A  Ilha
by ©Marc Fortuna


        A manhã chegou clarinha feito menina em vestido de primeira comunhão; o canto dos pássaros formando uma bela sinfonia, o cheiro gostoso da flor-da-laranjeira, o sol surgindo para dar boas vindas ao novo dia: tudo os incentivavam a pegar carona nos raios do sol e seguir uma trescalante trilha de luz até o local de destino. Era um sábado ensolarado como há muito tempo não viam.
        Professores que formavam o corpo docente da escola "Elvira Gomes Montanari" encontraram-se neste sábado com a finalidade de acertar alguns detalhes sobre o sensacional passeio de barco que estavam organizando, onde levariam diversos alunos que destacaram-se em suas atividades acadêmicas na unidade escolar.
        Conforme fora combinado, encontraram-se às sete horam em frente ao portão principal da escola os professores Eddie, Lou, Leila, Andréa, Renata e Marc. Todos estavam ansiosos, pois iriam nesta data fazer o percurso da viagem para que pudessem preparar com maestria um passeio inesquecível. Eddie, o professor de história e geografia, meditava filosoficamente sobre o incrível conteúdo que aquela pequena expedição marítima poderia trazer aos privilegiados alunos. Andréa e Lou, professoras de matemática, desejavam calcular com a ajuda dos educandos todos os números referentes ao passeio, incluindo os números relativos aos custos, tempo, e distância. Leila, Renata e Marc, professores de língua portuguesa, pensavam poeticamente nas redações e textos que certamente poderiam ser desenvolvidos sobre aquela viagem. Mostravam-se tão absortos e encantados em seus devaneios que davam a impressão de serem eles os premiados, ao invés dos alunos.
        Após um longo tempo de devaneios didáticos, absortos no incrível conteúdo que esta viagem iria proporcionar, perceberam que estavam bastante atrasados e resolveram partir imediatamente para o porto de Santos, local de saída desta instrutiva expedição educacional. Foram em dois carros. O professor Eddie levava em seu Voyage as professoras Andréa e Leila; as professoras Lou e Renata acompanharam Marc em ser Fiat.
        Como foram apenas para vistoriar a embarcação, devendo retornarem naquela mesma tarde, não levaram alimentação e indumentárias. Comeriam em algum restaurante santista antes do retorno para São Paulo.
        A viagem até o porto levou aproximadamente duas horas. A rodovia dos Imigrantes estava interditada e por essa razão o congestionamento tornou-se grande na rodovia Anchieta, por onde eles foram. A lentidão do trânsito, o sol escaldante e o desejo intenso de logo chegar ao destino tornava-os impacientes. Como se já não bastasse a própria situação na qual se encontrava a classe do magistério, com o descaso governamental, baixos salários e pouquíssimas condições de trabalho, até o tempo e o trânsito pareciam estar contra eles. Mas, por possuirem amor pela arte de educar, todos aqueles obstáculos, assim como os governamentais, eram vistos como desafios a serem vencidos e tornavam-se molas propulsoras para que eles alcançassem o objetivo final: a vitória. Chegando ao tão esperado destino, foram diretamente procurar o encarregado, que os recebeu com calorosa saudação.
      — Bom dia! Em que posso lhes ser útil?
        — Bom dia ; retrucou Marc.
      — Conversamos pelo telefona na tarde de ontem. Somos professores da escola Elvira Gomes Montanari, em São Paulo, e alugamos um iate para a próxima semana, quando traremos conosco alguns alunos ; explicou Renata ao encarregado do porto, que acenou com a cabeça em sentido afirmativo.
      — Se o senhor nos permitir, gostaríamos de observar pessoalmente a segurança que a embarcação oferece, pois estaremos com diversas crianças sob a nossa responsabilidade ; solicitou sabiamente o professor Eddie.
      —Entendo perfeitamente a preocupação dos senhores. Posso lhe garantir que a embarcação é totalmente segura mas, para tirar-lhes todas as dúvidas, queiram acompanhar-me e verificar a segurança com seus próprios olhos.
      Seguiram o encarregado enquanto admiravam a beleza dos barcos, lanchas, iates e navios ancorados no cais. Cada um mais deslumbrante que o outro. Alguns ostentavam o porte de Marte em sua grandiosidade e beleza. Quantas histórias poderiam eles contar aos alunos sobre aquelas soberbas embarcações?! Ao se aproximarem de um grande iate pararam e foram avisados pelo encarregado que aquela seria a embarcação destinada a levá-los, juntamente com os alunbos, na semana seguinte, ao tão esperado passeio oceânico. O iate era enorme visto por fora e sua beleza era encantadora e mística. Ficaram sabendo também que este iate outrora pertencera a um famoso milionário que casou-se com a viúva de um ex-presidente americano. Lou, sutilmente, perguntou ao encarregado se aquele iate era seguro e obteve resposta afirmativa. Não satisfeita totalmente com a resposta que o encarregado dera a sua companheira, a professora Leila deixou a sutileza de lado e formulou fria e claramente sua pergunta, querendo saber se não havia risco algum do iate afundar.
      — De maneira alguma ; disse o encarregado. Esse iate possui atestado de segurança outorgado pela guarda marítima de diversos países. É um dos mais seguros e equipados do mundo. talvez a senhora, com todo o respeito, esteja um pouco impressionada pelo fato do iate chamar-se "Titanic II". Posso lhe garantir que esta é a única semelhança existente entre ambos: o nome.
        — Podemos vê-lo por dentro? ; perguntou Andréa, querendo encurtar as explicações do encarregado.
      — Podem, é claro! O que vocês acham de dar um passeio e analisar pessoalmente o conforto e segurança? Tenho certeza de que vocês vão adorar o passeio.
        — Seria muito bom ; respondeu Renata com um enorme sorriso nos lábios.
