nele que o sangue venoso, ou ruim, se renova. Então, se as coisas vão bem, é porque o diretor, os professores e alunos são bons. Se as coisas andam mal, é porque o secretário não tem jeito; não sabe fazer horário, não sabe avisar os alunos, professores, não toma conta dos outros funcionários (risos). Trabalho aqui, desde 1956, e durante quase 50 anos já vi o pessoal homenagear até o rapazinho que toma conta de carro na rua e que não tem nada com a faculdade, mas esquecer completamente de quem trabalha na secretaria. Eu, até que às vezes sou homenageado. Teve até uma turma, que durante a festa de formatura agradeceu a colaboração do secretário durante os cinco anos, como amigo, e por ter preparado as peças de formatura. Agora, o meu amigo tesoureiro nunca é homenageado (risos). Uma mudança fundamental se operou quando a faculdade deixou o prédio onde esteve, de 1957 a 1968, na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Sorocaba. Lá a turma era de 50 alunos e apenas no período noturno, o que possibilitava uma amizade quase fraternal entre todos: alunos, professores, funcionários e diretores. Tinha um chopinho? O secretário era convidado. Tinha a semana do professor, da Pátria, não sei do quê, sempre o secretário era convidado para tudo. Quem não gostava era a minha mulher, porque eu chegava sempre tarde da noite em casa. Esse foi um tempo muito bom para o relacionamento entre todos, sem dúvida. Quando viemos para cá as turmas passaram para 80 à noite e 80 de manhã, porque o prédio comportava, e o pessoal da secretaria começou a se desgarrar do contato com os alunos e a ficar mais próximo dos professores, funcionários e direção da escola. Seria bom se pudéssemos diminuir, novamente, para 50 alunos por classe... Mas, financeiramente isso é impossível. Nossa Faculdade mantém a determinação de oferecer um padrão elevado de ensino a alunos de elevado padrão, cobrando uma mensalidade de curso primário, isto é, de R$ 440,00. Qualquer cursinho cobra de R$ 500,00 a R$ 800,00 e as faculdades vão de R$ 700,00 a R$ 1.000,00. Então, conseguimos preservar alto padrão cobrando pouco, dando ótimo ensino e pagando muito bem os nossos professores. Então, o secretário é realmente a alma da faculdade e vai ser sempre assim, não porque sou eu, mas qualquer secretário é a pessoa que tem a maior carga de trabalho, numa escola.” Pergunta: O senhor também é professor? “Sim, não da faculdade. Sou professor primário, formado pela Escola Normal Municipal de Sorocaba, em 1952. Passei em primeiro lugar numa turma de 170 alunos, e ganhei uma cadeira na Prefeitura Municipal de Sorocaba, como prêmio. Fiquei seis meses aguardando-a, e como não vinha, atendi ao convite do inesquecível Padre Pieroni, para trabalhar na comissão que organizava a Faculdade de Direito de Sorocaba. E eu nem podia imaginar como seria uma! Na época, por causa da dureza de vida, a escola normal era o máximo que a gente podia almejar.. Aí comecei a trabalhar com o padre Pieroni, que deve ser reconhecido como um dos grandes incentivadores das faculdades de Medicina, Direito, Filosofia... Quando se formou a comissão o Padre Pieroni foi deixado de lado, na permuta pelo Prefeito Gualberto Moreira. Nela estavam o dr. Baldy e o dr. José Pereira Cardoso, um outro padre beneditino, o “Beda”  que não era de Sorocaba. O Rotary Clube era representado por Ernesto Rodrigues. Havia o Adauto Marques Silva e o professor primário, Ademar Adade. O Turco, devia ficar na comissão ou sair? Eu acho que foi unânime: “Ele fica”. Aí, fiquei ajudando a comissão a organizar o processo de criação da faculdade. Mais tarde o dr. Hélio Baldy dizia: “você foi o meu melhor datilógrafo” e eu respondia: “datilógrafo não, professor primário!”, ressaltando que eu nada tinha contra datilógrafos. Lembro perfeitamente... Foi em um domingo à tarde quando o dr. Hélio tocou a campainha da minha casa, na rua Santa Clara, e falou: “Turco, vamos para a faculdade (na Faculdade de Filosofia, onde estávamos instalados enquanto se organizava o processo)”. Eu perguntei: “fazer o quê?” e ele: “ bater o calendário escolar, porque a faculdade foi autorizada” (Este foi um momento emocionante para o doutor Ademar Adade e para os que o entrevistavam). Me comovo até hoje porque foi um momento magnífico! Fomos lá e batemos o calendário. Em Maio de 1957 a faculdade começou a funcionar