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Caderno de Cultura Caetiteense
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Capa do Caderno
CAETITÉ NO LIMIAR DO SÉC. XX
APRESENTAÇÃO
CAETITÉ NO LIMIAR DO SÉC. XX
Caderno de Cultura Caetiteense - Conteúdo de livre reprodução, desde que citada a fonte:
Zezito Rodrigues - Site Cultural do Município de Caetité - Bahia - 2002-2009
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  Neste Caderno o Prof. de História Zezito Rodrigues traça um quadro da cidade no começo do século XX, mais uma luz sobre nosso passado..
   De topografia elevada e clima ameno, a cidade de Caetité foi, por muito tempo, o centro político, econômico e cultural dessa região. Dotada de estrutura geológica com predominância de várias rochas cristalinas que permitiram o desenvolvimento, noutros tempos, do garimpo de ouro, cristais e ametista, o terreno onde está localizada a cidade de Caetité possui água abundante e de boa qualidade sendo praticamente um oásis em meio ao sertão agreste. Essa situação, aliada às pastagens naturais da região, fez com que desde finais do século XVIII as boiadas que vinham do Vale do São Francisco e cortavam o sertão rumo à região das Minas Gerais e rumo a Feira de Santana - feira de gado que abastecia a região do Recôncavo - encontrasse nestas paragens condições ideais para pousada e descanso.
   Essa condição reforçou seu papel no entreposto de mercadorias que os tropeiros conduziam, fazendo com que a economia da região interagisse com outros centros produtores. O município que adquiriu status de vila em 1810, com o título de Vila Nova do Príncipe e Santana de Caeteté com a instalação da Casa de Câmara e Cadeia - símbolo da presença do Estado Monárquico - passando a ser município em 1867 e entrando no século XX com um importante centro urbano que, embora pequeno para os padrões atuais, era referência, principalmente na educação, para os quase desérticos sertões da Bahia do início do século.
   A política encontrava também, no município de Caetité, no Alto Sertão, a sua expressão dos conflitos estaduais. A prof.ª Helena Lima nos apresenta um perfil desse comportamento político no início do século:
"Por morte do Dr. Joaquim Manoel, seu irmão, em 1903, o Cel. Cazuzinha assumiu a chefia política do Partido Liberal, juntamente com seu sobrinho Joaquim Manoel Rodrigues Lima Júnior, mas não obstante suas qualidades de chefia, enérgico e autoritário, não foram tão bem sucedidos quanto seu antecessor. O cronista quis significar que não conseguiram evitar as divergências e a cisão política em que se dividiu a cidade, formando dois partidos locais que foram conhecidos pelos nomes de 'Morcego' e 'Caetitu'. Os 'Morcegos' eram partidários da corrente Cazuzinha, seu irmão Otacílio e o Cel. José Antoninho - José Antonio de Castro Tanajura - e que se opunham aos Caetitus, partidários do Dr. Deocleciano Teixeira e do seu genro Lima Júnior".
   Esses grupos políticos protagonizaram no cenário político caetiteense, no início do século, algumas situações de conflito que se arrastavam com ódios declarados de parte a parte. Ficaram famosos os episódios conhecidos como "o cerco da Rua Barão" e "o cerco da Câmara", momentos nos quais a oligarquia local usava a força das armas a fim de garantir os seus interesses, típicos casos em que as elites do interior baiano se envolviam pela disputa do poder. Esses episódios deram-se em 1923 durante as eleições municipais, cujos resultados ameaçavam o grupo que controlava o poder. A paralisação da vida social, o envolvimento de forças particulares com presença de jagunços, os insultos de parte a parte e profunda confusão entre as esferas pública e privada foram alguns dos ingredientes desses acontecimentos que marcaram a vida política regional durante a década de 20.
   Desde o início do século, quando o chefe político local Dr. Deocleciano Teixeira negou apoio ao então governador Severino Vieira que rompera com o ex-governador Luiz Vianna, aliado de Deocleciano, este sofreu fortes represálias políticas caindo no ostracismo do cenário político estadual e arrastando com ele a região de Caetité, que não apenas perdeu a assistência por parte do Governo do Estado, como também viu ser fechada em 1903 a Escola Normal criada pelo então governador (o caetiteense Joaquim Manuel Rodrigues Lima), única do Alto Sertão e orgulho de toda a comunidade sertaneja.