        Ao perceber que a opinião de Renata era compartilhada com demais, o encarregado retirou-se por alguns minutos com a finalidade de providenciar os requisitos para a partida. Todos estavam contentes e eufóricos, pois isso não estava em seus planos iniciais. Através desta pré-excursão, poderiam planejar um passeio cultural inesquecível a ser desenvolvido com seus alunos na semana seguinte. O encarregado retornou ao encontro do grupo com aspecto cabisbaixo e perguntou se algum dos professores já haviam  conduzido um iate. A surpresa foi geral e, respondendo a pergunta de Marc e Lou que queriam saber se não haviam guias no porto, o encarregado, timidamente, disse-lhes que a maioria dos guias e capitães estavam de folga neste dia e os demais estavam em alto mar.
        Ao notarem que poderiam perder a oportunidade de fazer esse incrível passeio, Andréa perguntou ao Eddie se ele não sabia navegar, conforme ele mesmo contara em certa ocasião na sala dos professores.
      — Já faz muito tempo que não navego. Vendi minha lancha há três anos e desde então não voltei a navegar. Não sei se conseguirei...
        — Tente, Eddie. Você não deve ter se esquecido.
        — Isso mesmo, a Leila tem razão. Pelo menos tente; caso contrário, perderemos a oportunidade.
        — Tudo bem, Lou. Vocês me convenceram. Eu vou tentar. Onde estão as chaves?
      Assim, Eddie pegou as chaves da mão do encarregado e todos entraram rapidamente no iate. Passaram então a fazer um reconhecimento do local, ou seja, visitaram todas as partes do luxuoso e encantador iate. Sentiam-se importantes e liberavam suas fantasias neste cenário sugestivo. Esqueciam-se, por alguns instantes, que eram professores, e arquitetavam em suas mentes estórias nas quais eram eles personagens de contos de fadas. Obviamente, viajavam em seus devaneios solitários, já que ninguém comentava sobre os pensamentos que passavam por suas cabeças. Apenas olhavam para o lugar e perdiam-se da realidade mantendo o olhar fixo em algum ponto do infinito.
        Eddie imaginava-se como o rei de uma poderosa nação, recebendo em seu iate para um jantar, poderosos chefes de estado. Marc via-se na figura do próprio Onassis ao lado da adorável Jacqueline, recebendo amigos para um fim-de-semana em alto mar. Lou criou um enredo diferente para a sua estória; ela era a comandante de uma expedição que tentaria recuperar os tesouros do famoso "Titanic". Leila imaginou-se como membro da Academia Brasileira de Letras recepcionando em seu iate alguns dos imortais, como Machado de Assis, Drummond e Euclides da Cunha. Andréa viu-se reunida com Aristóteles e Pitágoras, tentando solucionar o enigma de um cubo mágico. Renata imagináva-se só, no meio do Atlântico, aproveitando a calmaria do mar para escrever seu novo livro...
        Interrompidos pela voz rouca do encarregado, todos voltaram à realidade, como se tivessem saído de um transe. Seguiram-no até o convés e antes de retornar a solo firma para a partida dos professores, o encarregado perguntou, dirigindo-se a Eddie, se não estavam esquecendo-se de algo. Sem entender o motivo da pergunta, Eddie olhou para os colegas e depois para o encarregado, respondendo negativamente a sua pergunta. Um pouco encabulado, o responsável pelo porto olhou para o professor Eddie e falou:
      — O dinheiro !
        — De que dinheiro você está falando?
        — Preciso cobrar o aluguel do iate pelo passeio que vocês farão agora.
        — Mas foi você quem nos convidou para testar pessoalmente a segurança da embarcação! Eu logo imaginei que o senhor estava sendo muito atencioso com simples professores. Qual o valor que devemos pagar?
        — Dois mil reais por hora, professor.
        — Você disse dois mil reais?!! Isso é um roubo inaceitável! ; exclamou o professor perdendo a compostura.
      — Vocês pagam pela segurança e pelo conforto dessa luxuosa embarcação. O preço está muito abaixo do mercado. Se quiserem navegar devem pagar esse valor... e adiantado ; retrucou o encarregado com um tom de deboche na voz.
      — Nós somos professores e não magnatas !
      Após esgotar educadamente os argumentos que possuia, Eddie chamou seus companheiros num canto e perguntou a opinião dos demais professores, enauqnto o mercenário encarregado aguardava com aspecto sádico.
      — Esse homem é louco! Ele não pode fazer isso!  Com quem ele pensa que está lidando? ; desabafou o professor Marc, mostrando sua grande revolta em relação ao encarregado.
      — Quanto tempo vamos ficar no mar? ; perguntou Andréa.
       — Eu não sei, mas acho que uma hora não será suficiente ; disse a professora Lou. O que você acha, Renata? Por quanto tempo devemos ficar no mar?
        — Creio que aproximadamente duas horas...
        — Teremos que pagar quatro mil reais? ; questionou Leila, indignada.
       — Essa viagem está ficando muito cara ; disse Andréa. Não podemos nos dar ao luxo de arcar com esta despesa. Nós somos professores!
        — Já estamos aqui mesmo, não adianta reclamar. Vamos dividir os custos ; afirmou o professor de português.
       — Passarei um cheque meu no valor integral e quando voltarmos vocês acertam comigo ; concluiu Eddie, já cansado de tanta discussão.
        Eddie, o professor de história, pegou o talão de cheques no bolso esquerdo de seu casaco e preencheu uma folha no valor cobrado: quatro mil reais. O encarregado disse-lhes que o atraso na devolução do iate deveria ser pago imediatamente após o retorno e, desejando-lhes um bom passeio, retornou à terra firme e acenou, aguardando a partida dos educadores.
        Quando Eddie pegou o leme do iate, a professora Renata, ironicamente, perguntou-lhe se ele realmente sabia navegar. Ao responder que poderia navegar até com os olhos vendados, Eddie foi sutilmente repreendido por Leila, que preferia que ele os mantivessem bem abertos. Eddie ligou o iate e partiram do cais em direção ao alto mar.