e só não fui o primeiro secretário porque ele teria de ser bacharel em Direito. Como consolação fiquei como chefe da secretaria, e o secretário foi o meu saudoso Moaly de Paula Ferraz. Ele tinha um problema no coração e um dia me chamou para falar: “Turco, vá estudar! Aqui na faculdade o Hélio não deixa porque você é funcionário da secretaria, mas você tem sido o meu braço direito aqui e deve me suceder.” E fui estudar na hoje chamada Universidade de São Francisco, de Bragança Paulista e dos padres beneditinos. Foi só terminar o curso e ele faleceu. Foi incrível! Parece que esperou eu me formar... Aí, numa reunião do Conselho me chamaram e disseram: “Você agora é o secretário da Faculdade de Direito de Sorocaba, de fato e de direito”. Graças a Deus, não é? Porque a FADI tem como escopo principal o idealismo, que normalmente é deixado de lado pelas escolas em que se pensa em ganhar dinheiro. Muitos entendem que você é idealista ou mercenário, porque acham que uma coisa não se coaduna com outra, mas aqui todos trabalham, tendo como objetivo o idealismo. Quem não se encaixa nesse perfil não fica na faculdade. Um professor que faz apostila para vender, por exemplo, não fica, porque aqui não é comércio. Ele indica os livros e os alunos vão procurar. A FADI já formou cerca de 5.000 bacharéis. Hoje temos um candidato a prefeito, o deputado Caldini Crespo, que se formou aqui. O pai dele, o senhor José Crespo Gonzáles, que já foi prefeito, também se formou aqui. O atual prefeito, Renato Amary, é formado pela FADI; Presidentes da Câmara Municipal, como Marinho Marte, Cíntia Almeida... Enfim, muitos políticos que administraram, administram ou administrarão a cidade se formaram aqui. Por isso eu sempre brinco com o pessoal do PT, dizendo: “vocês sempre escolhem o candidato a prefeito de Sorocaba errado, por isso perdem a eleição. Escolham um candidato bom que vocês ganham.” Mas não adianta. Eles escolhem exatamente quem não se formou nesta faculdade. E perdem. Mas, a faculdade é neste prédio que nasceu de um “não” do Governador Abreu Sodré. Trouxeram-no aqui num dia de visita, mostraram o terreno e disseram: “Senhor governador, a faculdade já existe e tem formado bons bacharéis, só precisa de dinheiro para a construção do prédio”. Ele respondeu algo deseducado e não deu o dinheiro. Esse fato levantou o povo de Sorocaba em 1968, e em 1969 estava pronto o prédio. O comércio, a indústria, cada um do povo deu uma contribuição. A Cia Nacional de Estamparia deu tijolos, telhas, a Indústria Votorantim ajudou... As 600 poltronas do salão nobre foram conseguidas em campanha realizada pelo Centro Acadêmico da época, cujo Presidente era o Renato Amary. Os móveis da sala da congregação, que ainda são de 1969, foram buscadas em São Miguel Paulista pelo Renato Amary e o dr. Cardoso, na época o diretor.”  Pergunta: O senhor escreveu TRAÇOS DE MIM, um livro de poesias? “Sim. Eu sempre gostei de poesia. Desde os 18 anos eu escrevia e guardava, até que, em 1999, o meu filho e a mulher dele, recém chegados de Singapura e a minha filha que trabalha aqui comigo, me disseram para eu ir de gravata no último dia do ano letivo, na faculdade. Eu perguntei: “mas por que de gravata?” Disseram, “não sei. Foi o Diretor da faculdade, o dr. Oscar que pediu. Ah! E leve a mama também, porque irão jantar.” Chegou a hora, coloquei a gravata e levei a mulher. Quando cheguei aqui no pátio, estava cheio de carros. Viemos andando e quando abri a porta, vi a minha fotografia na parede e explodiu um coro de vozes. Era uma recepção, com professores, amigos e mais de 200 pessoas. Os meus filhos mandaram fazer o livro e eu não sabia de nada. E como hoje, me debulhei em lágrimas. Não teve jeito. Foi a maior emoção da minha vida. Uma de minhas netas musicou e cantou uma das poesias e outras fizeram um jogral. Mais... O livro é distribuído gratuitamente, porque os meus filhos assim o quiseram.” Pergunta: E sobre o rádio e seu irmão, o Ésper Adade? “Foi pelas mãos dele que eu fui para a rádio. Começamos com um serviço de alto falantes do senhor Orlando Bismara, que corria as ruas da cidade. No andar superior do antigo cine São José, na Rua São Bento, tinha um alto falante direcionado para a praça, onde, naquele tempo se fazia o “footing” com as moças andando de um lado e os rapazes de outro. O alto falante tocava músicas oferecidas