   Essa situação penalizava fortemente a sociedade sertaneja tão castigada pelas dificuldades que o meio físico impunha sobre ela desde o início da sua formação, como evidencia a matéria publicada no Jornal A Penna:
"A nossa agricultura sertaneja vem passando desde perto de quarenta annos pelas mais sérias dificuldades. chegou mesmo a ser quasi abandonada n'um dos mais importantes ramos: a lavoira. Tem sido o nosso clama necesses, desde que fundamos A Penna, advogar os interesses das únicas industrias que possuimos desde os tempos Coloniaes, sempre apontamos as verdadeiras causas da decadência e quasi anniquilamento da nossa lavoira, as quaes se não limitam ás tão proclamadas seccas.
   Está bem patente a quem conhece as nossas decantadas "crises" por meio de estudo criterioso e acurado e, ainda mais, provado com o que vemos actualmente, que a secca entra nisso como factor de segunda ordem. Seccas sempre houve desde os primeiros tempos de colonisação, porem fome, carestia, escassez de gêneros allimentícios só houve quando, a par de um anno pouco abundante surgiu uma procura desmesurada. Minas do Rio de Contas, quando exploradas em grandes jazidas do precioso metal, não se preocupava com a lavoira e mantinha-se com o produto da lavoira dos districtos circumvizinhos. D'ali a fome terrível que alli dizimou a população quando sobreveio a grande secca de 1798 que se prolongou quasi por um decenio. (...) A celebre secca de 1819 não foi de effeitos tão funestos como a anterior. A carne subiu de preço, pois attingiu $800 réis por arroba, o que deu lugar a uma representação do consumidor, por intermédio do Senado da Câmara desta Villa, ao governo da capitania.
   Em 1889 a secca encontrou-nos em uma situação precaria porque um anno antes, liberto os escravos, a lavoira entrou na maior decadencia. Os grandes proprietários abandonaram o campo e vedaram os escravos trabalharem em suas terras . D'ahi a fome de 1890. Apertados os pobres lavradores, começou logo a emigração para S. Paulo e chegaram ao estado que presenciamos até poucos annos.".
   Em 1913, a população local lamentava a total hostilidade do meio físico do Alto Sertão baiano devido aos períodos de estiagem que provocavam o impedimento ao "progresso" tão almejado pela elite da sociedade sertaneja, que aliadas às suas conseqüências devastadoras para a agricultura e o sistema econômico local, eram desoladores. Entre as conseqüências mais danosas para essas regiões, estava o êxodo da população local que provocava a carência da mão-de-obra, o abandono de propriedades, crise no comércio e a sensação de abandono da cidade que, nesses tempos, adquiria ares de cidade-fantasma:
"Já não é a secca que nos incommoda o espirito; é a sahida de quasi todo o povo em abalada, como que impulsionado por uma fatalidade. O commercio paralysa-se, as situações agricolas são abandonadas. Não é agora somente o jornaleiro que emigra: são familias inteiras, são povoações.
  Quando lemos as recentes noticias do movimento que se propaga nos grandes centros contra a carestia da vida, consideramos que nós, além desse grande mal, já bastante para affligir-nos até certo ponto, porque tambem nos utilisamos aqui de muitas mercadorias importadas estrangeiro, temos, contra nos, outros ainda maiores.
   Não é, porém, somente a secca quem da origem a esta seria emmergencia.
   Não é somente a secca a causa do nosso estado actual de atrazo, miseria e soffrimento, já o dissemos.
   Por muitos annos abundantes, apenas um ou dous são escassos. Estamos presos entre as pontas de um dillema. Quando vêm-nos os annos abundantes, é tal a superproducção, que as cotações descem a preços mais que ridiculos e, por mais que os lavradores retenham as colheitas em seus celleiros que regorgitam, os prejuízos são incalculaveis e lavra o desanimo. Haja vista há pouco tempo a situação do nosso lavrador de canna de assucar, que, há cerca de trez mezes, desanimava-se deante dos seus vastos cannaviaes, cogitando até em atêar-lhes fogo afim de desoccuparem o solo plantado e cuidar em novo cultivo. Assim, o trabalhador do campo, cançado de trabalhar sem proveito, limitou a sua cultura nestes ultimos annos.
   Reduzida a lavoura por causa dos inconvenientes acima, colheu-a a secca já desanimada e cahimos na outra ponta do dillema, isto é, na escassez.
    O povo quer trabalhar, porém não encontra entre nós em que despenda a sua energia e o seu esforço. Reduzidissima a lavoura, resta-lhe a diaria do jornaleiro, na qual, somente, pode encontrar meios de ganho".