II

        Marc foi para a cabine de controle conversar com Eddie, enquanto este conduzia a embarcação. O iate era realmente muito grande e luxuoso. Andréa e Renata passeavam pelo convés, encantadas com a beleza do Atlântico. No interior do iate, Lou e Leila foram até a cozinha verificar se havia algo para beber, pois a sede era muito forte, e encontraram, além de água e refrigerante, grande quantidade de cerveja e outras bebidas, bem como frios dos mais variados. Pegaram algumas latinhas de cerveja para tentar matar a sede causada pelo forte calor. Leila foi procurar as amigas no convés, enquanto Lou levara as latinhas de cerveja até a cabine de controle, onde encontravam-se os professores Marc e Eddie.
        Após uma hora de viagem, já bem distantes da costa, o céu começou a escurecer e estrondos rompiam o céu. Os professores estavam neste momento na sala do iate, conversando e ouvindo música, quando uma forte e impiedosa tempestade começou a agitar o mar e balançar insistentemente o iate. As luzes acendiam e apagavam continuamente. Ficaram em silêncio e expressavam no olhar apenas o medo que certamente estavam sentindo. Lou pediu para que Marc fosse até a cabine de controle verificar se o Eddie precisava de ajuda, entretanto, antes que Marc pudesse levantar-se, Eddie apareceu correndo e disse a todos, com um semblante assustado, que havia perdido controle da embarcação e que eles estavam à deriva. Totalmente fora de controle emocional, Renata gritou desesperadamente:
       — Meu Deus, o que faremos agora? Eu não quero morrer assim!
        — Não pode ser verdade ; gritou Lou, chorando. Aquele maldito encarregado do porto não nos garantiu que esta droga de "Titanic II" era totalmente seguro? Será que teremos o mesmo destino que os passageiros do outro Titanic?
        — Chega de besteira! ; berrou Marc num tom imperativo. Temos que manter a calma! Não podemos perder o controle e cair em desespero.
       A tempestade continuava cada vez mais forte. O denso nevoeiro tomava conta do espaço ao redor do iate, os relâmpagos rasgavam o céu e o estrondo dos trovões soavam como tambores mortíferos em seus ouvidos. Pânico, desgraça e desespero: eram esses os únicos sentimentos que reinavam naqueles momentos de extrema tensão e agonia. Cada minuto parecia durar uma hora e a revolta do mar sacudindo a embarcação de maneira impiedosa parecia não ter fim. Todos estavam extremamente desconsolados e desesperados. As professoras Lou e Leila também estavam internamente abaladas, porém, neste momento, apresentavam-se calmas e seguras, mas até do que os professores Eddie e Marc. Lou, a professora de matemática, utilizando-se da razão comum aos profissionais de sua área, perguntou ao professor Eddie se havia alguma coisa que eles pudessem fazer e este, demosntrando cansaço e já sem o brilho natural em seus olhos, disse-lhe que a única coisa a fazer seria rezar.
        Estavam à deriva e a sorte daqueles educadores aguardando a decisão do imperioso senhor do destino. A tempestade continuava a castigá-los e a embarcação era brutalmente sacudida pelas fortes ondas do Atlântico Sul. Fizeram, mentalmente e individualmente, uma retrospectiva de suas vidas. Viram mentalmente como em uma película cinematográfica toda sua jornada de vida, do anscimento até aquele desastroso momento. Lembraram-se de seus familiares, amigos, amores. Pensavam em seus alunos, em seus projetos e suas conquistas. Era como que inconscientemente estivessem preparando-se para o pior que pudesse acontecer. Subitamente foram despertados pela voz do professor Marc, pedindo a todos que segurassem-se em algo sólido e fixo.
        Aumentando o desespero de todos, a água, outrora admirada por fazer parte daquele maravilhoso cenário oceânico, adentrava aos poucos no iate, já deixando-se notar na sala onde estavam nossos aventureiros professores. O medo tornava-se maior entre os docentes que ali se encontravam. Aproximadamente após duas horas de constante tempestade, sentiram que o iate batera em algo, parando seus movimentos bruscos. Ficaram ainda por algum tempo em silêncio, entreolhando-se, até o momento em que Renata disse, atraindo a atenção dos demais, que a tempestade havia passado.
       — Em que será que batemos? ; perguntou Andréa, enxugando as lágrimas de seu rosto.
       — Acho que estamos em terra firme ; desabafou Lou. Devemos ter encalhado na praia.
        — Ainda bem que tudo passou. Eu estava morrendo de medo ; confessou Eddie. Se eu tivesse a tranquilidade da Lou e da Leila...
        — Eu estava desesperada e não tranquila. Só não tinha reação para manifestar-me. E você, Leila?
        — Espera um pouco... deixe-me chorar agora!
       Passado o susto inicial, decidiram subir até o convés para verificarem as avarias e, principalmente, identificarem o local onde estavam. Observando a insegurança de Marc, Eddie disse-lhe que o perigo já havia passado. Renata subiu na frente as escadas que levavam até o convés, sendo seguida pelos demais professores. Ao topo da escada, já no convés, todos pararam e permaneceram estáticos, boquiabertos, espantados, olhando para a mesma direção. Expressando um intenso tom de espanto em sua voz, o professor Marc, com os olhos fixos a sua frente, conseguiu exclamar apenas duas palavras, que demosntravam a surpresa estampada no rosto dos demais.
       — Uma ilha!