por alguém, e nos domingos, a gente anunciava a banda, a corporação musical que tocava no coreto. Depois que a banda tocava a gente voltava a falar. Aí fiz um teste na PRD-7 e comecei a trabalhar como locutor. Depois fui rádio-ator, escrevi uma novelinha, fiz um programa infantil que, modéstia à parte foi um sucesso. Nele tinha concurso para eleger a rainha e para entrar no auditório as pessoas tinham de apresentar uma embalagem do sorvete SKY, que era moda em Sorocaba. Aí, no final a gente fazia uma festa e oferecia sorvete para as meninas candidatas e para todo mundo. Depois trabalhei com o Enzo de Almeida Passos em programas de auditório. Fiz locução esportiva e tudo o mais que se pode imaginar em rádio. Fiquei tão famoso que a Rádio Cacique quis me contratar. Pagava mais e fui para lá, fazer programa de auditório, um outro do Francisco Alves, um comentário diário chamado “Bom dia para você”. Eu dizia algo assim, por exemplo: “bom dia para você Jorge, que tem se destacado muito com a capoeira e mais nisso ou naquilo e naquele outro negócio”. Deu cada briga! Ah se deu! (risos) Deu briga com a maçonaria, porque um dia eu falei que estavam maltratando crianças no “Lar Escola Monteiro Lobato”. Deu briga com os donos de um plano de saúde de Sorocaba, porque eu disse que a minha sogra e o meu sogro foram espoliados. Eu falava, mesmo recebendo cartas e telefonemas de ameaças. Foi um tempo bom, até que, em 1964 o diretor da rádio, o senhor José Rubens Bismara, me chamou e falou: “Olha, tem que passar pela censura o seu comentário.” Eu falei: “então está aqui minha carta de demissão”. A Rádio Cruzeiro do Sul, através do seu diretor, meu amigo Laor Rodrigues, me convidou, em 1998, por aí, para fazer um programa de bolero. E fiz um programa de músicas de filmes e outro de música italiana, durante três anos. Aí mudou a direção e eu parei de vez. Mas, foi um tempo bom de rádio. Escrevi uma coluna de rádio e de cinema no Jornal Cruzeiro do Sul por uns tempos e o “Bom dia para você” foi publicado no Diário de Sorocaba durante quase um ano, na década de 50 ou 60. Eu tenho todos os documentários e o que fazia na rádio também.” Pergunta: Durante todo esse tempo trabalhando com informação, algum dia viu ou ouviu se existia Capoeira na cidade, antes de 1969 ou do Jorge Melchíades? “Nunca.” Pergunta: Como conciliava tudo com o trabalho na faculdade e quais seus projetos para o futuro? “Eu sempre trabalhei de manhã, á tarde e à noite. Agora trabalho só de manhã e à noite porque me aposentei. Fui funcionário da Prefeitura e me aposentei lá. E o meu projeto maior é ficar em paz comigo mesmo. Pretendo transferir para a minha filha tudo o que aprendi aqui, para que ela seja uma continuidade do meu trabalho, que foi bom, pois pude chegar na minha idade com a dignidade de poder encarar 5.000 ex-alunos e a cidade toda, sem nenhum deslize, seja como Secretário da FADI, como Procurador Chefe da Prefeitura, ou como radialista. Minha vida está aí, limpa, para quem quiser ver. Só me preocupa é a violência que hoje está por aí, à solta. Minha vida, hoje, é ao lado de quatro netos, dois filhos e uma nora, todos ótimos e são as bases da minha alegria.” Pergunta: Então o senhor já trabalhou na prefeitura? “Sim. Como já disse, lá cheguei a Chefe da Coordenadoria Jurídica, e o doutor Cármine Graziosi foi o Secretário. Trabalhávamos juntos, só que lá eu era Chefe da Procuradoria. Só aqui sou o secretário (risos).”  Pergunta: Algo mais, doutor? “Só deixo esta recomendação a todos: Não tentem parecer o que não são. As soluções que vocês desejam estão sempre dentro de vocês mesmos, é só procurar um pouquinho lá, principalmente no cérebro. Tem muita gente que acha soluções no coração, mas elas estão no cérebro. Está tudo lá. Quem trabalha em cima dele vai descobrir coisas muito boas.” Pergunta: Nós, eu Adriana, o Miguel e a Patrícia agradecemos a sua receptividade carinhosa, todo o respeito demonstrado pela história da nossa cidade e transmito ao senhor um abraço do Jorge Melchiades, que tem muito respeito e carinho pelo senhor. “Eu mando a ele um abraço duplo, porque ele representa bem a nossa faculdade e porque tenho orgulho de ter tido ele aqui como aluno e, o que é mais importante, como amigo. Obrigado a vocês.”  É isso aí pessoal! Na próxima edição tem mais. Aguardem.

 

 

 

 

Hosted by www.Geocities.ws

1