O Fim do Mundo na Içara

E.C.13

 

 

Derlei Catarina De Luca

 
 

Como fazia todas as manhãs, dona Antônia encheu o avental de milho picado e encaminhou-se para o galinheiro. Pegaria os ovos e deixaria o milho para as galinhas. Gostava desta sua vida, apesar de tanto trabalho. Ainda tinha o leite da vaca para tirar e precisava estender a roupa no varal.

Os filhos não se dedicavam a criação. Diziam pra ela deixar disso. Um estava se dedicando a mecânica e os outros gostavam de farmácia. As filhas atendiam na loja de tecidos. Eram moças finas. Com ela terminaria o ciclo da família na agricultura.

Ao pegar os ovos sentiu uma coisa estranha. Havia algo num ovo. Pareciam letras. Nervosa não chegou a compreender o que era.

Colocou os ovos no avental e foi para casa apressada. Chamou o filho mais velho, jovem culto e educado e mostrou o ovo. Pela cara dele, notou que alguma coisa podia estar acontecendo.

Juca não quis alarmar a mãe. Chamou o vizinho. Rapidamente acercaram-se outros amigos. Espantados leram alto o que viam escrito na casca do ovo:

“O mundo durará mais 10”.

Passaram a mão pela casca. Não saia nada. Não era tinta. Alguém lembrou de passar um pano úmido. As letras continuavam lá. Pareciam impressas. Efetivamente não era tinta. As letras eram num tom mais claro do que a cor da casca. Durará mais 10. Dez o quê? 10 horas? 10 dias? 10 meses? 10 anos?

Perto do meio dia, a rua inteira sabia do achado e dos dizeres nele escritos. Algumas pessoas se benzeram e logo lembraram dos segredos de Fátima. Um segredo já se cumprira: a revolução russa. O segundo segredo também se cumprira: a Segunda guerra mundial. Mas tinha ainda um terceiro segredo que ninguém sabia. As palavras escritas na casca do ovo não seriam um aviso?

A notícia subiu o morro e chegou até a casa paroquial. P. Boleslau desceu para verificar o que o povo falava. Sem dúvida não era normal uma galinha poer ovos com mensagens. Era preciso encontrar uma resposta porque algumas pessoas já apresentavam sinais de pânico. As populações ainda estavam traumatizadas da guerra que acabara a poucos meses. Procópio Lima, a principal autoridade do local, sugeriu chamar o delegado de Criciúma. Era a pessoa competente para encaminhar o caso.

Encaminhou-se até a estação do trem e ordenou ao Senhor Avany Rodrigues, chefe da estação que se comunicasse por telegrafo com a estação de Criciúma. A ferrovia, além de transportar carvão tinha também funções de comunicação. Pela estação do trem chegavam todas as notícias.

Chamado o delegado, este fez alguns testes rústicos e preliminares. O mesmo que os rapazes tinham feito pela manhã. Tentou apagar os dizeres com água e não saiu. Levou o ovo para a delegacia de Criciúma e chamou o médico legista pedindo opinião.

O que ele achava? Seria malandragem de alguém ou um milagre divino? O legista, agnóstico, não acreditava em milagres. Sugeriu encaminhar para análise na capital do estado.

Enquanto o ovo ia e vinha, de mão em mão, Içara entrava em choque. Os comentários, em todas as casa era o tal ovo. Ou melhor: o que estava escrito na casca. O mundo ia acabar ou não? A igreja se encheu de gente confessando e durante a semana a missa esteve sempre lotada de fiéis.

O que Juca mais estranhou foi o comportamento do irmão. Sempre tão falante, tão opinativo não se manifestara sobre os acontecimentos. Observava a reação dos demais mas não dera palpites.

Cada dia que passava, a história era reforçada. Quem contava aumentava um pouco e mais gente foi se envolvendo. Pessoas de outros lugares desciam do trem horário para saber da história que iam repassando em suas cidades. A história do ovo estava saindo do controle. Até um jornalista apareceu   investigando e querendo fotografar o ovo. A população estava quase em pânico.

O delegado volta da capital furioso e com ordem de prender o autor da brincadeira. Alguém escrevera a frase usando um produto químico. Pacientemente despigmentara a casca formando as palavras. Estava comprovado. Não era milagre. Era malandragem mesmo e as autoridades deram ordem para prender o malfeitor.

Foi daí que Juca não teve mais dúvida. O irmão, alquimista dos bons, sorrateiramente pegara uma rede e dissera a mãe que ia pescar na Barra Velha. Mas era seu irmão e ele não ia entrega-lo às autoridades. Os vizinhos também passaram a desconfiar mas não tinham certeza. Esse tipo de confusão era próprio do colega.

Abílio foi chamado três vezes na delegacia. E como São Pedro negou as três vezes. O delegado, Dr Heitor Espíndola Filho, já cansado arquiva as apurações.

D. Antônia, que conhecia sua cria perguntou ao Juca:

-  Foi o Abílio, não foi?

E assim a história do ovo que dizia que o mundo ia acabar se propagou nas redondezas. Muita gente não acreditava que fosse brincadeira e continuava contando o fato como verdadeiro.

Mas a família e os amigos sabiam.

 

História verdadeira acontecida na Içara em 1946, levando muita gente ao pânico.

 
 

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