III

        O iate havia encalhado em uma ilha por eles desconhecida, localizada em algum ponto do Atlântico Sul. Que ilha seria esta? Estavam ainda em território brasileiro? Seria aquela ilha habitada? Como fariam para retornarem ao continente? Estas e outras perguntas surgiam sem respostas nas mentes dos professores. A ilha, a princípio, não mostrava nenhuma indicação de civilização; mata densa dividia seu espaço com a areia que se formava na praia. Para quebrar o suspense que pairava no ar e não havendo outra coisa para fazer, Lou perguntou:
       — Vamos descer?
        — Eu prefiro ficar ; respondeu Leila. Não creio que a sorte estaja do nosso lado.
        — Que é isso, meninas! Temos que agradecer por estarmos vivos e juntos. Que perigo pode haver em solo firme? É melhor vocês descerem, pois irei com o Marc verificar se o naufrágio causou danos ao iate ; aconselhou Eddie.
        As quatro professoras desceram do iate e sentaram-se na areia da praia, enquanto os outros dois começavam a diligência de averiguação dos danos. Infelizmente, a forte tempestade havia danificado diversos instrumentos da embarcação; o sistema de rádio-comunicação fora totalmente danificado, a bússula de bordo estava desorientada, o leme fora arrancado e outros problemas também foram encontrados na prôa e na popa do iate. Por sorte todos estavam vivos, pois a tempestade deixara o mar em estado violento, com força nove e ondas de aproximadamente treze metros de altura, altíssimas, íngremes, com espuma e borrificação que reduziam bastante a visibilidade. Ap2s algum tempo no interior do iate, o professor Marc subiu subiu até a prôa e gritou para as professoras que pacientemente aguardavam o momento do retorno:
        — Venham até aqui e nos ajudem a tirar tudo o que conseguirmos para lervarmos até a ilha!
        — Por que temos que fazer isso? ; questionou Renata.
       — Teremos que passar esta noite na ilha ; respondeu Marc sem maiores explicações.
       — Não podemos partir agora? ; perguntou Andréa. O pessoal em São Paulo deve estar desesperado atrás de nós!
        — Vocês não conseguiram consertar o iate? ; indagou Lou ao perceber a situação do problema.
       — Já está escurecendo e não podemos consertá-lo à noite. O iate foi muito danificado!
        — Não podemos passar a noite no iate? ; perguntou Leila. Esta ilha possui um aspecto assombroso.
        — Seria muito perigoso. Pode haver outra tempestade e o iate não é o local mais seguro no momento.
       Após estarem plenamente convencidas pelos argumentos apresentados por Marc, as professoras Lou, leila, Andréa e Renata retornaram ao iate e, juntamente com os dois que lá se encontravam, pegaram tudo o que acharam necessário e dirigiram-se para a praia, ancorando o iate e amarrando-o em uma grossa árvore. Leila levava seu radinho de estimação e sorridente falou aos demais:
       — Ainda bem que eu trouxe o meu radinho de pilha. Talvez eu consiga escutar um pouco de música.
        — Será quase impossível ; retrucou Eddie. As árvores, as ondas marítimas e a grande distância em que provavelmente nos encontramos dificultam e talvez até impossibilitem a transmissão.
       — Mesmo assim eu o levarei!
        — Já está escurecendo. Como vamos passar a noite? ; perguntou Renata ao perceber as escuras núvens trazidas pelo horário crepuscular.
        — Não vou conseguir nem "pregar os olhos" ; disse Andréa.
       — Teremos que construir uma cabana ; observou Marc.
       — Pessoal, vamos trabalhar! ; completou Eddie. Vamos procurar material para a construção da cabana.
        — Como? ; indagou Leila mostrando espanto em sua voz. Nós somos professores e não desbravadores. Jamais conseguiremos construir uma cabana...
        — Sempre há uma primeira vez ; concluiu o professor Marc, separando alguns equipamentos.
        Pegaram facões e outros utensílios e partiram abrindo trilhas na mata densa, pois seria bastante perigoso montar uma cabana na praia, já que o local era descampado e vulnerável aos caprichos do tempo e da natureza. Jamais haviam passado por uma experiência como aquela. No caminho conversavam sobre diversos assuntos, até que Leila, subitamente, perguntou em voz alterada:
        — Será que tem cobras neste local?
        — É obvio que sim ; respondeu Marc. Estamos numa ilha. Pode ter cascavel, jararaca, urutu, surucucu, coral...
        — Chega, Marc! implorou Lou. Não precisa classificá-las! É lógico que aqui deve ter cobras e diversos animais ferozes. Não se preocupe, Leila. Peguei a caixa de primeiro socorros do iate e verifiquei que nela há vários frascos de soro antiofídico, entre outros medicamentos. Mas espero que não precisemos utilizá-los.
        — Mas que falta de sorte! ; reclamou Renata. Se eu soubesse que passaria por isso, não viria com sapato de salto alto.
        — Eu lhe emprestarei uma sandália que trouxe em minha bolsa ; disse Lou.
        Caminharam mais um pouco e logo encontraram o local ideal para a construção da cabana. Estavam próximos à praia e num local supostamente seguro. Pararam e foram preparar os materiais para a construção da cabana. Aproveitaram madeiras que já estavam caídas no solo, usaram folhas e ramos, e terminaram a construção com amarras utilizando sisal trazido do iate. Tentaram e conseguiram construir a barraca sem danificar a natureza ao redor. Como educadores, zelavam pela preservaºão do meio ambiente, mesmo encontrando-se na situação em que estavam. Terminaram a construção constando apenas com a iluminação da lua e de dois lampiões a gás que resgataram da embarcação. Com a sobra da madeira, construiram um abrigo para guardar o material que trouxeram e prepararam uma bela fogueira, sentando-se todos ao redor dela.
        A noite, até aquele momento, inspirava poesias e prometia tranquilidade aos heróicos professores. O quarto crescente brilhava e fulgurava no céu escampo, iluminando a frança das árvores. O delicioso aroma que descia da mata sussurrante, perfumava todas as clareiras abertas nas serrânias. Doridos pios de aves friorentas, pousadas nos ramos;  brandos assobios de símios vigilantes; estalidos de galhos mortos, que desprendiam-se dos troncos, e outros ruídos de pequenos insetos, que dormiam colados às cascas do arvoredo, harmonizavam-se, sob as constelações que encantavam a abóboda celeste, formando uma eterna sinfonia da natureza. Assim, incentivados por aquela encantadora natureza e ao redor do calor das chamas da fogueira, cada professor começou a falar sobre um assunto específico, enquanto os demais ouviam atentamente. Chamaram a fogueira de "fogo do conselho" e entre as histórias e poesias, sentiam-se mais próximos do Criador.