   A grande seca que assolou toda a região Nordeste do Brasil, teve nessa região, como em outras, um agravante: as doenças mais variadas que atingiam os sertanejos mal alimentados e carentes de assistência médica. A falta de assistência completa por parte dos poderes públicos transformava a população, principalmente aquela mais carente de recursos, em vítimas dessas doenças atrozes.
   Não obstante tudo isso, a região que sempre sofrera os revezes da sua condição fisiográfica e dos vícios do comportamento político das classes dirigentes, a partir da década de 20 algumas cidades do Alto Sertão se esforçavam para se manterem mais próximas da "civilização". A exemplo disso observa-se todo um conjunto de aparelhamento urbano que Caetité adquiriu e que a tornava uma cidade que detinha uma condição de centralidade sócio-político da região.
   A água encanada e a luz elétrica, o observatório meteorológico, a Escola Normal, Escola Americana, e demais escolas espalhadas pelos distritos e sede do município, a Associação de Senhoras de Caridade, os correios e telégrafos, o jornal A Penna com sua gráfica que prestava outros serviços de tipografia, o Teatro Centenário que também funciona eventualmente como cinema, sede da Diocese, entre outros elementos, davam idéia do comportamento dessa sociedade que se orgulhava com a sua condição de urbanidade, fazendo também com que o jogo político incluía como um de seus ingredientes a idéia de progresso que passava a ser a moeda com a qual se comprava os interesses ambiciosos da elite local e das camadas a elas subalternas.
  Os "ares de civilidade" se desenhavam na vida urbana quando a chuva conseguia superar e redimir as hostilidades que a natureza impunha sobre a população sertaneja. A vida teatral fluía com certa constância, para o orgulho e deleite da sociedade local que se esforçava em manter vivo o gosto pelas artes e pela cultura de forma geral. Em 1926, estava sendo apresentado o drama e comédia "A Sorte" no Teatro Centenário, sob a direção do Capitão João Cerqueira e o Cinema Íris do Sr. Silvestre Mesquita (também no Teatro Centenário), enquanto o professor de Música José Elysio da Silva anunciava nas páginas d'A Penna o seu ofício à sociedade vaidosa, comunicando aos interessados que: "Ensina música e a tocar violino, flauta, bandolim, violão e outros instrumentos, em sua casa e de particulares. Acceita convites para tocar em festas. Tudo mediante contracto. Residência - Caiteté". A Loja Caprichosa anunciava à comunidade o seu sortimento de artigos vindos da Capital:
    "
Macarrão novo, talharim, chá preto e verde, manteiga, azeitonas, sardinhas, temperos, azeite doce, charutos finos, cigarros, cigarros frescos, bacias, pratos de louça esmaltada, chícaras fantazia e comuns, bellas machinas de costura vende a LOJA CAPRICHOSA."

Os tropeiros permitiam o fluxo de produtos e, por muito tempo, serviram de elo de ligação entre o Alto Sertão e outras regiões do país funcionando como uma espécie de "cordão umbilical" que fazia oxigenar a economia local e manter o ideal de civilização aceso entre as populações urbanas.
   A cultura do algodão garantia a força da economia da região e possibilitava a troca por outros gêneros que garantiam o abastecimento local. O algodão, cognominado "o ouro branco" passa a ser, então, moeda que fazia garantir a troca por gêneros de outras regiões:

     "
Descaroçadores de algodão installados no Estado. Caiteté - 54 descaroçadores - cerca de 20% do total installado no Estado. 1º lugar entre todos os municipios.
Bom Jesus dos Meiras - 42 descaroçadores - 2º lugar.
Guanamby - 21 descaroçadores - 3º lugar.
Monte Alto - 20 descaroçadores - 4º lugar.
Caiteté, Bom Jesus dos Meiras, Guanamby e Monte Alto 137 descaroçadores, mais de 50% do total de todo o Estado.
Caiteté, municipio hoje de producção limitada, apresenta as possibilidades de produzir toda a variedade de productos necessários á alimentação e vestuário do brasileiro. Productos de todos os cereaes brasileiros em suas melhores variedades, do café, do assucar, do algodão, de fibras varias e de gados diversos apresenta em pequeno territorio a maior variedade de terrenos e portanto de culturas
".