        O primeiro dos seis a falar foi Marc, o professor de língua portuguesa. Como não poderia deixar de ser, Marc declarou ao redor da fogueira e sob a luz das estrelas, a belíssima poesia "O que eu sou", de Gonçalves de Magalhães:
        "Quando para mim olhares, / Não vejas o corpo meu; / Que este corpo é pó impuro, / Que um sopro da vida ergueu, / E que a morte tem seguro, / Como espólio que já é seu.
         Quando para mim olhares, / Vê-me qual és, qual eu sou, / Deste corpo mui diverso, / Onde apenas preso estou; / Como a criança em seu berço, / Onde a mãe a enfaixou.
         Quando para m,im olhares, / Não para o barro mortal, / Ver-me-ás tão puro, tão belo, / Como o raio matinal, / Rompendo o espesso novelo / De trevas no céu brumal.
         Eu alma sou, nobre, eterna, / Nobre, eterno é meu amor, / De essência mais alta e forte / Que do sol o resplendor; / Pois não é sujeito à morte / O que é de Deus um fulgor.
         Eu alma sou, nobre, eterna, / Que vim ao mundo vagar, / Até encontrar outra alma / A quem só devesse amar, / De quem recebesse a palma / Do meu tão longo penar.
         Eu alma sou, nobre, eterna, / Alma sou, filha de Deus, / Que pelo mundo só erra / Por amor dos olhos teus, / E que vem dar-te na terra / Esse amor que é lá dos céus.
         A minha alma amar só deves, / A mim só deves querer; / Se o corpo também amares, / Poderás te arfrepender, / Como quem se lança aos mares / A ignotas terras ir ver.
         A minha alma amar só deves, / Que ela só sabe sentir / O amor que a tua alma sente, / E transluz no teu sorrir, / Como nos mares do Oriente / Vê-se a perla seduzir.
         Mas se julgares que amar deves / A este corpo também, / Como sde ama o pobre alvergue / Onde habita o caro bem, / Aos meus olhos os teus ergue, / Onde por ver-te a alma vem".
        Leila, após ouvir atentamente a declamação feita por Marc, acendeu um cigarro, olhou para o céu, e falou com voz branda sobre a possibilidade daquilo não ser uma ilha.
        — Talvez estejamos encalhados em algum ponto da Serra do Mar, ou na própria reserva ecológica de Juréia-Itatins. Neste momento, alguém deve estar nos procurando. A Polícia Militar possui vários serviços de resgate, como o policiamento com cães em busca de pessoas perdidas na selva, o radiopatrulhamento aéreo e as operações especiais realizadas através do COE, consistindo em atividades de busca e resgate.
        O cansaço e o sono começavam a tomar lugar. Eddie, o professor de história, começou a falar sobre um assunto que prendeu a atenção e o interesse dos demais: discos voadores. Como todo bom historiador, ele colocava ânfase na sua narrativa.
        — Vou contar para vocês a estória dos "Vigilantes do Espaço". Pode ser que eles estejam neste momento nos observando, por isso, prestem bastante atenção.
        "Planeta Terra, ano de 1995, mês de maio.
         Na tranquila cidade de Sorocaba, interior do Estado de São Paulo, eram constantes os relatos de aparecimentos de objetos espaciais não identificados. Muitos dos depoimentos encontravam pontos de convergência e outros de divergência entre si. Alguns afirmavam terem visto um objeto circular com luzes incandescentes, liberando raios infra-vermelhos; outros diziam que estes objetos eram triangulares e que cruzavam linhas retas, parando compassadamente; outros ainda, ousavam jurar que tinham sido transportados ao interior de naves espaciais e mantido comunicação telepática com seres extraterrestres.
         Obviamente, muitos destes casos podem ter sido ilusão de óptica, outros podem ter inventado para conquistarem notoriedade, e outros ainda apenas observado lançamento de lasers, tão comuns na era da tecnologia. Entretanto, muitos destes casos são verídicos e expressam a verdade em sua plenitude.
         É de notório saber a existência de seres em outros planetas... seria muito egocentrismo acreditar que somente o nosso planeta é habitado por seres vivos.
         Nos laboratórios da NASA, nos Estados Unidos, foram capturados três seres extraterrestres. Segundo informações, apenas dois continuam em cativeiro e um deles morreu. Somente após muito tempo da data de captura, a NASA declarou que mantinha esses serem em cativeiro para observações gerais. Ora, se eles são seres de outro planeta, se tiveram condições de locomoverem-se através do tempo e espaço até chegarem a nós, se possuem tecnologia super desenvolvida que os permitiu chegar à Terra, certamente são criaturas de inteligência bem maior que a nossa. Assim sendo, podemos acreditar que ao invés dos cientistas da NASA estarem observando esses seres, os terráquios é que estavam sendo observados. Se possuem essa grande tecnologia e inteligência, não será uma grade ou outro equipamento que tenhamos em nosso poder, que manteria esses seres em cativeiro. Surge-nos mais uma dúvida: por que apenas um deles morreu e os outros dois continuaram com vida? A resposta para esta questão é simples: talvez ele não tenha morrido, mas desmaterializou-se para levar informações dos estudos que realizaram nos terráquios, enquanto estavam num suposto cativeiro.
         Devemos ou não ter medo desses seres? Eles são amigos ou não? Ora, a resposta está em nossa própria história. Há milhões de anos recebemos a visita desses seres extraterrestres e até hoje estamos vivos e não fomos atacados por eles. É possível também, que muitas desgraças que deveriam acontecer com o nosso planeta, tenham sido por eles evitadas.
         Nós, seres humanos, utilizamos cerca de três por cento de nossa capacidade mental. Poucos privilegiados conseguiram alcançar sete por cento de seu potencial, entre estes, personalidades de grande peso em todas as áreas profissionais como na literatura, ciência, artes etc. Alguns vão além desse índice e conseguem alcançar quase que a plenitude de sua capacidade intelectual. Podemos crer que estas pessoas 'possam'  ser seres extraterrestres, já que notamos sua tecnologia e inteligência e, de acordo com as teorias de diversos estudiosos do assunto, incluindo minha opinião pessoal, esses seres, utilizando a totalidade de seu potencial mental, podem dominar sua forma física através de um simples pensamento; ou seja, podem materializar-se quando desejarem e adquirir formas físicas e fisionomias variadas, incluindo a dos seres humanos.
         Provavelmente exista entre nós centenas — ou talvez milhares — de extraterrestres nos observando, ouvindo nossos problemas, dando-nos conselhos, saindo conosco etc. Quem sabe algum dos nossos amigos seja um extraterrestre?! Para que eles possam nos estudar e observar profundamente, torna-se necessário que eles tenham um contato mais definido conosco e, para isto, eles teriam que sociabilizar-se a nós.
         Jesus Cristo pode ter sido um ser extraterrestre. Vejam vem, o que voz falo é condizente com a ciência; com relação à religião, sou cristão de fé. Os milagres realizados por Jesus seriam facilmente realizados por seres que desenvolvessem em sua totalidade o seu potencial intelectual. Vamos analisar do ponto de vista científico algumas fases da vida de Jesus. Ele nasceu da virgem Maria. A experiência da gestação e o estudo da vida humana em sua duração é foco de observação extraterrestre. Sendo eles altamente desenvolvidos e intelectualmente preocupados em estudar e colaborar com a vida no planeta Terra, todos os milagres realizados por Jesus seriam facilmente explicáveis. Os anjos com asas que desciam do céu poderiam ser seres extraterrestres ou vigilantes espaciais.
         Já é de nosso conhecimento que a chegada na Terra de visitantes espaciaids é muito antiga. Talvez esses seres tenham sido os verdadeiros criadores da raça humana. A ciência diz que o homem é proveniente do macaco. O homem é um ser extremamente inteligente em relação aos demais seres que vivem na Terra; o macaco, ao contrário, é um ser irracional capaz de ser adestrado somente através de condicionamento. Pode ter acontecido uma experiência entre seres super desenvolvidos intelectualmente e seres irracionais. A Terra era habitada por macacos e outros animais pré-históricos. Sendo os macacos as criaturas que mais se identificavam  com os seres extraterrestres, devido sua convivência em grupos, dentre outros aspectos, os seres espaciais, ao encontrarem formas de vida no planeta Terra, decidiram realizar experiências para a formação de uma nova raça mais desenvolvida do que aquela que já habitava a Terra. Essas experiências com os macacos resultaram na gestação de uma raça mediadora entre o não desenvolvido e o super desenvolvido. Essas experiências continuaram até a formação do homem atual.
         Apesar de parecer absurda para alguns, esta minha teoria é a mais lógica que possuimos até o momento. Sendo gerados por seres extraterrestres, podemos acreditar em reencarnação, pois ao nos livrar do corpo físico, tornamo-nos portadores da totalidade de nosso potencial e podemos nos encontrar em vários lugares ao mesmo tempo, aguardando o momento propício para o nosso retorno à Terra.
         A civilização de Atlântida, reconhecida como a mais avançada e inteligente de todos os tempos, pode ter sido uma colônia de extraterrestres. As teorias e os manuscritos que temos até o momento dizem que Atlântida foi um continente que perdeu-se no fundo do mar. Lanço agora uma outra teoria: Atlântida foi formada por seres extraterrestres. Toda a sua área não era um continente, mas sim, uma enorme plataforma espacial que colocou-se sobre as águas, trazendo sobre ela uma colônia extraterrestre. Atlântida não afundou nos mares, mas sim, retornou através do espaço ao seu planeta de origem. Os estudiosos dizem que outrora o deserto do Saara fora um grande oceano. Quando a plataforma deslocou-se dos mares para retornar através do espaço, causou um cataciclismo, fazendo com que a água sobre o Saara se deslocasse e ocupasse seu espaço. Outros fatos ocorreram com sua saída da órbita terrestre. Levando em consideração essa teoria, cremos que Atlântida era simplesmente um posto extraterrestre na Terra.
         A história mostra-nos que em todas as fases de nosso planeta recebemos a visita desses seres, que vinham para nos transmitir um pouco de sua cultura. Os índios sul-mexicanos falavam de um velho lendário que visitava a região num barco encantado de fogo. Essa embarcação a qual os índios se referiam pode ter sido uma nave espacial.
         Em quatro de julho de 1937, o astrônomo japonês Sizuo Mayeda, observou uma luz brilhante bem forte na superfície do planeta Marte, que durou quase cinco minutos. Essa luz pode ter sido provocada por algum tipo de explosão de alto nível, como as de Hiroshima, Nagasaki e da bíblica cidade de Sodoma. A pergunta é: como, quem e por qual razão foi provocada aquela explosão.
         Na caverna Lapa da Lagoa Grande, em Varzelândia, estado de Minas Gerais, foram encontradas pinturas de animais, sol, lua e discos-voadores com cúpula superior arredondada. Segundo estudos realizados, aquele local já era habitado há 10 mil anos. Devemos levar em consideração que naquela época não existia nenhuma forma de forjar uma imagem. Os artistas da época só pintavam objetos que eram do seu conhecimento ou, em outras palavras, observados por eles.
         Meu amigo, jornaleiro, disse-me que em 1955 estava passeando com sua mãe, quando avistaram um objeto estranho e muito grande no ar. Segundo ele, a nave tinha o mesmo formato que nossos atuais foguetes, porém era totalmente contornada com pontos brilhantes e possuia uma massa pastosa como escudo protetor. O que mais lhe chamou atenção, foi a maneira pela qual a nave desapareceu: em frações de segundos, nada mais havia no ar.
         Adelaide, uma bela professora que conheci há alguns anos, afirmou-me ter visto em uma noite de luar, um misterioso homem vestido elegantemente com uma capa brilhante; o homem mantinha o corpo ereto e seu físico era encantador. Adelaide interessou-se por aquele atraente ser e passou a segui-lo, tentando ver-lhe a face. Quanto mais ela apressava seus passos, mais distanciava-se daquele místico homem. Sem nenhuma explicação ele desapareceu, como num passe de mágica, de sua frente. Naquela mesma noite, várias pessoas testemunharam que viram um objeto voador não identificado sobrevoando a região por alguns minutos.
         Os deuses do Olimpo eram extraterrestres. É evidente que para a época, tudo que descia dos ares e todos que se sobressaiam aos demais, eram considerados deuses poderosos vindos do céu. Poderosos eles eram... mas deuses?!"
        Eddie encerrou sua narrativa e ambos continuavam a discutir, desviando sempre seus olhares para o céu, tendo em mente aquele tema tão polêmico. A noite calma e fresca adiantava-se para a madrugada. O cansaço fez com que os demais guardassem suas estórias para outra oportunidade. Marc pegou mais lenha para alimentar o fogo. Renata, alegando extremo cansaço, perguntou a Eddie se poderia entrar na cabana, com o intuito de descansar. As quatro professoras entrearam na cabana e foram dormir, enquanto os professores Eddie e Marc continuaram ao redor do fogo, fazendo a vigília noturna, garantindo assim a tranquilidade no descanso das colegas. No silâncio da noite, podiam ouvir o barulho das aves noturnas, as corujas do mato, que rondavam os ninhos dos casais descuidados, para devorar seus filhotes. Na madrugada clara e silenciosa, o vento fresco penteava as frondes das árvores altas, fazendo baixar as folhas mortas.