   Juntamente com o comércio de algodão, as engenhocas funcionavam por todo o sertão "productoras do assucar e rapaduras entre nós", que constituía uma das bases da alimentação do sertanejo. "Todos nós sabemos, sabem-no muitos dos nossos representantes, sertanejos como nós, que a rapadura é um alimento indispensavel á nossa classe pobre". Além disso, havia, nas lavouras de cana a a presença do alambique produtor de aguardente destinados ao abastecimento local e regional, "Embora o nosso lavrador de canna se veja forçado a fabricar a diabolica bebida a fim de auferir algum lucro da sua profissão" .
   As festas cívicas e religiosas davam o tom do comportamento e da mentalidade da sociedade local. Nessas ocasiões as camadas mais "elevadas' da sociedade se engalanavam em roupas finas com modelitos importados de outros centros, copiados através das revistas vindas da capital e de outros centros do país que, por vezes, já estavam em desuso e que, aqui, continuavam ditando a moda sempre bem comportada das "madames" e "nobres cavalheiros" que, mesmo sob o calor mais ardente, não dispensavam terno completo com um bom chapéu, enquanto as mulheres se cobriam dos pés à cabeça, procurando evitar as tão criticadas e desprezíveis "modas indecorosas".
   Nessas cerimônias cívico-religiosas a presença das "altas autoridades" locais era indispensável. Reverenciadas socialmente, essas autoridades buscavam, através da retórica discursiva, o momento no qual procuravam afirmar-se como sendo detentoras da reserva moral e civilizatória da humanidade, um exemplo a ser seguido.
   A eloqüência dos discursos, acompanhadas de rituais cheios de simbolismo marcavam o lugar social dessa "escól" da sociedade caetiteense do início do século. Defensores da "moral e dos bons costumes" guardiões do bom gosto cultural e do progresso da cristandade ocidental, assim se achava essa elite, que invocava eventos das civilizações greco-romanas, procurando a todo custo deles se assemelharem. O discurso da ordem e do progresso, da compostura na comunidade e de engrandecimento de seu "torrão natal", era acompanhado de Te Deum e louvores religiosos, juntamente com atitudes pouco cristãs.
   Entre tantas outras, ficaram famosas as festas do 2 de julho, momento perfeito para o congraçamento social, em que civismo e religiosidade fundiam-se num amálgama de comportamentos, cujo teor último era a celebração do modelo social vigente que mantinha uma elite na condição da sociedade sertaneja sofrida e explorada:
"Cabe ao Caeteté a honra de ter introduzido no alto sertão a louvavel usança da festa civica ao 2 de Julho, como se constata do seu archivo municipal. Consistia essa manifestação em paradas de batalhões patrioticos e da Guarda Nacional e na entrada triumphal do batalhão pacificador, seguindo-se Te Deum solemne e muitas diversões que se prolongavam até o dia 4.
   Como nota typica e originalissima, um filho d'aqui idéou e levou a effeito organisar uma cabilda de caboclos denominada tapuyada, a qual, sob o commando de um cacique, todos empennachados, armados de arcos, de carcazes a tiracolo, executavam dançares e cantos em todos os passos da festa. As festas ao dois de Julho tiveram o seu tempo e fama em Caeteté, chegando a attingir um esplendor invejavel até o anno de 1869. Depois os enthusiastas desse dia, a esforços, conseguiram realisar manifestações mais ou menos brilhantes, a que faltava a Guarda Nacional. A tapuyada foi perdendo aquelle cunho primitivo dos tempos do Xico Mutuca e do Bode Bravo, seu perito continuador. Afinal a civilisação foi eliminando tudo isso: as conveniencias da moderna politica imperavam: os enthusiasmo popular. Dizem os entendidos que hoje não tem mais razão de ser essa commemoração civica, um anachronismo, uma vez que acha-se concretisado no custoso monumento erguido na Capital. São modos de ver e de pensar da maioria commodista dos dirigentes, que não querem descer a preocupar-se com infantilidades.

     Percebe-se com clareza o quanto parece importante para o sertanejo a sensação de estar em uma sociedade "engajada" e afinada com as linhas gerais da civilização. Essa, pois, é uma das moedas com a qual os políticos utilizavam para negociar o controle político local. As idéias de "progresso" e "modernidade" tem sido, até os dias de hoje condições que explicam na relação entre Estado e Sociedade, um comportamento político de devotamento incondicional do indivíduo para com os seus "líderes" locais e nacionais.