IV

       Algumas horas mais tarde, um grito de angústia e desespero partiu da cabana em que as professoras estavam, e nossos bravos vigilantes Eddie e Marc correram para averiguar, quando depararam-se com as quatro damas da Educação, dizendo  aos prantos que um defunto acariciara suas faces com mão gélida. Eddie ficou em companhia das colegas, procurando acalmá-las, enquanto Marc penetrou na cabana assombrada declarando que iria buscar o defunto pela orelha. Dela saiu trazendo pela comprida perna, uma rã que infiltrara-se pela abertura da cabana e passeara, com a gelidez de suas patas, pelas sensíveis faces das professoras. Todos riram bastante e tudo voltou novamente ao sossego. As professoras retornaram ao interior da cabana, desta vez acompanhadas pelos professores Marc e Eddike, que literalmente estavam caindo de sono. Na madrugada, o início de uma forte tempestade fez com que todos acordassem assustados.
        — Que horror de chuva! Será que não teremos um instante de paz neste lugar horrível? ; indagou a professora Renata.
        — Está pingando aqui dentro e tem uma goteira em cima da Lou ; disse Andréa.
        — Mande ela sair de baixo! ; comentou Marc, ironicamente.
        — Gente, um pensamento terrível veio a minha mente agora ; interrompeu Leila. O que acontecerá se não conseguirmos consertar o iate?
        — Ficaremos aqui até chegar o socorro ; respondeu Marc, preocupado.
        — E se o socorro demorar? ; questionou a matemática Andréa.
        — Continuaremos aqui! ; concluiu Eddie.
        — A alimentação que trouxemos do iate apenas durará até amanhã ; lembrou Renata.
        — Isso se a tempestade não destruí-la ; complementou professora Leila.
        Os professores emudeceram-se e asim permaneceram, por alguns instantes, pensativos. Aquelas probabilidades ainda não tinham passado por suas mentes. A situação era muito delicada e aquele lugar não oferecia a mínima condição de sobrevivência para os estudados professores. Mesmo sob forte chuva, Eddie disse que iria sair para verificar a situação do iate e dos alimentos. Não havendo nenhuma situação aparente de perigo para as professoras, Marc resolveu acompanhá-lo para ajudá-lo, caso precisasse. Antes de sair, porém, deixou um facão com a professora Lou, como medida de segurança. A chuva continuava cada vez mais forte, com grandes relâmpagos rasgando o céu. O barulho das ondas enfurecidas podia ser ouvido a distância. Após passados aproximadamente trinta minutos eles retornaram e ao chegarem perto da cabana, ouviram as professoras gritando aterrorizadas. A chuva havia passado e a manhã estava chegando. O crepúsculo matutino, precedendo o levantar do sol, estendia clara e fina névoa. Toda a natureza despertava-se com o raiar do dia. Bandos de tucanos, em vôos baixos, cruzavam-se no ar. O sol apontava no Oriente, mostrando um pequeno arco do brilhante disco. Os gritos frenéticos das assustadas professoras anunciavam o surgimento de novos problemas. Sairam em desparada e encontraram uma grande cobra venenosa na entrada da cabana. Eddie pediu-lhes para parar de gritar, pois o barulho atiçaria ainda mais aquele réptil peçonhento. Marc pegou o facão e, sob o olhar cuidadoso do companheiro Eddie e das assustadas professoras, aproximou-se lentamente da cobra e despojou sobre ela a ira de seu punhal, arrancando-lhe a cabeça. A cobra, memso após o golpe e sem a cabeça, agitava-se contorcendo seu repugnante corpo, tirando gritos de nojo e espanto das professoras.
        — Graças a Deus, Renata desabafou Leila.
        — Graças ao Marc.
        — Andréa, nunca pensei que passaria por uma situação dessas.
        — Nem eu, Lou. Não vejo a hora de sair desse lugar assustador.
        Passado o susto, os professores Marc e Eddie, com fisionomia abatida e desconsolo no olhar, anunciaram outra má notícia, para o desespero de todos. Com a tempestade daquela madrugada, o iate desprendeu-se e seguiu mar adentro, deixando-os, definitivamente, sem nenhum meio de saída daquele desastroso local. A tristeza tomou conta de todos. Nem mesmo a beleza viva da paisagem natural da ilha servia de incentivo aos anseios poéticos dos educadores. A marca cruel do ingrato destino mostrava-lhes a permanência definitiva naquele local. Todo o estudo e formação que eles possuiam, de nada lhes seriam úteis na busca pela sobrevivência. Passaram uma semana daquela forma. Comiam peixes, aves e outros pequenos animais que eles mesmos caçavam e preparavam. Mesmo com todas as dificuldades que enfrentavam, agradeciam sempre a Deus por estarem vivos e unidos, e conservavam a fé centrada no âmago profundo e autântico, mantendo acesa a esperança de um dia serem resgatados.