   É esse o perfil da oligarquia que se forma nessas regiões do Alto Sertão. Uma oligarquia que era baseada na "no poder pessoal e de mandonismo honesto, mas, arbitrário", como aponta as análises do Prof. Anísio Teixeira - filho do coronel-doutor Deocleciano Teixeira e Diretor de Instrução Pública da Bahia na década de 20, por ocasião da passagem da Coluna Prestes pelo Alto Sertão da Bahia. Essa definição nada mais é do que a legitimação, pura e simples, de um tipo de mandonismo sui generis, compondo o que seria uma espécie de "despotismo esclarecido". Nesse caso a figura do Coronel-doutor se enquadra perfeitamente.
   Para ele, "o chefe sertanejo intelligente e honesto é mais civilizador do que mil e um promotores eivados de um fetichismo acadêmico pela lei e pelo formalismo". Esse chefe tinha seu poder no sertanejo pobre, aqueles que eram os "elementos derrotados do trabalho perseverante e longo, entre aquelles que um incidente infeliz afastou, pelo estigma de uma condemnação raramente cumprida, do convívio legal da sociedade", isto é, o poder da oligarquia sertaneja era reforçado por um exército de jagunços, quase sempre criminosos que, sob o poder do coronel, estavam protegidos da lei e passariam a lutar, junto com seus chefes, contra todos quantos fossem contra a ordem social, quase sempre ameaçada por aqueles que julgavam como "fascinorosos" .
   Ao analisar a composição do poder do coronel do sertão a partir do elemento militar, dizia o Prof. Anísio: "forma-se um verdadeiro corpo bronco de exército, que não tem quartel, nem instrucção militares, mas que está sempre prompto para ser mobilizado, para a aventura da briga e os acasos interessantes da lucta" .
   Contrariando todas as previsões e contando com o apoio do presidente Bernardes, foi eleito governador da Bahia em 1924 o irmão do ministro Miguel Calmon, o então quase desconhecido Góis Calmon. Este contara também, além do apoio do próprio presidente, com o apoio dos coronéis do sertão contrários a J. J. Seabra.
   "Eleito Francisco de Góes Calmon, há uma dicotomia completa, um maniqueísmo absoluto na política baiana: ou se é seabrista ou anti-seabrista, e quem é anti-seabrista é calmonista, quem não é calmonista é seabrista, e então, realmente, a partir de 1924 até 1930, o que existe na Bahia nesses seis anos é uma disputa de estruturas oligárquicas. Essa estrutura de dicotomização vai caracterizar por derrubadas, perseguições, perdas de mando, ascensão de valores novos, por mil coisas que vão significar a polarização de forças".

    Um desses coronéis que apoiara Calmon era o líder do Alto Sertão Deocleciano Teixeira. Ele, que passara por momentos de ostracismo político no início do século após ter sido influente político em nível local, regional e influindo decisivamente na política estadual, como já foi referido, faz uma reviravolta na década de 20 quando apóia o candidato Góes Calmon ao governo do Estado em 1923, como nos aponta Cid Teixeira:
". . . o dr. Deocleciano Teixeira, um coronel-doutor do interior, líder do sudoeste - que herdara inclusive a força política eleitoral dos Rodrigues Lima e dos Spínola na área -, a pedido e por interferência da estrutura, apoiara Góes Calmon naquelas negociações preliminares. Quando as contingências ou as vantagens políticas para José Joaquim Seabra lhe recomendaram que retirasse o apoio a Francisco Marques de Góes Calmon. Vitorioso, Góes Calmon, quase de susto (a verdade é essa !), não tinha muitos quadros para colocar nas suas posições. Um jovem filho do dr. Deocleciano Teixeira, recém-formado em Direito, veio pleitear junto ao novo governador a nomeação para promotor público naquela época. Como ele não tinha muitos quadros para mobilizar e o rapaz tinha desenvoltura e uma boa conversa, que o deixou, vamos dizer, bem impressionado, e precisava de um diretor pra Instrução Pública, o jovem rapaz que veio pleitear o emprego de promotor, Anísio Teixeira, acabou sendo diretor da Instrução Pública, tão de susto quanto ele chegara a governador" .
   A partir de então o Dr. Deocleciano assumiu o controle político com mais poder do que antes, partindo para interferir nos resultados das diversas eleições realizadas na região. A sua influência passa a ser de tal dimensão que ele consegue ser reverenciado por toda a região ao fazer de seus filhos e amigos os representantes políticos do Alto Sertão. Com isso, aumentaram os mecanismos de controle político e os instrumentos de manutenção da ordem social.
   Essa é, pois, a teia de relações sócio-políticas que se constroem e, por muito tempo, vigora nessas paragens do Alto sertão.
Foto: álbum da Casa Anísio Teixeira
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