V

        Na manhã do oitavo dia, ouviram o barulho dos motores de um avião e todos colocaram, a pedido de Lou, lenha e folhas verdes na fogueira, para que a fumaça provocada atraísse a atenção dos ocupantes da aeronave. Aumentaram a fogueira e ficaram acenando na esperança de que os vissem. Renata gritava desesperadamente.
        — Estamos aqui! Não vão embora!
        — Voltem, pelo amor de Deus! Não nos deixem morrer neste lugar!
        —Não adianta pedir, Andréa. Eles não nos viram ; falou Leila com lágrimas nos olhos.
        O pequeno avião seguiu sua rota sem notar o pedido de socorro dos sofridos professores, deixando-os novamente entristecidos e desesperançosos. Leila sentou-se cabisbaixa e começou a chorar, ligando a seguir seu radinho de pilha pela primeira vez, na certeza de que nada conseguiria ouvir. Surpreendentemente, conseguiu receber fracos sinais de apenas uma emissora e, num grito, chamou a atenção dos demais, que foram sentar-se ao seu lado.
        — Estão falando na rádio sobre nós! Ouçam!
        "Os professores que embarcaram no iate 'Titanic II' há oito dias, no porto de Santos, não foram encontrados até o momento. A guarda costeira deu por encerrada a busca, afirmando não haver nenhuma possibilidade de encontrar sobreviventes. O governo brasileiro acaba de declarar como mortos, os professores em questão".
        — Lou, eles pensam que estamos mortos!
        — Estamos perdidos, Renata!!!
        A tristeza novamente fez-se presente e as lágrimas afogavam a esperança que ainda restava em seus corações. A única coisa que poderiam fazer era tentar sobreviver. Os dias passavam trazendo a mesmice do cotidiano e a triste conformação de seus destinos. A cada novo dia que surgia, novos desafios a serem enfrentados. Após o vigésimo dia, Marc, o professor de português, teve uma idéia que poderia livrá-los daquele destino infernal.
        — Acho que encontrei a soluç1bo. Vamos construir uma barca!
        — É isso... uma barca! Como a de Noé! ; exclamou Leila com um sorriso que há vinte e um dias não surgia em seu rosto rosado.
        — Acho quer levaremos bastante tempo, até que ela esteja pronta. O que você acha, Renata?
        — Tempo é o que mais possuimos, Lou...
        — Se trabalharmos consecutivamente, parando apenas para comer e descansar, levaremos uma semana até o término da construção, certo, Eddie?
        — Certo, Marc. Para quem já esperou tanto tempo, uma semana a mais não fará muita diferença.
        — Okay! Então, vamos ao trabalho!
        Nossos destemidos professores dividiram as tarefas entre si e partiram para a execução do trabalho. Cortaram madeiras, procuraram cipós e trabalharam arduamente para a construção da barca em uma semana. Mulheres e homens possuiam a mesma garra e trabalhavam com a mesma determinação. Quando Eddie terminou a última amarra na parte frontal da barca, todos fizeram grande alarido, comemorando o término deste cansativo, porém gratificante trabalho em equipe. Em clima de festa, a professora Renata questionou alegremente:
        — Agora que terminamos a barca, precisamos batizá-la. Que nome daremos a ela, Marc?
        — O que vocês acham de "Barca Montanari"?
        — Típico! Certo, Eddie?
        — Concordo, Lou. Essa é uma ótima idéia.
        — Barca Montanari!!! ; exclamou Andréa.
        Como não tinham champgne, encheram uma garrafa com água do mar e fizeram a tradicional cerimônia do batismo, quebrando a garrafa no casco da barca. Não sabendo o tempo que permaneceriam no mar, pescaram, caçaram e colheram frutas para suprir suas necessidades alimentares durante a viagem. Partiram ao completar vinte e nove dias de permanência na ilha, denominada por eles como "Ilha dos Professores".

Epílogo

        Após dois dias navegando sob a tensão dos prováveis perigos que ainda poderiam passar e com a excitação de um retorno não garantido, Eddie perguntou se alguém já havia pensado sobre a reação das pessoas ao receberem a notícia de que eles estavam vivos. Marc sorriu e respondeu que certamente todos ficariam assustados, imaginando estar vendo fantasmas. Ao amanhecer o dia, foram acordados pelo grave som de sirenes e notaram, comovidamente, que aproximavam-se do porto de Santos.
        Apesar de ter passado trinta e dois dias, o desaparecimento e morte dos docentes era tema abordado quase que diariamente pela imprensa nacional e estrangeira. Naquela manhã, como nas anteriores, muitos jornalistas estavam no porto de Santos colhendo mais informações sobre o caso, e o encarregado, preparando-se para responder às perguntas, virou seu olhar para o mar e exclamou, empalidecido, que deveria estar sonhando. Quando a barca finalmente chegou ao porto, o encarregado anunciou com euforia o retorno dos professores desaparecidos. Os jornalistas, disputando este furo de reportagem, tiraram inúmeras fotos e iniciaram uma bateria de perguntas aos exaustos aventureiros do magistério. As manchetes nos principais jornais foram: "Professores desaparecidos retornam misteriosamente", "Milagre no magistério", "Professores mortos, ressuscitam" etc.
        Muita coisa mudou naquele período de ausência. Ficaram sabendo que colocaram bustos de bronze com suas imagens na escola Montanari; mudaram o nome de uma grande avenida em São Paulo para Avenida dos Professores Mortos; realizaram na Catedral da Sé e em igrejas de todo o Brasil, missas de sétimo dia e um mês.
        Ao passar a euforia natural do regresso, voltaram a ministrar suas aulas com uma visão mais humanitária. A "Barca Montanari" manteve-se ancorada no porto de Santos, como símbolo daquele incrível acontecimento. Os professores aprenderam uma lição muito forte: uma lição de união, companheirismo e altruismo. E souberam transmitir isso a seus alunos...
 

©Marc Fortuna.



— Copyright 2002, Marc Fortuna. Todos os direitos reservados. Essa é uma obra de fição.

Marc Fortuna homenageia com este texto os amigos: Eddie Santos, Lou de Olivier, Leila Míccolis, Andréa Abdala e Renata Gatti



 
 

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